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A REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO é indexada nos seguintes Órgãos, publicações e Bibliotecas: - ACADEMIA NACIONAL DE DIREITO DO TRABALHO - BRASÍLIA/DF - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - BELO HORIZONTE/MG - BIBLIOTECA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - BRASÍLIA/DF - ESCOLA DA MAGISTRATURA DA JUSTIÇA - TRIBUNAL DE JUSTIÇA - BELO HORIZONTE/MG - BIBLIOTECA NACIONAL - RIO DE JANEIRO/RJ - CÂMARA FEDERAL - BRASÍLIA/DF - COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES - FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA - PUC - BELO HORIZONTE/MG - FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - SÃO PAULO/SP - FACULDADE DE DIREITO DAUNIVERSIDADE FEDERALDE MINAS GERAIS - UFMG -BELOHORIZONTE/MG - FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DE PESQUISADAUFMG - PRÓ-REITORIA- BELO HORIZONTE/MG - INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - IBICT - MCT - BRASÍLIA/DF - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - BRASÍLIA/DF - MINISTÉRIO DO TRABALHO - BRASÍLIA/DF - ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - BRASÍLIA/DF - ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - Seção de Minas Gerais - BELO HORIZONTE/MG - PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - Secretaria - BRASÍLIA/DF - PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MINAS GERAIS - BELO HORIZONTE/MG - PROCURADORIA GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO - BRASÍLIA/DF - PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA - BRASÍLIA/DF - PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA - BELO HORIZONTE/MG - PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS - BELO HORIZONTE/MG - PROCURADORIA REGIONAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO - BELO HORIZONTE/MG - SENADO FEDERAL - BRASÍLIA/DF - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - BRASÍLIA/DF - SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR - BRASÍLIA/DF - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - BRASÍLIA/DF - TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO (23 Regiões) - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU - BRASÍLIA/DF - TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS - BELO HORIZONTE/MG - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - BELO HORIZONTE/MG - TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - BRASÍLIA/DF - TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO - BRASÍLIA/DF EXTERIOR - FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA - PORTUGAL - FACULTAD DE DERECHO DE LA UNIVERSIDAD DE LA REPÚBLICA URUGUAYA - MONTEVIDEO - LIBRARY OF CONGRESS OF THE USA - WASHINGTON, DC - MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - Centro de Estudos Judiciários - LISBOA/PORTUGAL - SINDICATO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS DE PORTUGAL - LISBOA/PORTUGAL - UNIVERSIDADE DE COIMBRA - PORTUGAL - THE UNIVERSITY OF TEXAS AT AUSTIN - AUSTIN, TEXAS - ULRICH ‘S INTERNATIONAL PERIODICALS DIRECTORY, NEW PROVIDENCE, N.J./USA (Indicador Internacional de Publicações Seriadas)

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 3ª REGIÃO

Repositório autorizado da Jurisprudência do TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. Os acórdãos, sentenças de 1ª Instância e artigos doutrinários selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais.

BELO HORIZONTE

SEMESTRAL ISSN 0076-8855

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.1-705, jul./dez.2006

CONSELHO EDITORIAL Desembargador TARCÍSIO ALBERTO GIBOSKI - Presidente do TRT Desembargador JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA - Diretor da Escola Judicial Juíza ADRIANA GOULART DE SENA - Coordenadora da Revista Juiz EMERSON JOSÉ ALVES LAGE - Coordenador da Revista Juíza MARIA CRISTINA DINIZ CAIXETA - Coordenadora da Revista Juiz ANTÔNIO GOMES DE VASCONCELOS Juíza FLÁVIA CRISTINA ROSSI DUTRA Desembargador LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT Desembargador MÁRCIO TÚLIO VIANA Juíza MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT Desembargador MAURICIO GODINHO DELGADO DEPARTAMENTO DA REVISTA: Ronaldo da Silva - Assessor da Escola Judicial Bacharéis: Cláudia Márcia Chein Vidigal Isabela Márcia de Alcântara Fabiano Jésus Antônio de Vasconcelos Maria Regina Alves Fonseca Editoração de texto - Normalização e diagramação: Patrícia Côrtes Araújo CAPA:

Patrícia Melin - Assessoria de Comunicação Social

REDAÇÃO:

Rua Curitiba 835 - 10º andar Telefone: (31) 3238-7825 CEP 30170-120 - Belo Horizonte - MG - Brasil e-mail: [emailprotected] [emailprotected]

EDIÇÃO:

Dipapel Indústria Gráfica Ltda. e-mail: [emailprotected] Telefone: (51) 30619843 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, MG - Brasil Ano 1 n. 1 1965-2007 Semestral ISSN 0076-8855 1. Direito do Trabalho - Brasil 2. Processo trabalhista Brasil 3. Jurisprudência trabalhista - Brasil CDU 347.998:331(81)(05) 34:331(81)(094.9)(05) O conteúdo dos artigos doutrinários publicados nesta Revista, as afirmações e os conceitos emitidos são de única e exclusiva responsabilidade de seus autores. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, sem a permissão, por escrito, do Tribunal. É permitida a citação total ou parcial da matéria nela constante, desde que mencionada a fonte. Impresso no Brasil

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 7 1. COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO EM JULHO DE 2007 ......................................................... 9 2. DOUTRINA - A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EMENDA N. 45/2004: TRÊS ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA RELAÇÃO DE TRABALHO Rodrigo Ribeiro Bueno ................................................................................... 19 - A CONCRETIZAÇÃO DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS ANTIDISCRIMINATÓRIAS NO TRABALHO DA MULHER Karine Carvalho dos Santos Melo .................................................................. 27 - ALÉM DOS PORTÕES DA FÁBRICA - O DIREITO DO TRABALHO EM RECONSTRUÇÃO Paulo Gustavo de Amarante Merçon ............................................................. 53 - A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES Vander Zambeli Vale ...................................................................................... 87 - A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE IMÓVEIS Maria Lúcia Cardoso de Magalhães ............................................................ 113 - O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE NAS DECISÕES JUDICIAIS Luiz Antônio de Paula Iennaco ..................................................................... 133 - O FGTS COMO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Fábio Lopes Fernandes ............................................................................... 147 - POR ACASO OS OPERÁRIOS ESTÃO SE SUICIDANDO? O ACIDENTE DE TRABALHO E A CULPA DA VÍTIMA EM DETERMINADA PRÁTICA JUDICIAL Ramón Sáez Valcárcel ................................................................................. 157 - SINDICATO E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Aroldo Plínio Gonçalves e Ricardo Adriano Massara Brasileiro ................. 171 - TRABALHO ESCRAVO E “LISTA SUJA”: UM MODO ORIGINAL DE SE REMOVER UMA MANCHA Márcio Túlio Viana ........................................................................................ 189 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.5-6, jul./dez.2006

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- UM OLHAR RECONSTRUTIVO DA MODERNIDADE E DA “CRISE DO JUDICIÁRIO”: A DIMINUIÇÃO DE RECURSOS É MESMO UMA SOLUÇÃO? Flávio Quinaud Pedron ................................................................................. 217 3. DECISÃO PRECURSORA .............................................................................. 243 Decisão proferida no Processo n. 764/87 - 87/95 - 259/95 Juiz Presidente: Desembargador Federal Vice-Presidente Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região José Miguel de Campos Comentário: Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Antônio Álvares da Silva 4. JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO ... 261 EMENTÁRIO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO .... 393 5. DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ....................................................................... 621 6. ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DAS 1ª E 2ª SEÇÕES ESPECIALIZADAS DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS E SÚMULAS DO TRT DA 3ª REGIÃO ...................................................................................... 671 7. ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA ................................................... 679 8. ÍNDICE DE JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO ... 683 EMENTÁRIO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO .... 685

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.5-6, jul./dez.2006

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APRESENTAÇÃO Entrega-se ao domínio público mais uma edição da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, elaborada seguindo a linha editorial das que a precederam. Voltada, desde seus primórdios, para ser o veículo de divulgação das atividades jurisdicionais e científicas da Justiça do Trabalho mineira, busca revelar, através de rico e volumoso ementário, acompanhado de acórdãos e sentenças de magistrados que compõem o quadro deste Regional, a jurisprudência da Casa. É de se atentar para a relevância e atualidade dos temas escolhidos para publicação, que, por certo, servirão como marco orientador àqueles que militam nos foros e causas trabalhistas, bem como para o sempre desejado enriquecimento do debate jurídico sobre o Direito Material e Processual do Trabalho. Somando-se a isso, é de se enaltecer os artigos doutrinários de variado conteúdo temático e autoria diversificada, material rico e denso e de inquestionável utilidade para os estudiosos do Direito do Trabalho. Em seu momento de valorização da história institucional, sob o olhar da vanguarda e pioneirismo das decisões de muitos de seus magistrados, a Revista do TRT da 3ª Região traz a lume mais uma decisão precursora, desta feita da lavra do Ex.mo Sr. Desembargador Vice-Presidente Administrativo da Casa - Dr. José Miguel de Campos, cujo comentário foi atribuído ao Magistrado e Emérito Professor, Desembargador Antônio Álvares da Silva, decisão essa em cujo contexto já se demonstrava a preocupação e a atuação pró-ativa que se espera de um Magistrado na condução dos processos a ele submetidos a julgamento e apreciação. Verifica-se, no caso, de forma central a preocupação sentencial com a atuação ética e leal dos atores do processo, caminho hoje prestigiado e alardeado com ênfase através das recentes alterações legislativas no campo do Direito Processual, mas que, já àquele tempo, o d. Magistrado redator da sentença em destaque procurava concretizar com eficiência e prontidão, no afã de dar maior efetividade à tutela jurisdicional, princípio, hoje, elevado às honras constitucionais. O conteúdo transdisciplinar continua e sempre será foco de atenção permanente da Revista, dada a essencialidade dessa competência ou domínio científico dos operadores do Direito, em especial do Direito do Trabalho. Aqueles que se derem ao deleite de ler esta Revista poderão confirmar o que acima restou dito.

DIRETOR DA ESCOLA JUDICIAL DO TRT DA 3ª REGIÃO José Roberto Freire Pimenta MEMBROS DO CONSELHO CONSULTIVO DA ESCOLA JUDICIAL E COORDENADORES DA REVISTA DO TRT DA 3ª REGIÃO Adriana Goulart de Sena Emerson José Alves Lage Maria Cristina Diniz Caixeta

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.7-7, jul./dez.2006

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA TERCEIRA REGIÃO BIÊNIO: 2006/2007 TARCÍSIO ALBERTO GIBOSKI Desembargador Presidente MARIA LAURA FRANCO LIMA DE FARIA Desembargadora Vice-Presidente Judicial JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS Desembargador Vice-Presidente Administrativo PAULO ROBERTO SIFUENTES COSTA Desembargador Corregedor

PRIMEIRA TURMA Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Presidente da Turma Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias Desembargador Manuel Cândido Rodrigues Desembargador Marcus Moura Ferreira SEGUNDA TURMA Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Presidente da Turma Desembargador Anemar Pereira Amaral Desembargador Jorge Berg de Mendonça Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal TERCEIRA TURMA Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Presidente da Turma Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra QUARTA TURMA Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Presidente da Turma Desembargador Antônio Álvares da Silva Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault Desembargador Júlio Bernardo do Carmo QUINTA TURMA Desembargador José Murilo de Morais - Presidente da Turma Desembargador Eduardo Augusto Lobato Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida Desembargador José Roberto Freire Pimenta

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.9-16, jul./dez.2006

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SEXTA TURMA Desembargador Hegel de Brito Boson - Presidente da Turma Desembargadora Emília Facchini Desembargador Antônio Fernando Guimarães Desembargador Ricardo Antônio Mohallem SÉTIMA TURMA Desembargador Luiz Ronan Neves Koury - Presidente da Turma Desembargadora Alice Monteiro de Barros Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo Desembargador Paulo Roberto de Castro OITAVA TURMA Desembargadora Denise Alves Horta - Presidente da Turma Desembargador Márcio Ribeiro do Valle Desembargadora Cleube de Freitas Pereira Desembargador Heriberto de Castro ÓRGÃO ESPECIAL Desembargador Tarcísio Alberto Giboski Desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria Desembargador José Miguel de Campos Desembargador Paulo Roberto Sifuentes Costa Desembargador Antônio Álvares da Silva Desembargadora Alice Monteiro de Barros Desembargador Márcio Ribeiro do Valle Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias Desembargador Manuel Cândido Rodrigues Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault Desembargador Eduardo Augusto Lobato Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello Desembargadora Cleube de Freitas Pereira Desembargador José Murilo de Morais Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida Desembargador José Roberto Freire Pimenta SEÇÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS COLETIVOS (SDC) Desembargador Tarcísio Alberto Giboski - Presidente Desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria Desembargador Antônio Álvares da Silva Desembargadora Alice Monteiro de Barros Desembargador Márcio Ribeiro do Valle Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias Desembargador Manuel Cândido Rodrigues Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault Desembargadora Emília Facchini Desembargador Antônio Fernando Guimarães Desembargador Marcus Moura Ferreira Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.9-16, jul./dez.2006

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1ª SEÇÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS (1ª SDI) Desembargador Tarcísio Alberto Giboski - Presidente Desembargador Hegel de Brito Boson Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello Desembargador José Murilo de Morais Desembargador Ricardo Antônio Mohallem Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo Desembargador Paulo Roberto de Castro Desembargador Mauricio Godinho Delgado Desembargador Anemar Pereira Amaral Desembargador Jorge Berg de Mendonça Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal 2ª SEÇÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS (2ª SDI) Desembargador Tarcísio Alberto Giboski - Presidente Desembargador Júlio Bernardo do Carmo Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães Desembargador Eduardo Augusto Lobato Desembargadora Cleube de Freitas Pereira Desembargador Bolívar Viégas Peixoto Desembargador Heriberto de Castro Desembargadora Denise Alves Horta Desembargador Luiz Ronan Neves Koury Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida Desembargador José Roberto Freire Pimenta Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior

Diretor-Geral: Luís Paulo Garcia Faleiro Diretor-Geral Judiciário: Eliel Negromonte Filho Secretário-Geral da Presidência: Guilherme Augusto de Araújo

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VARAS DO TRABALHO TRT/ 3ª REGIÃO MINAS GERAIS CAPITAL 01ª Vara de Belo Horizonte 02ª Vara de Belo Horizonte 03ª Vara de Belo Horizonte 04ª Vara de Belo Horizonte 05ª Vara de Belo Horizonte 06ª Vara de Belo Horizonte 07ª Vara de Belo Horizonte 08ª Vara de Belo Horizonte 09ª Vara de Belo Horizonte 10ª Vara de Belo Horizonte 11ª Vara de Belo Horizonte 12ª Vara de Belo Horizonte 13ª Vara de Belo Horizonte 14ª Vara de Belo Horizonte 15ª Vara de Belo Horizonte 16ª Vara de Belo Horizonte 17ª Vara de Belo Horizonte 18ª Vara de Belo Horizonte 19ª Vara de Belo Horizonte 20ª Vara de Belo Horizonte 21ª Vara de Belo Horizonte 22ª Vara de Belo Horizonte 23ª Vara de Belo Horizonte 24ª Vara de Belo Horizonte 25ª Vara de Belo Horizonte 26ª Vara de Belo Horizonte 27ª Vara de Belo Horizonte 28ª Vara de Belo Horizonte 29ª Vara de Belo Horizonte 30ª Vara de Belo Horizonte 31ª Vara de Belo Horizonte 32ª Vara de Belo Horizonte 33ª Vara de Belo Horizonte 34ª Vara de Belo Horizonte 35ª Vara de Belo Horizonte 36ª Vara de Belo Horizonte 37ª Vara de Belo Horizonte 38ª Vara de Belo Horizonte 39ª Vara de Belo Horizonte 40ª Vara de Belo Horizonte

João Alberto de Almeida Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo Taísa Maria Macena de Lima Milton Vasques Thibau de Almeida Antônio Gomes de Vasconcelos Fernando César da Fonseca Maria Cristina Diniz Caixeta Eduardo Aurélio Pereira Ferri Jaqueline Monteiro de Lima Marília Dalva Rodrigues Milagres Charles Etienne Cury Mônica Sette Lopes Olívia Figueiredo Pinto Coelho Danilo Siqueira de Castro Faria Ana Maria Amorim Rebouças Cléber Lúcio de Almeida Maria José Castro Baptista de Oliveira Vanda de Fátima Quintão Jacob Maristela Íris da Silva Malheiros Rosemary de Oliveira Pires José Eduardo de Resende Chaves Júnior Denise Amâncio de Oliveira Fernando Antônio Viégas Peixoto Antônio Carlos Rodrigues Filho Rodrigo Ribeiro Bueno Maria Cecília Alves Pinto Carlos Roberto Barbosa Vicente de Paula Maciel Júnior João Bosco de Barcelos Coura Maria Stela Álvares da Silva Campos Paulo Maurício Ribeiro Pires Sabrina de Faria Fróes Leão Emerson José Alves Lage José Marlon de Freitas Adriana Goulart de Sena Wilméia da Costa Benevides Rogério Valle Ferreira Marcos Penido de Oliveira Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto João Bosco Pinto Lara

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.9-16, jul./dez.2006

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INTERIOR Vara de Aimorés Vara de Alfenas Vara de Almenara Vara de Araçuaí Vara de Araguari Vara de Araxá 1ª Vara de Barbacena 2ª Vara de Barbacena 1ª Vara de Betim 2ª Vara de Betim 3ª Vara de Betim 4ª Vara de Betim 5ª Vara de Betim Vara de Bom Despacho Vara de Caratinga Vara de Cataguases Vara de Caxambu 1ª Vara de Congonhas 2ª Vara de Congonhas Vara de Conselheiro Lafaiete 1ª Vara de Contagem 2ª Vara de Contagem 3ª Vara de Contagem 4ª Vara de Contagem 5ª Vara de Contagem 1ª Vara de Coronel Fabriciano 2ª Vara de Coronel Fabriciano 3ª Vara de Coronel Fabriciano 4ª Vara de Coronel Fabriciano Vara de Curvelo Vara de Diamantina 1ª Vara de Divinópolis 2ª Vara de Divinópolis Vara de Formiga 1ª Vara de Governador Valadares 2ª Vara de Governador Valadares 3ª Vara de Governador Valadares Vara de Guanhães Vara de Guaxupé Vara de Itabira Vara de Itajubá Vara de Itaúna Vara de Ituiutaba Vara de Januária 1ª Vara de João Monlevade 2ª Vara de João Monlevade 1ª Vara de Juiz de Fora

Leonardo Passos Ferreira Frederico Leopoldo Pereira Maria de Lourdes Sales Calvelhe André Figueiredo Dutra Zaida José dos Santos Marcos César Leão Márcio Toledo Gonçalves Vânia Maria Arruda Mauro César Silva Ricardo Marcelo Silva Jessé Cláudio Franco de Alencar Marcelo Furtado Vidal Maurílio Brasil Vitor Salino de Moura Eça Carlos Humberto Pinto Viana Luiz Antônio de Paula Iennaco José Quintella de Carvalho Antônio Neves de Freitas Rosângela Pereira Bhering Ana Maria Espí Cavalcanti Kátia Fleury Costa Carvalho Marcelo Moura Ferreira Cleide Amorim de Souza Carmo Manoel Barbosa da Silva Jônatas Rodrigues de Freitas Edson Ferreira de Souza Júnior Márcio José Zebende Paulo Gustavo de Amarante Merçon Vanda Lúcia Horta Moreira Valmir Inácio Vieira Hélder Vasconcelos Guimarães Simone Miranda Parreiras Graça Maria Borges de Freitas Maritza Eliane Isidoro Hudson Teixeira Pinto Flávia Cristina Rossi Dutra Denízia Vieira Braga Jairo Vianna Ramos Alexandre Wagner de Morais Albuquerque Gigli Cattabriga Júnior Orlando Tadeu de Alcântara Maria Tereza da Costa Machado Leão Anselmo José Alves Rita de Cássia de Castro Oliveira Newton Gomes Godinho José Nilton Ferreira Pandelot

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2ª Vara de Juiz de Fora 3ª Vara de Juiz de Fora 4ª Vara de Juiz de Fora 5ª Vara de Juiz de Fora Vara de Lavras Vara de Manhuaçu Vara de Matozinhos Vara de Monte Azul 1ª Vara de Montes Claros 2ª Vara de Montes Claros 3ª Vara de Montes Claros Vara de Muriaé Vara de Nanuque Vara de Nova Lima Vara de Ouro Preto Vara de Pará de Minas Vara de Paracatu 1ª Vara de Passos 2ª Vara de Passos Vara de Patos de Minas Vara de Patrocínio Vara de Pedro Leopoldo Vara de Pirapora 1ª Vara de Poços de Caldas 2ª Vara de Poços de Caldas Vara de Ponte Nova 1ª Vara de Pouso Alegre 2ª Vara de Pouso Alegre Vara de Ribeirão das Neves Vara de Sabará Vara de Santa Luzia Vara de São João Del Rei Vara de São Sebastião do Paraíso 1ª Vara de Sete Lagoas 2ª Vara de Sete Lagoas Vara de Teófilo Otoni Vara de Três Corações Vara de Ubá 1ª Vara de Uberaba 2ª Vara de Uberaba 3ª Vara de Uberaba 1ª Vara de Uberlândia 2ª Vara de Uberlândia 3ª Vara de Uberlândia 4ª Vara de Uberlândia 5ª Vara de Uberlândia Vara de Unaí 1ª Vara de Varginha 2ª Vara de Varginha

Vander Zambeli Vale Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt Léverson Bastos Dutra Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim Waldir Ghedini Jacqueline Prado Casagrande Luís Felipe Lopes Boson Cristina Adelaide Custódio Gastão Fabiano Piazza Júnior João Lúcio da Silva Marcelo Paes Menezes Paula Borlido Haddad Lucas Vanucci Lins Luciana Alves Viotti Weber Leite de Magalhães Pinto Filho Luiz Cláudio dos Santos Viana Adriana Campos de Souza Freire Pimenta Marco Túlio Machado Santos Sueli Teixeira Paulo Chaves Corrêa Filho Paulo Eduardo Queiroz Gonçalves Delane Marcolino Ferreira Renato de Sousa Resende Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro Leonardo Toledo de Resende Camilla Guimarães Pereira Zeidler Cristiana Maria Valadares Fenelon Jales Valadão Cardoso Salvador Valdevino da Conceição Betzaida da Matta Machado Bersan Marco Antônio Ribeiro Muniz Rodrigues Cléber José de Freitas Gláucio Eduardo Soares Xavier Érica Martins Júdice David Rocha Koch Torres Sérgio Alexandre Resende Nunes Rita de Cássia Barquette Nascimento Flávio Vilson da Silva Barbosa Sônia Maria Rezende Vergara Marco Antônio de Oliveira Erdman Ferreira da Cunha Marcelo Segato Morais Fernando Sollero Caiaffa Flânio Antônio Campos Vieira Oswaldo Tadeu Barbosa Guedes Laudenicy Moreira de Abreu

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JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS Adriana Farnesi e Silva Adriano Antônio Borges Agnaldo Amado Filho Alexandre Chibante Martins Ana Carolina Simões Silveira Ana Paula Costa Guerzoni André Luiz Gonçalves Coimbra Andréa Marinho Moreira Teixeira Ângela Cristina de Ávila Aguiar Amaral Anna Carolina Marques Gontijo Anselmo Bosco dos Santos Bruno Alves Rodrigues Célia das Graças Campos Christianne Jorge de Oliveira Clarice Santos Castro Cláudia Rocha Welterlin Cláudio Antônio Freitas Delli Zotti Cláudio Roberto Carneiro Castro Cleyonara Campos Vieira Cristiana Soares Campos Cristiane Souza de Castro Toledo Cristiano Daniel Muzzi Daniel Cordeiro Gazola Daniel Gomide Souza Daniela Torres Conceição Edmar Souza Salgado Eliane Magalhães de Oliveira Érica Aparecida Pires Bessa Ézio Martins Cabral Júnior Fabiana Alves Marra Fabiano de Abreu Pfeilsticker Felipe Clímaco Heineck Fernando Rotondo Rocha Flávia Cristina Souza dos Santos Geraldo Hélio Leal Gilmara Delourdes Peixoto de Melo Helen Mable Carreço Almeida Ramos

Henoc Piva Henrique Alves Vilela Hitler Eustásio Machado Oliveira Jane Dias do Amaral Jesser Gonçalves Pacheco João Rodrigues Filho José Barbosa Neto Fonseca Suett José Ricardo Dily Juliana Campos Ferro Júlio César Cangussu Souto Júlio Corrêa de Melo Neto June Bayão Gomes Júnia Márcia Marra Turra Karla Santuchi Kátia Bizzetto Keyla de Oliveira Toledo Luciana Nascimento dos Santos Luiz Carlos Araújo Luiz Olympio Brandão Vidal Marcel Lopes Machado Marcelo Oliveira da Silva Marcelo Ribeiro Márcio Roberto Tostes Franco Marco Antônio Silveira Marco Aurélio Marsiglia Treviso Marcos Vinícius Barroso Maria Irene Silva de Castro Coelho Maria Raimunda Moraes Marina Caixeta Braga Monique Fernandes Santos Matos Natália Queiroz Cabral Rodrigues Nelson Henrique Rezende Pereira Neurisvan Alves Lacerda Osmar Pedroso Paulo Emílio Vilhena da Silva Raíssa Rodrigues Gomide Mafia Ranúlio Mendes Moreira

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.9-16, jul./dez.2006

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Raquel Fernandes Lage Renata Batista Pinto Coelho Renata Lopes Vale Renata Ventorim Vago Ronaldo Antonio Messeder Filho Rosa Dias Godrim Rosângela Alves da Silva Paiva Sandra Maria Generoso Thomaz Leidecker Sara Lúcia Davi Sousa Sheila Marfa Valério

Silene Cunha de Oliveira Sílvia Maria Mata Machado Baccarini Simey Rodrigues Solange Barbosa de Castro Coura Tânia Mara Guimarães Pena Tarcísio Corrêa de Brito Thaís Macedo Martins Thatyana Cristina de Rezende Esteves Vivianne Célia Ferreira Ramos Corrêa Walder de Brito Barbosa

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74, p.9-16, jul./dez.2006

DOUTRINAS

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A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EMENDA N. 45/2004: TRÊS ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA RELAÇÃO DE TRABALHO Rodrigo Ribeiro Bueno* 1 COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO: DE RELAÇÃO DE EMPREGO PARA RELAÇÃO DE TRABALHO A competência pela natureza da relação jurídica é conhecida na doutrina e na jurisprudência como competência material (ratione materiae). Vale recordar: Tem-se entendido que a determinação da competência material da Justiça do Trabalho é fixada em decorrência da causa de pedir e do pedido. Assim, se o autor da demanda aduz que a relação material é regida pela CLT e formula pedidos de natureza trabalhista, só há um órgão do Poder Judiciário pátrio que tem competência para processar e julgar tal demanda: a Justiça do Trabalho.1 Antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, conforme caput do art. 114 da CF/88, competia à Justiça do Trabalho “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores” (relação de emprego). Também, em sede de competência material derivada, competia à Justiça Laboral a apreciação, “na forma da lei, de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”. Com a EC n. 45/2004, o art. 114 da CF/88 ficou assim redigido: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 2 INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA E RESTRITIVA DA EXPRESSÃO “RELAÇÃO DE TRABALHO” (INCISO I DO ART. 114 DA CF/88) Após a vigência da EC n. 45/2004, boa parte da doutrina nacional passou a defender a idéia de ampliação da competência da Justiça do Trabalho para apreciar todas as questões envolvendo “relações de trabalho”, ainda que reguladas por normas de natureza civil. * Juiz do Trabalho Titular da 25ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. 1 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. In Curso de direito processual do trabalho, 4. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 162. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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O Texto Constitucional, contudo, já continha um obstáculo para uma interpretação tão ampliativa para a expressão “relação de trabalho”. Afinal, enquanto o inciso I do art. 114 da CF/88 determinava que competem à Justiça do Trabalho “as ações oriundas da relação de trabalho”, o inciso IX da Carta Constitucional arrolava na competência da Justiça Obreira “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”. Contudo, uma interpretação restritiva da expressão “relação de trabalho”, como equivalente a “relação de emprego”, iria na contramão da quase unanimidade da doutrina juslaborista nacional, que enxerga nítida distinção entre “relação de trabalho” (gênero) e “relação de emprego” (espécie). Seria, então, possível estabelecer um critério de cunho objetivo para definir qual “relação de trabalho” se enquadraria na competência material da Justiça do Trabalho? 3 TRÊS ELEMENTOS DEFINIDORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA RELAÇÃO DE TRABALHO: ADOÇÃO DE UM CRITÉRIO PARA SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA Nos primeiros artigos doutrinários publicados a partir da promulgação da EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário), não se vislumbra a enunciação explícita do critério sugerido de se constatar, pelo menos, “três elementos” definidores da relação de emprego de acordo com o art. 3º da CLT (onerosidade, pessoalidade, nãoeventualidade e subordinação) ou com o art. 1º da Lei n. 5.859/72 (onerosidade, pessoalidade, continuidade e subordinação) na relação de trabalho analisada. Confira-se: Se um trabalhador promove ação trabalhista alegando ser empregado do réu e a relação jurídica é nebulosa, mas acaba por ser afastado na sentença o vínculo de emprego, é muito provável que se esteja diante de uma relação de trabalho típica. Se o reconhecimento do vínculo de emprego é afastado, por exemplo, porque não comprovada a subordinação jurídica, e estando delineados outros traços característicos do próprio emprego, como a pessoalidade, a não-eventualidade ou a alteridade, por certo tratar-se-á de uma relação de trabalho.2 Do entendimento jurisprudencial da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (Corte competente para decidir os conflitos de competência suscitados entre “juízes vinculados a tribunais diversos”, nos termos da alínea “d” do inciso I do art. 105 da CF/88), extrai-se que a competência material da Justiça do Trabalho é fixada pelo pedido e pela causa de pedir de natureza trabalhista, porém, em ementas e fundamentos de decisões monocráticas e de votos, os Senhores Ministros têm utilizado, ainda que de forma implícita, também, o argumento de que

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MELHADO, Reginaldo. Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves, coordenadores, Nova competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 321. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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a competência da Justiça do Trabalho é afastada na hipótese de ausência na relação entre as partes litigantes de, pelo menos, dois dos elementos definidores do vínculo de emprego. No Conflito de Competência n. 60.641-SP, suscitado em uma ação de cobrança de honorários advocatícios entre pessoas físicas, o Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, nos fundamentos da decisão monocrática proferida em 05 de maio de 2006, expressou-se: Assim, em se tratando de ações nas quais ausente pedido de índole trabalhista, fulcradas em relações contratuais regidas pela legislação civil e caracterizadas, em geral, pela autonomia ou esporadicidade na prestação dos serviços, divisa-se a competência da Justiça Comum Estadual. Do Conflito de Competência n. 46.562-SC, julgado em 10 de agosto de 2005, pela Segunda Seção do STJ, tendo como Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, consta a ementa a seguir transcrita: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. REDAÇÃO DE MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. FREELANCER. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. A Segunda Seção desta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide. Assim, na espécie, não se verifica a pretensão autoral de lhe ser reconhecido vínculo empregatício ou o recebimento de verbas trabalhistas. Ao contrário, busca o recebimento da importância correspondente pelos serviços prestados. 2. [...]. Deu-se destaque especial na decisão acima transcrita à condição do autor de freelancer (autônomo que colabora com matérias jornalísticas não habituais). Por fim, vejamos a ementa do acórdão proferido pela Segunda Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência n. 60.814-MG, de 27 de setembro de 2006, tendo como Relatora a Ministra NANCY ANDRIGHI: Conflito negativo de competência. Justiça comum e laboral. Contrato de representação comercial. Rescisão. Ação proposta por pessoa jurídica. Natureza civil. Competência da Justiça Comum. - A jurisprudência da 2ª Seção já se manifestou no sentido de que, se a ação é ajuizada por pessoa jurídica, buscando a rescisão de contrato de prestação de serviços, a competência para apreciar a causa é da Justiça Comum. - [...]. Na citada decisão colegiada, ressaltou-se, além da autonomia, a condição do representante comercial ser uma pessoa jurídica (ausência de pessoalidade). De acordo com abalizada doutrina, o contrato de trabalho propriamente dito é apenas um dos contratos de atividade. Então, somente se justificaria o Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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deslocamento de competência material em favor da Justiça do Trabalho para abranger os contratos de atividade nos quais haja superioridade da prestação de trabalho humano em relação às demais obrigações, para se conferir alguma proteção ao trabalhador, ainda que não empregado. Nesta nova competência, não seria perdida a sensibilidade da Justiça Obreira para aplicar o princípio in dubio pro operario. Transcrevo da doutrina: O princípio básico, que, no consenso dos autores, domina o Direito do Trabalho, é o princípio pro operario. Daí vem a parêmia: in dubio pro misero. Em caso de dúvida, o juiz decide pelo trabalhador.3 Quando o trabalhador, ainda que autônomo, tem a sua força de trabalho inserida na atividade produtiva da empresa, verifica-se uma tendência da doutrina atual de recobri-lo de determinado grau de proteção, nem que seja através de interpretação mais favorável das normas de natureza civil que regulam o seu contrato com o tomador de serviços. Por sua vez, quando o trabalhador é também um fornecedor de serviços, ligando-se de forma esporádica ao tomador, sendo este também o destinatário final, a prestação de trabalho contida na relação de consumo deverá ter proteção bem menor do que aquela dispensada ao consumidor, a parte a ser protegida pelas regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Este é o entendimento da doutrina mais recente: Assim, sempre que a relação de trabalho configurar relação de consumo, o tomador do serviço, o consumidor, será o destinatário da tutela estatal, por ser a parte hipossuficiente, ainda que o trabalhador prestador dos serviços seja economicamente mais frágil.4 4 UM BREVE ESTUDO DE CASOS MAIS COMUNS DE RELAÇÕES DE TRABALHO Havendo pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes e de pagamento de verbas trabalhistas, a competência será da Justiça do Trabalho. Porém, havendo pedidos de natureza civil baseados numa relação jurídica regulada pelo Direito Civil (Código Civil e outras legislações), vale ser realizado um breve estudo sobre a aplicação do critério sugerido dos “três elementos”: 4.1 Profissionais liberais A propósito, cito: 3

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VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro. In Princípios de direito e outros estudos. 1. ed. Belo Horizonte: Editora RTM, 1997, p. 34. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Nova competência da Justiça do Trabalho: contra a interpretação reacionária da Emenda n. 45/2004. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves, coordenadores. In Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, p. 180. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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Se, por exemplo, um médico labora como trabalhador autônomo em uma clínica médica especializada, recebendo honorários desta, e presta serviços ao paciente, teremos duas relações distintas: a) entre o médico - pessoa física - e a clínica - empresa tomadora de serviços - há uma relação de trabalho, cuja competência para dirimir conflitos dela oriundos é da Justiça do Trabalho; b) entre o médico - pessoa física fornecedora de serviços - e o paciente - consumidor de serviços - há uma relação de consumo, pois o paciente aqui é a pessoa física que utiliza o serviço como destinatário final. A competência para apreciar e julgar as demandas oriundas desta relação de consumo é da Justiça Comum.5 Para o advogado autônomo, na ação de cobrança de honorários do seu cliente particular, a competência é da Justiça Comum (autonomia e esporadicidade). 4.2 Representante comercial Se o representante comercial é pessoa física (Lei n. 4.886/65), a competência é da Justiça Obreira (3 elementos, ausência apenas da subordinação). Se o representante comercial é pessoa jurídica verdadeira, competência da Justiça Comum. 4.3 Transportador rodoviário autônomo Se o transportador autônomo (pessoa física) mantiver uma relação jurídica não-eventual e remunerada com uma empresa de transporte de bens ou com uma empresa que demande transporte de forma habitual, a competência será da Justiça do Trabalho (Lei n. 7.290/84). Se o transportador autônomo não for pessoa física ou mesmo se o serviço de transporte for eventual para o usuário desse serviço (consumidor), a competência será da Justiça Comum. 4.4 Corretor autônomo Se o corretor autônomo (pessoa física) presta serviços não eventuais, recebendo pagamento da imobiliária ou da empresa tomadora dos serviços, a competência será da Justiça do Trabalho. Se os serviços de corretagem forem eventuais em favor de cliente pessoa física ou jurídica, a competência será da Justiça Comum. 4.5 Administrador ou diretor de sociedade Enquanto o empregado ocupar cargo de diretor, o respectivo contrato de trabalho estará suspenso (Súmula n. 269 do C. TST). Como o administrador ou diretor da sociedade ocupa as duas posições (de prestador e de representante da tomadora), a rigor, não haveria uma relação de trabalho entre ele e a sociedade. Então, não há necessidade de utilizar o critério dos “três elementos” e a competência é da Justiça Comum. 5

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 187/188. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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4.6 Trabalhador cooperado O associado a uma cooperativa de trabalho, não sendo empregado da cooperativa ou do tomador de serviços, mantém uma relação de trabalho com o tomador de serviços da cooperativa na qual estão presentes os requisitos da pessoalidade, da não-eventualidade e da onerosidade, o que justifica a competência da Justiça Obreira para apreciar os litígios daí advindos. 4.7 Trabalhador portuário avulso A competência é da Justiça do Trabalho, conforme inciso IX do art. 114 da CF/88 c/c inciso V do art. 652 da CLT, sendo desnecessário utilizar o critério dos “três elementos”. 4.8 Servidores públicos Não há necessidade de utilização do critério dos “três elementos”, se a jurisprudência predominante do STF (ADIN n. 492, Rel. Ministro Carlos Velloso) afasta até mesmo a existência de relação de trabalho entre os litigantes (estatuto). 4.9 Trabalhador religioso Quando o mais relevante é o objetivo religioso da prestação de serviços, não há que se cogitar em competência da Justiça do Trabalho. Nesta hipótese, o trabalho do religioso se confundiria com o propósito de difusão da fé. 4.10 Trabalho voluntário e estágio Tanto no trabalho voluntário (Lei n. 9.608/98) quanto no estágio (Lei n. 6.494/77), via de regra, estão presentes três elementos definidores da relação de emprego, a saber, subordinação (poder de coordenação ou de direção exercido pelo tomador), a não-eventualidade e a pessoalidade. Logo, é recomendável o deslocamento da competência material para a Justiça do Trabalho. O ressarcimento de despesas realizadas com o serviço voluntário (art. 3º da Lei n. 9.608/98) e a bolsa ou ajuda de custo do estagiário não devem ser confundidos com remuneração. 4.11 Empreitada Sendo o empreiteiro operário ou artífice (“pequena empreitada”), não é necessário utilizar o critério dos “três elementos” (inciso IX do art. 114 da CF/88 c/c o inciso III do art. 652 da CLT). Para as grandes e médias empreitadas, nas quais o empreiteiro se vale, via de regra, da colaboração de outras pessoas (ausente a pessoalidade), não havendo superioridade da prestação de trabalho sobre as demais obrigações, a competência não deveria ser deslocada para a Justiça do Trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.19-25, jul./dez.2006

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4.12 Trabalhadores domésticos No caso do jardineiro ou da diarista, por exemplo, estão presentes três elementos definidores da relação de emprego doméstico (art. 1º da Lei n. 5.859/ 72), a saber, subordinação (atividade do trabalhador doméstico no atendimento de uma necessidade permanente, ainda que intermitente, do tomador), pessoalidade e onerosidade. Assim, a competência será da Justiça do Trabalho. No caso de um eletricista, por exemplo, sendo, via de regra, eventual a necessidade do serviço no âmbito residencial, a relação será de consumo, situandose o prestador como fornecedor (CDC). No caso da dona-de-casa, que cobra pelos serviços prestados a familiares, a questão envolve Direito de Família e a competência é da Justiça Estadual. 5 CONCLUSÃO A sugestão do critério dos “três elementos” não pretende exaurir a interpretação da regra disposta no inciso I do art. 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 45/2004, ou mesmo ser original, já que é quase intuitiva, na medida em que pode ser extraída da prática diária do magistrado trabalhista. Então, como mera sugestão para uma tentativa de elucidação do espinhoso tema, poder-se-ia resumir o critério dos “três elementos” nos seguintes termos: 1 - na presença dos quatro elementos definidores da relação de emprego (art. 3º da CLT e art. 1º da Lei n. 5.859/72), competência da Justiça do Trabalho; 2 - na presença de prestação de trabalho em condição de superioridade sobre as demais obrigações do relacionamento jurídico e que preenche, pelo menos, três dos elementos definidores da relação de emprego (art. 3º da CLT e art. 1º da Lei n. 5.859/72), competência da Justiça do Trabalho; e 3 - ausentes dois ou mais elementos definidores da relação de emprego (art. 3º da CLT e art. 1º da Lei n. 5.859/72), relação jurídica não sujeita à competência da Justiça do Trabalho.

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A CONCRETIZAÇÃO DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS ANTIDISCRIMINATÓRIAS NO TRABALHO DA MULHER Karine Carvalho dos Santos Melo* 1 INTRODUÇÃO Pesquisas revelam que, nas últimas décadas, tem-se observado no país uma intensificação da inserção feminina no mercado de trabalho, podendo ser apontados como motivos determinantes desse fator a emancipação da mulher, o desemprego ou a perda de renda do cônjuge, com a conseqüente necessidade de elas buscarem um posto de trabalho para aumentar a renda familiar. Entretanto, tais razões traduziram-se na discriminação dessa mão-de-obra, estando as mulheres mais sujeitas que os homens ao desemprego, aos menores rendimentos e a vínculos de trabalho mais frágeis. Segundo o Boletim DIEESE1 Nacional, em Edição Especial de 08 de março de 2001, as mulheres correspondiam até aquele ano a 41% da População Economicamente Ativa do Brasil, não obstante mais de ¼ das famílias do país serem por elas chefiadas; com maior nível de instrução que os homens, não estavam exercendo funções compatíveis com a sua formação; ocupavam, em maior percentual, postos de trabalho mais precários, além de terem menor remuneração. A Constituição brasileira, no artigo 3º, estabelece como um dos objetivos da República Federativa “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, e no art. 5º, depois de declarar que todos são iguais perante a lei e, no inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, no inciso XLI, assegura que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Já no seu art. 7º, que trata dos direitos dos trabalhadores, apresenta como medidas de combate a discriminações a proteção ao mercado de trabalho da mulher (inciso XX) e a proibição de diferença de salário, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo. Como se verá, o princípio isonômico insculpido na Constituição é muitas vezes invocado para igualar homens e mulheres indiscriminadamente, havendo também a percepção de que as normas especiais de proteção às trabalhadoras produzem na prática um efeito discriminatório. Felizmente, constata-se aqui que o Tribunal Superior do Trabalho tem mantido orientação no sentido de preservar as garantias às trabalhadoras, rechaçando invocações ao preceito da igualdade para tratar ambos os sexos indistintamente e declarando que esse postulado admite exceções, estabelecidas na própria Constituição. Sintetizando, confirma a suprema Corte Trabalhista que a mulher obreira merece tratamento diferenciado e privilegiado em face de determinadas situações.

* Assistente no Gabinete do Desembargador Federal do TRT da 3ª Região José Murilo de Morais. 1 Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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2 A IGUALDADE COMO PRINCÍPIO DE NÃO-DISCRIMINAÇÃO Considerando-se que as medidas legais antidiscriminatórias “têm como matriz comum o princípio da igualdade2”, não há como perscrutar o princípio constitucional da não-discriminação sem antes tocar naquele. O preceito isonômico encontra-se insculpido no caput do art. 5º da Constituição da República de 1988, assegurando a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e, abrindo o rol dos direitos individuais, no inciso I, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. E como se não bastasse apregoar a igualdade, a Carta Magna reforça o princípio com outras regras de não-discriminação, pretendendo a sua total observância, positivando-o em várias partes de seu corpo normativo. É o que se verifica com as normas insertas no art. 7º, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV, proibindo-se diferença de salário, de exercícios de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; e apregoando igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Decorre daí que o princípio da igualdade reveste-se sob dois aspectos: de um lado, de isonomia formal, o que se observa na expressão “igualdade perante a lei”, significando que todos devem ser tratados indistintamente; e de outro ângulo, de isonomia material, este verificado nas regras de não-discriminação. O ilustre jurista José Afonso da Silva elucida bem a distinção entre os dois: Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, [...] especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social. Considerá-lo-emos como isonomia formal para diferenciá-lo da isonomia material, traduzido no art. 7º, XXX e XXXI [...] (SILVA, 1996, p. 209-210). O renomado autor prossegue esclarecendo que a nossa Constituição vigente aproxima os dois tipos de isonomia, uma vez que “[...] não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei; menciona também igualdade entre homens e mulheres e acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação” (SILVA, 1996, p. 210). Ainda sobre a estreita relação entre os princípios da igualdade e da nãodiscriminação, escreve a excelente professora Alice Monteiro de Barros: 2

LIMA FILHO, Francisco das C. A discriminação do trabalhador no contrato de trabalho e o princípio constitucional da igualdade. Revista LTr, São Paulo, n. 10, p. 1199-1208, outubro, 2001. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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[...] a igualdade é um conceito relacional, exige um elemento de comparação entre as situações em que se encontram os respectivos sujeitos passivos. Ela apresenta conexão com a “justiça social” e com a concretização dos mandamentos constitucionais que visam à efetivação dos direitos sociais. A igualdade é também inerente ao conceito de igual dignidade das pessoas, fundamento contra a discriminação, que é a mais expressiva manifestação deste princípio. O princípio da igualdade, com essa conotação, contribui para romper com um passado de regalias, de privilégios e garantir aos cidadãos os mesmos direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico, vedando a discriminação (BARROS, 2000, p. 38-39). Como se vê, a realização do princípio da igualdade tem se direcionado pela proibição da discriminação, “podendo-se verificar as origens dessa diretriz na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, cujo artigo II veda discriminação de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.” 3 Diante disso, qualquer situação de desigualdade após o advento da Constituição deve ser tida como não recepcionada, por total incoerência e desarmonia com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), bem como com um dos seus objetivos, que é o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, inciso IV). Mas é oportuno lembrar que a desigualdade evidencia-se quando se constatam na norma jurídica distinções arbitrárias e abusivas, isto é, concedendose tratamento diferenciado a pessoas em idênticas circunstâncias. Vale dizer, tratar desigualmente aqueles que se encontram em condição desigual não fere o ideal de justiça ou o preceito isonômico. Assim é que o ato de discriminar somente será tolerado quando trouxer em seu bojo o intuito de proteger o mais frágil. Mas o que é discriminar? 3 DISCRIMINAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO Discriminar, num primeiro sentido, significa distinguir; discernir; e em segundo, separar; apartar; sendo que discriminação é o tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc. A Convenção n. 111 da OIT, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958, em seu art. 1º, define discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”.

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O direito do trabalho analisado sob a perspectiva do princípio da igualdade. Revista LTr, São Paulo, n. 7, p. 781, julho, 2004. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Segundo Mauricio Godinho Delgado o combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do direito moderno. Mas, esclarece o autor que o Direito do Trabalho, refletindo a orientação da aludida Convenção, veio alargar, sobremaneira, as medidas proibitivas de práticas discriminatórias somente após o advento da Constituição da República de 1988, não obstante sempre ter se caracterizado pela presença em seu bojo de medidas de proteções antidiscriminatórias no contrato de trabalho. Assim é que o renomado mestre distingue as proteções jurídicas contra discriminações na relação de emprego procedendo a um paralelo entre períodos histórico-jurídicos separados pela Constituição, verificando-se, de um lado, as proteções antidiscriminatórias tradicionais (antes de 1988), caracterizadas por dispositivos acanhados e não sistematizados; e de outro, proteções constitucionais modernas, no período iniciado com a Carta Magna de 1988, que emergiu como “[...] o documento juspolítico mais significativo já elaborado na história do país acerca de mecanismos vedatórios a discriminações no contexto da relação de emprego” (DELGADO, 2000, p. 99). Entre as proteções antidiscriminatórias tradicionais destacam-se as normas da CLT dispondo que “A todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo” (art. 5º) e que “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego” (art. 6º); bem como os parâmetros antidiscriminatórios relativos a sexo, cor, idade e nacionalidade dispostos nas cartas constitucionais dos regimes ditatoriais (de 1967 e 1969). Por outro lado, entre as novas regras no combate à discriminação pós1988 destacam-se as relativas à mulher, ao menor, ao estrangeiro e ao deficiente. Mister relembrar que o presente estudo se propõe a focar as situações de discriminações no trabalho da mulher e as correspondentes proteções jurídicas, razão pela qual devemos nos ater às medidas antidiscriminatórias relativas ao sexo. Nesse aspecto, convém trazer à baila os ensinamentos do mesmo autor ao qual viemos nos referindo: [...] o parâmetro antidiscriminatório sexo, embora tradicionalmente repetido nos textos normativos mencionados, jamais foi considerado, pela cultura jurídica dominante, inviabilizador da forte discriminação tutelar que a CLT sempre deferiu às mulheres no contexto do Direito do Trabalho pátrio. Desse modo, apenas após a Constituição de 1988 é que se faria uma revisão nessa concepção jurídica tutelar (DELGADO, 2000, p. 100). Não parece ser por outra razão que o mestre Godinho Delgado considera que a primeira significativa modificação constitucional é no tocante à mulher trabalhadora. 4 PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS ANTIDISCRIMINATÓRIAS POR MOTIVO DE SEXO Não obstante as conquistas alcançadas no último século, lamentavelmente, é cediço a situação de desvantagem da mulher em relação ao homem no mundo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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do trabalho, verificando-se, não raro, o auferimento de salários inferiores aos pagos aos trabalhadores do sexo masculino no exercício de uma mesma função; a dificuldade de ascensão aos cargos de comando da empresa; além de serem elas as vítimas, por excelência, da prática do assédio sexual no emprego. Não se está a olvidar de que os textos constitucionais anteriores já vedavam a discriminação em função de sexo, mas a Constituição vigente é que, firmemente, eliminou do direito pátrio qualquer prática discriminatória contra a mulher que lhe pudesse restringir o mercado de trabalho. Nesse sentido é que, depois de assegurar a igualdade de todos perante a lei, e de declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, a Magna Carta estabelece outros comandos antidiscriminatórios relativos ao sexo, o que se observa no seu art. 7º, incisos XVIII, XIX, XX e XXX, versando respectivamente sobre licença à gestante; licença-paternidade; proteção do mercado de trabalho da mulher; e a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo. Tratamento diferenciado com o intuito de nivelar as diferenças naturais entre homem e mulher pode ser observado nos dispositivos relativos à gestante, em que se lhe concede licença de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário e, ao trabalhador pai, afastamento de apenas cinco dias, conforme se infere do § 1º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Esses dois dispositivos atendem ao comando constitucional de igualdade entre homem e mulher, considerando que é esta que sofre as transformações da gravidez, e de quem mais depende o recém-nascido. Nota-se também no inciso XX supramencionado a permissão de uma prática diferenciada dirigida a proteger, ou ampliar o mercado de trabalho da mulher. Tratando desigualmente os desiguais, conferiu-se expressamente incentivo ao labor feminino, sem fazê-lo especificamente em relação ao do homem, dando-se ampla e correta aplicação ao princípio isonômico.4 Mas, é no inciso XXX que reside o maior corolário da isonomia no âmbito trabalhista, estando nele incluído o fator sexo para se proibir discriminação do trabalhador seja em relação a salários, a exercício de funções, ou a critérios de admissão no emprego. Daí decorre que não serão aceitáveis situações ou práticas abusivas da empresa que deixa de admitir a trabalhadora pelo só fato de ela ser mulher; ou que, para contratá-la, venha a lhe exigir atestado civil de solteira, de ausência de gravidez ou comprovação de esterilidade; que a empregada, exercendo as mesmas funções que um colega homem, venha a auferir salário inferior ao deste; que ela venha a ter cerceada sua ascensão na carreira simplesmente por ser do sexo feminino. Como dito anteriormente, não terá receptividade constitucional qualquer situação de desigualdade quando o propósito da distinção for o de desnivelar, no caso o homem e a mulher. Entretanto, quando a discriminação tiver por fito atenuar as diferenças entre ambos, a norma terá respaldo na Constituição por conferir tratamento desigual a desiguais. 4

Aristóteles defendia a justiça distributiva pela qual se deve conceder tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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5 PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER Estipula a Constituição da República, em seu art. 7º, inciso XX, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. Sabe-se que o arcabouço legislativo, embora se apresentasse com as vestes de tutela, produzia, na prática, um evidente efeito discriminatório em relação à mulher trabalhadora. Talvez por essa razão, no âmbito do Direito Laboral, buscando adequar a CLT ao comando constitucional supramencionado, a Lei n. 7.855/89 revogou dispositivos que permitiam a interferência marital ou paterna no contrato de emprego da mulher adulta (art. 446 da CLT), bem como tornou sem qualquer validade parte do capítulo que tratava da proteção do trabalho da mulher, como os arts. 374, 375, 378, 379, 380 e 387, que exigiam atestados médicos especiais da mulher e lhe restringiam a prestação de trabalho no turno da noite, em subterrâneos, nas minerações de subsolo, nas pedreiras e obras de construção, assim como nas atividades perigosas e insalubres. Esclarece o ilustre magistrado Mauricio Godinho Delgado que tais artigos já estavam tacitamente revogados por incompatibilidade com a Constituição, o que no seu entender, além daqueles, outras normas discriminatórias dispostas na CLT, mas ignoradas pela Lei n. 7.855/89, também não produzem mais efeitos. Ele cita como exemplo o caso do art. 383 da CLT, estabelecendo que será concedido à empregada um período para refeição e repouso não inferior a uma hora nem superior a duas horas, qualquer que seja a extensão de sua jornada de trabalho. Pontua o renomado mestre que “[...] tal preceito é grosseiramente discriminatório (e insensato), impondo à mulher uma disponibilidade temporal enorme (ao contrário do imposto ao homem) mesmo em casos de curtas jornadas, abaixo de seis horas ao dia (como previsto no art. 71, § 1º da CLT, que prevê, em tais casos, descanso de apenas 15 minutos)” (DELGADO, 2000, p. 102). Por outro lado, há interpretação no sentido de que a norma do art. 383 da CLT equivale à do art. 71 e seus parágrafos, distinguindo-se em relação ao trabalho feminino pela exclusão da hipótese de dilatação do limite máximo de duas horas para repouso e refeição, sendo tal medida ilegal e incabível mesmo quando houver convenção ou acordo.5 Entretanto, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu em sentido oposto a esses posicionamentos, como ilustra o seguinte aresto declarando a constitucionalidade do art. 383 da CLT e admitindo o elastecimento do intervalo intrajornada quando convencionado em norma coletiva: MULHER - INTERVALO PARA REFEIÇÃO E DESCANSO - ELASTECIMENTO - POSSIBILIDADE - ART. 383 DA CLT - CONSTITUCIONALIDADE. 1. O art. 383 da CLT, que regulamenta o período de refeição e descanso do trabalho da mulher, foi recepcionado pela Constituição Federal, porquanto o princípio da isonomia (CF, art. 5º, I) admite exceções, sendo certo que a própria Constituição da República estabelece algumas diferenças entre os sexos, a exemplo da aposentadoria para as mulheres, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária (CF, art. 201, § 7º, I e II). 5

RUSSOMANO, Mozart Victor apud GUNTHER, Luiz Eduardo e ZORNIG, Cristina Maria Navarro, 2002, p. 51. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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[...] 3. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora, corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso da possibilidade de elastecimento do intervalo intrajornada por ajuste coletivo. 4. Assim, reconhecida a constitucionalidade do art. 383 da CLT, tem-se que o aludido preceito consolidado, ao remeter às disposições do § 3º do art. 71 da CLT, autoriza o alargamento do intervalo para refeição e descanso quando houver acordo escrito entre as partes. Isso porque o legislador não vedou a ampliação do intervalo intrajornada para o trabalho da mulher, mas apenas disciplinou que seria necessária a existência de acordo escrito ou contrato coletivo, o que restou evidenciado nos autos. A jurisprudência do TST, contra posicionamento pessoal deste Relator, não tem admitido a redução ou a supressão do intervalo intrajornada (cfr. Orientação Jurisprudencial n. 342 da SBDI-I). Todavia, esta Corte tem admitido o elastecimento do intervalo para repouso e alimentação. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (TST-RR. 51/2002-028-12-00 - 4ª Turma - Rel. Ives Gandra Martins Filho DJ 13.05.05) 5.1 Horas extras e o intervalo previsto no artigo 384 da CLT Sobre a possibilidade de a mulher prestar labor extrajornada, dispunha a CLT no caput do seu art. 376 que “Somente em casos excepcionais, por motivo de força maior, poderá a duração do trabalho diurno elevar-se além do limite legal ou convencionado, até o máximo de 12 (doze) horas, e o salário-hora será, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) superior ao da hora normal.” Em comentário ao referido dispositivo lecionou a ilustre mestra e juíza do trabalho Alice Monteiro de Barros: [...] a proibição do trabalho extraordinário, constante do artigo 376 da CLT, atenta contra o princípio da isonomia, consagrado nos artigos 5º, I e 7º, XXX da Constituição Federal de 1988. O dispositivo consolidado em exame poderá restringir o campo de trabalho da mulher e a modalidade de mão-de-obra, acarretando menor possibilidade de ganho àquela (BARROS, 1995, p. 478). A partir da Lei n. 7.855/89 que, apesar de revogar parte do capítulo da CLT sobre o trabalho da mulher, manteve intacto o referido art. 376, vieram posições doutrinárias reforçando a tese de que estaria vedado o trabalho extraordinário feminino, como se observa da lição de Amauri Mascaro Nascimento: A Lei n. 7.855, de 24.10.89, artigo 11, revogou o artigo 374, que autorizava o sistema de compensação de horas, e o artigo 375, que exigia atestado médico para que a mulher pudesse fazer horas extras. No entanto, não revogou o artigo 376 da CLT. O efeito foi a limitação ainda maior do trabalho Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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extraordinário da mulher. Assim, o texto legal aplicável é o mencionado artigo 376 da lei consolidada (NASCIMENTO, p. 356-357). Em entendimento oposto, manifestou-se a também ilustre magistrada Adriana Goulart de Sena: [...] mesmo que a Lei n. 7.855/89 não tenha expressamente revogado o art. 376 da CLT, resta-nos claro que a incompatibilidade vertente faz com que revogado o dispositivo aludido [...]. Diante da igualdade constitucional, incompatível se afigura pretender seja proibido o trabalho extraordinário da mulher, posto que sem qualquer alicerce justificador, traduzindo-se em óbice legal para o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho (SENA, 1997, p. 589-590). Mas, todo esse debate perdeu sentido desde a edição da Lei n. 10.244 de 27.06.01 que revogou expressamente o art. 376 da CLT, não mais se controvertendo sobre a possibilidade de a mulher realizar horas extras. Na verdade, segundo alguns doutrinários, voltou à baila a necessidade de se interpretar corretamente o art. 384 da CLT, o qual dispõe que “Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”. Posicionando-se sobre o caráter discriminatório da norma, Sérgio Pinto Martins assim se expressou: O preceito em comentário conflita com o inciso I do artigo 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher.6 No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros esclarece que a norma conflita com o princípio isonômico preconizado no inciso I do art. 5º da CR: Considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do art. 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, deverá também ser revogado o art. 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os art. 5º, I, e art. 7º, XXX, da Constituição Federal (BARROS, 1995, p. 479).

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MARTINS, Sérgio Pinto apud GUNTHER, Luiz Eduardo e ZORNIG, Cristina Maria Navarro, 2002, p. 53. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Não obstante, o Colendo TST tem entendido pela constitucionalidade do descanso peculiar ao trabalho feminino, dadas as diferenças naturais entre homens e mulheres. É o que evidenciam os arestos abaixo: RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. INTERVALO PARA DESCANSO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. CONSTITUCIONALIDADE. A disposição contida no art. 384 da CLT foi recepcionada pela Constituição Federal, com fundamento no fato de que os homens e mulheres, embora iguais em direitos e obrigações, se distinguem em alguns aspectos, sobretudo nos que se relacionam à sua identidade fisiológica, merecendo a mulher tratamento privilegiado em face de determinadas situações em que se exige um desgaste físico mais intenso, como na hipótese de realização de trabalho extraordinário. Violação do disposto no art. 5º, I, da Constituição Federal não demonstrada. Recurso de revista a que se nega provimento. (TST-RR. 64704/2002-900-09-00 - 5ª Turma - Rel. Gelson de Azevedo - DJ 24.02.06) [...] 2 - PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER. ARTIGO 384 DA CLT. PRORROGAÇÃO DE JORNADA. HORAS EXTRAS. ARTIGO 5º, CAPUT E INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. Não viola o artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição de 1988, decisão pela qual se deferem horas extras à mulher por desrespeito ao intervalo previsto no artigo 384 da CLT quando do elastecimento de jornada, tendo em vista a própria garantia constitucional de proteção do mercado de trabalho da mulher, nos termos do artigo 7º, inciso XX, da atual Lei Maior. (TST-RR. 33612/2002-900-09-00 - 1ª Turma - Rel. Emmanoel Pereira - DJ 03.06.05) Percebe-se aqui a invocação do princípio isonômico insculpido na Constituição para igualar homens e mulheres indiscriminadamente, havendo ainda entendimento de que as normas de proteção às trabalhadoras produzem na prática um efeito discriminatório, pela preferência das empresas em contratar homens em vez de mulheres, por estarem elas asseguradas por proibições de exercer certos tipos de trabalho, deterem privilégios, como exemplo, o de gozo de intervalos especiais de descanso, ou ainda, em razão do trabalho delas exigirem das empresas o cumprimento de normas relacionadas a métodos e locais de trabalho específicos ao seu labor. Todavia, embora a realidade vivenciada nas empresas seja mesmo como a que foi noticiada, como demonstrado, o Tribunal Superior do Trabalho, felizmente, tem mantido orientação no sentido de preservar as proteções ao campo de trabalho feminino, rechaçando os argumentos de que tais garantias ferem o princípio da igualdade entre os sexos e declarando que esse postulado admite exceções. Assim, confirma a Suprema Corte Trabalhista que a mulher obreira merece tratamento diferenciado e privilegiado em face de determinadas situações, o que o faz no intuito de concretizar as proteções antidiscriminatórias, que também têm guarida na Constituição. Vale ilustrar o posicionamento proferido em outro julgado do TST: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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[...] 2 - Descabe invocar o princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput) para igualar homens e mulheres indiscriminadamente, na medida em que esse postulado admite exceções, sendo certo que a própria Constituição da República estabelece algumas diferenças entre os sexos, a exemplo da aposentadoria para as mulheres, prevista com menos idade e tempo de contribuição previdenciária (CF, art. 201, § 7º, I e II). 3. Para EDITH STEIN (1891-1942), destaque feminino no campo filosófico (fenomenologista alemã), três características se destacam na relação homem-mulher: igual dignidade, complementariedade e diferenciação (não só biológica, mas também anímica). Cada um dos sexos teria sua vocação primária e secundária, em que, nesta segunda, seria colaborador do outro: a vocação primária do homem seria o domínio sobre a terra e a da mulher a geração e educação dos filhos (A primeira vocação profissional da mulher é a construção da família). Por isso, a mulher deve encontrar, na sociedade, a profissão adequada, que não a impeça de cumprir a sua vocação primária, de ser o coração da família e a alma da casa. O papel da mulher é próprio e insubstituível, não podendo limitar-se à imitação do modo de ser masculino (cfr. Elisabeth Kawa, Edith Stein, Quadrante 1999, São Paulo, p. 58-63). 4. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora, corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias [...]. (TST-RR. 52/2003-003-22-00 - 4ª Turma - Rel. Ives Gandra Martins Filho DJ 01.04.05) 5.2 Métodos e locais de trabalho Permanecem em vigor os artigos 389 e 390 da CLT estipulando regras especiais sobre métodos e locais de trabalho da mulher. Assim, estão as empresas obrigadas a prover os estabelecimentos de medidas de higienização; instalar bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários, cadeiras, vestiários privativos com armários individuais; fornecer recursos de proteção individual; e outros que se fizerem necessários à segurança e ao conforto das mulheres. Nos estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres, com mais de 16 anos de idade, deverão as empresas, ainda, disponibilizar local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período de amamentação, exigência essa que poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. Tais locais deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária (artigo 400). Mostra-se oportuno ressaltar que a Portaria n. 3.296/86 do MTE autoriza as empresas a adotarem o sistema de reembolso-creche em substituição ao local para amamentação, desde que estipulado em acordo ou convenção coletiva e obedecidas algumas exigências, como a cobertura integral das despesas efetuadas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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com creche de livre escolha da mãe até os seis meses de idade da criança e a concessão do benefício a todas as trabalhadoras mães, independentemente do número de mulheres do estabelecimento. Nos termos do art. 390, é proibido o trabalho da mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos, para o trabalho contínuo, ou 25 quilos, para o trabalho ocasional, não estando incluída nesta vedação a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos. 5.3 As Leis n. 9.029/95 e 9.799/99 Também as Leis n. 9.029/95 e 9.799/99 vieram acentuar o combate às práticas discriminatórias contra a mulher trabalhadora. Diz a Lei n. 9.029/95 no art. 1º que “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade...”. Analisando-se o texto da lei, cumpre-nos averiguar a importância da expressão “qualquer prática discriminatória” utilizada pelo legislador, donde se extrai a intenção de abarcar o maior número possível de formas de discriminações. E não só é vedada a discriminação, como também o será a limitação, esclarecendo que o primeiro pressupõe situação de desvantagem de um trabalhador em relação a outro, já o segundo considera o obreiro individualmente. É de se entender que as práticas discriminatórias já contêm as limitativas, dado que o que discrimina está, na verdade, impondo certa limitação ao discriminado. Mas isso é de somenos importância. O fato é que a lei pretendeu ser clara e evidente, patenteando pela norma proibitiva todos os meios que a mente criadora humana conseguir inventar com o fito de estabelecer desigualdade ou restringir o acesso à relação de emprego ou sua “manutenção”. É nesta última expressão que se verifica que a Lei buscou rechaçar a discriminação em qualquer tempo em que ela se consuma, seja no momento de admissão à empresa, seja durante a vigência do contrato. Mas, é no art. 2º que a Lei n. 9.029/95 se curva exclusivamente ao mercado de trabalho da mulher, conferindo-lhe proteções ao constituir como crimes, sujeitos à pena de detenção de um a dois anos e multa, entre outras práticas discriminatórias, a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, bem como a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem indução ou instigamento à esterilização genética7; promoção do controle da natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde - SUS.

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A Lei n. 9.263/96, nos arts. 17 e 18, derrogou esses incisos no pertinente à exigência de teste de esterilização e à indução ou instigamento à esterilização, atribuindo-lhes pena mais grave - reclusão, de um a dois anos, em vez de detenção. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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A Lei n. 9.799/99, por sua vez, inseriu na CLT importante regra sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho, atendendo ao mesmo tempo o disposto nos incisos XX e XXX do art. 7º da CR/88. É que, incluindo na CLT o art. 373-A, tornou explícito os parâmetros antidiscriminatórios proibindo-se (salvo as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas) publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou à situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Note-se que a referida Lei trouxe para a CLT a proibição de exigência de atestado ou exame de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego, o que, como visto anteriormente, com a edição da Lei n. 9.029/95, já é definido como crime, considerando a atitude ainda mais grave. Mas nem por isso o dispositivo inserido na CLT é desnecessário, uma vez que acrescenta outras vedações, como tal a de publicação de anúncio de emprego fazendo referência ao sexo do empregado. Percebe-se, com isso, que a norma impõe limites ao poder diretivo do empregador antes da formalização do contrato de trabalho. Outro acréscimo de grande importância é a proibição de revistas íntimas nas empregadas, merecendo tecer-se alguns comentários sobre o tema. Há a percepção de que a norma contida no inciso VI do art. 373-A em comento estabelece uma distinção entre a simples inspeção pessoal e a revista íntima. É que não há na legislação brasileira nenhum dispositivo legal proibindo expressamente a inspeção pessoal do empregado. O art. 373-A da CLT, inserido no capítulo do trabalho da mulher, na verdade, permite a revista desde que não seja vexatória. Valendo esclarecer, o dispositivo veda a revista íntima, assim entendida a humilhante ou que traduza violação ao direito à intimidade. Não há como negar reconhecimento ao poder diretivo do empregador, o seu indiscutível direito de fiscalizar seus empregados e o patrimônio da empresa, máxime na hipótese da própria atividade empresarial justificar um controle mais rigoroso, caso em que se admite a revista de forma moderada, assim mesmo como último recurso, à falta de outras medidas preventivas de salvaguarda da propriedade privada. Mas, o fato é que a vedação à revista íntima veio impor limite ao poder diretivo do empregador, visando, por sua vez, à proteção de outros valores consagrados pela Carta Magna, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a inviolabilidade do direito à intimidade (art. 5º, X). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Nesse sentido tem se posicionado a jurisprudência, conforme ilustram os seguintes julgados concedendo indenização por danos morais decorrentes de sujeição a revista íntima: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA. O fato de a empregadora possuir como atividade-fim o transporte e a guarda de dinheiro, bem suscetível de subtração e ocultação, justifica uma fiscalização mais rigorosa, inclusive a revista, como meio de proteger o patrimônio do empregador, mesmo porque não há na legislação brasileira nenhum dispositivo legal proibindo expressamente a inspeção e perquirição pessoal, como ocorre na legislação italiana. Aliás, o art. 373-A da CLT, inserido no capítulo do trabalho da mulher, até permite a revista, desde que não seja vexatória. Saliente-se, entretanto, que, se a efetivação do controle é feita por meio da revista, ela deve ser admitida como último recurso para defender o patrimônio empresarial e salvaguardar a segurança interna da empresa, à falta de outras medidas preventivas. Mesmo quando indispensável a revista, o intérprete deverá ater-se ao modo pelo qual ela foi levada a efeito pela empregadora; se ela era desrespeitosa e humilhante, traduzindo atentado ao pudor natural dos empregados e ao seu direito à intimidade, há que ser deferida a indenização por dano moral pleiteada. Aplicação analógica do art. 373-A da CLT, autorizada pelo art. 5º, I, da Constituição da República de 1988. (TRT-3ª Região - 13305/01 - 2ª Turma - Rel. Alice Monteiro de Barros DJMG 14.11.01) INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. FUNCIONÁRIA. VEDAÇÃO LEGAL. AFRONTA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE HUMANA. CONVENÇÃO 111 DA OIT. QUANTIFICAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PARÂMETROS. A CLT dispõe ser vedado ao empregador proceder à revista íntima nas funcionárias (artigo 373-A, inciso VI). In casu, é fato incontroverso que a reclamante foi submetida à revista íntima, não permitindo a norma este tipo de procedimento, ainda que haja suspeita de que a funcionária tenha cometido ato de improbidade. Aliado à legislação laboral, integra-se o entendimento de que ao empregador cabe assumir os riscos da atividade econômica (princípio da alteridade), assim como cabe ao empregado prestar seus serviços, pautando-se na boa-fé e urbanidade. Como meio de inibir condutas inadequadas de seus empregados, o empregador pode, e deve, exercer o chamado poder diretivo em prol da organização do trabalho, visando o bem-estar do meio empresarial e social que abrange. No entanto, não se deve confundir poder diretivo com sujeição hierárquica. O que se estabelece entre empregado e empregador é uma relação jurídica, e não submissão pessoal do empregado versus supremacia empresária. Existem limites para o poder diretivo, e estes começam pelo respeito à dignidade humana do trabalhador. O empregado é pessoa, não coisa. A este cabe pensar, sentir e colaborar com o empregador, e não dispor de sua força de trabalho como se mercadoria fosse, por isso deve ser respeitado. Submeter a reclamante à revista íntima, baseandose em “suspeita infundada”, porquanto não provada, de prática de ato de improbidade, atentatório contra o patrimônio do patrão, é, no mínimo, imoral, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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agressivo e contrário aos princípios do direito à dignidade humana, afrontando-se o direito à intimidade, de forma discriminatória. É garantia constitucional a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, à honra e imagem das pessoas. Tal poder deve ser exercido de forma responsável, coerente e dentro dos limites da razoabilidade. Neste sentido, o novo Código Civil veio regular a ocorrência de tais situações, dando-se destaque aos “Direitos da Personalidade” e sua proteção. A CONVENÇÃO 111 DA OIT, que trata da Discriminação no Emprego e Profissão, ratificada pelo Brasil, reconhece o limite ao poder do empregador, na medida em que este ofende a liberdade do empregado (como ser humano), em situações de desrespeito à dignidade humana, como no caso de prática de vistoria pessoal/corporal/ aviltante e humilhante. Por tais razões, configuradas as hipóteses de abuso de direito e de prática vedada em lei, condena-se a empresa a indenizar a autora por danos morais, cuja quantificação deve-se pautar por parâmetros envolvendo a gravidade da falta, os efeitos danosos perpetrados em desfavor da obreira, o potencial econômico da empresa-infratora e, notadamente, o caráter pedagógico da indenização. Recurso parcialmente provido. (TRT-3ª Região - 00771-2003-011-03-00-5 - 5ª Turma - Rel. Maria Cristina Diniz Caixeta - DJMG 22.11.03) Note-se, ainda, conforme elucida a decisão supra que a norma disposta no inciso VI do art. 373-A da CLT obsta o procedimento de revista íntima de modo objetivo, não permitindo a prática dessa medida em qualquer circunstância. Vale dizer, mesmo diante de suspeita de que a funcionária tenha cometido ato de improbidade, não poderá o empregador proceder à sua revista íntima. Por fim, mostra-se oportuno trazer à baila a fundamentação contida em aresto do TST sobre a matéria em comento, julgando-se procedente pedido de indenização por danos morais: [...] Está evidenciado, pois, que havia revista íntima. E esta, dúvida não há, ainda que venha sendo utilizada como medida de segurança é considerada lesiva à integridade e intimidade do trabalhador, sendo, portanto, vedada. Não é demais lembrar que, mesmo considerando a necessidade de salvaguarda do patrimônio do empregador e seu indiscutível direito de fiscalização, o controle deve ser realizado de forma respeitosa e sempre moderado. E, como os novos meios tecnológicos, tais como etiquetas magnéticas em roupas, livros e remédios, senhas, controle de entrada e saída de estoque e de produção, detector de metais, constituem recursos seguros de observar e controlar os estoques e os estornos de mercadorias, não é possível vislumbrar qualquer hipótese em que haja a necessidade de o trabalhador ser submetido a exame detalhado e minucioso na presença de outras pessoas, [...] Assim, considerando indiscutível a garantia legal de o empregador poder fiscalizar seus empregados (CF/88, art. 170, caput, incisos II e IV) na hora de saída do trabalho e, considerando, ainda, que a fiscalização deve dar-se mediante métodos razoáveis, de modo a não expor a pessoa a uma situação vexatória e humilhante, não submetendo o trabalhador à violação de sua intimidade (CF/88, art. 5º, X), tem-se que colisão de princípios constitucionais Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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em que de um lado encontra-se a livre iniciativa (CF/88, art. 170) e de outro a tutela aos direitos fundamentais do cidadão (CF/88, art. 5º, X) obriga o juiz do trabalho a sopesar os valores e interesses em jogo para fazer prevalecer o respeito à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, são os seguintes julgados desta Colenda Corte Superior: DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO. A revista íntima de empregada revela-se como conduta que caracteriza malferimento do direito à intimidade e à honra ante a vedação contida no inciso VI do artigo 373-A da CLT, justificando a condenação do empregador por danos morais. Precedentes: ERR-641.571/2000, Rel. Min. Maria Cristina Peduzzi, DJ 13.08.04, decisão unânime; RR-2195/99-009-05-00-6, 1ª Turma, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 09.07.04, decisão unânime; RR-360.902/97, 2ª Turma, Rel. Min. Vantuil Abdala, DJ 08.06.01, decisão unânime; RR-533.779/ 99, 2ª Turma, Juiz Convocado Samuel Corrêa Leite, DJ 06.02.04, decisão unânime; RR-512.905/98, 2ª Turma, Juiz Convocado José Pedro de Camargo, DJ 07.02.03, decisão unânime; e RR-426.712/98, 5ª Turma, Rel. Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa, DJ 21.11.2003. TST-RR-726.906/2001.4, Ac. 4ª Turma, Rel. Juiz Convocado Luiz Antonio Lazarim, DJ de 03.02.2006) DANO MORAL. PRESENÇA DE SUPERVISOR NOS VESTIÁRIOS DA EMPRESA PARA ACOMPANHAMENTO DA TROCA DE ROUPAS DOS EMPREGADOS. REVISTA VISUAL. 1. Equivale à revista pessoal de controle e, portanto, ofende o direito à intimidade do empregado a conduta do empregador que, excedendo os limites do poder diretivo e fiscalizador, impõe a presença de supervisor, ainda que do mesmo sexo, para acompanhar a troca de roupa dos empregados no vestiário. 2. O poder de direção patronal está sujeito a limites inderrogáveis, como o respeito à dignidade do empregado e à liberdade que lhe é reconhecida no plano constitucional. 3. Irrelevante a circunstância de a supervisão ser empreendida por pessoa do mesmo sexo, uma vez que o constrangimento persiste, ainda que em menor grau. A mera exposição, quer parcial, quer total, do corpo do empregado caracteriza grave invasão à sua intimidade, traduzindo incursão em domínio para o qual a lei franqueia o acesso somente em raríssimos casos e com severas restrições, tal como se verifica até mesmo no âmbito do direito penal (art. 5º, XI e XII, da CF). 4. Despiciendo, igualmente, o fato de inexistir contato físico entre o supervisor e os empregados, pois a simples visualização de partes do corpo humano, pela supervisora, evidencia a agressão à intimidade da empregada. 5. Tese que se impõe à luz dos princípios consagrados na Constituição da República, sobretudo os da dignidade da pessoa, erigida como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III), da proibição de tratamento desumano e degradante (art. 5º, inciso III) e da inviolabilidade da intimidade e da honra (art. 5º, inciso X). 6. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento para julgar procedente o pedido de indenização por dano moral. (TST-RR-2195/1999-009-05-00.6, Ac. 1ª Turma, Rel. Ministro João Oreste Dalazen, DJ de 09.07.2004). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar procedente o pedido de indenização por dano moral. (TST-RR-30748/2002-900-12-00.5 - 4ª Turma - Rel. Juíza Convocada Maria Doralice Novaes - DJ 26.05.06) Percebe-se aqui que não há dificuldade em se atribuir o caráter vexatório e humilhante à revista íntima. Sendo íntima, a inspeção é abusiva, portanto, vedada. A proteção ao campo de trabalho feminino aí se concretiza pela imposição de limites aos poderes potestativo e diretivo do empregador, o primeiro verificado na proibição de motivar-se a admissão ou a dispensa do empregado em razão do sexo; o segundo, durante o período do contrato, na fiscalização dos trabalhadores, coibindo-se a revista íntima. 6 PROTEÇÕES À TRABALHADORA GESTANTE Vem sendo notado que a doutrina assinala uma tendência de superação da normativa de proteção mediante o simples cotejo homem e mulher encaminhandose para uma “normativa unissex”8, constituída por normas de igualdade e aplicação geral dos preceitos trabalhistas, vale dizer, sem normas especiais, à exceção das disposições referentes ao amparo da maternidade, considerada, porém, como um fato social tal qual a enfermidade que exige um afastamento do trabalho por tempo necessário à aquisição de condições de reintegrar-se à ocupação, ou, na mesma linha em que se dá a suspensão do contrato de trabalho pelo serviço militar para o homem, que não acarreta encargos econômicos aos empregadores, uma vez que a remuneração é devida pela previdência social. Os direitos da trabalhadora gestante permitem sua análise sob dois enfoques: de um lado, as normas que têm por objetivo preservar a saúde da mulher e da criança durante a gravidez, por meio de direitos que visam garantir condições de trabalho compatíveis com a gestação e propiciar seu acompanhamento e desenvolvimento satisfatório; e de outro, regras que procuram descaracterizar a gravidez como impeditivo para a contratação ou manutenção do emprego da trabalhadora. Os primeiros têm com matriz os preceitos constitucionais de valorização e proteção à vida, à saúde, à família e à infância. Os segundos têm em vista a proteção ao mercado de trabalho da mulher, insculpida no art. 7º, XX, já analisado em tópico anterior. Observa-se com isso que a situação maternidade permite tratamento diferenciado não só em decorrência do princípio de proteção do mercado de trabalho da mulher, mas também, e principalmente, em virtude de outras proteções jurídicas consagradas na Carta Magna, como a saúde e a família. Nesse sentido, pontua Mauricio Godinho Delgado:

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CASTRO, Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de, citando Vivot, in A concretização da proteção da maternidade no direito do trabalho. Revista LTr, São Paulo, n. 08, agosto, 2005, p. 945. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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É evidente que a Constituição não inviabiliza tratamento diferenciado à mulher enquanto mãe. A maternidade recebe normatização especial e privilegiada pela Carta de 1988, autorizando condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem - e mesmo à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestação e recém-parto. É o que resulta da leitura combinada de diversos dispositivos, como o art. 7º, XVIII (licença à gestante de 120 dias), art. 226 (preceito valorizador da família) e das inúmeras normas que buscam assegurar um padrão moral e educacional minimamente razoável ao menor (contidos no art. 227, CF/88, por exemplo). De par com isso, qualquer situação que envolva efetivas considerações e medidas de saúde pública (e o período de gestação e recém-parto assim se caracterizam) permite tratamento normativo diferenciado, à luz de critério jurídico valorizado pela própria Constituição da República (ilustrativamente, o art. 196 que firma ser a saúde “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...”; ou o art. 197, que qualifica como de “relevância pública as ações e serviços de saúde...”, além de outros dispositivos, como artigos 194, 200, I e 7º, XXII, CF/88) (DELGADO, 2000, p. 103). Diante dessas considerações, vislumbramos que as proteções à trabalhadora em gestação podem ser classificadas em duas ordens: as relativas ao seu mercado de trabalho (como exemplos, a estabilidade à gestante e a vedação à exigência de atestado médico de gravidez); e as referentes às condições de trabalho (licença-maternidade, direito à transferência de função, intervalo para amamentação, dentre outros). A estabilidade à gestante e a licença-maternidade são as garantias mais importantes de proteção à maternidade, uma vez que têm estatura constitucional, mas deve ser ressaltado que, conforme ressalta Alice Monteiro de Barros, todas as normas de proteção à maternidade são imperativas, insuscetíveis de disponibilidade. 7 PROIBIÇÃO DE DIFERENÇA DE SALÁRIO, DE EXERCÍCIO DE FUNÇÃO E DE CRITÉRIOS DE ADMISSÃO POR MOTIVO DE SEXO A norma inserta no inciso XXX do art. 7º da Constituição da República consagra o maior corolário de isonomia no âmbito trabalhista, traduzindo-se em relevante medida de proteção contra a discriminação no labor feminino. Estabelece o dispositivo a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo. Refletindo o comando constitucional antidiscriminatório, a Lei n. 9.799/99 acrescentou à CLT o art. 373-A, proibindo-se considerar, dentre outros critérios, o sexo como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional (inciso III). É bem verdade que a regra configura mais um reforço da vedação de distinção salarial para o mesmo trabalho, uma vez que a legislação trabalhista já dispunha de norma proibitiva nesse mesmo sentido. Com efeito, o art. 461 da CLT assegura que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Nota-se aqui a pretensão do legislador em conferir relevância a tal medida antidiscriminatória, uma vez que, inserindo-a no capítulo da CLT que trata da proteção do trabalho da mulher, sujeita o infrator desse dispositivo ao pagamento de multa de 2 a 20 valores de referência (art. 401 da CLT) - penalidade maior do que aquela imposta à transgressão do art. 461, que é de 10 vezes o valor de referência (art. 510). Entretanto, a par de todas as tentativas no sentido de igualar salários por trabalho de igual valor e de conferir-se à mulher as mesmas oportunidades de inserção no mercado de trabalho, as estatísticas revelam que há pouca correspondência entre o progresso da legislação e o seu reflexo na realidade. 7.1 A realidade do mercado de trabalho da mulher Em estudo e pesquisa divulgados pelo DIEESE, sobre trabalho e renda da mulher na família, na comparação de dados referentes ao período de 1998 a 2004, a instituição evidencia as principais características da inserção feminina no mercado de trabalho brasileiro. Os dados revelam a forma como evoluiu a entrada da mulher no mercado de trabalho, as dificuldades enfrentadas e as desigualdades de inserção, sendo oportuno trazê-las à baila, após toda a evolução da legislação no combate à discriminação no labor feminino. Analisando-se a taxa de participação (População Economicamente Ativa/ População em Idade Ativa - PEA/PIA) - indicador que reflete a parcela da população com 10 anos ou mais que está trabalhando ou procurando emprego - verifica-se que a masculina, embora predominante em todas as regiões examinadas, mantevese estável ou apresentou-se de forma decrescente. Com relação à taxa de participação feminina, ao contrário, os dados indicam, em 2004, crescimento significativo em relação a 1998 (com destaque para Belo Horizonte, com taxa de 13,4%), enquanto a participação masculina registrou retração de -0,7% (Tabela 1). TABELA 1 Taxa de participação segundo sexo Regiões metroplitanas e Distrito Federal - 1998 e 2004 (em %) Regiões metropolitanas Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre Recife Salvador São Paulo

1998 Mulher Homem

2004 Mulher Homem

Var. 2004/1998 Mulher Homem

47,7 54,2 46,1 43,6 52,5 50,8

54,1 58,6 49,8 43,2 55,5 55,5

13,4 8,1 8,0 -0,9 5,7 9,3

68,6 70,8 68,4 65,8 68,7 73,3

68,1 71,4 66,8 62,5 69,3 73,0

-0,7 0,8 -2,3 -5,0 0,9 -0,4

Fonte: Convênio DIEESE/Seade/MTE-FAT e convênios regionais. PED-Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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Entretanto, a maior presença no mercado de trabalho não lhes garante igualdade de inserção e qualidade de trabalho, uma vez que as taxas de desemprego feminino apresentaram-se superiores às masculinas. Em 1998, a mulher já representava mais da metade do total de desempregados das regiões examinadas (Gráfico 1). GRÁFICO 1 Proporção de mulheres no total de desempregados Regiões metropolitanas e Distrito Federal - 1998 a 2004 58,056,7 (em %) 56,054,7 54,052,050,048,0-

53,8 51,1 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

53,0 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

52,9

50,3 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345

50,6

46,0Belo Horizonte Distrito Federal Porto Alegre

51,7

123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

Recife

1234 1234 1234 1998

52,8

51,1 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

Salvador

49,9 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

São Paulo

2004

Fonte: Convênio DIEESE/Seade/MTE-FAT e convênios regionais. PED-Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Essa dificuldade de inserção acaba por determinar a sujeição das mulheres a funções vulneráveis, além de lhes reservar salários inferiores aos pagos aos homens para uma mesma atividade. Por inserção vulnerável entendam-se postos de trabalho sem carteira assinada, trabalho doméstico e autônomo, sabidamente sem proteção e direitos trabalhistas. Esclarece a pesquisa do DIEESE que essa maior vulnerabilidade do trabalho feminino explica-se, em parte, pela presença da mulher no emprego doméstico, superior a 15% em todas as regiões. Na análise dos rendimentos, verificou-se que, quando ocupada, a mulher enfrenta outra dificuldade, que é a desigualdade de remuneração em relação ao homem, tomando-se como indicador o valor da hora trabalhada, considerando-se que a jornada feminina tende a ser sistematicamente inferior à masculina. No conjunto de regiões, a proporção do rendimento feminino variou entre 85,8%, em Porto Alegre, e 74,8%, em Belo Horizonte, sendo que em São Paulo, no Distrito Federal e no Recife as mulheres recebiam, em média, 77,9% do que ganham os homens em 2004.

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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É bem verdade que se evidenciou no período uma redução da desigualdade entre rendimentos de homens e mulheres. Mas, esclarece a pesquisa que esse fator não decorreu de um virtuosismo do mercado de trabalho brasileiro, sendo conseqüência da acentuada retração dos rendimentos masculinos, significativamente maior que a observada nos rendimentos das mulheres durante o período, o que revela um empobrecimento generalizado, tanto dos trabalhadores homens quanto das trabalhadoras mulheres (Gráfico 2). GRÁFICO 2 Proporção do rendimento médio hora feminino em relação ao masculino Regiões metropolitanas e Distrito Federal - 1998 e 2004 100,090,080,070,060,050,040,030,020,010,00,0-

74,8

123456 74,3 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

74,8

123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

77,9

80,5

123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

85,8

(em %) 77,9 123456 73,5 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

Belo Horizonte Distrito Federal Porto 123 Alegre Recife 123 123 1998

79,1 68,6

123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

Salvador 2004

77,9 123456 74,3 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456 123456

São Paulo

Fonte: Convênio DIEESE/Seade/MTE-FAT e convênios regionais. PED-Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Sabe-se que o nível de instrução costuma ser, no mercado de trabalho, fator de diferenciação salarial, de forma que aquele que mais estuda recebe salário maior. Em geral, as pesquisas apontam a maior escolaridade feminina. Todavia, quando se compara o nível de instrução e rendimentos, melhor sorte não assiste às mulheres. Independentemente da escolaridade, o rendimento por hora das assalariadas é menor do que o dos homens, em todas as regiões metropolitanas. Os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) estimam que, em 2001, as mulheres tinham, em média, 7,7 anos de estudo e os homens, 6,7. Entre as mulheres ocupadas, 35% possuíam onze ou mais anos de estudo, enquanto entre os homens este percentual era de 25%. Os dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) revelam a desigualdade de remuneração entre homens e mulheres com a mesma escolaridade. Em São Paulo, os salários das mulheres que cursaram o nível superior equivalem a cerca de 67% da remuneração dos homens com ensino superior, diminuindo essa diferença para os níveis Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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de instrução menores. No total, os rendimentos das mulheres correspondem a 90% dos dos homens. No Distrito Federal, por sua vez, as maiores diferenças de salários por sexo acontecem entre aqueles que possuem ensino médio completo e incompleto, pois as mulheres recebem 68% do salário dos homens. (Tabela 2) TABELA 2 Rendimento médio real por hora dos assalariados segundo nível de instrução, por sexo Regiões Metropolitanas – 2002 (em Reais de janeiro de 2003) Ensino fundamental incompleto (1)

Ensino fundamental completo

Ensino médio incompleto

Ensino médio completo

Ensino Superior (2)

1,78

2,24

2,80

2,67

4,02

10,96

4,33 3,99

(3) (3)

2,39 1,87

3,01 2,29

2,91 2,17

4,79 3,24

13,24 9,18

7,22

2,20

2,53

3,47

3,26

5,83

15,29

Homens Mulheres

7,46 6,89

2,20 (3)

2,65 2,23

3,80 2,78

3,70 2,54

6,94 4,73

17,47 13,25

Porto Alegre

4,73

(3)

2,76

3,16

3,04

4,55

10,45

Homens Mulheres

4,87 4,42

(3) (3)

3,00 2,18

3,45 2,52

3,28 2,63

5,21 3,74

12,13 8,95

3,65

1,44

1,83

2,32

2,32

3,39

10,51

3,65 3,67

1,48 1,21

1,90 1,54

2,54 1,73

2,58 1,81

4,02 2,68

12,87 8,50

4,06

1,49

1,89

2,28

2,25

3,85

10,72

4,09 4,03

1,54 (3)

2,00 1,50

2,45 1,76

2,47 1,81

4,62 3,05

12,87 9,11 14,30

5,72

2,60

3,19

3,90

3,37

5,13

5,95 5,36

2,69 (3)

3,42 2,54

4,19 3,19

3,65 2,90

5,85 4,34

Regiões metropolitanas

Total

Analfabeto

Belo Horizonte

4,18

Homens Mulheres Distrito Federal

Recife Homens Mulheres Salvador Homens Mulheres São Paulo Homens Mulheres

17,40 11,44

Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego Elaboração: DIEESE Obs: a) Inflator utilizado: IPCA/BH/Ipead; até maio de 2001 – IPCR-SDE/GDF e desde junho de 2001, INPC/DF – IBGE; IPC-iepe/RS; IPC-Descon/Fundaj/PE; IPC-SEI/BA; ICV-DIEESE/SP b) Exclusive os assalariados e os empregados domésticos mensalistas que não tiveram remuneração no mês, os trabalhadores familiares sem remuneração salarial e os empregados que receberam exclusivamente em espécie ou benefício

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Em outra pesquisa - A Situação das Mulheres em mercados de trabalho metropolitanos -, divulgada no Boletim DIEESE Edição Especial, em 2002, a entidade evidencia as desigualdades nas ocupações exercidas por ambos os sexos. Informa o DIEESE que cerca de metade dos assalariados, independentemente do sexo, ocupam funções de execução, representadas por atividades-fim do setor econômico a que pertencem. Em torno de 55% dos homens estão envolvidos neste tipo de função, enquanto entre as mulheres o percentual fica em, aproximadamente, 40%. Percentuais próximos a 30% dos assalariados encontram-se em tarefas de apoio, ou seja, exercem funções complementares àquelas que caracterizam a atividade principal do local onde trabalham. Entre os homens, este tipo de função é desempenhado por menos de 30% deles (com exceção do Distrito Federal), enquanto entre as mulheres os percentuais situam-se, em geral, acima de 35% (só em Porto Alegre o percentual é menor, 32,2%). Uma parcela menor - próxima a 10% - ocupa postos de direção e planejamento, exercendo funções, com freqüência, colocadas no topo da hierarquia funcional. Há proporcionalmente mais mulheres em atividades de apoio e de direção e planejamento, enquanto os homens estão mais presentes em postos de trabalho de execução. Entre as funções de direção e planejamento cabem, preferencialmente, às mulheres as tarefas de planejamento e organização, ocupações especializadas, mas não de comando. Entre 72% e 80% das mulheres que, nas diferentes regiões, desenvolvem atividades de direção e planejamento, encontram-se tarefas de planejamento e organização. No caso dos homens, de 63% a 69% exercem esse mesmo tipo de função. Os demais trabalhadores do sexo masculino, ou seja, sempre mais de 30% daqueles que trabalham em direção e planejamento, estão nas atividades de comando e do topo da hierarquia funcional. Dentre as tarefas de execução, as mulheres estão, proporcionalmente, mais presentes que os homens em tarefas mais qualificadas, que requerem especialização e experiência. Dentre as mulheres que atuam em funções de execução, mais de 30% delas (menos em São Paulo, com 28%, e Porto Alegre, com 24%) encontram-se em postos de trabalho qualificados. Entre os homens, no máximo 20% dos que atuam em funções de execução encontram-se entre os qualificados. Sua presença é maior entre os semiqualificados, exercendo tarefas mais repetitivas e com menor complexidade. Nas tarefas de apoio, as mulheres estão mais presentes que os homens, sendo ampla maioria entre os trabalhadores que exercem serviços de escritório. Em torno de 40% das mulheres - portanto a maior parcela dentre as que trabalham nas tarefas de apoio – desempenham atividades de escritório. Apenas em São Paulo, a parcela daquelas que realizam tarefas não operacionais (atividades administrativas em geral) é superior a das que atuam em serviços de escritório. Conclui a pesquisa que esse perfil diferenciado por gênero indica que, se Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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por um lado as mulheres têm tido acesso a postos de trabalho mais qualificados, tanto na execução como no planejamento, reflexo em certa medida de seu melhor nível de instrução, elas ainda têm menores possibilidades que os homens de ocupar posições hierarquicamente superiores (direção e gerência). Como se vê, a par do crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, muitas dificuldades permanecem no que se refere a salários, à discriminação na contratação e na ascensão profissional. Os rendimentos da mulher no mercado de trabalho são sempre inferiores aos dos homens, mesmo quando exercem a mesma função e têm a mesma forma de inserção. Nem mesmo a maior escolaridade média feminina elimina esta diferenciação, indicando uma clara discriminação em relação ao seu trabalho. Na há dúvida de que a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho ainda é evidente, demonstrando que, apesar dos avanços já obtidos, há um longo caminho a se trilhar para que os indicadores possam revelar condições de total igualdade entre os sexos no mercado de trabalho. 8 NEGOCIAÇÕES COLETIVAS SOBRE O TRABALHO DA MULHER Em pesquisa divulgada pelo DIEESE - Negociação Coletiva e Eqüidade de Gênero no Brasil: cláusulas relativas ao trabalho da mulher 1996-2000 - evidenciase a importância da organização sindical e da negociação coletiva como instrumentos de promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. O objetivo do estudo foi o de sistematizar e analisar as cláusulas das negociações coletivas que abordam o trabalho da mulher e as relações de gênero no trabalho, entre 1996 e 2000, captando o estágio das negociações de questões relacionadas à participação da mulher no mercado de trabalho e, a partir da análise, indicar possíveis evoluções, retrocessos ou estagnação desse processo. A pesquisa tomou por base o SACC-DIEESE - Sistema de Acompanhamento das Contratações Coletivas - que tem cadastro de documentos resultante das negociações entre empregados e empregadores ou de decisões da Justiça do Trabalho, incluindo, portanto, acordos coletivos, convenções coletivas e sentenças normativas. Desde 1993, foram coletados pelo sistema 94 documentos ao ano, abrangendo, aproximadamente, trinta categorias profissionais, pertencentes aos setores industrial, comercial e de serviços, de 14 unidades da Federação das diferentes regiões geográficas do país. O estudo revela que, para cada contrato coletivo cadastrado, foram registrados, em média, cinco cláusulas que tratam das garantias referentes ao trabalho da mulher. Em parte das categorias profissionais não consta uma única cláusula sobre o tema, mas em algumas delas chegaram a ser encontradas até dez em cada um dos anos. A grande maioria das garantias está relacionada à gestação, maternidade e responsabilidades familiares, representando cerca de 85% do total. Os outros 20% estão distribuídos entre os temas condições de trabalho (com 8%), exercício do trabalho (menos de 2%), saúde (em torno de 5%) e eqüidade de gênero (próximo a 4%). As garantias mais disseminadas nos contratos coletivos são as Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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regulamentadas por lei e, embora o processo de negociação coletiva tenha assegurado a conquista de diversas cláusulas, estas estão restritas a poucas categorias profissionais. No grupo de cláusulas relativas à gestação, a mais freqüente é a que se refere à estabilidade da gestante, negociada por 85% das categorias profissionais pesquisadas. E embora a maioria reafirme as disposições legais, observou-se em boa parte delas ampliação do prazo da estabilidade prevista em lei. Observa-se, ainda, conquista relevante do ponto de vista do acompanhamento e resguardo da gravidez, como a liberação da gestante antes do término da jornada, que não tem como referência a legislação brasileira, constituindo, portanto, uma inovação resultante do processo de negociação coletiva. As garantias asseguradas por lei, como creche, acordada por 60% das categorias profissionais; licença-paternidade, por 35%; licença-maternidade, por 22%; auxílio-educação, por 23% e intervalos para amamentação, por 15%, são as mais difundidas nos diversos contratos coletivos. O conteúdo dos textos referentes à maternidade/paternidade segue a tendência geral da sociedade em atribuir às mulheres a responsabilidade pelos cuidados com as crianças: são poucos os contratos que têm a preocupação de assegurar a todos os trabalhadores garantias para que seja possível a conciliação entre trabalho e filhos. Nesse grupo de cláusulas, duas das novidades introduzidas pelo processo de negociação são bastante disseminadas entre as categorias profissionais examinadas. É o caso das garantias relativas à adoção e aos abonos de faltas para acompanhamento dos filhos. Das oitenta categorias profissionais que incluem cláusulas de estabilidade à gestante em seus contratos coletivos, cinco conquistam garantia temporária no emprego para as mães adotantes. Sobre as cláusulas relativas às condições de trabalho das mulheres, no estabelecimento de regras para o processo de revista de pessoal, negociado por 15% das categorias profissionais, não se questiona a legitimidade desse procedimento em relação aos trabalhadores. O assédio sexual por parte das chefias, um dos maiores problemas enfrentados pelas trabalhadoras, é mencionado por apenas uma entre 94 categorias. Quando se trata da questão da jornada, destacam-se duas categorias profissionais que ressalvam a necessidade de se considerar a situação das empregadas mães, no caso de flexibilização de trabalho, introduzidas em 1998. As garantias sobre qualificação profissional da mulher, de grande importância para o mercado de trabalho atual, estão praticamente inexistentes no material examinado. As cláusulas referentes à eqüidade de gênero limitam-se a transcrever os dispositivos legais que proíbem a discriminação, sem apresentar formas de controle ou punição para atitudes ou ações deste tipo. Tampouco estabelecem formas positivas de ação para a reversão das desigualdades. Tais garantias contra a discriminação foram localizadas em apenas dezesseis categorias profissionais (17% do total). Nove delas referem-se à igualdade de remuneração entre todos os trabalhadores e duas explicitam as diferenças salariais que serão aceitas. Outra assegura que haverá igualdade de oportunidade à mulher Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.27-51, jul./dez.2006

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para concorrer a cargo de chefia e outra, ainda, igualdade de condições de trabalho, salário e progressão funcional. Duas categorias afirmam que não haverá distinção de qualquer natureza. No período 1996 a 2000, quatro categorias profissionais passam a incluir cláusulas desse tipo em seus contratos, o que indica uma evolução desse tema no processo de negociação coletiva. Por fim, a pesquisa conclama a importância da negociação coletiva na regulamentação das relações de trabalho, tanto no que se refere à introdução de garantias ausentes da legislação quanto à ampliação de direitos já previstos, uma vez que foi nesse processo que se asseguraram conquistas como estabilidade ao pai, liberação para o acompanhamento de filhos, extensão dos prazos legais de estabilidade da gestante e de utilização de creches, abrindo espaço para a negociação de questões de gênero e do trabalho das mulheres, possibilitando sua intensificação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 478. - ______________. Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: VIANA, Márcio Túlio e RENAULT, Luiz Otávio Linhares (coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, p. 36-76. - DELGADO, Mauricio Godinho. Proteções contra discriminação na relação de emprego. In: VIANA, Márcio Túlio e RENAULT, Luiz Otávio Linhares (coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000, p. 97-108. - FURTADO, Emmanuel Teófilo. Isonomia à luz da Constituição e das Leis e o trabalho da mulher. Revista LTr, São Paulo, n. 10, p. 1181-1194, outubro, 2004. - GUNTHER, Luiz Eduardo e ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O trabalho da mulher e os artigos 376, 383 e 384 da CLT. Revista LTr, São Paulo, n. 01, p. 50-55, janeiro, 2002. - LIMA FILHO, Francisco das C. A discriminação do trabalhador no contrato de trabalho e o princípio constitucional da igualdade. Revista LTr, São Paulo, n. 10, p. 1199-1208, outubro, 2001. - MARTINS, Sérgio Pinto. Práticas discriminatórias contra a mulher e outros estudos. São Paulo: LTr, 1996, 264 p. - NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr. - ______________. O direito do trabalho analisado sob a perspectiva do princípio da igualdade. Revista LTr, São Paulo, n. 7, p. 781, julho, 2004. - SENA, Adriana Goulart de. Trabalho da mulher. In: BARROS, Alice Monteiro de (coord.). Curso de direito do trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá. V. I. 3. ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 582-610. - SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, 818 p. - SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998.

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ALÉM DOS PORTÕES DA FÁBRICA - O DIREITO DO TRABALHO EM RECONSTRUÇÃO Paulo Gustavo de Amarante Merçon* como rosas sem pétalas, mas rosas - Jorge de Lima 1 INTRODUÇÃO Em estudo anterior1, confrontamos a idéia da relação de trabalho lato sensu com a do fornecimento de serviços de consumo, na perspectiva da direção do proveito econômico: na relação de consumo, o favorecido economicamente é o prestador dos serviços, daí a proteção jurídica conferida ao tomador/consumidor; na direção inversa, o proveito econômico principal da relação de trabalho beneficia o tomador, razão pela qual as normas trabalhistas amparam o prestador dos serviços. Distingüimos então a essência da relação de trabalho na expropriação do trabalho alheio (na ótica do prestador, o trabalho em proveito econômico alheio). Tal condição não se verifica no mero consumo dos serviços, daí sustentarmos que só haverá relação de trabalho quando o tomador dos serviços lhes conferir destinação produtiva. A noção de trabalho produtivo, contudo, ainda evolui na ciência econômica e filosofia política, variando desde a concepção mais restrita da economia política clássica até a mais plástica da teoria do imaterial. Assim sendo, por considerarmos que a relação de trabalho é um conceito jurídico de conteúdo essencialmente social e econômico2, e com o objetivo de consolidar e enriquecer as proposições de nossa tese, apresentamos no presente estudo, em brevíssima e descomplicada síntese, noções de economia política acerca da relação capital/trabalho no capitalismo industrial, dissecando-as à luz da ciência social e política da era pós-industrial. Em seguida, analisamos nuances da exploração do trabalho no capitalismo neoliberal, submetendo-as ao crivo justrabalhista. O leitor mais impaciente ou apressado poderá saltar direto ao item 7, a partir do qual formulamos um desenho teórico da relação de trabalho lato sensu, e o colocamos à prova analisando formas específicas de prestação pessoal de serviços, algumas delas situadas em zona gris (por sua relevância e especificidade, a relação de trabalho de natureza estatutária será objeto de estudo em separado, oportunamente). Por fim, sugerimos um conceito legal à relação de trabalho lato sensu, e um esboço de modelo extensivo de normas trabalhistas aos trabalhadores à margem da CLT. * 1 2

Juiz titular da 4ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano - MG. Relação de trabalho - contramão dos serviços de consumo. O que, a nosso ver, faz com que o Direito do Trabalho pós-EC n. 45/04 assuma uma dimensão sociológica muito mais profunda, e revele, sob arranhada superfície justrabalhista, um oceano inexplorado em biologia microeconômica. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Como uma resposta ao monólogo neoliberal e ao slogan da desregulamentação, o processo de reconstrução do Direito do Trabalho afigurase-nos medida indispensável à efetividade da ampliação da competência material trabalhista, evitando que a relação de trabalho deságüe em conceito teórico vazio. – E então, tateando os contornos da relação de trabalho lato sensu, desvelaremos o semblante desse novo Direito do Trabalho... nas feições da própria relação de emprego. 2 TRABALHO PRODUTIVO: DO PRODUTO DA FÁBRICA AO TRABALHO IMATERIAL A economia política clássica reduz a noção de trabalho produtivo à atividade humana que se incorpora em mercadoria palpável. Nesse sentido, a lição de Adam Smith3 Existe um tipo de trabalho que acrescenta algo ao valor dos objetos sobre os quais se aplica, e existe um outro tipo que não tem tal efeito. Por produzir um valor, é possível chamar o primeiro de trabalho produtivo; ao último, de improdutivo. Assim, o trabalho de um empregado de manufatura geralmente acrescenta, ao valor das matérias-primas às quais se aplica, o valor de sua própria manutenção, e o do lucro de seu patrão. O trabalho de um criado, ao contrário, nada acrescenta ao valor de qualquer coisa. Smith enfatizava que o trabalho produtivo “fixa-se e se realiza num objeto particular ou mercadoria vendável, que perdura, pelo menos, durante algum tempo após o término do trabalho”, ao contrário do trabalho improdutivo, que “perece no instante mesmo de sua produção” - citando, além dos criados, o exemplo dos advogados, médicos, servidores públicos, todos os gêneros de letrados e artistas. Karl Marx, em sua crítica da economia política, grifou o conceito de trabalho produtivo da escola clássica com o traço da mais-valia4: Ademais, restringe-se o conceito de trabalho produtivo. A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, ela é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador não produz para si, mas para o capital. [...] Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista.5 Nesse ponto, é importante sublinhar que ambas as doutrinas (a economia política clássica e a teoria marxista) foram concebidas à época da dominação industrial. Daí a análise de Marx, na mesma direção de Smith, de que os serviços, não se transformando em mercadorias autônomas, constituíam (ainda que exploráveis pelo capital) magnitudes insignificantes, se comparados com o volume da produção capitalista à época. 3 4 5

SMITH, Adam. A riqueza das nações. V. I, p. 413-415. Sobre mais-valia, v. itens 4 e 13. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, v. 2, p. 578. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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O mesmo Marx, todavia, fez questão de ressalvar: Para se falar em produção deve-se ou buscar o processo de desenvolvimento histórico através de suas diferentes fases, ou declarar de antemão que se está lidando com uma época específica.6 Como observam Michael Hardt e Antonio Negri7, a evolução dos paradigmas econômicos desde a Idade Média demarca-se em três momentos distintos: um primeiro paradigma, no qual a agricultura e as atividades extrativas dominaram a economia; um segundo, no qual a indústria e a fabricação de bens duráveis foram hegemônicas; e um terceiro (e atual) paradigma, no qual a oferta de serviços, a troca de informações e a informatização são o coração da produção econômica.8 André Gorz9 aponta que, se o capitalismo moderno centrou-se na valorização do capital fixo material, o capitalismo pós-industrial valoriza um capital dito imaterial; em conseqüência, o centro da criação de valor passa a ser o trabalho imaterial, ao qual os padrões clássicos de medida (unidades de produto por unidades de tempo) não podem se aplicar. Nessa nova paisagem socioeconômica, soa antiquado o conceito clássico de trabalho produtivo, restrito à materialização de mercadorias. Na sociedade pósindustrial, o conhecimento e o trabalho intelectual produzem ainda mais valor econômico que o trabalho material ou imediato, mesmo no âmbito industrial, na medida em que a informação e a informatização passam a dominar o capital fixo material da indústria. Passa a ser mais estratégico para a empresa, por exemplo, o trabalho envolvendo conhecimento tecnológico-científico, que irá potencializar a própria produção dos bens materiais. Ademais, no capitalismo cognitivo a indústria enfoca mais a comercialização que a produção das mercadorias, intervindo o trabalho imaterial na integração da relação produção/consumo. Fora da fábrica, a notável expansão do setor de serviços10 apenas confirma a produtividade do trabalho imaterial na economia pós-moderna.

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MARX, Karl. Grundrisse: foundations of the critique of political economy, p. 85. HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império, p. 302. Os autores propõem uma análise qualitativa, observando que, quando Marx vislumbrou no trabalho industrial e na produção capitalista uma tendência econômica transformadora, a agricultura ainda era predominante em termos quantitativos (in Multitude: war and democracy in the age of empire, p. 141). GORZ, André. O Imaterial: conhecimento, valor e capital, p. 15-19. Ricardo Antunes (in Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho, p. 46-47) relata tendência de vertiginosa expansão do setor de serviços em todos os países de economia central. Também o Brasil, na condição de país emergente, apresenta índices expressivos de expansão dos serviços, com participação cada vez maior no PIB, conforme dados do IBGE. Antunes, que perfilha o conceito ortodoxo de trabalho produtivo, por vezes inclina-se à noção mais abrangente, como quando afirma que “o capital de nossos dias amplificou a lei do valor, extraindo sobretrabalho nas fábricas, bancos, escolas, nos serviços, etc.”, e que “há trabalho produtivo hoje onde não existia ontem” (in O caracol e sua concha - ensaios sobre a nova morfologia do trabalho, p.97).

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O trabalho imaterial - que Hardt e Negri também denominam biopolítico11 - é o que cria produtos imateriais, como conhecimento, informação, comunicação ou relações. Os autores o realçam em suas formas intelectual (ou lingüística) e afetiva12, mas incluem no conceito a prestação de serviços que não resultam em produto material. Destacam ainda o trabalho industrial informatizado e a produção integrada ao consumo (marketing, publicidade, moda, produção audiovisual, de software, etc.). 3 UMA CRÍTICA À TEORIA DO TRABALHO IMATERIAL Os ideólogos da economia do imaterial vaticinam que o trabalho interativo em rede das comunidades da internet e as qualidades cooperativas da força de trabalho imaterial subverterão gradualmente a lógica capitalista que perdura desde a Revolução Industrial: a separação entre os trabalhadores e o produto do seu trabalho. André Gorz13 argumenta que, com a universalização do computador e da internet, os meios de produção tornam-se apropriáveis e partilháveis, e o conhecimento passa a ser a força produtiva principal, substituindo o trabalho vivo por trabalho acumulado (e economizado) na forma de softwares. E conclui que, se o conhecimento é fonte de valor, “ele destrói muito mais valor do que serve para criar”, abrindo então a perspectiva de uma “crise do capitalismo em seu sentido mais estrito”, rumo a uma economia da abundância ou gratuidade. Michael Hardt e Antonio Negri aduzem que, na pós-modernidade, a produtividade assume a forma de interatividade cooperativa, mediante redes lingüísticas, de comunicação e afetivas.14 Negri vislumbra, nesse contexto, uma “independência progressiva da força de trabalho, enquanto força de trabalho intelectual e trabalho imaterial, em face do domínio capitalista.”15 O i. filósofo italiano desenvolve o conceito marxista do intelecto geral (general intellect16), reputando-o o ator fundamental do atual processo social de produção, seja sob a forma do trabalho científico geral, seja articulado através da cooperação social. E enxerga nas energias criativas do trabalho imaterial o potencial de “um tipo de comunismo espontâneo e elementar”.17

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Biopolítico no sentido de criar não apenas bens materiais, mas também relações e a própria vida social (HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multitude: war and democracy in the age of empire, p. 109). Trabalho afetivo é o que produz ou manipula afetos. Os autores citam desde o trabalho de assistentes sociais e comissárias de bordo até o de jornalistas e mídia em geral (op. cit., p. 108). Op. cit., p. 15, 21 e 37. HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império, p. 315. LAZZARATO, Maurizio e NEGRI, Antonio. Trabalho Imaterial, p. 26-33. Em genial abstração, Marx anteviu que o progresso da ciência e da tecnologia faria do general intellect (o saber social geral acumulado) a força produtiva que dominaria o processo da vida social (in Grundrisse: foundations of the critique of political economy, p. 706). HARDT, Michael e NEGRI, Antonio (ult. op. cit., p. 315). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Esse capítulo da teoria do imaterial deve ser examinado com cuidado. De início, percebe-se na análise dos filósofos do imaterial um corte claramente eurocêntrico. Soa ainda artificial falar em força de trabalho rica em capacidade e criatividade, ou em articulação da cooperação social do trabalho com independência do capital, em países como o Brasil, onde o acesso ao conhecimento é privilégio de uma minoria, e a pós-grande indústria ainda se infiltra no modo de produção fordista. Feita essa ressalva, a internet decerto possibilita uma partilha gratuita do conhecimento e sua reprodução em quantidades ilimitadas a um custo desprezível. Por outro lado, como assinala André Gorz, a conversão do conhecimento em capital imaterial da empresa se realiza através da limitação de sua difusão e do controle de acesso, por intermédio de meios jurídicos (certificados, direitos autorais, licenças, contratos), ou do monopólio (franquias, estratégias de marketing, valor comercial da marca, etc.)18 A distribuição e reprodução gratuitas do conhecimento, portanto, em que pese se alastrarem a cada dia no mundo virtual, não passam de um desvio na lógica capitalista de apropriação dos meios de produção. Ademais, trata-se muito mais de uma partilha do consumo que propriamente da produção - esta última envolve, em geral, atividades ilícitas como a pirataria. No âmbito da relação de trabalho, a capitalização do conhecimento é assegurada através da apropriação, pelo capital, dos direitos decorrentes da criação intelectual ou científica do trabalhador a ele subordinado. Talvez se possa cogitar de uma dependência do capital em relação ao saber intelectual e tecnocientífico dos trabalhadores mais qualificados. Mas, como destacam Ricardo Antunes 19 e André Gorz 20, tais trabalhadores em verdade personificam o capital: investidos do poder de comando, representam o patronato e exercem papel central no controle e gestão do processo de valorização do capital. De todo modo, enquanto permanecerem a serviço do capital, tais trabalhadores também terão seu conhecimento explorado em algum grau; somente o emanciparão ao se desligarem da empresa, mas para ativá-lo com eficácia dependerão novamente do capital alheio - a menos que se tornem, eles próprios, capitalistas, quando então, ainda que microempresários, certamente passarão a expropriar o trabalho alheio, especialmente o menos qualificado. Do que se conclui que, mesmo nas economias dominantes, a produção interativa/cooperativa e emancipada do capital, de que cogita Negri, esboça-se como uma força produtiva secundária, que não elide a lógica da produção capitalista. Essa força de trabalho social e autônoma, capaz de organizar o próprio trabalho e as próprias relações com a empresa, circunscreve-se, de todo modo, ao ciclo do trabalho imaterial21, particularmente o mais qualificado. 18

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Referindo-se ao fascínio da bolsa de valores americana pelos ativos imateriais na segunda metade dos anos 1990, Gorz relata que, naquele período, “os mais ricos ficaram ainda mais ricos, 80% da população ficou ainda mais pobre” (op. cit., p. 40). ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho, p. 52. Op. cit., p. 34. LAZZARATO, Maurizio e NEGRI, Antonio, op. cit., p. 26-27. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Por outro lado, nos países periféricos (mesmo os emergentes) prolifera e se intensifica o trabalho menos qualificado22 - justamente o mais explorado pelo capitalismo neoliberal.23 Eis a realidade que interessa ao Direito do Trabalho brasileiro. Essa a nossa ressalva à teoria do trabalho imaterial. Ao contrário dos marxistas ortodoxos, convergimos para a perspectiva de uma tendência hegemônica do conhecimento e do trabalho imaterial na sociedade pós-industrial, em termos qualitativos. Apenas não vislumbramos nesse fenômeno uma quebra ou mesmo ameaça à lógica da produção capitalista, na medida em que também o trabalho imaterial pode ser (e é) expropriado pelo capital.24 Ademais, analisando-se a economia em perspectiva global, a exploração do trabalho menos qualificado ainda que deslocada aos países periféricos - subsiste como elemento indispensável ao processo de produção pós-industrial. 4 O VALOR-TRABALHO NA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL Discorrendo sobre a economia do imaterial, André Gorz escreve que “a heterogeneidade das atividades de trabalho ditas cognitivas, dos produtos imateriais que elas criam e das capacidades e saberes que elas implicam, torna imensuráveis tanto o valor das forças de trabalho quanto o dos seus produtos”, o que “põe em crise a pertinência das noções de sobretrabalho e de sobrevalor”.25 Antes de aprofundarmos o tema, convém abordar o clássico antagonismo entre as duas teorias do valor, que dividiu a economia em duas escolas antagônicas: a marxista e a marginalista. 4.1 Teoria do valor-trabalho. Smith, Ricardo, Marx Aprimorando a doutrina de Adam Smith, David Ricardo26 formulou sua teoria

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Hardt e Negri observam que, se o capital é global, os pontos de exploração são determinados e concretos (in Multitude: war and democracy in the age of empire, p. 102). Em matéria sobre o crescimento econômico dos países emergentes, o periódico Valor Econômico (edição de 15.09.2006) relata que a participação dos trabalhadores (mesmo os mais qualificados) na renda nacional daqueles países caiu para seu mais baixo nível em décadas, ao passo que os lucros aumentaram. E destaca que “a abertura das economias emergentes não apenas assegurou uma disponibilidade de mão-de-obra barata para o mundo, como também proporcionou uma oferta ampliada de capital barato”. O próprio Gorz sugere que na economia do imaterial subsiste a lógica capitalista, ao acentuar que os trabalhadores pós-fordistas devem entrar no processo de produção com toda a bagagem cultural que adquiriram, e esse saber a empresa pós-fordista põe para trabalhar, e explora (op. cit., p. 19). Os exemplos de trabalho imaterial aventados por Hardt e Negri (notadamente os envolvidos na informatização da produção industrial) demonstram igualmente sua inserção no modo de produção capitalista. Os dois autores chegam a discorrer sobre as formas peculiares de exploração do trabalho afetivo (últ. op. cit., pp. 110-111). Op. cit., p. 29. RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação, p. 43-44.

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do valor, segundo a qual o valor de troca27 de uma mercadoria derivaria de duas fontes: sua escassez e a quantidade de trabalho necessário à sua produção.28 E ressalvou que não só o trabalho aplicado diretamente às mercadorias afeta o seu valor, mas também o trabalho materializado em ferramentas, maquinaria e construções que contribuem para sua execução29, às quais denominou capital fixo - em contraposição ao capital circulante, composto pelos bens consumidos rapidamente no processo produtivo (por exemplo, a matéria-prima). Partindo da teoria do valor de Ricardo, e retomando Smith, Marx observou que a troca das mercadorias, como produtos do trabalho e reflexo da divisão social do trabalho (cada homem depende do esforço alheio para satisfazer suas necessidades, ninguém produz tudo o que necessita) consiste na troca do próprio trabalho, que seria, portanto, o conteúdo do valor. Elaborou então a idéia do duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria: trabalho concreto (o trabalho visto em seu aspecto útil, de produção de valor de uso); e trabalho abstrato (trabalho humano hom*ogêneo que cria o valor de troca das mercadorias - valor este que, logicamente, não é definido a cada mercadoria produzida, mas de forma abstrata).30 Em objeção a Ricardo (que a confundia com o lucro), Marx formulou sua própria concepção de mais-valia, sintetizando-a na idéia de trabalho alheio nãopago. A quantidade de trabalho prestada pelo trabalhador seria dividida em duas partes: uma equivaleria ao valor pago, pelo capitalista, por aquela força de trabalho (trabalho necessário); a outra figuraria o trabalho excedente, ou mais-valia. Ou seja, o capitalista paga o preço da força de trabalho e recebe em troca o direito de dispor daquela força viva, excluindo o trabalhador da participação no produto excedente.31 Marx consolidou a noção de trabalho abstrato como essência do valor fundado na divisão social do trabalho, e rompeu com a economia política clássica ao conferir ao valor-trabalho uma dimensão histórico-social, proclamando que o modo de produção capitalista determina o conjunto das próprias relações sociais. A teoria do valor-trabalho investiga, portanto, a atividade econômica e o valor a partir das relações sociais e da divisão social do trabalho. Nessa perspectiva, o valor econômico não surge no mercado, mas na produção; o trabalho é o centro da criação de valor na economia, advindo daí a idéia de centralidade do trabalho. 27

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A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. Somente se afigura como mercadoria o bem que, além do valor de uso, adquire valor de troca, expresso na proporção de sua troca por outras mercadorias ou dinheiro. Smith (in A riqueza das nações, op. cit., p.36) observou que as coisas com maior valor de uso têm freqüentemente pequeno ou nenhum valor de troca (como a água e o ar) e, ao contrário, as que têm maior valor de troca podem ter pouco valor de uso (por exemplo, o diamante). Sendo as mercadorias com valor determinado somente pela escassez (uma obra-dearte, por exemplo) uma parte muito pequena da massa de artigos diariamente trocados no mercado, ao falar em mercadorias e das leis que regulam seu valor de troca, Ricardo referia-se àquelas cuja quantidade poderia ser aumentada pelo trabalho. Marx criaria a terminologia trabalho vivo e trabalho morto, contrapondo a força de trabalho ao capital fixo, no qual se materializou o trabalho pretérito (in O Capital: crítica da economia política, Livro I, v. 2, p. 228). MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I, v. 1, p. 63-68. Op. cit., p. 605-609. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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4.2 Teoria do valor-utilidade Em abordagem completamente distinta, a teoria do valor-utilidade atribui a fonte do valor na economia à utilidade subjetiva do bem. O valor, nessa concepção, é definido pelo comportamento do consumidor, por suas necessidades subjetivas. No final do século XIX, desenvolve-se a idéia do valor-utilidade marginal: com o aumento do consumo de um bem, a satisfação por ele proporcionada (utilidade marginal) diminui. Em outras palavras, o grau de utilidade do bem varia em decorrência do aumento ou diminuição de sua oferta. Surgia a escola neoclássica, e a tese de que o preço de um bem é definido pelo encontro das curvas de demanda e oferta ou seja, pelo mercado. O trabalho é considerado não o conteúdo do valor de troca, mas mero fator de produção, ao lado do capital e dos recursos naturais. Se é certo que a escola marginalista contrapõe-se à teoria marxista, refutando a centralidade do trabalho na economia, em certo ponto as duas abordagens tendem a uma complementaridade, como observa Paul Singer, na medida em que a concepção do valor-trabalho é essencialmente macroeconômica, sendo pouco operacional em relação ao cotidiano e à individualidade da economia - exatamente onde a teoria do valor-utilidade oferece contribuições válidas para o conhecimento econômico.32 Por outro lado, se o preço dos produtos é ditado pelo mercado, é evidente que tal definição não é aleatória, tampouco deriva exclusivamente da curva de demanda e oferta - antes considera uma complexidade de fatores, que incluem logicamente o valor da força de trabalho. 4.3 A crise da medição do trabalho na economia pós-industrial Se nos primórdios do capitalismo industrial o valor de troca de uma mercadoria equivalia, em regra, à quantidade de trabalho social necessário para produzi-la, na pós-grande indústria o preço do produto irá refletir uma complexidade de forças produtivas heterogêneas e não-mensuráveis - além da própria curva da demanda e oferta. Exemplifiquemos. A quantidade de trabalho necessária à fabricação da CocaCola é a mesma do refrigerante de marca desconhecida. O produto da Coca-Cola, no entanto, além de vender mais, possui maior valor de troca, o que se explica por sua maior qualidade - resultante do conhecimento tecnocientífico desenvolvido e patenteado pela empresa - e pelo valor comercial da marca, fruto de longo e intenso trabalho de marketing. É interessante constatar que, ao contrário do capital fixo material (instalações, maquinaria, ferramentas), o capital imaterial pode valorizar o produto sem se consumir em seu próprio valor de uso. Mas o processo de produção capitalista jamais prescindirá da interação entre o trabalho vivo e o trabalho morto (armazenado no capital material ou imaterial da empresa). O exemplo do refrigerante demonstra bem isso: sem o trabalho de produção industrial, e mesmo sem a renovação do trabalho imaterial de publicidade, a marca Coca-Cola resultaria em capital imaterial estéril.

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SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política, p. 24.

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Do que se conclui que, mesmo na pós-grande indústria, o trabalho vivo é elemento indispensável à produção capitalista. Apenas já se torna inviável mensurar o valor-trabalho agregado ao preço do produto - da mesma forma que não é quantificável a influência das demais forças produtivas (saber tecnocientífico armazenado pela empresa, valor da marca, etc.) na definição daquele preço pelo mercado. Partindo-se da premissa de que todas as forças produtivas têm o potencial de influir na estipulação do preço do produto pelo mercado - e, por conseguinte, na geração do lucro do capitalista -, e reduzindo-se a análise ao trabalho vivo, deduzse que a lógica da extração de mais-valia subsiste no capitalismo contemporâneo.33 Apenas, ao invés de mais-valia quantificável, exprimível em fórmulas e taxas34, a mais-valia pós-industrial será sempre não-mensurável (ainda que se trate de produção material, que terá, de todo modo, algum traço ou componente imaterial, além de sujeitar seu valor de troca às flutuações do mercado). Será, ainda, maisvalia potencial (como, aliás, na própria análise marxista), que decorre do fato de o capitalista ter à sua disposição a força de trabalho alheio, com a potencialidade de extrair dali um produto excedente, do qual se apropria. Para os marxistas mais ortodoxos, a produção direta de mais-valia restringese ao trabalho de produção material. Talvez por isso refutem a tese da vigência de uma sociedade pós-industrial. O próprio Marx, contudo, mesmo sustentando à época o conceito clássico de trabalho produtivo, assim se manifestou, referindo-se à maisvalia: Utilizando um exemplo fora da esfera da produção material: um mestre-escola é um trabalhador produtivo quando trabalha não só para desenvolver a mente das crianças, mas também para enriquecer o dono da escola.35 Dessa forma, a mais-valia será extraível de todo e qualquer trabalho alienado à produção capitalista, seja ele material ou imaterial; braçal, afetivo ou intelectual. 4.4 Pós-modernidade econômica e centralidade social do trabalho André Gorz relata que a Nike não possui instalações ou maquinário industrial, limitando sua atividade à concepção e ao design, e terceirizando sua produção material.36 Se considerarmos que a concepção dos produtos é trabalho imaterial realizado por um grupo reduzido e qualificado de trabalhadores, e que a Nike pode variar e deslocar pelo globo a subcontratação da produção industrial, sem perda

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O que resta evidenciado pelo deslocamento da produção material do capital global para os países periféricos, onde a mão-de-obra é mais barata, extraindo-se máxima maisvalia. Marx elaborou fórmulas alternativas da taxa de mais-valia, tendo como denominador a quantidade do tempo de trabalho ou o valor da força de trabalho (in O Capital, Livro I, v. 2, p. 605). MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I, v. 2, p. 578. GORZ, André. Op. cit., p. 39. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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da identidade de seus artigos esportivos, concluiremos que o trabalho material não é o elemento central que diferencia os produtos da Nike frente à concorrência. Por outro lado, se ponderarmos que, sem aquele trabalho imediato, e sem o trabalho imaterial de design, a marca Nike resultaria em capital imaterial estéril, chegaremos à não menos irrefutável conclusão de que o trabalho vivo é (ainda que em parte à distância) elemento indispensável à atividade produtiva da Nike. O discurso da moda entre os filósofos europeus centra-se na primeira ilação. Claus Offe, André Gorz, Jürgen Habermas e Dominique Méda, dentre outros pensadores de renome, vislumbram que a revolução tecnológica resultará no progressivo desaparecimento do trabalho imediato ou material e na diminuição generalizada do tempo de trabalho necessário, em proveito do não-trabalho e do tempo livre. Apregoando o fim do emprego, o adeus ao proletariado e o desaparecimento do trabalho, dentre outros clichês do gênero, na realidade o que aqueles intelectuais decretam é o fim da centralidade do trabalho.37 Ricardo Antunes38 admite que o avanço tecnocientífico, a automação e a correspondente redução do trabalho imediato acarretam uma crise do trabalho abstrato.39 Mas enfatiza, com propriedade, que o capital não pode se reproduzir sem alguma forma de interação entre trabalho vivo e trabalho morto. E acrescenta que a reestruturação produtiva do capital altera qualitativamente e ao mesmo tempo amplia as formas de exploração do trabalho, com apropriação crescente da dimensão intelectual do trabalho, seja nas atividades industriais informatizadas, seja no setor de serviços. Por conseguinte, e em contraponto à tese do fim da centralidade do trabalho, Antunes propõe uma concepção mais abrangente do trabalho, contemplando sua nova morfologia e caráter multifacetado.40

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ANTUNES, Ricardo. O Caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho, p. 23-25. ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 23-63. Entendida como uma retração do papel do trabalho abstrato na criação do valor de troca das mercadorias, decorrente da redução do trabalho vivo e ampliação do trabalho morto. Tal tendência foi prenunciada por Marx ainda no século XIX, ao antever que, com o desenvolvimento da grande indústria, a criação da riqueza dependeria menos do tempo e da quantidade de trabalho imediato, e cada vez mais do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, vinculando-se o trabalho vivo mais às atividades de vigilância e regulação do processo produtivo. O trabalho deixaria então de ser a medida da riqueza, e o valor de troca deixaria de ser a medida do valor (in Grundrisse: foundations of the critique of political economy, p. 704-706). Ricardo Antunes pondera que Marx teria formulado mera abstração, cuja efetivação plena suporia uma ruptura em relação à lógica do capital. E argumenta que, linhas à frente, Marx teria sugerido que, enquanto perdurar o modo de produção capitalista, não se pode concretizar a eliminação do trabalho como fonte criadora de valor. Antunes ressalta que a generalização da automação industrial no capitalismo contemporâneo acarretaria a destruição da própria economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital, na medida em que, não sendo assalariados nem consumidores, os robôs não participariam do mercado. (in Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, p. 51). Em outras palavras, a inutilidade absoluta do trabalho vivo resultaria na própria superação do capitalismo. Abordaremos o tema no item 5. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Parece-nos interessante, a essa altura, uma dissecção da idéia de centralidade do trabalho em dois prismas: o puramente econômico e o social. Se é inegável certa retração da centralidade do trabalho abstrato enquanto fonte de criação de valor (diga-se, valor de troca das mercadorias), torna-se fundamental, no momento histórico-social que presenciamos, um resgate da centralidade do trabalho enquanto elemento primordial de realização da pessoa humana e do ser social, meio fundamental de integração social - sem perder de vista seu papel na sobrevivência e dignidade da pessoa humana. Na era do individualismo, do estímulo à competitividade, do império do capital financeiro e oligopolista, vemos como essencial tal reflexão sobre a centralidade social do trabalho. Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado pondera que a centralidade do trabalho e do emprego no sistema capitalista desponta, essencialmente, como uma escolha, uma perspectiva, e ressalta que, “acolhido o núcleo neoliberal de reflexão, - desprezo pelo trabalho e pelo emprego, com o conseqüente superprivilégio conferido ao capital financeiro-especulativo -, [...] restarão menores espaços, iniciativas, recursos e energia para a geração de empregos e disseminação da renda nos respectivos países e economias.”41 Lamentavelmente, o que se verifica nas últimas décadas é a generalização mundial da concepção econômica neoliberal, com o domínio da dinâmica econômica privada e a filosofia do Estado mínimo, reduzindo sua política econômica à gestão monetária. Fica, portanto, a indagação sobre o caminho que o Estado brasileiro optará por seguir, no que se refere à sociedade do trabalho: se o do abstencionismo neoliberal ou o da intervenção e regulação, em observância aos preceitos constitucionais insculpidos nos arts. 1º, III e IV, 3º, III e 6º, caput. No que se refere especificamente ao desemprego estrutural, entendemos que, paralelamente ao crescimento econômico e às políticas de incentivo ao emprego, impõe-se, na esfera do Direito do Trabalho, uma reconstrução do regime de duração do trabalho, com a revisão do inciso XIII do art. 7º da Constituição de 1988 e do capítulo II da CLT, reduzindo-se os limites da jornada diária e semanal, sem redução do salário, e impondo-se severas restrições à prorrogação da jornada. Se, como veremos adiante, são tendências do capitalismo pós-moderno a retração e a precarização do trabalho imediato, parece-nos um contra-senso a legislação trabalhista continuar acobertando a prática da sobrejornada, reduzindo ainda mais o potencial da oferta de emprego, além de colocar em risco a própria saúde e a segurança do trabalhador. 5 NEOLIBERALISMO E NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO. A EC N. 45/04 A grande indústria dos países desenvolvidos, ao longo do século XX e até o início da década de 1970, consagrou o modelo produtivo taylorista/fordista, centrado na fabricação em massa de mercadorias padronizadas e na mão-de-obra pouco qualificada, mas estável. O símbolo do fordismo é a grande planta industrial, a imagem dos trabalhadores conectados à linha de montagem por uma esteira rolante, exercendo funções mecânicas e repetitivas.

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DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego, p. 35-45 e 95-99. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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A partir da década de 1970, as instabilidades da demanda e o aumento da competitividade impõem a necessidade de maior qualidade e flexibilidade na produção. A economia ocidental importa então o paradigma toyotista de organização produtiva, oriundo do capitalismo japonês pós-2ª Guerra Mundial. Induzida diretamente pelo consumo, a produção toyotista é flexível, diversificada e enxuta; minimizam-se os estoques, as mercadorias são produzidas na medida exata, em pronto atendimento à demanda (sistema just in time); a mão-de-obra é multifuncional e mais qualificada; a empresa concentra-se em sua atividade produtiva essencial, terceirizando as atividades acessórias. Ricardo Antunes42 argumenta que, precisamente por atender às exigências de maior competitividade e qualidade total, o toyotismo supõe uma intensificação da exploração do trabalho. E aponta que a necessidade de uma produção mais flexível, adaptada às necessidades do mercado, impõe uma igual flexibilização da força de trabalho, definida a partir de um número mínimo de trabalhadores e ampliada através de sobrejornada, trabalho parcial, temporário ou, ainda, de subcontratação. O i. sociólogo destaca as conseqüências negativas do toyotismo para a sociedade do trabalho, refutando seu lema de democracia nas relações de trabalho ao argumento de que, mais envolvente e participativo, o modelo é em verdade mais manipulatório. Mauricio Godinho Delgado43 formula crítica semelhante, situando o modo de produção toyotista no contexto hegemônico do pensamento econômico neoliberal. Mas ressalva que não há evidências de sua efetiva generalização mundial, deduzindo que parece prevalecer uma combinação diferenciada de modos de organização e gestão de força de trabalho, qualificados, de qualquer forma, pela deterioração das garantias trabalhistas. Outro traço marcante da economia pós-industrial é a mundialização do capital. O avanço tecnológico nos transportes e telecomunicações encurta as distâncias, e o resultado é a desterritorialização da produção e a internacionalização dos ciclos produtivos, desenvolvendo-se nas economias dominantes as atividades mais complexas, e concentrando-se nos países periféricos a exploração do trabalho menos qualificado. Ricardo Antunes44 descreve, como resultado dessa reestruturação do capital, uma nova morfologia do trabalho, destacando a redução do proletariado fabril estável (em especial nos países de capitalismo avançado), a intelectualização do trabalho na indústria e a expansão do trabalho assalariado no setor de serviços; ao mesmo tempo, na periferia do sistema produtivo dissemina-se o trabalho precário, sob a forma de contratação a termo, parcial, temporária, terceirizada ou informal - resultando numa classe trabalhadora mais heterogênea, fragmentada e complexa. Antunes relata ainda uma expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural. E acrescenta que tais mutações provocam uma crise

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ANTUNES, Ricardo. (últ. op. cit, p. 28-45). O autor salienta que o apregoado sistema de “qualidade total” na realidade segue a lógica de uma produção supérflua e descartável. DELGADO. Capitalismo, trabalho e emprego, p. 19 e 102. ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho, p. 41-44 e 59-65. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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sindical, decorrente do abismo no interior da própria classe trabalhadora, envolvendo trabalhadores estáveis e precários; desmorona, em conseqüência, o modelo de sindicalismo vertical (herança do fordismo), vinculado à categoria profissional, substituído por um sindicalismo horizontalizado, com maior abrangência e aptidão para aglutinar o conjunto dos trabalhadores. Como reflexos de tal crise, Antunes destaca a crescente individualização das relações de trabalho, a desregulamentação e a flexibilização trabalhistas. Feitas tais considerações, cumpre situar a Emenda Constitucional n. 45 no novo contexto das relações de produção. Reportando-se a dados do IBGE, Gabriela Neves Delgado pondera que “a proteção formal ao trabalho, via relação de emprego, não é mais no mundo contemporâneo a forma preponderante de inserção econômico-social do indivíduo trabalhador no mercado de trabalho”. 45 Se considerarmos, contudo, que os números percentuais da relação empregatícia devem englobar os das contratações informais, parece-nos que o que ocorre é uma mera retração da hegemonia do emprego na sociedade do trabalho - o que, de todo modo, não apenas legitima como enobrece o alargamento da competência material trabalhista, da espécie empregatícia para o gênero relação de trabalho. Sublinhe-se por outro lado que, embora acarretando um crescimento percentual da relação de trabalho lato sensu no mercado de trabalho (particularmente do genuíno trabalho autônomo), a precarização do trabalho, no mais das vezes, não transmuda a natureza da prestação, que subsiste nos moldes da relação de emprego, ainda que sob novo formato (contratação a termo, parcial, temporária, subcontratação ou vínculo informal). Ou seja, a nova morfologia do trabalho em regra não lhe desvirtua a essência, tampouco pulveriza a supremacia da relação de emprego ante as demais espécies de relação de trabalho. Por isso é importante atentar para o risco de a EC n. 45/04 servir de instrumento à flexibilização do conceito de relação de emprego e à relativização da fraude, em verdadeira precarização jurídica do trabalho - o que ocorrerá, por exemplo, toda vez que o juiz do trabalho acolher a forma de trabalho autônomo forjada pelas partes para desfigurar autêntica relação de emprego. Em contrapartida, se bem manejada pelo legislador e pelo juiz, a competência trabalhista ampliada pode se constituir em eficiente antídoto contra a precarização do trabalho, além de precioso instrumento de inclusão social de trabalhadores anteriormente desprotegidos, como veremos no item 16. 6 A INTERAÇÃO PRODUÇÃO/CONSUMO Analisando o ciclo da produção imaterial, Lazzarato e Negri expõem que “a mercadoria pós-industrial é o resultado de um processo de criação que envolve tanto o produtor quanto o consumidor”. A participação do consumidor na definição do produto verifica-se mesmo na produção material da indústria. Por exemplo, um automóvel

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DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno, p. 227. Eis os dados do IBGE: 43,6% da população economicamente ativa trabalham com carteira de trabalho assinada; 27,5% laboram sem carteira, em fraude à lei ou na informalidade; e 23,3% são autônomos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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muitas vezes é colocado na linha de produção somente depois que a rede de vendas o encomenda. No sentido inverso, o trabalho imaterial não apenas materializa as necessidades, o imaginário e os gostos do consumidor, como produz o desejo ou a necessidade (artificial) de consumo, por meio do marketing e da publicidade.46 Marx percebeu a interação produção/consumo ainda na sociedade industrial, ressaltando sua mútua dependência e mediação, e observando que a produção é meio de consumo, criando a última matéria, sem a qual o consumo careceria de objeto; e o consumo produz a produção, na medida em que cria a necessidade por nova produção - ou seja, cria o motivo da produção. Se a produção oferece ao consumo seu objeto externo, o consumo cria o objeto da produção numa forma ainda subjetiva, idealizando-o como uma imagem interna, como uma necessidade.47 De todo modo, é importante sublinhar que a integração da relação produção/ consumo não dilui a natureza das duas categorias. O próprio Marx fez tal ressalva, ao aludir a “um movimento que os relaciona um ao outro, torna-os indispensáveis um ao outro, mas ainda assim deixa-os externos um ao outro”. Assim é que, ao intervir na criação do produto, o consumidor integra o processo produtivo na qualidade de consumidor; da mesma forma, ao produzir desejo de consumo, o trabalho imaterial não se despe de sua identidade de fator de produção - ainda que produção de subjetividade. Uma última observação: por restringir o conceito de produção à atividade industrial, Marx dividia o ciclo da economia em quatro etapas: produção, distribuição, troca (circulação) e consumo. Na economia pós-industrial, os três primeiros momentos são abrangidos pelo conceito de trabalho produtivo. 7 RELAÇÃO DE TRABALHO: ESSÊNCIA, ELEMENTOS, TRAÇOS DISTINTIVOS 7.1 Destinação produtiva dos serviços: a ótica justrabalhista Como já ponderamos, no capitalismo pós-industrial o trabalho intelectual e o científico, os serviços e demais faces do trabalho imaterial tendem a ser ainda mais produtivos que o trabalho imediato, que se incorpora em mercadoria palpável. Assim, na perspectiva da teoria do imaterial, a produção não mais se restringe à fábrica; todas as formas de trabalho com eco ou rastro social são socialmente produtivas.48 Tal concepção é pertinente enquanto mira a face social (ou mesmo políticocultural) do trabalho. Omite, todavia, o enfoque econômico e, por conseqüência, o alcance justrabalhista da prestação do serviço, ao não diferenciar o trabalho em proveito econômico próprio daquele cujo produto é alienado à produção do tomador.49 E tal distinção vem a ser a pedra de toque na caracterização jurídica da relação de trabalho. 46 47 48 49

LAZZARATO, Maurizio e NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial, p. 44-47. MARX, Karl, Grundrisse: foundations of the critique of political economy, p. 90-93. HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multitude: war and democracy in the age of empire, p. 106. Deve-se considerar que a abordagem de Hardt e Negri é político-filosófica, e não justrabalhista. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Vamos por partes. Se todo trabalho que reproduz a sociedade é socialmente produtivo, a abordagem justrabalhista deve mirar o escopo produtivo da prestação na perspectiva de seu tomador. Isso porque, como um negócio jurídico bilateral, uma relação jurídica que envolve trabalho humano somente se perfaz, enquanto relação, quando aquele trabalho deixa a esfera do prestador e alcança a do tomador. Por conseguinte, a destinação produtiva do trabalho (que definirá a relação de trabalho) deve ser aferida na ótica do tomador dos serviços. Agora tomemos emprestada a anotação de Mauricio Godinho Delgado acerca do valor econômico da força de trabalho colocada à disposição do empregador, salientando que a relação empregatícia é uma relação de fundo essencialmente econômico, modalidade principal de conexão do trabalhador ao processo produtivo50 - análise que, a nosso ver, é extensiva à relação de trabalho lato sensu (da espécie para o gênero). Ora, se o conteúdo da relação de trabalho é essencialmente econômico, deduz-se que, na perspectiva justrabalhista, a prestação pessoal de serviços terá destinação produtiva sempre que existir, na relação jurídica, potencial de proveito ou excedente econômico51 em favor do tomador. E isso só ocorrerá quando o tomador tiver a capacidade de dispor da força de trabalho contratada, apropriandose do trabalho alheio52 (ou seja, quando o trabalhador alienar ao tomador sua força de trabalho53). Em genuína relação de consumo, tal condição não se verifica, na medida em que, não detendo os meios de produção, o consumidor não se apropria ou dispõe do trabalho do fornecedor dos serviços - apenas o consome. É o que ocorre, por exemplo, quando um paciente é atendido pelo dentista em seu consultório particular - o contrário do que sucede quando o mesmo dentista presta serviços em proveito econômico de uma clínica odontológica. A relação de trabalho é, portanto, relação social de produção, em que o trabalhador não detém os meios de produção. Ou, se os possui, subjuga-os à produção mais poderosa do tomador dos serviços (é o que se verifica no trabalho autônomo). Por isso afirmamos que é da substância da relação de trabalho a separação entre o trabalhador e os meios de produção. Sublinhe-se que o escopo produtivo dos serviços, na ótica justrabalhista, é aferido em análise microeconômica54, focalizando a relação jurídica entre prestador e tomador dos serviços - sendo irrelevante perquirir se o trabalho prestado gera riqueza para o país, se é produtivo em termos macroeconômicos.

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho, p. 298. Consiste o excedente econômico na parte da produção não absorvida por seus gastos. Na produção capitalista, aparece sob a forma de mais-valia (SINGER, Paul. Op. cit., p. 42-49). As expressões são de Marx: the capacity of disposing over the worker; appropriation of alien labour (in Grundrisse, p. 301 e 307). A variante é o trabalho autônomo à distância, no qual o tomador dispõe do produto do trabalho alheio, e apenas indiretamente de sua força de trabalho. A microeconomia examina o comportamento das unidades econômicas individuais (indivíduo, família e empresa) e sua interação no mercado. A macroeconomia estuda o comportamento das variáveis econômicas agregadas, traduzindo-o nos índices de inflação, desemprego, crescimento econômico, etc. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Frise-se ainda que tal proveito econômico potencial deverá ser deduzido em abstrato55, sendo desnecessário investigar, in concreto, se o serviço prestado por determinado trabalhador efetivamente conferiu proveito econômico ao seu tomador. Conforme indicamos no tópico 4.3, a mais-valia é mera potência econômica, e na economia pós-industrial se afigura de forma não-mensurável - o mesmo se podendo dizer do proveito econômico oriundo de produção sem fins lucrativos ou doméstica. Se na prática aquele proveito econômico irá ou não se realizar, é o risco da iniciativa, assumido pelo detentor dos meios de produção. Havendo, portanto, proveito econômico potencial na relação jurídica em favor do tomador dos serviços, o trabalho terá destinação produtiva, ainda que não se insira numa dinâmica de produção - é o que ocorre, por exemplo, numa pequena empreitada para reforma de instalações residenciais. Tal proveito econômico (que na produção capitalista exprime-se em mais-valia) será extraível do trabalho material e do imaterial; do trabalho mais qualificado aos serviços mais singelos. Reportamo-nos, por fim, à conclusão mais importante de nosso estudo anterior: a prestação pessoal e onerosa de serviços em favor de pessoa jurídica ou outra organização produtiva configura sempre relação de trabalho, mesmo que eventual. Tal ilação simplifica de forma considerável a atividade do operador do Direito do Trabalho, porquanto somente no âmbito doméstico será necessário investigar se os serviços prestados tiveram ou não escopo produtivo. 7.2 Alienação e estranhamento: essência da relação de trabalho Parte da doutrina, na busca de um conceito da relação de trabalho, elegeu como um de seus elementos a idéia de alteridade. Reginaldo Melhado56 pondera que a alteridade não deve ser confundida com a responsabilidade pelos riscos do negócio. Reportando-se ao termo espanhol ajenidad, Melhado vincula a noção de alteridade ao conceito marxista de alienação do trabalho. Entendemos, no entanto, que o conceito de alteridade não é apropriado à caracterização da relação de trabalho lato sensu, por remeter à idéia de trabalho por conta alheia57, excluindo a figura do trabalhador autônomo. Mais precisos e adequados à essência da relação de trabalho nos parecem os conceitos de alienação e estranhamento do trabalho, elaborados por Marx. A alienação do trabalho decorre da lógica capitalista segundo a qual os meios de produção não são propriedade de quem produz. Por conseguinte, o resultado do trabalho (o produto) aparece como algo alheio ao trabalhador.58

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Excepcionalmente, uma relação de consumo poderá trazer proveito econômico ao seu tomador. Um conceito jurídico é por natureza uma noção abstrata, não podendo abranger todas as situações de fato que irão se reproduzir na vida social. No direito, o excesso de casuísmo costuma desagüar no sofisma. MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do capital e do trabalho, p. 202/205. O próprio Melhado ressalta que “no direito espanhol a ajenidad não é explicada com base no risco do empreendimento, e sim a partir do binômio trabalho por conta própria e trabalho por conta alheia” (Op. cit., p. 204). MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos, p. 147 e 158, apud ANTUNES, Ricardo, op. cit. p. 124. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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O estranhamento do trabalho é a impressão subjetiva da alienação: o trabalho alienado deixa de ser forma de realização da pessoa humana e do ser social, reduzindo-se a meio de subsistência. A força de trabalho torna-se mercadoria. Se a alienação consiste na ruptura entre o trabalhador e o produto do seu trabalho, o estranhamento é a separação entre o trabalhador e sua força de trabalho59 (esta a face objetiva do estranhamento), podendo ser percebido no curso da própria atividade laboral. Mesmo que se atenue o rigor da análise marxista - afinal, nem todo trabalho alienado à produção capitalista é “pervertido e depauperado”60 -, parece-nos inegável que o trabalho em proveito econômico alheio (com as exigências e cobranças de um resultado que afinal será apropriado por quem não o produziu) não proporciona ao trabalhador o mesmo prazer ou realização pessoal experimentados no trabalho emancipado e autodeterminado. Vislumbramos no binômio alienação/estranhamento do trabalho a própria essência da relação de trabalho. Na relação de consumo, inexiste alienação ou estranhamento do trabalho por duas razões correlatas: 1) o fornecedor do serviço trabalha em proveito econômico próprio; 2) não detendo os meios de produção, o tomador do serviço não se apropria ou dispõe daquela força de trabalho, que permanece no domínio do fornecedor. Frise-se que um mesmo serviço, executado pelo mesmo prestador a tomadores distintos, poderá caracterizar ora relação de trabalho, ora relação de consumo. O serviço ocasional de um encanador no âmbito doméstico, por exemplo, configura relação de consumo, porquanto a pessoa ou família que contrata o serviço, não detendo meios de produção, não lhe confere destinação produtiva. O mesmo trabalho, contudo, prestado em favor de uma empresa, beneficia a dinâmica do empreendimento econômico, sendo (ainda que por via indireta) apropriado pelo detentor dos meios de produção - configurando-se a alienação e o estranhamento do trabalho, ainda que de forma mais tênue que no trabalho habitual. Ao contrário do que possa parecer, tal dissecção não é meramente teórica, podendo-se constatar, na prática, a diversidade no modo da prestação eventual ou autônoma (e na própria negociação de suas condições), quando o tomador é pessoa jurídica ou outro ente produtivo. A intensidade do estranhamento atinge seu clímax no trabalho subordinado, quando o trabalhador aliena diretamente sua força de trabalho61, submetendo o

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Novamente ressalvamos o trabalho autônomo, onde tal separação adquire contornos mais sutis. Dentre outras afirmações ainda mais contundentes, Marx acentua que na sociedade capitalista “o trabalho é degradado e aviltado”; o trabalhador só se sente “junto a si fora do trabalho e fora de si no trabalho”; “seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado”, “não é a satisfação de uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele” (in Manuscritos econômico-filosóficos, p. 147-158, apud ANTUNES, Ricardo, Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho, p. 124-125). Por isso a idéia de alteridade ou ajenidad nos parece mais próxima à de estranhamento que à de alienação do produto do trabalho. Define-se, portanto, o trabalho por conta alheia pela alienação direta da força de trabalho - que ocorre no trabalho subordinado, mas não no autônomo. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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modo de ser da prestação ao poder diretivo do empregador. A subordinação jurídica é traço fundamental da relação de emprego, mas transparece em outras espécies de relação de trabalho, como o trabalho eventual e o estágio de estudante. O trabalhador autônomo, por sua vez, mesmo dispondo dos próprios meios de produção, ao alienar o produto de seu trabalho à organização produtiva alheia, reduz-o a um papel mediato e coadjuvante. A força de trabalho é alienada de forma indireta, e por isso o estranhamento do trabalho autônomo adquire nuances peculiares (abordaremos o tema no item 8). Finalmente, na relação de trabalho doméstico a alienação e, principalmente, o estranhamento do trabalho verificam-se com quase a mesma nitidez da produção capitalista, com o diferencial de que a pessoa ou família não apenas se apropriam do produto daquele trabalho - como também o consomem. 7.3 Pessoalidade e onerosidade da prestação Circundando a essência da relação de trabalho, despontam como seus requisitos configuradores a prestação por pessoa física/pessoalidade e a onerosidade da prestação. A não-eventualidade da prestação e a subordinação jurídica serão elementos alternativos da relação de trabalho. O trabalho autônomo, por exemplo, poderá ser habitual; o trabalho eventual poderá ser subordinado; como poderá haver trabalho autônomo/eventual, contendo apenas os dois elementos essenciais à relação trabalhista. No tocante à pessoalidade, reportamo-nos ao item 4 de nosso estudo anterior, destacando a mitigação do caráter personalíssimo da obrigação de prestar os serviços. Entendemos ainda que o conceito de relação de trabalho não pode desprezar a figura da “empresa de uma pessoa só”, comum especialmente na prestação de serviços mais qualificados, como os intelectuais e artísticos. É certo que, uma vez preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, estará configurada a fraude na constituição daquela pessoa jurídica prestadora de serviços, apenas mascarando o vínculo empregatício existente entre as partes (art. 9º da CLT). Haverá, contudo, hipóteses em que o profissional liberal, intelectual ou artista prestará efetivamente serviços eventuais ou autônomos em proveito de ente produtivo, e a constituição da pessoa jurídica não estará desvirtuando as leis trabalhistas. Nesses casos, desde que seu titular preste pessoalmente os serviços (ainda que contando com auxiliares), entendemos que estará caracterizada a relação de trabalho. A onerosidade, por sua vez, exprime a substância da qual se modelam as normas trabalhistas. O trabalho prestado com caráter de pura benevolência poderá gerar obrigações de natureza civil - jamais atrairá, contudo, a aplicação de normas trabalhistas. Pode-se argumentar que a competência trabalhista não se esgota nas lides envolvendo direitos materiais estritamente trabalhistas, podendo resvalar parcelas de natureza civil oriundas da relação de trabalho (por exemplo, indenização por dano moral ou material decorrente de acidente do trabalho). É certo, contudo, que tais pretensões serão sempre conexas às obrigações trabalhistas, ao passo que o litígio oriundo de trabalho puramente voluntário atrairá exclusivamente a incidência de normas de direito comum. Cumpre ressaltar, ainda, que a graciosidade Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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da oferta do labor62 subtrai-lhe a impressão do estranhamento. Esse tipo de trabalho é marcado precisamente por aquilo que o trabalho estranhado turva: a realização da personalidade humana. Ademais, o prestador desse tipo de serviço não se submete ao mesmo tipo de exigência e cobrança por parte do tomador de trabalho oneroso. Assim sendo, mesmo que configure trabalho em proveito econômico alheio, entendemos que a prestação com ânimo puramente benevolente escapa ao conceito da relação de trabalho. Por outro lado, no tocante especificamente ao trabalho voluntário disciplinado pela Lei n. 9.608/98, os arts. 3º e 3º-A autorizam a previsão de ressarcimento do prestador por despesas efetuadas, além do pagamento de auxílio financeiro. Mesmo não se tratando de parcelas trabalhistas em sentido estrito, tanto que insuscetíveis de gerar obrigações de natureza trabalhista ou previdenciária (parágrafo único do art. 1º da Lei citada), podem-se entrever traços de onerosidade nesse tipo de trabalho, sendo sustentável o entendimento no sentido de se caracterizar relação de trabalho. Até de estranhamento do trabalho é razoável se cogitar, em especial na hipótese do trabalho de jovens egressos de unidades prisionais (art. 3º-A, I). Trata-se de questão intrigante, e não cairemos na tentação da opinião definitiva. Aguardemos a sedimentação doutrinária e jurisprudencial. 7.4 Dependência ou subordinação econômica do trabalhador Se a essência da relação trabalhista é o trabalho em proveito econômico alheio, em regra, o trabalhador será a parte vulnerável daquela relação, submetendo-se ao poderio econômico do detentor dos meios de produção - do mesmo modo que o consumidor na relação de consumo. Mesmo na hipótese de trabalho por conta própria, sendo o produto do trabalho alienado a outra organização produtiva, o trabalhador autônomo acaba se sujeitando economicamente aos titulares daquele empreendimento; sendo habitual a prestação, poderá advir ainda a dependência econômica do trabalhador em relação àquela fonte pagadora. Erigir, contudo, a dependência ou a subordinação econômica do trabalhador à condição de requisitos da relação de trabalho lato sensu pode criar um complicador no exame do caso concreto, porquanto haverá hipóteses de genuína relação de trabalho em que aqueles traços surgirão rarefeitos, ou mesmo inexistirão.63 É o que ocorrerá no trabalho eventual em que a prestação seja singularmente efêmera, ou em que o prestador ostente afirmação socioeconômica. Como cogitar, por exemplo, de dependência econômica do eletricista à empresa que lhe contrata o serviço fortuito por algumas horas? Ou de subordinação econômica do advogado à empresa de pequeno porte que ele representa em ação judicial ocasional? Por essa razão, identificamos a dependência e a subordinação econômica do trabalhador não propriamente como elementos, mas como importantes traços distintivos da relação de trabalho, especialmente em seu confronto com os serviços de consumo.

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho, p. 343. Délio Maranhão pondera que, mesmo na relação de emprego, pode inexistir a dependência econômica do empregado (in Instituições de direito do trabalho, v. I, p. 240). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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8 O ESTRANHAMENTO DO TRABALHO AUTÔNOMO Analisando as metamorfoses no modo de produção, Márcio Túlio Viana ressalta a utilização crescente de trabalhadores autônomos, não só os falsos, mas também os reais, observando que, graças aos avanços da técnica, a nova empresa pode controlar à distância o processo produtivo, como em retorno ao modelo capitalista primitivo, no qual o capitalista distribuía a matéria-prima entre os camponeses e suas famílias, encomendando-lhes o tecido. E pondera que “nem sempre esses trabalhadores à distância são empregados. Em muitos casos, realmente assumem os riscos do negócio. Seja como for, porém, devem sempre se adequar às rígidas diretrizes da empresa-mãe, da qual dependem economicamente.”64 Viana recorre à doutrina italiana acerca do autônomo de segunda geração para identificar esse “autônomo que trabalha sem autonomia - não só técnica como econômica”, mencionando o exemplo do produtor rural que trabalha com sua família na criação de aves, sujeito às rígidas determinações e padrões estabelecidos pela agroindústria, que lhe fornece os insumos, descontando-os do preço do produto, que ela própria estipula. Sérgio Bologna (um dos autores italianos citados por Viana) entrevê igualmente, nesse trabalho autônomo de segunda geração, um retorno às formas de exploração pré-fordista. Contrapondo-se à teorização dos filósofos do imaterial de uma produção por meio de linguagem e cooperação, Bologna ressalta o lado obscuro do trabalho autônomo pós-industrial, que vislumbra como novo filão de produtividade e forma renovada de exploração. E acentua a degradação de suas condições de trabalho, a jornada porosa (torna-se difícil distingüir o tempo de trabalho do tempo livre, “os trabalhadores autônomos trabalham sempre”), o controle descontínuo das encomendas e do produto, substituindo o controle contínuo e direto dos tempos e dos ritmos de trabalho.65 Mas o estranhamento verifica-se também no trabalho autônomo tradicional, embora em contornos mais sutis. Pode-se exemplificar com os arts. 27 a 29 da Lei n. 4.886/65 (que regulam o contrato de representação comercial), onde transparece a interferência do representado nas atividades do representante. A peculiaridade do estranhamento do trabalho autônomo reside, portanto, no fato de sua força de trabalho ser alienada ao tomador de forma indireta - e na maior parte das vezes à distância. Márcio Túlio Viana pondera que, se antes o trabalho por conta própria era uma escolha dos trabalhadores com melhor condição financeira ou aptidão muito especial, hoje ele resta como única opção para um número crescente de trabalhadores.66

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VIANA, Márcio Túlio. As relações de trabalho sem vínculo de emprego e as novas regras de competência. In Nova competência da Justiça do Trabalho, São Paulo: LTr, 2005, p. 261-262. Apud LAZZARATO, Maurizio e NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial, p. 92-93. Op. cit., p. 269. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Pode-se entrever, portanto, no processo de pós-modernização econômica, certa tendência migratória para o trabalho autônomo (já desconsiderados dessa perspectiva os falsos autônomos). Como já salientamos, no Brasil a pós-grande indústria ainda se infiltra na produção capitalista. Mesmo assim, o trabalho autônomo já representa 23,3% de nossa população economicamente ativa (v. item 5). Por isso vislumbramos no trabalhador autônomo (em especial o autônomo dos dias futuros) o grande legatário da ampliação da competência material trabalhista. 9 PARCERIA RURAL Ante a ausência de disciplina específica no novo Código Civil, a parceria rural passou a ser regulada exclusivamente pelos arts. 92 a 96 da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra). Entendemos que a hipótese é de autêntica relação de trabalho, porquanto o trabalhador aliena parte do produto de seu trabalho ao parceiro-proprietário, o qual, por sua vez, concorre com a terra nua e, facultativamente, com as instalações e insumos - fazendo, portanto, as vezes do capitalista. Parte da doutrina enxerga na parceria (agrícola ou pecuária) verdadeiro contrato de sociedade, análogo ao da sociedade de capital e indústria - igualmente não regulada pelo atual Código Civil. Divergimos, todavia, dessa interpretação, uma vez que a idéia de uma sociedade é a partilha dos lucros entre os sócios (art. 981 do Código Civil), e não a repartição dos frutos do trabalho exclusivo de um dos sócios. É certo que, na sociedade de capital e indústria, a quota de lucros do sócio de indústria será normalmente inferior à dos sócios capitalistas, mesmo porque sua responsabilidade perante os credores será mais restrita. Tal participação, contudo, alcança os resultados integrais da atividade econômica da sociedade (e não apenas os ganhos para os quais o sócio concorreu), não se configurando mera alienação (ainda que parcial) do trabalho - como ocorre na parceria rural. Frise-se que, se os serviços forem dirigidos pelo parceiro-proprietário, a hipótese será de falsa parceria, mascarando autêntica relação de emprego (parágrafo único do art. 96 da Lei n. 4.504/64). Interessante paradigma urbano da parceria rural é o arrendamento de táxi. Ambos configuram modalidades de trabalho autônomo, e o estranhamento do trabalho costuma faiscar para o trabalhador nas cobranças e reclamações do parceiro-proprietário acerca da produtividade ou resultado do trabalho. 10 COOPERATIVAS DE TRABALHO Anteriormente sustentamos que, na hipótese de genuína cooperativa de trabalho, na qual os cooperados ostentem a condição de autênticos sócios, atendidos os princípios da dupla qualidade e retribuição pessoal diferenciada, não haveria relação de trabalho entre o cooperado e a cooperativa, tampouco entre o cooperado e o tomador dos serviços da cooperativa. O tema merece algum aprofundamento. O grande óbice à configuração de relação de trabalho entre os (genuínos) cooperados e a empresa tomadora dos serviços reside em que a contraprestação por esta assumida, ao contratar os serviços da cooperativa, abrange o trabalho de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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todos os cooperados. Não parece plausível, portanto, individualizar em relação de trabalho uma obrigação em si indivisível (art. 258 do Código Civil). Cogitar, por outro lado, de relação de trabalho entre o cooperado e a cooperativa (referimo-nos novamente à autêntica cooperativa) seria tão ilógico quanto fazê-lo entre o sócio e a sociedade em nome coletivo. Ocorre que cooperativismo e capitalismo rimam apenas na fonética. A idéia do trabalho cooperado é a produção de bens ou serviços para autoconsumo ou consumo alheio.67 A partir do momento em que sua produção é apropriada pelo capital (com a contratação dos serviços cooperados por empresa tomadora), o trabalho passa de cooperado a alienado. Tal paradoxo explica por que a quase totalidade das cooperativas contratadas por empresas não passam de sociedades igualmente capitalistas, meras agências intermediadoras de mão-de-obra ou, na melhor das hipóteses, empresas prestadoras de serviços. Na segunda hipótese, entre o “cooperado” e a falsa cooperativa forma-se vínculo de emprego, podendo ser responsabilizado, de forma subsidiária, o tomador dos serviços (Súmula n. 331 do C. TST); no primeiro caso, a relação de emprego configura-se diretamente entre o falso cooperado e a empresa tomadora dos serviços.68 11 TRABALHO EVENTUAL E DESTINAÇÃO PRODUTIVA DIFUSA Como já assinalamos, mesmo não se incorporando diretamente ao ciclo produtivo do tomador, o trabalho eventual beneficia de forma mediata a dinâmica do empreendimento econômico. Se a exploração do trabalho no capitalismo pós-industrial se exprime em mais-valia não-mensurável, o excedente econômico extraível da prestação de serviço eventual será ainda mais difuso, mas nem por isso deixará de configurar mais-valia apropriável pelo capital. No exemplo do encanador ou eletricista que prestam serviços ocasionais a uma empresa, o trabalho não se incorpora diretamente ao ciclo produtivo. É inegável, contudo, que com o encanamento dos banheiros e a rede elétrica funcionando, a empresa produzirá mais. Ocorre que o valor pago pelo capitalista por aquele serviço corresponde apenas ao valor da força de trabalho - englobando sua natureza e qualificação técnica, mas desprezando o proveito econômico mediato que a empresa irá auferir daquela prestação. Tal excedente econômico, obtido por via reflexa, consistirá na mais-valia que o tomador dos serviços irá extrair daquela prestação de serviço eventual. Haverá hipóteses de trabalho eventual em que o excedente econômico será ainda mais rarefeito, e a destinação produtiva da prestação dos serviços será ainda mais difusa. É o caso, por exemplo, dos serviços de jardinagem prestados por pessoa física a empresa que não explore atividade econômica correlata - por exemplo, um prédio comercial em cuja área externa sejam plantados jardins. Um exame superficial poderá sugerir que a hipótese é de mero consumo dos serviços, inexistindo escopo 67 68

É o caso das cooperativas de taxistas. Serão indícios de fraude o trabalho subordinado dos cooperados e a inexistência de retribuição diferenciada. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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produtivo naquela prestação. A análise, contudo, deve ser menos simplista, para figurar a complexidade da dinâmica do empreendimento econômico. Se a empresa houve por bem plantar ou reformar seus jardins, ou mesmo embelezá-los com flores exóticas, algum intento produtivo existiu naquela ação, ainda que o mais oculto e sutil: por exemplo, aumentar o bem-estar e em conseqüência a produtividade de seus empregados; ou mesmo conquistar mais clientes.69 O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos serviços de decoração de interior, nas dependências da empresa. Mais controvertida é a hipótese da prestação eventual de serviços por parte de profissionais liberais, que será analisada no tópico seguinte. 12 PROFISSIONAIS LIBERAIS - ALTOS TRABALHADORES Na linha do que sustentamos no item anterior, a prestação pessoal de serviço, ainda que eventual, por profissional liberal em favor de pessoa jurídica ou outro ente produtivo configura relação de trabalho. É o caso de uma empresa que contrata a prestação pessoal e ocasional de serviços médicos ou odontológicos, com o intuito de resguardar a saúde (e em conseqüência a produtividade) de seus empregados ou diretores. O que suscita controvérsia na doutrina é o fato de os profissionais liberais serem, tanto no enfoque histórico quanto no socioeconômico, trabalhadores emancipados. Na lúcida análise de Mauricio Godinho Delgado, trata-se de profissionais que detêm parte significativa dos meios de sua própria produção. Em conseqüência, “afirmam-se melhor no contexto socioeconômico circundante. [...] Geralmente correspondem a estratos reduzidos da sociedade, porém detentores de razoável poder socioeconômico”.70 Entendemos, no entanto, que tal aspecto não configura elemento definidor de competência. Mesmo sendo, em tese, economicamente emancipado e detendo seus próprios meios de produção, ao prestar serviço pessoal (mesmo que eventual) em favor de pessoa jurídica ou outro ente produtivo, o profissional liberal aliena o produto do seu trabalho àquela organização produtiva. Configura-se, portanto, o trabalho em proveito econômico alheio e, por conseqüência, a relação de trabalho, atraindo-se a competência material da Justiça do Trabalho. É certo que, se aquela prestação for eventual, irá adquirir contornos peculiares, como a ausência de dependência ou subordinação econômica do profissional liberal ao tomador do serviço. O estranhamento do trabalho será tênue. Pode-se dizer que os profissionais liberais desempenham, na relação de trabalho eventual, papel análogo ao dos altos empregados na relação de emprego - podendo-se apelidá-los de altos trabalhadores. Tais elementos, porém, concernem à esfera do direito material, e por isso entendemos que devem ser determinantes na fixação dos critérios de regulamentação das relações de trabalho lato sensu, matéria que abordaremos no item 16. Com referência à cobrança de honorários decorrentes do exercício de mandato oneroso, reportamo-nos ao item 8 de nosso estudo anterior. 69

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Como enfatizam os consultores de empresas, a aparência é fundamental numa estratégia eficaz para conquistar e manter clientes. DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho, p. 666. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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13 TRABALHO EM PROVEITO ECONÔMICO DE INSTITUIÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS Como já tivemos a oportunidade de salientar, as instituições sem fins lucrativos ocupam posição ativa na economia: são entes produtivos.71 Mesmo desenvolvendo-se à margem da produção capitalista, as atividades do terceiro setor - de caráter predominantemente assistencial - têm conteúdo econômico, produzindo bens ou serviços para a satisfação de necessidades humanas. Para tal fim, aquelas entidades utilizam-se da força de trabalho alheio como fator de produção.72 O conceito justrabalhista de instituição sem fins lucrativos deve abranger, além das associações, fundações e entidades filantrópicas, também os partidos políticos, entidades sindicais e condomínios residenciais. Inexistindo finalidade lucrativa naquelas atividades, tampouco há que se cogitar de mais-valia73 - o que não inibe tais entidades de extrair proveito econômico da relação de trabalho, na medida em que têm a seu dispor a força de trabalho e os meios de produção. Cumpre salientar que certas instituições não-lucrativas produzem valor de troca (é o caso das instituições de ensino). Outras, como as entidades beneficentes, somente podem comercializar bens ou serviços para a manutenção de sua obra social. De todo modo, toda instituição sem fins lucrativos gerenciará seus gastos e sua receita, podendo acumular reservas - apenas não as distribuirá sob a forma de lucros entre seus dirigentes. Ou seja, o eventual superavit da produção não-lucrativa será revertido integralmente à manutenção e desenvolvimento de seus objetivos sociais, ou ao incremento de seu ativo imobilizado (art. 12, § 2º, “b” e § 3º da Lei n. 9.532/97). Por outro lado, mesmo que inexista excedente econômico na produção nãolucrativa, a relação de trabalho confere-lhe proveito econômico potencial, na medida em que o valor de uso da força de trabalho possibilita à entidade sem fins lucrativos a consecução de seus objetivos sociais. Em tal hipótese, o proveito econômico auferido pela instituição não-lucrativa é o óleo que faz sua máquina produtiva funcionar, ativando os serviços de assistência social, caridade, lazer, etc., prestados à comunidade. Quanto ao trabalho voluntário prestado ao terceiro setor, vide tópico 7.3.

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Conforme dados publicados pela PrimaPagina em 24.03.2006, as atividades das organizações sem fins lucrativos representam 5% do PIB do Brasil, superando a indústria extrativa mineral. MARANHÃO, Délio, SÜSSEKIND, Arnaldo e VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho, v. I, p. 290. Na teoria marxista, o lucro é obtido pela conversão da mais-valia em capital. As duas categorias não se confundem: a mais-valia é calculada com base no valor da força de trabalho, enquanto a taxa de lucro tem como denominador o capital total (força de trabalho e meios de produção). De qualquer forma, não apenas na doutrina marxista, mas também na economia política clássica, a mais-valia (mesmo consumível pelo capitalista) é, em sua essência, instrumento de acumulação do capital, cristalizável em plus monetário: lucro, juros, renda, etc. (MARX, Karl, Livro I, v. 2, p. 609 e 677-679). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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14 TRABALHO DOMÉSTICO VERSUS SERVIÇOS DE MERO CONSUMO A doutrina trabalhista é unânime em afirmar que o trabalho doméstico configura atividade de mero consumo. Tal concepção deriva de uma idéia de atividade produtiva direcionada ao mercado, isto é, vinculada à criação de valores de troca. É certo que o trabalho doméstico produz apenas valores de uso, suprindo necessidades de consumo do próprio tomador (pessoa ou família). Mas isso não anula seu escopo produtivo, como procuraremos demonstrar nas próximas linhas. Sabe-se que o consumidor é a parte vulnerável em sua relação jurídica com o fornecedor dos serviços. Ora, em se adotando a premissa de que o trabalho doméstico configura atividade de mero consumo, a conclusão inevitável e paradoxal a que se chega é que o empregador doméstico é a parte vulnerável no vínculo mantido com seu empregado. Há mais. Como observou Marx, existe uma mútua dependência e mediação entre produção e consumo. “Sem produção, nenhum consumo.”74 Pois bem, se o trabalho doméstico cinge-se à economia de consumo da pessoa ou família, pergunta-se: - De que atividade produtiva resulta então o objeto daquele consumo? Eis a nossa leitura: quando a família recorre, por exemplo, aos serviços de lavanderia ou restaurante para prover sua subsistência, está consumindo serviços produzidos pelo mercado. Ao contratar o trabalho doméstico, o que faz a família é substituir a atividade produtiva do mercado pela apropriação do valor de uso da força de trabalho contratada. A produção é então deslocada ao âmbito residencial, assumindo nova roupagem, não-lucrativa. Não se destinando ao mercado ou à comunidade, a produção doméstica resta invisível nos gráficos do PIB (do mesmo modo que o produto da agricultura de subsistência, comum no meio rural). Mas, como já ressaltamos, a destinação produtiva dos serviços, para o fim de caracterização da relação de trabalho, é aferida em análise microeconômica. Logo, se o trabalho doméstico é improdutivo para a economia do país, no âmago da relação de trabalho por certo ele é produtivo. Na relação de trabalho doméstico, o trabalhador aliena sua força de trabalho à pessoa ou família e esta, detendo atípicos “meios de produção”75, adquire a capacidade de dispor daquela força de trabalho. Estudando o processo de produção da mais-valia, Marx76 enfatiza que o valor de uso específico da força de trabalho consiste em ser ela fonte de valor, e de mais valor que o pago por ela. Como o vendedor da força de trabalho aliena seu valor de uso, o tomador do trabalho paga o valor diário (ou semanal, ou mensal) da

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MARX, Karl. Grundrisse: Foundations of the critique of political economy, p. 93. Imagine-se o lar como uma fábrica anômala, que produzisse apenas para autoconsumo. Comporiam seu “capital fixo” o fogão, a geladeira, o ferro e a tábua de passar roupas, a máquina de lavar. Os alimentos in natura, detergentes e demais mantimentos, que a família adquire toda semana no supermercado, seriam o “capital circulante”. Apenas, ao invés de ser direcionada ao mercado (o trabalhador poderia estar prestando aqueles mesmos serviços a um hotel ou restaurante, por exemplo), a produção doméstica supre necessidades próprias do tomador. Ou seja, a figura do detentor dos “meios de produção” e a do consumidor misturam-se na mesma pessoa: a do tomador dos serviços. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I, v. 1, p. 227-228.

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força de trabalho e adquire seu uso pela jornada inteira. Marx compara o processo de produzir valor com o processo de trabalho, destacando que este consiste no trabalho útil que produz valores de uso, em atividade considerada de forma qualitativa, enquanto que, na produção de valor, o mesmo processo de trabalho é considerado apenas sob o aspecto quantitativo. Mesmo mirando a produção capitalista, os ensinamentos de Marx elucidam com perfeição o duplo aspecto do proveito econômico auferível da relação de trabalho doméstico. Assim é que, mediante um pagamento estipulado, o empregado ou diarista doméstico aliena diretamente à pessoa ou família o uso de sua força de trabalho pela inteira jornada contratada (dia, semana ou mês). Trata-se, portanto, de valor de uso expansível, que não se exaure em um serviço individualizado. Imagine-se, por exemplo, que a família receba um parente em sua casa, por uma semana. A empregada doméstica lavará e passará mais roupas, terá mais trabalho na cozinha, o valor de uso de sua força de trabalho será estendido - mas o valor pago por ela não irá variar. Isso porque o valor de uso da força de trabalho já não pertence à empregada doméstica, mas à família que dele se apropriou. Eis o proveito econômico qualitativo extraível pelo tomador na relação de trabalho doméstico. Mas o processo de trabalho doméstico também contém valor. Apenas, não sendo a produção doméstica direcionada ao mercado (isto é, não produzindo valor de troca), o proveito econômico quantitativo dela extraível, além de não-mensurável, só poderá ser inferido de forma oblíqua, pela diferença potencial entre o custo dos serviços de subsistência oferecidos no mercado e os gastos do tomador doméstico na produção de subsistência correlata, que compreenderão - além das despesas com mantimentos e provisões domésticas - os encargos trabalhistas e previdenciários decorrentes da contratação do trabalho doméstico.77 A potência desse proveito econômico terá ainda mais magnitude nos grandes centros urbanos, onde o custo dos serviços é mais elevado. Pode-se invocar aqui, como mera ilustração, o princípio da vantagem comparativa78, utilizado pelos economistas para explicar os ganhos de comércio. Alguém irá argumentar que a família poderia executar os serviços domésticos por conta própria, sem recorrer ao mercado - por exemplo, cozinhando, lavando e passando suas próprias roupas.79 Ora, mas também o microempresário (por exemplo, o proprietário de um pequeno estabelecimento comercial) seria capaz de, em tese, exercer as funções do balconista ou caixa que contratou, e isso não invalida a lógica de que existe proveito econômico naquela relação de emprego, em favor do empregador.

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Ou seja, o trabalho doméstico não enriquece a família, mas pode lhe ser econômico. Em A riqueza das nações, Adam Smith assim ilustrou o princípio: “a máxima que todo chefe de família prudente deve seguir é nunca tentar fazer em casa o que lhe custará mais caro fazer do que comprar”. (apud MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia, p. 53). Aqui, pode-se argumentar que a contratação do trabalho doméstico propicia ao seu tomador maior tempo e disponibilidade física e mental para se dedicar à sua atividade profissional, na qual aufere remuneração mais vantajosa que aquela paga ao empregado ou diarista doméstico. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Precisamente por configurar mera potência, o proveito econômico extraível do trabalho doméstico poderá não se verificar no caso concreto. 80 Como já salientamos, o risco do empreendimento ou iniciativa é assumido pelo tomador dos serviços. Quanto ao argumento de que a economia política clássica e a teoria marxista consideravam improdutivo o trabalho dos criados, há que se considerar que, à época, a exploração capitalista dos serviços era insignificante. Por conseguinte, o trabalho no âmbito residencial não substituía a atividade produtiva do mercado, apenas servia ao luxo e à preguiça da elite; não havia naquela prestação conteúdo econômico, sequer presumível. Diversamente, na sociedade pós-moderna a vertiginosa expansão do setor de serviços valoriza cada vez mais a força de trabalho doméstico. Assunto dos mais intrigantes é a distinção entre o trabalho doméstico e o fornecimento de serviços de consumo no âmbito residencial. Veja-se: na relação de trabalho doméstico o tomador apropria-se do valor de uso da força de trabalho contratada em substituição à atividade produtiva do mercado. O trabalho é, portanto, alienado e estranhado. Por se tratar de valor de uso expansível, que não se consome em um serviço ocasional, o trabalho doméstico atenderá sempre à necessidade normal da pessoa ou família, no âmbito residencial81 (isto é, não profissional ou comercial). É o caso dos serviços de cozinheira, lavadeira e passadeira de roupas, faxineira, caseiro, jardineiro, motorista, segurança, enfermeiro, babá ou acompanhante, dentre outras formas menos comuns de trabalho doméstico. Na relação de consumo, ao contrário, o serviço supre, em geral, necessidade fortuita do tomador. O valor de uso produzido pelo fornecedor do serviço é nãoexpansível, esgotando-se em um serviço específico - e por isso o tomador não tem a capacidade de dispor daquela força de trabalho. O fornecedor detém, em regra, os meios de produção (ferramentas), exercendo sua atividade produtiva em proveito econômico próprio, e alienando apenas o produto do serviço ao tomador - e como este não detém os meios de produção adequados para ativá-lo, não pode extrair proveito econômico da relação jurídica. Ou seja, o trabalho do fornecedor do serviço não é explorado pelo tomador, não é alienado ou estranhado. Por estar resolvendo um problema ocasional no âmbito residencial, o tomador, ao invés de substituir a atividade produtiva do mercado, traz o mercado para dentro de sua casa e consome ali dentro o mesmo serviço ofertado lá fora. O consumidor doméstico é a parte vulnerável da relação jurídica. É o caso dos serviços de encanador, eletricista, conserto de utensílios domésticos em geral - muitos dos quais poderiam ser fornecidos ao tomador fora do âmbito doméstico. Como considerar, por exemplo,

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Como poderá acontecer de alguém contratar o empregado ou diarista doméstico sem pretender extrair proveito econômico oblíquo daquela prestação - mas sempre com o potencial de obter aquela vantagem. Mauricio Godinho Delgado define com precisão o âmbito residencial como “todo ambiente que esteja vinculado à vida pessoal do indivíduo ou da família, onde não se produza valor de troca”, abrangendo “não somente a específica moradia do empregador, como também, unidades estritamente familiares que estejam distantes da residência principal da pessoa ou família” (in Curso de direito do trabalho, p. 373). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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que a visita de um técnico de computador à residência do cliente configura relação de trabalho, e o fornecimento do mesmo serviço fora do âmbito residencial caracteriza relação de consumo? Por outro lado, a contratação direta dos serviços de arquiteto ou engenheiro em obra residencial configura, a nosso ver, relação de trabalho (não-doméstica), considerando que a construção, adquirindo valor no mercado, confere proveito econômico ao dono da obra. Por fim, é interessante observar que a categoria do trabalhador doméstico biparte-se nas figuras do empregado e do diarista - ambos prestando serviços de forma subordinada.82 A subordinação jurídica é, portanto, pressuposto da relação de trabalho doméstico. Isto porque, diversamente do que ocorre na atividade econômica (onde o produto do trabalho pode ser apropriado à distância e destinado à produção de valores de troca), no âmbito residencial (onde só se produzem valores de uso) somente o valor de uso da força de trabalho diretamente alienada (isto é, subordinada) é expansível e capaz de conferir proveito econômico ao seu tomador. O que significa dizer que, no âmbito doméstico, o trabalho autônomo configura sempre relação de consumo.83 De todo modo, a subordinação será presumida na prestação pessoal de serviços que atendam à necessidade normal da pessoa ou família, incumbindo a esta, conforme o caso, demonstrar em juízo que a hipótese era de mero consumo (ainda que continuado) de serviço prestado sem subordinação. É o que ocorre, por exemplo, na contratação de aulas particulares no âmbito residencial.84 15 SUGESTÃO DE UM CONCEITO LEGAL À RELAÇÃO DE TRABALHO LATO SENSU Partindo da assertiva de que o serviço prestado por pessoa física a ente produtivo, de forma onerosa, configura sempre relação de trabalho (ainda que eventual), formulamos nossa proposta de um conceito plástico e abstrato da relação de trabalho lato sensu: Caracteriza relação de trabalho a prestação onerosa de serviço por pessoa física em proveito de pessoa jurídica, profissional liberal, instituição sem fins lucrativos ou outro ente que produza bens ou serviços para o mercado. Podendo-se incluir, ao final, a relação de trabalho de natureza estatutária: [...] abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 82

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Distinguindo-se o vínculo de emprego doméstico pela continuidade da prestação dos serviços (art. 1º da Lei n. 5.859/72). Divergimos, portanto, dos doutrinadores que classificam o diarista doméstico como trabalhador doméstico autônomo. Frise-se que as aulas poderiam ser tomadas na residência do professor, ou em qualquer outro local, sem se transfigurar a natureza da prestação. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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Parágrafo único. Não descaracteriza a relação de trabalho a constituição de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais, científicos ou artísticos, desde que seu titular preste pessoalmente os serviços eventuais ou autônomos, ainda que contando com auxiliares. Repare-se que o conceito proposto abrange a empreitada contratada a pessoa física (ainda que no âmbito residencial), porquanto, em tese, a obra valoriza o bem no mercado. Nossa proposição de um conceito legal da relação de trabalho doméstico: Caracteriza relação de trabalho doméstico a prestação onerosa e subordinada de serviços por pessoa física, no âmbito residencial, atendendo à necessidade normal de pessoa ou família, sem finalidade lucrativa. 16 EXTENSÃO DE NORMAS TRABALHISTAS ÀS RELAÇÕES DE TRABALHO LATO SENSU Quase dois anos após a publicação da EC n. 45/04, a ampliação da competência material trabalhista - da espécie relação de emprego para o gênero relação de trabalho - surte efeito prático ainda tímido. As demandas envolvendo relação de trabalho lato sensu em regra têm por objeto a declaração da nulidade da contratação e o reconhecimento do vínculo empregatício, sendo pouco utilizado o pedido em ordem sucessiva (art. 289 do Código de Processo Civil) para se reclamar parcelas devidas ao trabalhador autônomo, eventual, à diarista doméstica, estagiário, etc. Por que os genuínos trabalhadores não-empregados não se dirigem à Justiça do Trabalho pleiteando seus direitos? A razão é singela: aqueles direitos não existem. Se a ampliação da competência material trabalhista configurou inegável avanço político, ao concentrar no âmbito jurisdicional trabalhista as lides envolvendo a relação de trabalho, não menos certo é que tal evolução restringiu-se ao aspecto formal. Sem normas de direito material trabalhista a preenchê-la, a relação de trabalho lato sensu não passará de um conceito teórico, e a ampliação da competência trabalhista será norma vazia. Mauricio Godinho Delgado observa que “a oferta de trabalho no capitalismo, inclusive o brasileiro, tende a não gerar para o prestador de serviços vantagens econômicas e proteções jurídicas significativas, salvo se induzidas ou impostas tais proteções e vantagens pela norma jurídica”. E cogita a possibilidade da extensão de alguns dos direitos fundamentais trabalhistas (art. 7º da Carta Magna) aos trabalhadores eventuais e “certa fração hipossuficiente dos autônomos”.85 Gabriela Neves Delgado86 acentua que a regulamentação das relações de trabalho, sobretudo em tempos de flexibilização e desregulamentação de direitos, serviria de importante instrumento de consolidação da identidade social do trabalhador e de viabilização do trabalho digno.

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DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho, p. 667. DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno, p. 221. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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O que se discute é autêntico processo de reconstrução do Direito do Trabalho, que deve ser cercado de toda a cautela necessária a evitar o risco de um abalo ou trinca no ordenamento justrabalhista e na própria estrutura do mercado de trabalho. Com muita propriedade, Mauricio Godinho Delgado alerta que “a idéia de extensão dos direitos fundamentais a todo tipo de trabalho, se não manejada com sensatez e prudência, poderia simplesmente agregar força à tendência de desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho. É que esta extensão tenderia a supor, por óbvio, a diminuição do rol de tais direitos, em face das inúmeras especificidades dos distintos segmentos de prestadores de serviços (é evidente que seria inviável estender todos os direitos fundamentais trabalhistas a uma pessoa física que realizasse seus serviços de maneira efetivamente autônoma e impessoal no tocante aos respectivos tomadores).”87 Há ainda o risco de uma formalização excessiva acarretar o engessamento de algumas relações trabalhistas, depreciando o patamar remuneratório e afetando a desenvoltura de alguns trabalhadores no mercado, particularmente os autônomos e eventuais. Não obstante, se bem projetada e implementada, a regulamentação das relações de trabalho lato sensu, além de assegurar a inclusão social dos trabalhadores não-empregados, poderá servir de poderosa ferramenta no combate à fraude e à precarização da relação de emprego, considerando que ambas são estimuladas exatamente pelo vazio normativo que cerca o trabalho autônomo, eventual, de estagiário, etc. A alternativa aventada por Mauricio Godinho Delgado88, de uma reconstrução do conceito de subordinação, adotando-se o critério da inserção estrutural do trabalhador na dinâmica do tomador dos serviços, alargaria o campo de incidência justrabalhista, mas manteria desprotegidos os trabalhadores autônomos cuja produção a empresa controla à distância, como no exemplo do produtor rural mencionado no item 8. Ou, se a idéia de subordinação estrutural de Delgado abrange tal tipo de prestação, talvez seja mais adequada ao conceito da relação de trabalho lato sensu (no que, aliás, confluiria com a nossa concepção) do que propriamente a um conceito ampliado da relação de emprego, que reuniria num mesmo modelo de relação jurídica modos de prestação nuclearmente distintos. De todo modo, a proposição (interpretada na forma restritiva) parece muito interessante como medida adicional ao processo de infusão de direitos fundamentais nas relações de trabalho. Por outro lado, a idéia mencionada por Gabriela Neves Delgado89 de uma renda social garantida, criada e mantida pelo Estado, a nosso ver não se confunde com o propósito de regulamentação das relações de trabalho não-empregatícias, que é eminentemente contraprestativo. Tampouco parece-nos conveniente a criação de um valor mínimo hora para o trabalho autônomo ou eventual, medida que, como salientamos acima, poderia engessar tais relações de trabalho. Frise-se que, em regra, a renda mensal daqueles trabalhadores é superior não apenas ao salário 87 88 89

Op. cit., p. 666. DELGADO, Mauricio Godinho (ult. op. cit., p. 667). Op. cit., p. 228. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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mínimo, mas à própria média remuneratória dos empregados. A nosso ver, a questão não reside no valor da contraprestação, mas no vazio normativo que desprotege aqueles profissionais, enquanto vendedores da própria força de trabalho. Nessa perspectiva, entendemos mais apropriado um mecanismo de extensão normativa parcial e escalonada, que considere as peculiaridades de cada espécie de relação de trabalho. Não se trata de criar subclasses de trabalhadores, muito menos de discriminar os trabalhadores não-empregados. Apenas, se as relações de trabalho não-empregatícias jamais conterão todos os elementos da relação de emprego, a extensão de direitos fundamentais aos trabalhadores à margem da CLT deverá observar essa lógica proporcional - como, aliás, pondera o próprio Mauricio Godinho Delgado, no texto transcrito linhas atrás. Como já acentuamos, trata-se de tema delicado, devendo o processo legislativo ser precedido de amplo debate e amadurecimento no meio jurídico trabalhista. Limitar-nos-emos aqui à proposição de diretrizes, abertas a complementações e críticas. a) não-regulamentação do serviço eventual prestado por profissional liberal Reportamo-nos ao que expusemos no item 11. Em que pese aos beneficiados pela ampliação da competência trabalhista, não nos parece razoável estender a tais profissionais o agasalho das normas trabalhistas - salvo, evidentemente, se houver subordinação jurídica ou econômica na prestação, o que ocorrerá na hipótese de relação de emprego ou trabalho autônomo habitual. Exemplificando, a cobrança de honorários decorrentes do exercício de mandato oneroso em favor de ente produtivo não atrairia a incidência de normas trabalhistas; diversamente, ao advogado que prestasse serviços habituais a um escritório ou empresa, mesmo sem subordinação jurídica, seriam assegurados os direitos do trabalhador autônomo. b) aplicação dos princípios do Direito do Trabalho à relação de trabalho lato sensu Sendo o trabalhador a parte mais vulnerável na relação jurídica, revelamse plenamente aplicáveis (excepcionadas as situações abrangidas pela alínea a) os princípios da proteção, da norma mais favorável, da imperatividade das normas trabalhistas, da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, da condição mais benéfica, da inalterabilidade contratual lesiva, da irredutibilidade remuneratória, da primazia da realidade sobre a forma. O princípio da continuidade da relação de emprego seria adaptado às relações de trabalho marcadas pela habitualidade da prestação. c) FGTS: direito fundamental do trabalhador Sempre excepcionadas as hipóteses contempladas pela alínea a, o FGTS seria erigido à condição de direito fundamental do trabalhador, verdadeiro instrumento de inclusão social dos trabalhadores à margem da CLT, assegurandoRev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.53-85, jul./dez.2006

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lhes, a longo prazo, os benefícios de autêntica poupança forçada, e o resguardo de seu tempo de serviço. Além do trabalhador autônomo e do eventual, seriam beneficiados o estagiário, o parceiro-outorgado rural, a empregada e a diarista domésticas. Com relação especificamente ao trabalhador eventual, a operacionalidade dos recolhimentos demandaria alteração no sistema do órgão gestor (Caixa Econômica Federal), e o levantamento dos depósitos seria regulado por lei. d) o direito a férias e parcelas resilitórias decorre do trabalho nãoeventual As férias anuais remuneradas visam o resguardo da saúde e segurança no trabalho, bem como uma maior integração social do trabalhador, após longo período de prestação de serviços. No contexto de uma regulamentação jurídica da relação de trabalho lato sensu, não vemos razão para excluir do direito a férias os trabalhadores que prestem serviços com habitualidade ao mesmo tomador. Da mesma forma, entendemos razoável a extensão do direito a parcelas resilitórias (aviso prévio e indenização de 40% sobre FGTS) àqueles trabalhadores. Ficariam excluídos de tal proteção os trabalhadores eventuais (em razão do caráter fortuito da prestação) e as diaristas domésticas - ressaltando-se, com relação a estas, que não seria plausível igualá-las em direitos às empregadas domésticas, que prestam serviços de forma contínua, sem a possibilidade de se vincularem a múltiplos tomadores. Revela-se fundamental, ainda, uma política oficial de incentivo à filiação dos trabalhadores não-empregados à Previdência Social - em especial do trabalhador eventual, que seria inserido em categoria própria, como sugere Gabriela Neves Delgado.90 Outro passo importante seria a criação, por via legislativa, de um modelo de sindicalização que abrangesse aqueles trabalhadores. Concluindo, entendemos plenamente aplicável às relações de trabalho lato sensu, independentemente de alteração legislativa, o capítulo V da CLT, referente à saúde e segurança no trabalho (direitos de indisponibilidade absoluta), bem como a responsabilidade do tomador dos serviços pela indenização por danos materiais ou morais decorrentes de doença profissional ou acidente do trabalho, na hipótese de trabalho subordinado ou trabalho autônomo realizado nas dependências do tomador. As críticas às nossas proposições serão bem-vindas. O silêncio pós-EC n. 45/04 já se esgarça, desnudando a interrogação e a dúvida. – Num tempo que não permite sonhar, o Direito do Trabalho insinua-nos seu futuro como se abrisse um sorriso. Um sopro (furtivo, mas instigante) no rosto pálido da história.

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Op. cit., p. 229.

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A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES Vander Zambeli Vale* SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 REGIMES JURÍDICOS 3 A PARTE EMPREGADORA 4 SUCESSÃO TRABALHISTA 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO A Constituição da República, como não podia ser diferente, alterou os paradigmas do direito brasileiro. A nova ordem trouxe uma nova tábua de valores, tendo no seu ápice o princípio da dignidade da pessoa humana. Novos institutos, antes ventilados apenas doutrinariamente, transformaram-se em texto constitucional, como o habeas data, o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e outros. Emergiu uma nova concepção do Estado brasileiro e de suas instituições. A Administração Pública passou a ter novos alicerces. A sistemática do serviço público e dos servidores restou profundamente alterada. O interesse público teve ressonância na Carta, a qual, irradiando sua força legiferante sobre todo o direito positivo infraconstitucional e posicionando-se como força motriz de uma nova doutrina e uma moderna jurisprudência, provocou intensas mudanças. O concurso público passou a ser requisito para investidura em cargos públicos efetivos, prevendo-se, em caso de inobservância, a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável. Pela força do mandamento constitucional, abriram-se caminhos para posicionamentos pretorianos inéditos, tendentes à responsabilização de autoridades que burlam o princípio do concurso, tanto na seara das ações populares quanto na das ações civis públicas e na das ações individuais. Pontificou-se a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros por seus agentes. O § 6º do art. 37 da Constituição agasalhou a doutrina sobre a matéria, mantendo o estatuído desde a edição do Código Civil de 1916, que, no seu art. 15, já estabelecia a responsabilidade objetiva do Estado. Manteve, outrossim, a responsabilidade subjetiva dos autores diretos, ou seja, dos agentes públicos. O Sistema Tributário Nacional experimentou as inovações esperadas em um Estado Democrático de Direito. As limitações ao poder de tributar, provenientes da Carta anterior e do Código Tributário Nacional, foram preservadas. Outras foram positivadas. A contribuição social restou induvidosamente encampada, ensejando * Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora.

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sua caracterização como tributo, daí advindo todas as pertinentes garantias para o contribuinte e também para o próprio crédito tributário. No tocante à Administração Indireta, a Constituição também estabeleceu a matriz. Somente por lei específica pode ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e fundação pública. A criação de subsidiárias de tais entidades depende de autorização legislativa. Antes da Emenda n. 19/98, o pessoal da Administração Direta e das autarquias submetia-se exclusivamente ao regime estatutário, enquanto o pessoal das demais entidades da Administração Indireta, ao regime próprio das empresas privadas, ou seja, ao celetista. Com as conformações decorrentes das emendas à Constituição, mormente a de n. 19/98, o regime do pessoal da Administração Direta e das autarquias e fundações públicas deixou de ser única e obrigatoriamente o estatutário, podendo ser adotados outros regimes, em dualidade ou em espectro mais amplo. Na prática, não houve alterações, mantendo-se a legislação concebida segundo a Constituição originária, pois o regime estatutário é enraizado na Administração Pública, salvo na esfera municipal, em que a grande maioria dos Municípios restou impossibilitada de instituir seus estatutos pelas dificuldades de implantação de previdência social própria. É importante aqui, abrindo um parêntese, situar a força de um sistema jurídico. O regime estatutário tem bases bem definidas e solidificadas na Constituição, nas leis infraconstitucionais e na prática administrativa. Diante de seus congênitos e sistematizados contornos no ordenamento jurídico, esse regime continuou sendo o único na Administração Direta da União, dos Estados e dos grandes Municípios, mesmo após a faculdade aberta pela citada Emenda Constitucional. Observa-se que não basta a supressão de uma palavra em um ou outro texto da Constituição ou da lei, pois prevalece a força do sistema jurídico. De outro lado, o sistema legal não tem o condão de alterar a realidade quando os fatos da vida lhe são mais fortes. Isso explica por que o regime estatutário não decolou na Administração dos pequenos Municípios. Na hipótese, o sistema sucumbiu à realidade consistente na incapacidade de autogestão previdenciária. Vale dizer, se a matéria é sistematizada no ordenamento, mormente na Constituição, não bastam modificações legislativas pontuais, ainda que da palavra mais expressiva ou até daquela que empresta ou inspira o nomen juris. Qualquer sistema jurídico, todavia, cede diante das realidades intransponíveis, como, por exemplo, a absoluta impossibilidade de os pequenos Municípios instituírem e gerirem sistemas próprios de previdência social para seus servidores. Na seara das empresas públicas e sociedades de economia mista, não houve modificações quanto ao regime de pessoal concebido pela Constituição originária. As sucessivas emendas constitucionais mantiveram a concepção de 1988 quanto ao regime próprio das empresas privadas: o regime celetista. Malgrado os julgados do Supremo Tribunal Federal conferindo à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os benefícios processuais da Fazenda Pública, a doutrina e a jurisprudência, quanto ao regime trabalhista, não fazem a distinção decorrente da exploração ou não de atividade econômica. Todas as empresas públicas, sociedades de economia mista, bem assim as subsidiárias têm seu pessoal regido pela CLT. Exclusivamente pela CLT. Não há a menor possibilidade de haver no seio desses entes da Administração Indireta Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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outro regime. Se o regime único obrigatório não mais existe, em tese, para a Administração Direta e autarquias, para as empresas públicas e sociedades de economia mista, ao contrário, a unicidade é imposta pela matriz constitucional. É juridicamente impossível a coexistência de servidores estatutários nesse contexto, do mesmo modo que difícil e até inviável na prática se mostra a multiplicidade de regimes na Administração Direta. Com efeito, o legislador e o operador do direito, no momento de criação e interpretação de leis respeitantes ao regime do pessoal das empresas públicas e sociedades de economia mista, jungem-se ao mandamento constitucional insculpido no inciso II do § 1º do art. 173, § 1º da Constituição: “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas”. É claro que a exigência de concurso público e a fiscalização pelo Tribunal de Contas da União são de rigor pelo interesse e dinheiro públicos envolvidos, como resultante de outras normas constitucionais contrapostas àquela supratranscrita. Diante da determinação constitucional de que o regime é o próprio das empresas privadas, aquelas entidades só podem ter empregados regidos pela CLT tanto pela aplicação direta do Texto Magno quanto pela exegese que se impõe à legislação infraconstitucional. A aplicação direta das normas da Constituição e o seu perfilhamento pelos legisladores infraconstitucionais, em relação aos diversos temas por ela tratados, ao lado das correções impostas pelas decisões vinculantes do Supremo Tribunal Federal em sede de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Ações Declaratórias de Constitucionalidade e também as decisões em Mandados de Injunção, bem como pelas decisões proferidas em sede de controle difuso, projetam todo o direito pátrio. Com efeito, o ordenamento jurídico é conformado pela Carta Magna tanto na fase legislativa, na sua feitura pelos Poderes Legislativos, quanto na fase exegética perpetrada pelos operadores. É nesse contexto jurídico, ou seja, é na Constituição Federal e na interpretação que lhe tem dado o Supremo Tribunal Federal que se deve também perquirir o regime do pessoal das serventias extrajudiciais. Pois bem. Prescreve o art. 236 da Carta: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. Nesse sentido, extrai-se da Constituição que o exercício das atividades notariais e de registro tem caráter privado do mesmo modo que privado é o regime daquelas entidades da Administração Indireta mencionadas no art. 173, § 1º, II. O notário e o oficial de registro, de outro lado, mantêm vínculo administrativo com o Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Estado, uma vez que recebem delegação deste. A remuneração de seu trabalho corresponde aos emolumentos fixados em lei, havendo fiscalização pelo Poder Judiciário. Note-se que o art. 236 da Constituição refere-se a caráter privado e aí reside a matriz constitucional do regime do pessoal das serventias, ou seja, o regime do pessoal que deve ou pode ser contratado pelo delegado. Quanto à referência à delegação do poder público, denota o regime dos notários e oficiais de registro que consiste em vinculação administrativa entre o Estado e o delegado, da mesma forma que administrativo é o vínculo entre o Estado e os concessionários de serviço público. Os delegados dos serviços notariais e de registro são vinculados administrativamente, igualmente aos referidos concessionários ou às empresas ou pessoas que prestam serviços públicos mediante contrato administrativo. A diferença é que os notários e registradores, por prestarem serviços perenes e típicos do Estado, têm estatuto próprio, até porque o vínculo deve ser mesmo duradouro. O ingresso nessas perenes atividades ocorre mediante concurso público de provas e títulos. A remuneração advém de dinheiro eminentemente público, os emolumentos, e as atividades são fiscalizadas pelo Poder Judiciário. Portanto, é preciso distinguir a vinculação do notário e oficial de registro com o Estado, que é de caráter público, daquela entre eles e os seus prepostos referidos no § 1º do art. 236, que é de caráter privado. Pelas normas constitucionais transcritas acima, a responsabilidade trabalhista e os direitos dos citados prepostos haurem-se da CLT e demais leis que regem o trabalho prestado em quaisquer atividades exercidas em caráter privado. A expressão caráter privado não deixa dúvida alguma: o mesmo regime que a Constituição previu para o pessoal das empresas públicas e sociedades de economia mista restou concebido também para os prepostos dos delegados notariais e de registro. Na verdade, a Constituição chancelou o entendimento jurisprudencial anterior a respeito do tema, no sentido de que os prepostos são regidos pela CLT. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias veicula no art. 32 norma aparentemente contraditória. Na verdade, como seu próprio endereço o diz, tratase de norma de caráter transitório, que confirma a regra do art. 236. Veja-se a redação do dispositivo: O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo poder público, respeitando-se o direito de seus servidores. É óbvia a transitoriedade da norma. Se assim é, a mens legis consiste na proteção aos direitos adquiridos dos servidores públicos titulares das serventias na época da Constituição. O exercício em caráter privado, a exigência de concurso público nos moldes do art. 236 e as demais normas deste não se aplicam às serventias estatizadas, enquanto não ocorrer a vacância, seja em razão de aposentadoria, seja em razão de perda do cargo por exoneração, seja em razão de falecimento. A norma transitória visa, pois, à proteção dos direitos dos titulares das serventias estatizadas, servidores públicos remunerados pelo Estado e não pelos emolumentos arrecadados, bem assim dos demais servidores das serventias. E, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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no caso de vacância, aplica-se imediatamente a regra geral, devendo-se abrir concurso público e cumprir os demais mandamentos do art. 236. O pessoal eventualmente contratado pelo novo titular submete-se ao regime celetista. Não há qualquer diferença ou contradição no sistema, mas tão-somente a coexistência de norma de caráter transitório, protetora dos direitos dos servidores antigos de serventias estatizadas. Na linha constitucional do exercício em caráter privado, sobreveio a Lei n. 8.935/94, que é o estatuto dos notários e registradores, o qual ratifica o vínculo administrativo entre o delegado e o Estado, bem como o vínculo celetista entre aquele e seus prepostos. Aqui, pelo tema posto, revela-se pertinente apenas a análise do vínculo entre os delegados e seus prepostos. Nesse sentido, a referida Lei estabelece o seguinte: Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. [...] Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendolhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. O regime trabalhista próprio das empresas privadas, porquanto de caráter privado, como determina a Constituição, é confirmado pelo art. 20, caput, ao mencionar expressamente “sob o regime da legislação do trabalho”. O caráter privado do exercício das atividades pelo delegado emerge insofismável do art. 21, que lhe incumbe o gerenciamento administrativo e financeiro da serventia em toda sua plenitude. 2 REGIMES JURÍDICOS Na lógica da Constituição posicionada no ápice da pirâmide hierárquica das leis, desenhada pelo nosso sistema jurídico, é mister sempre que a função do operador do direito se ancore sob as suas luzes. Não apenas para tê-la como limite, como balizamento do caminho perfilhado pelo intérprete. Aliás, quão frustrante seria uma Constituição apenas como limite! Sem nenhuma inspiração. Sem nenhuma criação. Sem nenhum mandamento direto. Com efeito, a norma constitucional não atua somente como limite, nem apenas como fonte e guia de interpretação da legislação infraconstitucional, mas também como norma de comportamento, destinada ora às pessoas diretamente, ora ao legislador. A perquirição do regime de pessoal das serventias não foge à regra. A Constituição Federal, no artigo 236 e também no art. 32 do ADCT, impõe limites ao legislador infraconstitucional, estabelecendo, por outro lado, ainda que implicitamente, a linha de atuação do intérprete, além de ditar normas diretas tanto Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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ao próprio legislador quanto às partes, cidadãos e instituições envolvidas. Entretanto, para se apurar a norma constitucional sobre o regime de pessoal das serventias ou sobre qualquer outra espécie de situação subjetiva tratada na Constituição, não é suficiente a mera leitura isolada desses artigos. Norma é algo muito mais amplo do que um mero artigo, parágrafo ou alínea. Não se concebe a análise de uma máquina e a descoberta de sua sistemática de funcionamento pelo estudo de apenas uma ou algumas de suas peças e sem se observar também os demais equipamentos a ela interligados. O mesmo se diz de um instituto jurídico ou de uma relação jurídica. Não basta a análise de um artigo ou de um amontoado de dispositivos sem situá-los e harmonizá-los no sistema jurídico nacional. É mister que se volte o estudo para os diversos regimes de trabalho que a Constituição permite ou estabelece para depois se verificar em qual deles se insere o do pessoal das serventias. Antes da Emenda n. 19/98, o regime preconizado para os servidores públicos, inclusive das autarquias e fundações públicas, era único e estatutário, o que restou confirmado pela Lei n. 8.112/90. Para o pessoal das empresas públicas e sociedades de economia mista projetou-se o mesmo regime das empresas privadas, ou seja, o celetista. A Carta idealizou também os regimes da Magistratura, do Ministério Público, da Advocacia Pública, traçando princípios auto-aplicáveis e remetendo a regulamentação para o legislador infraconstitucional. No tocante aos prepostos que atuam nas serventias extrajudiciais, a Constituição também fundou as bases e premissas do seu regime. Já se disse em linhas pretéritas que o regime dos notários e registradores é de índole administrativa. Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os notários e registradores ocupam cargos públicos em sentido amplo. Todavia, não se pode confundir esse regime com o dos respectivos prepostos. Com efeito, as bases do regime solidificam-se também no exercício em caráter privado dos serviços notariais e de registro, como estabelece o caput do art. 236 da Constituição. Como dito alhures, a relação de preposição havida nas serventias é formada com os respectivos titulares, à vista de expressa previsão constitucional. A Carta Magna, ao mesmo tempo em que deixa claro que o regime é o da iniciativa privada, remete a regulamentação para a legislação ordinária. Observe-se que o § 1º do art. 236 prevê a regulamentação legal das atividades, o que alcança todos os serviços praticados nas serventias, quer pelos titulares, quer pelos seus prepostos, inclusive as responsabilidades de uns e outros. Se as funções são exercidas em caráter privado e se tais funções também são exercidas pelos prepostos, evidenciase a índole privada da relação entre eles e os respectivos titulares. Relembremos que a função é pública, mas o exercício, privado. Sob as luzes da Constituição, sobreveio a Lei n. 8.935/94, para dar concreção ao regime idealizado constitucionalmente para titulares e prepostos. Quanto a estes, os acima transcritos artigos 20 e 21 dão ênfase ao regime trabalhista próprio da iniciativa privada, até porque conferem direitos e deveres próprios do empregador definido na CLT. Nesse momento merece destaque o art. 48 da Lei, que, ao mesmo tempo, ratifica o regime celetista com a expressão legislação trabalhista e preserva transitoriamente antigos regimes jurídicos: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Art. 48. Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial, desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei. § 1º Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado, para todos os efeitos de direito. § 2º Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei. Poder-se-ia suscitar dúvidas quanto à constitucionalidade do art. 48, pois o regime próprio da iniciativa privada é o único que se harmoniza com o art. 236 da Constituição. Acerca de eventuais alegações de garantia dos atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos consistentes em relações de trabalho fundadas em legislações anteriores, haveria o contraponto de que a Constituição originariamente concebida rompe com todo o direito precedente. Assim, seria impertinente a invocação de ato jurídico perfeito e direito adquirido contra a Constituição. Entretanto, a subsistência de regimes outros em relação a antigos prepostos é salvaguardada pela Carta, nos termos do citado art. 32 do ADCT. Clareia-se, destarte, a constitucionalidade do art. 48, cuja garantia transitória de regimes antigos, contrária, em princípio, ao art. 236 da Carta, tem sua gênese no art. 32 do ADCT. A norma constitucional transitória mantém não só os direitos adquiridos de todos os servidores que prestavam seus serviços em serventias oficializadas, como também dos próprios oficiais e tabeliães. Em se tratando de matéria constitucional, não obstante a constitucionalidade do art. 48, suas disposições devem, para tanto, ser interpretadas conforme a Constituição. A Lei Maior atua como limite, guia e norma de conduta. Portanto, o art. 48 da Lei e o que sobre ele dizem os operadores são balizados, guiados e aplicados nos termos do art. 236 da Carta, com as nuances da exceção provisória franqueada pelo art. 32 do ADCT. A própria topografia do art. 32, ou seja, nas Disposições Constitucionais Transitórias, acusa sua efêmera sobrevivência. Não se concebe a leitura do dispositivo provisório como sendo este uma fissura no sistema do art. 236. O caráter privado do exercício das atividades notariais e de registro é geral, sem exceção permanente, senão transitória e para os fins de resguardar atos jurídicos perfeitos. O constituinte optou por preservar esses atos jurídicos pretéritos concernentes ao regime do pessoal das serventias. Poderia não fazê-lo e deixar operar geral e totalmente a força do art. 236. Porém, excepcionou transitoriamente o direito de seus servidores. Isso ocorreu certamente pelas pressões dos setores envolvidos, legítimas naquela fase da nossa história constitucional, um ponto alto das fontes materiais do direito brasileiro, à vista do grande jejum de liberdade de expressão vivenciado pelo povo nas duas décadas anteriores. No caso dos servidores públicos, a jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos e a do Supremo Tribunal Federal consolidaram-se no sentido da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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modificabilidade de regimes jurídicos. Pelo entendimento pretoriano prevalecente, não se exige alteração constitucional, a menos, é claro, que o regime tenha sido previsto na própria Carta. In casu, a alteração dos regimes jurídicos anteriores do pessoal das serventias, aí incluídos notários, registradores e prepostos, podia ser realizada mediante lei. É que nas normas constitucionais anteriores às de 1988 não se via qualquer regra sobre os regimes jurídicos aplicáveis. A matéria era de hierarquia legal e não constitucional. O legislador constituinte, abeberando-se nas fontes materiais emergentes das ruas e dos setores envolvidos, fez as várias opções políticas que resultaram na nova Carta. Dentre essas opções, a de alçar em nível constitucional a matriz dos regimes jurídicos do pessoal das serventias. À luz da jurisprudência, bastava uma lei para alterar os regimes dos servidores públicos que atuavam nas serventias, e não se poderia falar em direito adquirido e ato jurídico perfeito. Todavia, as mudanças vieram pela nova Carta. Se novos regimes podiam ser instituídos por lei, muito mais pela Constituição. Não remanesce, pois, qualquer dúvida de que, diante do art. 236 da Constituição, foram abolidos todos os regimes jurídicos contrários às suas disposições. Já se disse em linhas anteriores que o regime dos notários e registradores é de índole administrativa, entre eles e o Estado, conquanto privado o exercício das atividades respectivas. Não se trata obviamente de regime estatutário, próprio de servidores públicos em sentido estrito, mas de regime administrativo sui generis, regulamentável por lei, o que se efetivou pela Lei n. 8.935/94. Viu-se, por outro lado, que o regime dos chamados prepostos é o próprio da iniciativa privada, ou seja, o celetista, com regência principalmente pela CLT e leis esparsas aplicáveis aos trabalhadores em geral. A norma constitucional perene vincula os prestadores de serviços nas serventias ao titular, notário ou oficial de registro, dependendo da especialidade. O § 1º do art. 236 é absolutamente claro, não deixando margem para devaneios interpretativos, até porque harmônico com o sistema, mormente com o induvidoso exercício privado das atividades respectivas. Expressa o citado dispositivo que a lei regulará as atividades e responsabilidades dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos. Vale dizer, os trabalhadores nas serventias são prepostos dos respectivos titulares e não do Estado, pelo que deflui dos vocábulos finais e de seus prepostos. O vínculo forma-se, portanto, com as pessoas físicas dos notários e registradores, o que se demonstrará de modo detalhado no tópico seguinte. Nesse regime concebido na Constituição, não há lugar para vinculação dos prepostos ao Estado, nem total nem parcialmente. Trata-se de prepostos do titular da serventia, plenamente a estes vinculados, no contexto da natureza privada do exercício das atividades notariais e de registro. Os direitos e deveres incidentes nessas relações jurídicas são os pertinentes a empregados e empregadores, com todas as conseqüências jurídicas daí resultantes. Doravante, o novo regime simplesmente apagaria os anteriores que lhe fossem contrários. Seria assim não fosse a exceção transitória estatuída pelo art. 32 do ADCT, que salvaguardou os atos jurídicos perfeitos e os direitos deles decorrentes, ou seja, os regimes jurídicos anteriores para os antigos servidores. Os novos, os contratados a partir de 05.10.88, foram-no e o são sob a égide da legislação do trabalho: CLT e leis esparsas aplicadas aos trabalhadores em geral. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Quais seriam os regimes anteriores diversos do celetista e que subsistem pela exceção estabelecida no ADCT? Para responder a essa indagação não se pode perder de vista que o regime celetista já era predominante nas serventias antes do advento da Constituição de 1988. Entretanto, em razão de os serviços notariais e de registro serem públicos e delegados pelos Estados da Federação, sua prestação ao público pelos delegados e prepostos tem peculiaridades exigentes de regulação pelos legisladores estaduais. No contexto constitucional anterior a 05.10.1988, em meio à regulação das atividades, leis estaduais estabeleceram direitos dos trabalhadores remunerados pelo titular da serventia. Podiam até estabelecer requisitos para contratação. Afinal, o exercício em caráter privado só veio a se tornar induvidoso com a atual Constituição. De outro lado, esses direitos e deveres estatuídos pelas diversas legislações estaduais não tornavam estatutários os trabalhadores remunerados pelo delegado. Os servidores estatutários ocupam cargos ou funções públicas e são remunerados pelo Estado. Não é o caso de trabalhadores remunerados pelos titulares das serventias. Mesmo atualmente, com toda a legislação no sentido da vinculação empregatícia, regida pela legislação do trabalho comum à iniciativa privada, o ente delegante pode estabelecer exigências que objetivem a boa prestação dos serviços. Não pode instituir direitos trabalhistas, pois invadiria competência privativa da União; porém, seria natural estabelecer exigências mínimas daqueles que prestam os serviços notariais e de registro. Afinal, são serviços públicos, por cujo funcionamento correto responde objetivamente o Estado. Podem, por exemplo, os Estados da Federação exigir, mediante lei, que os substitutos sejam bacharéis em direito ou tenham experiência mínima nas respectivas atividades ou que os escreventes tenham esta formação ou segundo grau completo, por exemplo. Nem por isso os prepostos seriam considerados estatutários e teriam seus contratos de trabalho desnaturados. Os contratos de trabalho desses trabalhadores exercentes de serviços eminentemente públicos são naturalmente empecidos de nuances que os tornam peculiares, mas não os excluem do regime celetista. Uma dessas nuances é a mitigação do poder diretivo do empregador. Por serem sujeitas à fiscalização das Corregedorias dos Tribunais de Justiça estaduais, as atividades notariais e de registro devem ser cumpridas segundo as normas editadas pelos citados órgãos do Poder Judiciário. Os horários de trabalho dos empregados podem também ser alterados, independentemente da anuência destes, se as novas jornadas, nos limites da lei, decorrem de novos horários de funcionamento estabelecidos pelo Poder Judiciário. Outra nuance advém da qualidade de servidor público desses empregados para fins criminais, nos termos do art. 327 do Código Penal. Diante de eventual conduta tipificadora de crime próprio de funcionário público, pode e deve a Corregedoria proibir a prática de atos notariais e de registro pelo autor da infração penal. Em casos de infrações administrativas reiteradas, mesmo que não configurem crime, pode a Corregedoria agir no mesmo sentido. É claro que essa decisão administrativa há de ser precedida de processo administrativo em que se assegure ampla defesa ao titular da serventia, que terá seu poder diretivo do contrato de emprego mitigado pela Corregedoria, quando não for o caso de perda da delegação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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ou outra penalidade, sem prejuízo daquela restrição, conquanto não prevista expressamente na Lei n. 8.935/94. Ressalte-se que não se trata de penalidade e, sim, de intervenção necessária à boa e regular prestação das atividades delegadas, pela qual, frise-se, o Estado responde objetivamente. Mesmo diante de tudo isso, o vínculo continua sendo de emprego e não estatutário. Pode-se imaginar que, se após a Constituição de 1988 e a Lei n. 8.935/94, ambas no sentido do caráter privado do exercício das funções e da independência do delegado, sendo expressamente previsto o regime da legislação do trabalho comum, há significativa interferência do Estado, muito mais podia ocorrer antes, quando tais características não eram tão claras e o regime não era obrigatoriamente o celetista. Era sintomático que houvesse mais interferências do Estado por intermédio dos Tribunais de Justiça. Mas tais interferências não transmutavam o contrato de emprego em vínculo estatutário, pois o principal, a remuneração, era pactuada com o delegado e por ele paga. Na realidade anterior, os trabalhadores dos então denominados cartórios eram celetistas na quase totalidade, embora muitos talvez não tivessem consciência disso ou preferissem a qualidade de funcionário público. Os delegados, por sua vez, não tinham interesse no cumprimento da legislação trabalhista. Era mais conveniente cumprir apenas os direitos previstos nas leis estaduais ou nas normas infralegais das Corregedorias, sem se falar em opção pelo FGTS, recolhimento de contribuições previdenciárias patronais, etc. Nada disso abalava a verdadeira relação jurídica empregatícia havida entre o delegado e seus prepostos. No Estado de Minas Gerais, por exemplo, o interessado em exercer a função de tabelião substituto ou registrador substituto, em cartório vago, fazia uma prova perante o Juiz Diretor do Foro e era imediatamente alçado ao exercício da função, respondendo interinamente pela serventia. A legislação permitia sua filiação à Previdência do Estado, ou seja, ao IPSEMG (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais). Procedia-se ao recolhimento da contribuição previdenciária ao referido instituto, e o tempo era contado para fins de aposentadoria a ser concedida pelo Estado, após o cumprimento dos requisitos legais. Além do substituto interino, prestavam a mesma prova os escreventes, que eram remunerados pelo substituto interino ou mesmo pelo titular. Isso também não era capaz de afastar a natureza empregatícia do vínculo de trabalho havido entre o escrevente e o interino ou titular, que fixava a remuneração e pagava os salários. Sobre a irrelevância da existência de leis estaduais introduzindo direitos e obrigações nos contratos de trabalho executados nas serventias, é oportuno trazer à baila a jurisprudência que se consolidou no Tribunal Superior do Trabalho (CARRION, 2006): Serventuário de Cartório não oficializado. Relação de emprego. Competência da Justiça do Trabalho. O Cartório é considerado serviço auxiliar da Justiça, respondendo o seu titular pelo trabalho prestado, e sendo, por igual, responsável pela serventia extrajudicial em todos o sentidos, podendo, inclusive, contratar e demitir funcionários; é, pois, o titular em tudo equiparado ao conceito de empregador (art. 2º da CLT). O escrevente de Cartório não oficializado não pode ser tido como funcionário público, regido pelos estatutos peculiares, principalmente quando o serventuário foi contratado pelo titular Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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do Cartório, por quem sempre foi exclusivamente estipendiado, não arcando o Estado nesse particular com nenhuma obrigação. A circunstância de o contrato de trabalho sujeitar-se a um regulamento próprio (Lei Estadual n. 3.444/65 - Lei de Organização Judiciária do Estado de Minas Gerais) não altera a sua natureza porque pode a legislação estabelecer alguns requisitos para contratação e exercício da função sem que isso afete a natureza jurídica da relação que continua sendo de emprego. (TST, E-RR 88.673/93.4, Vantuil Abdala, Ac. SBDI-I 1.567/97) É interessante destacar que, ao contrário dos meros escreventes, que eram celetistas, empregados dos delegados e dos interinos, estes tinham sua vinculação direta com o Estado, pois respondiam pelas serventias, mediante o recebimento dos emolumentos. A investidura dos interinos era precária, não era estatutária, não havia delegação pelo Governador do Estado. Essas situações precárias perduraram ao longo do tempo até o advento da Constituição de 1988, que exige o concurso público. Muitas foram as ações na Justiça contra a abertura de concursos para as serventias ocupadas interina e precariamente antes da Constituição, mas todas repelidas pelo Judiciário, exatamente pela precariedade das investiduras. Com o provimento das vagas pelos concursados, a partir de 2002, houve casos em que ex-interinos alegaram estabilidade para continuar trabalhando nas mesmas serventias, ainda que como escreventes, sob a alegação de serem estatutários. Tais argumentos também foram rejeitados pelo Poder Judiciário, pela inexistência de qualquer vinculação entre o ex-interino e o titular aprovado no concurso. Em tais hipóteses, não havia relação estatutária nem celetista, mas apenas vínculo precário de interinidade no exercício de função pública imprescindível. Alguém tinha que exercê-la e, enquanto não provida a vaga na forma legal e constitucional, procedia-se às designações precárias, sem que com isso o tempo fosse capaz de perenizá-las. Pelo contrário, tinham duração definida pela própria razão de sua ocorrência: até o provimento das vagas na forma legal e constitucional. Com efeito, providas desta forma, cessavam e ainda cessam, imediatamente, as investiduras precárias, sem prejuízo de futuras interinidades decorrentes de novas vacâncias. No Estado de São Paulo, o legislador estadual e o Tribunal de Justiça também se imiscuíam nos contratos de trabalho celebrados entre os delegados e seus prepostos. O Código Judiciário instituído pelo Decreto-lei Complementar n. 3/69, art. 243, estabeleceu o direito a férias de 30 dias, indenização de um mês por ano de serviço, estabilidade aos 5 anos. Por meio de Resoluções, o Tribunal de Justiça instituía vantagens extralegais para os empregados nos cartórios. Atualmente isso não seria válido, seja pela competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho, seja pelo caráter privado do exercício das atividades notariais, seja pela independência dos notários e registradores na gestão das serventias, inclusive na contratação de pessoal. Haveria violação à Constituição e também à Lei n. 8.935/94, que é nacional, não podendo, portanto, ser contrariada por lei que não seja da mesma índole. Eis a questão que se põe nesse momento: o art. 32 do ADCT preserva os direitos trabalhistas instituídos por leis estaduais para os empregados contratados antes de 05.10.1988, cujos contratos se encontravam em vigor naquela data? Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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A questão amalgama-se com aquela respeitante aos regimes jurídicos pretéritos, transitoriamente mantidos pela mesma norma. Para responder a essa nova indagação posta no parágrafo anterior é mister deixar claro que o único regime de transição é o genuinamente estatutário, especificamente para os antigos servidores públicos investidos em cargos públicos antes de 05.10.1988 e remunerados pelo Estado para o exercício de atividades notariais e de registro. O multicitado art. 32 não admite outra leitura. É cristalino no excepcionar da incidência do art. 236 tão-somente “os serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo poder público” com o escopo único de salvaguardar os direitos dos servidores que se encontravam naquela situação em 05.10.1988. A norma transitória, por ter esta característica e ser contrária ao sistema preconizado pelo art. 236 da Lei Maior, não enseja a continuidade de serventias oficializadas indefinidamente, senão para garantir os direitos dos servidores públicos investidos em seus cargos antes da entrada em vigor da nova Carta. A transitoriedade significa que, a partir do momento em que ocorre a vacância da titularidade das serventias oficializadas, incide imediatamente a regra do art. 236, devendo-se abrir concurso público para provimento da vaga nos moldes ali traçados, ou seja, para o exercício das funções em caráter privado e conforme a Lei n. 8.935/94. Os direitos dos demais servidores devem ser respeitados. São servidores estatutários, investidos em cargos públicos e remunerados pelo Estado. O novo delegado, concursado na forma do art. 236, não é servidor público em sentido estrito e não aufere vencimentos do Estado, sendo remunerado pelos emolumentos. O fato de haver vários servidores públicos estatutários prestandolhe serviços é uma anomalia, porém transitória, ou seja, até que ocorra a vacância de todos os cargos públicos. O que é inconcebível é a subsistência permanente de serventias oficializadas, ao lado de serventias extrajudiciais, com base em norma transitória destinada apenas a resguardar direitos de servidores antigos. O sistema é extrajudicial, de serventias não-oficializadas, que só podem coexistir com serviços estatizados enquanto nestes houver titular servidor público. À medida que ocorrem as vacâncias, dá-se a imediata e automática desoficialização ou desestatização, até que o sistema seja todo privado. Causa perplexidade o sistema estatizado adotado pelo Estado da Bahia. Recentemente houve concurso naquele Estado para preenchimento de cargos públicos efetivos de tabeliães e registradores, bem como escreventes e outros, com previsão de vencimentos fixados e pagos pelo Estado. Ora, se ocorreu a vacância dos cargos correspondentes aos tabeliães e oficiais, era de rigor a migração imediata das serventias respectivas do sistema estatizado para o sistema extrajudicial. O concurso realizado pelo Estado da Bahia viola o art. 236 da Constituição, bem assim a Lei n. 8.935/94. Em resposta à primeira indagação, vê-se que o regime vigente é o celetista, e o único regime de transição é o estatutário, relativo às serventias estatizadas anteriormente à Constituição. Esse regime de transição deve desaparecer quando vagar a titularidade da última serventia estatizada antes de 05.10.1988, não obstante, data venia, a ocorrência de heresias como a noticiada subsistência da estatização, mesmo depois da vacância. A norma transitória do art. 32 do ADCT não autoriza a existência perene de serventias que não sejam extrajudiciais, pois a efemeridade é da sua essência. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Sua parte final expressa o escopo da norma transitória: “respeitando-se o direito de seus servidores”. A estatização de serventias não tem, pois, amparo na Constituição, nem no art. 236 nem no art. 32 do ADCT. Passa-se agora à resposta à última indagação. Os direitos previstos em leis estaduais para os empregados nas serventias extrajudiciais vigoram ou não após a Constituição de 1988? Vimos que leis estaduais anteriores a 05.10.1988, em meio ao regramento das atividades notariais e de registro, chegaram a criar direitos trabalhistas em prol de escreventes, substitutos e auxiliares em geral. Afirmamos que isso não desnatura a relação jurídica de emprego havida entre as partes. A questão momentânea é se tais direitos instituídos em leis estaduais e até em Resoluções de Tribunais de Justiça foram ou não preservados pelo art. 32 do ADCT. É crucial que partamos da premissa de que a norma transitória visa à proteção dos direitos instituídos em prol de pessoas que já se encontravam no sistema antes da entrada em vigor da Constituição. Quais são essas pessoas? A parte final do dispositivo em comento esclarece: servidores. Seria exacerbado apego à literalidade afirmar que se o artigo expressa o vocábulo servidores, e só por isso, a salvaguarda destina-se exclusivamente a servidores públicos e não aos empregados, que não se enquadram na acepção daquele. Entretanto, não é apenas a literalidade da parte final que aponta nesse sentido. A primeira parte é absolutamente clara no sentido de que a exceção temporária à norma do art. 236 concerne aos serviços oficializados, ou seja, estatizados anteriormente ao advento da atual Constituição. Na perquirição dos destinatários dos direitos preservados, a norma veiculada no dispositivo conduz inexoravelmente aos servidores públicos das serventias estatizadas antes da Constituição e que, em 05.10.1988, nelas se encontravam em atividade. Portanto, a norma transitória não protege os direitos dos celetistas. Aqueles direitos dos celetistas, instituídos em leis estaduais e Resoluções de Tribunais de Justiça, teriam sido simplesmente eliminados pela Constituição? A resposta é negativa, pois o art. 236, pelo contrário, consolida o exercício em caráter privado e, conseqüentemente, o regime próprio da iniciativa privada para os trabalhadores das serventias extrajudiciais. A Constituição não exclui dos empregados nas serventias os direitos conquistados anteriormente, que aderiram aos seus contratos de trabalho. Os contratos desses empregados, integrados pelas mencionadas normas estaduais, conformam atos jurídicos perfeitos. Estes podiam ser alterados ou suprimidos pela nova Carta, mas não o foram. Nada há no mencionado art. 236 que exclua dos empregados os direitos advindos de normas estaduais que tenham aderido aos seus contratos. Aquilo que consta no art. 32 do ADCT também não alcança os celetistas, refere-se tão-somente aos estatutários, que foram atingidos pela norma do art. 236. Aqueles que não foram atingidos em seus direitos pela norma constitucional não precisam de qualquer proteção transitória. Seus direitos não restaram tangenciados. Permanecem intocados em seus contratos de trabalho. O art. 468 da CLT positiva o princípio da imodificabilidade das condições de trabalho: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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infringente desta garantia.” É esse dispositivo que mantém os direitos instituídos e conquistados pelos referidos empregados antes de 05.10.1988 e não o art. 32 do ADCT. Pode-se argumentar que essa petrificação de direitos nos contratos de trabalho daria azo a abusos da parte de tabeliães e registradores interinos com o intuito de inviabilizar as serventias para os concursados. Em São Paulo, por exemplo, onde a legislação estadual conferia estabilidade aos empregados com mais de 5 anos de serviço, eventuais aumentos salariais excessivos para empregados estáveis poderiam inviabilizar administrativa e economicamente as serventias. Salários estratosféricos combinados com estabilidade no emprego desencorajariam os concursados e comprometeriam um dos pilares do sistema idealmente concebido na Constituição: o concurso público para ingresso nas atividades notariais e de registro. O ordenamento jurídico pátrio, conformando um todo harmônico, não permitiria essa fissura no sistema: o comprometimento da eficácia de um dos instrumentos tendentes à moralização das delegações e das próprias atividades. Os princípios da moralidade e da impessoalidade, incidentes também nesta seara, haveriam de ser invocados perante os tribunais para repelir essas heresias. De qualquer sorte, eventuais ardis dessa natureza não afetariam, em princípio, os concursados, pois o nosso Direito fornece o antídoto: não há automática sucessão trabalhista entre o antecessor e o novo titular, como se verá no segundo tópico subseqüente. Voltando ao cerne da questão dos regimes de pessoal (regime celetista, incluindo-se o regime celetista, com leis estaduais instituindo alguns direitos suplementares, que não o desnaturam, e o regime estatutário transitório das serventias estatizadas antes da Constituição), é preciso verificar como a matéria restou abordada pelo legislador infraconstitucional. Dissemos acima que a lei deve ser interpretada conforme a Constituição, o que é cediço, não constituindo nenhuma novidade. É com esse espírito que se deve fazer a leitura do supratranscrito art. 48 da Lei n. 8.935/94. Tal dispositivo, partindo da premissa de que o regime atual é apenas o celetista e de que, todavia, foram mantidos os direitos adquiridos dos empregados que já estavam no sistema, faculta a celetização dos “atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial, desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico”. Os escreventes e auxiliares de investidura estatutária seriam os remanescentes das serventias estatizadas, cujos direitos foram preservados, inclusive o de continuar prestando serviços nas serventias, mediante vencimentos pagos pelo Estado, mantendo-se a qualidade de servidor público. Aqueles inseridos em regime especial correspondem aos celetistas com direitos trabalhistas suplementados por leis estaduais, inclusive com filiação a institutos de previdência públicos. Não vislumbramos regimes outros. Não se pode olvidar de que a Constituição preconizou a adoção de regime único para os servidores públicos, o que fora alterado somente com a Emenda Constitucional n. 19/98. O regime era único e estatutário até 1998, de modo que, quando editada a Lei n. 8.935/94, os servidores dos entes públicos eram estatutários. Com efeito, todos que auferiam seus vencimentos do Estado eram estatutários, inclusive os que trabalhavam em serventias extrajudiciais ou nas ainda estatizadas. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Destarte, o que o § 2º do art. 48 da citada Lei denomina de escreventes e auxiliares em regime especial nada mais são que celetistas, com plus de direitos instituídos por leis estaduais e Resoluções de Tribunais de Justiça, ou mesmo servidores estatutários, com cargos, funções e vencimentos fixados e pagos pelo Estado. O regime especial a que se refere o dispositivo legal ou é o celetista, com aquele plus, ou é o estatutário propriamente dito, incidente sobre os vínculos de ocupantes de cargos públicos com vencimentos fixados e pagos pelo Estado. 3 A PARTE EMPREGADORA Embora na prática se continue a propagar o vocábulo cartório, o legislador optou pela denominação serventia. É de se admitir que a lei não tem a força de alterar as expressões da língua, mormente diante do que parece ser um neologismo do legislador, já que o sentido léxico, in casu, é outro, pelo que se vê nos dicionários da língua portuguesa. Constam no Aurélio os seguintes significados da palavra serventia: 1. Qualidade do que serve; utilidade, préstimo, proveito. 2. Uso, serviço, emprego, aplicação. 3. Servidão (1). 4. Serviço (14). 5. Serviço provisório ou feito em nome de outrem. 6. Trabalho do serventuário. 7. Trabalho do servente (FERREIRA, 1986). Já o difundido vocábulo cartório guarda correspondência filológica e tem grande penetração no conhecimento popular. No mesmo dicionário colhe-se o seguinte: Cartório. [Der. Regressivo de cartorário] S.m. 1. Lugar onde se registram e guardam cartas ou documentos importantes; arquivo: o cartório de uma empresa. 2. Repartição onde funcionam os tabelionatos, os ofícios de notas, as escrivanias da justiça, os registros públicos, e se mantêm os respectivos arquivos. Casar no cartório. Contrair casamento civil; casar no civil [...]. Qualquer um do povo sabe seu significado e o tipo de serviço que ali é prestado. Ao contrário, se alguém perguntar nas ruas onde fica a serventia mais próxima, dificilmente será compreendido. Vê-se que o termo cartório é arraigado na língua portuguesa, com pertinência filológica e grande penetração no conhecimento popular (FERREIRA, 1986). É bem verdade, por outro lado, que as instituições e suas denominações são pertinentes à seara dos técnicos e não dos filólogos e daqueles que inventam e alimentam os termos populares. Esse embate da língua escrita e falada com as denominações técnicas, aliás, é sintomático no nosso país, onde a língua falada costuma diferenciar-se daquela que se escreve. Há um enfrentamento normal entre ambas e entre elas e os termos técnicos. A linguagem popular, nesse contexto, não se inibe pelo que a lei diz que se deve falar. Outros exemplos há de contraposição entre as denominações de instituições e as expressões que a língua falada e até a escrita relutam para manter. A Justiça do Trabalho, por exemplo, integra o Poder Judiciário desde 1946 e até Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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hoje muitos populares a denominam de Ministério do Trabalho. É grande a confusão entre Justiça Federal, relançada na década de 1960, Receita Federal e Polícia Federal. A denominação serventia é relativamente recente, pelo que se distancia muito no tempo qualquer previsão sobre quando será efetivamente adotada pela população ou se, no meio da trajetória, o legislador sucumbirá à sabedoria popular. É preciso também definir e distinguir notários ou tabeliães e registradores ou oficiais de registro. Antigamente, o vocábulo escrivão bem fazia as vezes da denominação desses profissionais. Mas temos aqui de falar em termos técnicos e atuais. A Lei n. 8.935/94, que institui o Estatuto dos Notários e Registradores, define a terminologia adequada: Art. 3º. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. [...] Art. 5º. Os titulares de serviços notariais e de registro são os: I - tabeliães de notas; II - tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; III - tabeliães de protesto de títulos; IV - oficiais de registro de imóveis; V - oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; VI - oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas: VII - oficiais de registro de distribuição. O art. 5º e seus incisos elencam as espécies de notários e registradores, após a definição do art. 3º, prescrevendo que eles são profissionais do direito, dotados de fé pública, aos quais são delegados os serviços notariais e de registro. Esses profissionais exercem os serviços delegados em caráter privado, como estabelece o art. 236 da Constituição. Notários são os tabeliães de notas e de protesto de títulos; oficiais de registro são os de registro de imóveis, os de títulos e documentos e registro civil das pessoas jurídicas, os de registros civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas e os oficiais de registro de distribuição (distribuição de protestos). Os tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos constituem um misto de tabelião e oficial de registro. Na concepção constitucional, veja-se que o § 1º do art. 236 menciona dos notários, oficiais de registro e de seus prepostos, referindo-se aos tabeliães e oficiais de registro supracitados e seus empregados. Não se trata, pois, de prepostos do Estado ou das serventias, até porque estas são simples locais, meras repartições. Pontificado que as funções, ou seja, que o trabalho é exercido em caráter privado e que aqueles que trabalham nas serventias são prepostos dos respectivos titulares, estes é que se posicionam em um dos pólos das relações de trabalho que ali se vivenciam. Convém lembrar, ainda, que os prepostos exercem funções notariais e registrais nas serventias. Os serviços são exercidos em caráter privado, o que não se limita aos titulares, alcançando também os prepostos. Estes exercem em caráter privado as suas funções, do mesmo modo que os respectivos delegados, com a diferença de que os primeiros são empregados, e os últimos, empregadores. Cada qual no seu papel, exercido tanto por uns quanto por outros em caráter privado. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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As relações jurídicas ou situações subjetivas que se estabelecem nas serventias são, de um lado, sempre titularizadas pelo notário ou registrador acima especificados. O caráter privado do exercício da delegação, referido pela Constituição, art. 236, caput, já diz isso. E o mencionado art. 21 do Estatuto dos Notários e Registradores o ratifica, atribuindo a estes a responsabilidade exclusiva pelo gerenciamento administrativo e financeiro das serventias, competindo-lhes a fixação das condições de trabalho de seus prepostos, inclusive a remuneração. É cediço que a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações advém da personalidade. Todo homem a tem. Esse centro irradiador de direitos e obrigações tem sua medida na capacidade jurídica. Em cada relação jurídica ou situação subjetiva a legitimação recai sobre o que é o centro do direito. Mas não só ao homem é reconhecida a personalidade e a capacidade jurídica, ou seja, não só o homem pode ser titular de relações jurídicas. Em suas Instituições CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA nos legou os seguintes ensinamentos acerca do tema: Todo homem é dotado de capacidade jurídica, que o habilita a adquirir direitos. Todo homem é sujeito da relação jurídica. Mas não é somente a ele que o ordenamento legal reconhece esta faculdade [...] Mas a complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem, ora de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações (PEREIRA, 1999). No mesmo sentido o magistério de MARIA HELENA DINIZ: A personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade (DINIZ, 2005). A personalidade jurídica é imanente ao homem. Nasce com ele e termina com sua morte. Acompanha sua vida. A extensão da personalidade além da pessoa humana decorre de imperativos da vida em sociedade. É com esse desiderato que se dotam de personalidade agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais, ou seja, as sociedades, as associações e fundações. Insere-se aí também, lato sensu, o Estado para o alcance de suas finalidades. Como se vê, não há margem para exegese que permita a inclusão da serventia no rol de entes dotados de personalidade, ou seja, como sujeito de direitos e obrigações. Não se trata de agrupamento de pessoas ou de destinação patrimonial e, sim, de mera repartição, simples local, onde são praticadas as atividades delegadas pelo Estado. Por tal razão é inconcebível a serventia como dotada de capacidade jurídica para ser titular de algum direito ou responsável por alguma obrigação ou para ter algum dever ou faculdade. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Sem pretender adentrar a polêmica da titularidade de direitos por entes despersonalizados, a exemplo do nascituro, herança, massa falida, massa insolvente civil, condomínio, órgãos públicos com prerrogativas próprias, não há qualquer ponto de contato com as serventias, pois em tais casos há justificativa para a discussão, à medida que o ordenamento lhes confere direitos materiais ou processuais ou prerrogativas. Não é o caso das serventias, às quais o ordenamento não confere qualquer direito ou prerrogativa, muito menos obrigação. As serventias não têm personalidade jurídica. Não são pessoas jurídicas, do mesmo modo que uma Vara Cível ou da Fazenda Pública não o são. Trata-se de meros nomes de repartições onde são executados serviços públicos. Portanto, não há lugar para as serventias no debate sobre a capacidade de direito ou não de entes despersonalizados. Entretanto, não raro se pratica a impropriedade de se considerar a serventia como responsável por atos ilícitos ou por créditos trabalhistas dos empregados, que a têm como local de trabalho, ou por tributos. Não só em órgãos de Fazenda de pequeníssimos Municípios, mas também de grandes cidades. Até nos tribunais, às vezes, passa despercebida a incapacidade de a serventia ser parte. Encontramse julgados condenando ou absolvendo serventias, utilizando-se o vocábulo cartório. Somente a desatenção o explicaria. Não é possível que serventias ou cartórios sejam partes, pois não são titulares de direitos e deveres. É esse o ambiente em que se tem usado, minoritariamente, o argumento da personalidade judiciária. Geralmente aparece após ter-se proposto ou aceito a serventia ou cartório como parte. Vale dizer, consta-se a serventia no pólo passivo, partindo-se do imaginário de que se trata de ente personalizado, às vezes alimentado pelo sofisma que se prende ao CGC ou CNPJ. Quando se demonstra que não se trata de ente com personalidade, parte-se, apenas pela finalidade de salvar o raciocínio inicial, para o argumento da personalidade judiciária. Este passaria, desse modo, a ser o argumentocoringa para que se constasse o que se quisesse no pólo passivo de processos judiciais. Ora, a personalidade judiciária decorre da necessidade de se garantir o direito constitucional de ação tanto para os cidadãos atingidos por atos praticados por órgãos públicos despersonalizados (tribunais, câmaras de vereadores, câmara federal, senado, etc.) quanto para os próprios entes despersonalizados exercerem direitos materiais ou prerrogativas que lhes são conferidos pelo ordenamento jurídico (os órgãos supracitados, a massa falida, o condomínio, o espólio, etc.). Os tribunais, as câmaras municipais e outros órgãos praticam atos em nome deles mesmos e tais atos podem malferir direitos alheios. Por outro lado, esses órgãos têm suas prerrogativas, que, muitas vezes, precisam ser defendidas em juízo. O mesmo se diz da massa falida, dos condomínios, que formam um conjunto de bens imbricados com interesses de várias pessoas. Daí a criação jurisprudencial da personalidade judiciária, que não é uma panacéia salvadora dos pólos passivos mal-eleitos. Para se aflorar o absurdo de se considerar a serventia como parte em processos judiciais e atos jurídicos em geral, basta que usemos o mesmo raciocínio da personalidade judiciária para outras hipóteses igualmente absurdas. Imaginese um contrato de locação de casa residencial entre o inquilino e a própria casa, representada pelo seu proprietário. Em eventual ação de despejo, a própria casa vai a juízo para pedir o despejo. O Município, por sua vez, cadastra a mesma casa Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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como contribuinte do imposto. Todos os credores da casa ajuízam ações em face da casa sob a alegação da personalidade judiciária. Agiganta-se a monstruosidade do raciocínio se o empregado doméstico, ao invés de ajuizar ação em face do tomador dos serviços, ajuizá-la em face da mesma casa. Na mesma linha das heresias, ações em face de granjas, sítios e fazendas despersonalizados. Em todos esses casos não há que se buscar narizes de cera para a viabilização dos contratos e processos. Simplesmente pela razão de que o titular dos respectivos direitos e obrigações está ali no comando da coisa, literalmente da coisa. Nas hipóteses da casa, granja, sítio e fazenda é o respectivo proprietário o titular dos direitos sobre a coisa e obrigações decorrentes da propriedade. O mesmo se diz da serventia. Tudo que ali ocorre é ato do notário ou registrador ou de seus prepostos. Não é ato da serventia. Em outra analogia, os atos praticados na serventia são tanto do respectivo titular e prepostos quanto os são do juiz e servidores os atos praticados na Vara. Atos de tribunais há. Atos de câmaras legislativas há. E, por isso, a personalidade judiciária. Mas não existem atos praticados nem por serventias nem por Varas. Vê-se aí que o centro de onde irradiam direitos e obrigações, adquirindo-os e contraindo-as, não é a serventia. É a pessoa física do notário ou registrador. Ele é que tem personalidade jurídica. Nos termos do caput do art. 236 da Constituição e nos termos da Lei n. 8.935/94, ele recebe a delegação do Estado para o exercício em caráter privado de serviços eminentemente públicos. Ele responde por todos os atos notariais e de registro ali praticados. Ele responde pela organização administrativa e financeira da delegação recebida. Ele recebe os emolumentos e recolhe as taxas devidas ao Estado. Ele responde perante o Poder Judiciário no momento da fiscalização de suas atividades. Portanto, o notário e o registrador têm não só a personalidade jurídica, que falta à serventia, mas também a capacidade jurídica para adquirir os respectivos direitos e responder pelas obrigações decorrentes dos serviços notariais e de registros praticados por eles e seus prepostos. Assim joeirados os elementos componentes das situações jurídicas próprias do exercício das atividades notariais e de registro, inclusive do ambiente em que são geradas aquelas, não há dúvida de que o notário ou registrador é o sujeito de direitos e obrigações de todas as relações jurídicas surgidas na prática dos respectivos serviços. Nesse sentido, pelo até aqui exposto, na relação jurídica que mais interessa no momento, que é a relação de emprego, é insofismável que empregador é o notário ou registrador e não a serventia. Diante da força jurígena da Constituição e da Lei, o fato de órgãos de Fazenda atribuírem ou tentarem atribuir ou aceitar a atribuição de números de cadastros às serventias não pode, é claro, desfazer toda a lógica do sistema. Registre-se, ainda, que a atribuição de CGC ou CNPJ a algumas serventias decorre de vício das estruturas burocráticas. A própria legislação tributária federal o demonstra, quando, contrariando aquele vício, cobra imposto de renda do titular da serventia e não desta, como é óbvio. Trata-se de imposto de renda - pessoa física, que a Receita Federal menciona em seus manuais. Fosse a serventia contribuinte do imposto, como eventual cadastro fiscal sugeriria, o imposto de renda não seria declarado pelo notário ou registrador e, sim, pela serventia. Destaca-se aqui a jurisprudência, que se posiciona na linha de julgado do Egrégio TJMG, extraído da página do tribunal na internet (www.tjmg.gov.br), assim ementado: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Ação de repetição de indébito. Cartório de Registro de Imóveis. Ilegitimidade passiva. O Cartório de Registro de Imóveis é mera repartição administrativa ou unidade de serviço, destituída de personalidade jurídica, sem capacidade, portanto, para figurar como parte passiva em ação de repetição de indébito. Apelação Cível n. 1.0708.03.003849-9/001 - Comarca de Várzea da Palma - Relator: Des. Eduardo Andrade. A banalização da eleição dos pólos ativo e passivo nos processos judiciais e também das partes nos contratos exige a pronta correção pelo Judiciário. Condenar ou absolver coisas e não pessoas ou entes é algo não apenas herético do ponto de vista teórico, mas também contributivo para o descrédito do processo judicial, na medida em que compromete a aferição dos limites subjetivos da coisa julgada. A decisão final de processo em que figura como parte um bem material ou uma mera repartição administrativa (granja, sítio, serventia, Vara, etc.) quer no pólo ativo, quer no pólo passivo, pode não fazer coisa julgada em relação ao verdadeiro titular do respectivo direito, prerrogativa, dever ou obrigação. Imaginese uma execução fiscal de imposto de renda em face da serventia e não do verdadeiro contribuinte, que é o notário ou oficial respectivo. Bastaria àquele que auferiu a renda e sonegou o imposto aposentar-se ou exonerar-se do cargo para que ficasse livre da execução, pois o responsável, naquela ótica, seria a serventia e não o seu titular. Outro exemplo seria a serventia como locatária de imóvel em que funciona. O proprietário não teria direito de ação em face do verdadeiro devedor dos aluguéis. Não poderia executar o contrato em face daquele que tem personalidade jurídica, capacidade jurídica e capacidade econômica para o pagamento. Aqui também, se o notário ou registrador aposentar-se ou exonerar-se ou falecer, não haverá meios para a cobrança dos aluguéis. Observe-se que raciocínios acientíficos ensejam impropriedades comprometedoras também da praticidade e da eficácia tanto do processo quanto do contrato. O que se tem visto são processos mal-iniciados em que, quando da execução, dá-se um jeito de direcioná-la para o verdadeiro responsável, o que haveria de ter sido feito desde o primórdio do processo de conhecimento. Felizmente, a exemplo do julgado acima transcrito, a jurisprudência tem dado concreção à teoria geral do processo, prestigiando seus institutos, não banalizando, pois, a capacidade de ser parte. Daí a prevalência de decisões da Justiça do Trabalho no sentido da legitimatio ad processum das pessoas físicas dos notários e registradores e não das serventias ou cartórios. 4 SUCESSÃO TRABALHISTA A partir do momento em que se passou a exigir o concurso público como forma de ingresso nas atividades notariais e registrais, mais exatamente nas funções de tabelião e oficial de registro, a configuração ou não de sucessão trabalhista nas serventias tem sido tema recorrente em congressos e tribunais. Antes, a sucessão nos cartórios era praticamente de pai para filho, pois o substituto era o sucessor e era indicado pelo titular. Só não se indicava um filho quando não se o tinha, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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procedendo-se à indicação de outro parente ou amigo. Isso explica por que antes praticamente não havia problemas jurídicos concernentes à responsabilização trabalhista do novo titular, pois tudo continuava como antes. Talvez ali houvesse mesmo uma sucessão trabalhista com todas as suas conseqüências, pois a vinculação entre o titular e o subseqüente era intensa. Se a situação se aproximava da sucessão hereditária, muito mais da sucessão trabalhista. Com a adoção do concurso público como forma de ingresso, soltando-se as amarras entre os sucessivos titulares das serventias, a matéria passou a ser tratada de forma mais republicana. A serventia passou a ser vista como repartição pública em que o seu titular recebe uma delegação do Estado para administrá-la e prestar à sociedade os serviços públicos respectivos. Não mais como um feudo, comandado pelo senhor, que o transmitia a um ungido e assim sucessivamente. Na sistemática atual, vaga a serventia, é mister a abertura de concurso público no prazo máximo de 6 meses. Qualquer do povo que preencha os requisitos legais pode se candidatar, fazer as provas, ser aprovado e receber a delegação do Estado, sem quaisquer amarras com o titular ou interino anterior. Expedida a delegação e após a posse, o delegado assume as funções na qualidade de servidor público em sentido amplo, ocupante de cargo público também em sentido amplo. É verdade que as funções são exercidas em caráter privado, mas seu vínculo com o Estado é público. O novo titular não recebe a delegação do anterior. Entre eles não há qualquer vínculo. O Estado é que delega as funções ao concursado, que pode instalar a serventia em qualquer local da cidade respectiva, desde que ali os serviços possam ser prestados adequadamente. Os empregados não são transferidos ao novo delegado. Nem o ponto. Nem a clientela. Pode coincidir de haver aproveitamento do imóvel e de alguns empregados, mas, em princípio, não há sucessão trabalhista. Os vínculos trabalhistas que se formam com alguns empregados remanescentes são novos, independentemente dos antigos. Cumpre rememorar o que se disse nas linhas pretéritas. O vínculo de emprego forma-se com a pessoa física do tabelião ou oficial e não com a serventia, que não tem personalidade jurídica. A serventia é mero local em que as funções públicas são exercidas, do mesmo modo que o é uma Vara da Justiça. Tanto em uma quanto em outra os titulares são meros agentes do Estado, variando apenas a forma de exercício das atividades. Cada qual responde pelos seus atos e não pelos atos de seus antecessores. O Estado, sim, responde objetivamente pelos atos de todos, com direito de regresso contra o agente responsável. Mas entre um agente e outro não há elo de responsabilidade. Esse raciocínio deve ser empreendido tanto nas questões de responsabilidade civil quanto nas de responsabilidade trabalhista dos notários e registradores. Não impressiona o fato de os novos titulares receberem os livros e demais documentos, pois estes não pertencem ao titular antigo. São, como é cediço, documentos públicos. Programas de computador, arquivos em CDs, disquetes, etc. também são documentos públicos. A partir do momento em que o notário ou registrador anterior recebeu emolumentos como sua remuneração, tendo como dever gerir a serventia, dotando-a de materiais necessários à confecção de documentos, tudo isso se tornou bem público. Não pode o antigo delegado nem mesmo exigir indenização pelos gastos relativos aos documentos existentes na serventia e necessários para a continuidade das atividades. É mister que os transfira Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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ao novo delegado, que os receberá como documentos pertencentes ao Estado. E aqueles materiais que o novo delegado adquirir e que se integrarem aos documentos já existentes também passarão a ser documentos públicos. Incide aqui o princípio da continuidade dos serviços públicos. Essa necessária continuidade dos serviços públicos notariais e de registro não enseja por si só a configuração de sucessão trabalhista. Raciocínio diverso militaria contra esse princípio, cuja consecução é primacial para a boa qualidade dos serviços prestados à sociedade, na medida em que a descontinuidade seria perseguida, principalmente pelo novo titular. Se este não pode se negar ao recebimento dos documentos públicos existentes na serventia, o antigo titular, por sua vez, também não pode se escusar do seu mister, pois se trata de dever de ambos transmitir e receber o acervo necessário à continuidade das atividades, que não pode ser usada como pretexto de sucessão em direitos e obrigações. A sucessão trabalhista funda-se nos artigos 10 e 448 da CLT. O primeiro prescreve que “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”; o segundo diz que “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.” Não há como enquadrar a situação jurídica das serventias nos dispositivos mencionados, segundo a moldura tradicional da sucessão trabalhista. A serventia não é empresa e nem tem a referida estrutura jurídica. Não tem personalidade. Não há também mudança de propriedade. Os documentos repassados ao novo titular continuam pertencendo ao Estado. O novo titular entra apenas na qualidade de novo exercente das funções que precisam de continuidade. Quando se altera o tabelião ou registrador, não há aquisição de ponto, de clientela, etc. Em suma, não há aquisição de negócio. Não há mesmo negócio propriamente dito. Não há ato de vontade entre o antigo titular e o novo. Pelo contrário, quando se trata de tabelião ou registrador interinos, a mudança na direção das funções ocorre, muitas vezes, contra a vontade do anterior. Um quer entrar, mas o outro não quer sair e, não raro, promove aventuras jurídicas pelo desespero em se ver afastado das funções. Como configurar a sucessão trabalhista se não há qualquer ato de vontade entre o anterior e o atual delegado e se não subsistem antigos elementos que levaram a marca do antecessor? Na maioria das vezes, o novo titular nunca exercera antes a atividade para a qual recebera a delegação. Apenas se inscreveu em um concurso público, foi aprovado e recebeu a delegação do Estado, sem qualquer ato de vontade de quem antes exercia as mesmas funções. Se houvesse a sucessão trabalhista, por certo que se configuraria a tributária. Imagine-se o absurdo da sucessão tributária entre os diversos e sucessivos delegados. O que saísse não deveria mais nada de impostos, pois o atual seria o responsável, na medida em que teria “adquirido o negócio”. Pense-se o imposto de renda da pessoa física dos antigos delegados. Todos ficariam livres, pois o novo delegado concursado teria que pagar o imposto de renda devido pelos anteriores. Constituiria uma sem*nteira de fraudes. Bastaria haver alguém inescrupuloso dentre aqueles que perderiam o comando das serventias para que cessassem os recolhimentos aguardando o novo titular. Todas essas particularidades demonstram que o contrato de trabalho nas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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serventias é, em princípio, intuitu personae também em relação ao empregador. Este é obrigatoriamente uma pessoa física. Um concursado. Um servidor público. Não há como uma empresa ali se formar ou adquirir o empreendimento. É juridicamente impossível ao delegado transferir a serventia (competência do ente delegante) e os contratos para outrem. Pode ocorrer a assunção dos contratos em virtude de nova delegação pelo Estado e opção pelo aproveitamento da estrutura física e dos contratos em andamento, mas não a transferência das serventias com os contratos pelo delegado. É verdade que há uma aparente dificuldade em conciliar o exercício em caráter privado das atividades em questão e sua exclusão dos efeitos da sucessão trabalhista. O fato de se tratar de serviço público não é um diferencial suficiente. O fato do ingresso por concurso público também não o seria, se considerado isoladamente, uma vez que, na concessão de serviço público, tem-se considerado ocorrer ou não a sucessão trabalhista, conforme haja ou não o seguimento do mesmo negócio com o aproveitamento do ponto, da clientela e principalmente dos mesmos empregados. Quando isso ocorrer, haverá sucessão trabalhista na prestação de um serviço público. De modo análogo ao vencedor do concurso público, o concessionário participa e vence uma licitação. E aqui deve imperar também a continuidade dos serviços, do mesmo modo que nas serventias. A distinção entre o novo concessionário de serviços públicos e o novo delegado de atividades notariais ou de registro é que no primeiro caso haverá, em regra, uma empresa, enquanto no segundo, sempre uma pessoa física. Convenhamos não ser uma diferença que justifique a distinção de tratamento jurídico. Tanto a pessoa jurídica quanto a pessoa física têm personalidade jurídica. Ambas podem ser, portanto, empregadoras. Pode ocorrer até que uma pessoa física controle uma empresa concessionária. Realmente, aquela diferença não constitui fator de discrimen que enseje tratamento jurídico trabalhista diverso. Em verdade, tais pontos de interseção entre o concessionário de serviço público e o notário ou oficial de registro, ao contrário de enquadramentos jurídicos distintos para a análise da sucessão trabalhista, conformam uma analogia entre ambos. Tanto na concessão de serviços públicos outros quanto na delegação de serviços públicos notariais e de registro há muito mais semelhanças do que distinções. Em um e outro caso, como dito acima, há licitação ou concurso público, o serviço é público e, de fato, ambos prosseguem prestando o mesmo serviço que já vinha sendo prestado pelo concessionário ou delegado anterior, sem solução de continuidade. Acerca da concessão, observe-se o que se tem entendido na doutrina: A substituição de pessoa jurídica na exploração de concessão de serviço público, por si só, não impede nem caracteriza a sucessão de empresas para fins de solidariedade passiva trabalhista. É indispensável que tenha havido aproveitamento de algum dos elementos que constituem a empresa como sendo uma “universalidade de pessoas e bens tendentes a um fim, apta a produzir riqueza”. A simples substituição do concessionário não é suficiente; o único laço que o une à clientela não é resultado de esforço e criação do antecessor, mas do simples interesse público, da população que o utiliza (CARRION, 2006). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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Nesse aspecto acentuam-se os pontos de interseção da situação jurídica subjetiva envolvente da concessão e do complexo de relações entre o concedente, o concessionário e o ex-concessionário com a situação jurídica subjetiva consistente nas relações entre o delegante, o delegado e o ex-delegado. Em ambas as situações, não se configura a sucessão trabalhista pelo só fato da concessão e da delegação. É preciso algo mais, que implique a mudança apenas do empregador com a preservação de todos ou de parte significativa dos elementos que antes constituíam o empreendimento do antecessor. Aí, sim, haverá a sucessão trabalhista, na medida em que o novo concessionário ou delegado optar pelo mero prosseguimento das atividades com as principais características do antecessor, preferindo manter a marca deste. Na mesma linha de pensamento destaca-se a seguinte manifestação doutrinária acerca da alteração da empresa concessionária de serviço público: [...] prepondera já antigo entendimento de que, assumindo a nova empresa concessionária o acervo da anterior ou mantendo parte das relações jurídicas contratadas pela concessionária precedente, submete-se às regras imperativas dos dois preceitos celetistas, impositivos de obrigações e direitos trabalhistas prévios. Este caso (como o das privatizações) não escapa, pois, à regra relativa à sucessão de empregadores (DELGADO, 2002). Nesse diapasão, do mesmo modo que o concessionário, não resta dúvida de que, se o novo delegado mantiver o funcionamento da serventia no mesmo local, até com os mesmos móveis, assumindo a qualidade de locatário no mesmo contrato de locação que vinha sendo cumprido pelo antecessor, e, principalmente, com os mesmos empregados, a sucessão trabalhista será um caminho escolhido por ele. Não que seja uma conseqüência automática da nova delegação, mas resultante da opção do novo delegado, que, por força de sua autonomia, entende por bem manter a serventia com as mesmas características anteriores. Se, mantidos alguns elementos que compunham a serventia comandada pelo antecessor, for ela descaracterizada, tanto pelo funcionamento em outro endereço quanto pelo aproveitamento da minoria dos empregados ou apenas de empregados subalternos do antecessor, também não se configura a sucessão. O paralelo entre concessão e delegação aponta, todavia, a grande dificuldade de o concessionário escusar-se da sucessão, porquanto, em regra, os serviços continuam sendo prestados no mesmo local e com os mesmos equipamentos anteriores, sendo que a necessária continuidade dos serviços impede, na prática, o não aproveitamento imediato dos empregados do antecessor. O delegado pode mais facilmente prestar os serviços em outro local e com outros empregados, até porque, em regra, o empreendimento é relativamente de menor porte, dependendo mais do intelecto e trabalho próprios do que de elementos capitalistas inerentes a empreendimentos de maior pujança econômica. 5 CONCLUSÃO A Constituição, funcionalizando-se como limite, guia e norma direta de conduta, implica a construção e leitura do sistema a partir e sob as luzes dela. Essa funcionalização que dela emana destina-se a todos os ramos da ciência Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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jurídica. Com efeito, não há apenas um direito civil-constitucional, mas também um direito administrativo-constitucional, um direito do trabalho-constitucional, um direito penal-constitucional, etc. É da conformação constitucional do sistema, resultante da interseção dessas disciplinas legal-constitucionais, que deflui cristalina a responsabilidade trabalhista das pessoas físicas dos notários e registradores, inserida em regimes jurídicos também preconizados na Carta. Com esse espírito encontram-se os congênitos e os derivados contornos dos regimes jurídicos do pessoal, bem assim da responsabilidade trabalhista acerca dos direitos dos prepostos, alicerçados no caráter privado do exercício das atividades notariais e de registro. O regime jurídico do vínculo entre o notário ou registrador e o Estado é de índole administrativa, regido por estatuto próprio. Suas atividades são eminentemente públicas, não obstante o caráter privado com que são exercidas. O art. 236 da Constituição concebe o caráter privado do exercício das atividades notariais e de registro. A Lei n. 8.935/94 não deixa dúvida quanto a isso, na medida em que determina a incidência da legislação do trabalho. Os seus prepostos, destarte, submetem-se ao regime celetista. Não há servidores públicos estatutários remunerados pelos delegados, pois, evidentemente, se são estatutários, são remunerados pelo Estado. O que pode haver são servidores de antigas serventias estatizadas, evidentemente servidores públicos recrutados antes do advento da atual Constituição, cujos direitos foram salvaguardados pelo art. 32 do ADCT. Tais servidores, onde houver remanescentes, devem ser remunerados pelo Estado e não pelo delegado. Os regimes especiais vislumbrados no art. 48 da Lei citada ou são estatutários, com seus servidores remunerados pelo Estado, ou meramente celetistas e pagos pelo delegado, com a nuance de terem direitos suplementares estabelecidos em leis estaduais e Resoluções de Tribunais de Justiça, os quais aderiram aos seus contratos de trabalho. A parte empregadora nos contratos de trabalho executados nas serventias extrajudiciais é sempre a pessoa física do notário ou oficial de registro. O caráter privado do exercício das respectivas atividades e a expressa menção de que os prepostos o são em relação ao titular da serventia e não ao Estado ou à serventia pavimentam a exegese que se perfilha no sentido da responsabilização do delegado. As serventias não têm personalidade jurídica. Quem a tem é a pessoa física do delegado, titular ou interino, que é o centro irradiador de direitos e obrigações em um dos pólos das diversas relações de emprego vivenciadas nas serventias. Estas são meros endereços, meras repartições onde são prestados os serviços públicos notariais e de registros. É o notário ou registrador que responde pelos créditos trabalhistas dos substitutos, escreventes auxiliares e outros que lhe prestam serviços. Não há, em princípio, sucessão trabalhista nas serventias entre um delegado e outro. O novo é investido nas funções após aprovação em concurso público de provas e títulos para ingresso ou concurso para remoção. Não há ato de vontade entre o delegado anterior e o atual. A transmissão das funções para o novo concursado é indiferente ao antigo, que, na maioria das vezes, deixa as funções contra sua vontade. Não há qualquer aquisição de ponto, clientela, acervo, negócio, entre o antigo delegado e o novo. Os documentos que o antigo repassa para o novo delegado são públicos, pertencentes ao Estado. Os arts. 10 e 448 da CLT, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.87-112, jul./dez.2006

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em que se funda a teoria da sucessão trabalhista, não se coadunam com a mera assunção de uma função pública mediante concurso público, sem qualquer vínculo com o antecessor e sem aproveitamento de sua estrutura, vinculando-se tãosomente ao Estado delegante. Todavia, caso o novo delegado, tão-só por sua opção, mantenha a antiga logística, com significativas características precedentes, inclusive parte também importante dos empregados, configura-se a sucessão de empregadores para o fim de sua responsabilização pelos créditos trabalhistas de todos os empregados do antecessor. REFERÊNCIAS - BRASIL, 1943. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em < http://www.senado.gov.br>. Acesso em 08.02.2007. - BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em . Acesso em 08.02.2007. - BRASIL, 1994. Lei n. 8.935 de 18 de novembro de 1994. Disponível em . Acesso em 08.02.2007. - CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 68/69. - CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2000. - CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. - CRETELLA JÚNIOR, José. Jurisprudência administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 402. - DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 5. - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 32. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1986, p. 361/1577. - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. - NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 1, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 142. - PERLINGIERI, Pietro. Introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. - PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias. Belo Horizonte, 2006. Disponível em . Acesso em 10.02.2007. - SÃO PAULO, 1969. Código judiciário do Estado de São Paulo. Decreto-lei Complementar n. 3, de 1969, apud Comentários à consolidação das leis do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 28.

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A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE IMÓVEIS Maria Lúcia Cardoso de Magalhães* INTRODUÇÃO O presente artigo jurídico pretende discutir sobre a responsabilidade dos notários e registradores de imóveis quanto aos efeitos da sucessão trabalhista e se justifica em razão das crescentes demandas judiciais que têm sido ajuizadas na Justiça do Trabalho. De início, alguns apontamentos merecem registro. É certo que as atividades dos cartórios podem ser classificadas em duas espécies: as judiciais - também denominadas serventias judiciais que estão vinculadas ao Poder Judiciário e cujos servidores são enquadrados como funcionários públicos; e as notariais ou de registros, exercidas por delegação do poder público, através de pessoas naturais e em caráter particular. Como bem esclarece Elaine Berini da Costa Oliveira, em seu brilhante artigo “Regime jurídico dos escreventes e auxiliares dos cartórios extrajudiciais, notariais e de registro” (OLIVEIRA, 2006, p. 461): Mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e sanção da Lei n. 8.935/94, as atividades notariais e registrais já eram exercidas em caráter privado, mas com mínima intervenção estatal, visto que os tabeliães e os oficiais de registros - “donos de cartórios” - detinham poderes sobre suas unidades, a ponto de até mesmo assegurar-lhes ou impingir-lhes o caráter de “hereditariedade”, de forma que eram elas consideradas como bens de propriedade de seus titulares, transmissíveis a herdeiros ou a qualquer um que lhes interessassem. Num breve retrospecto, podemos afirmar que as atividades cartorárias, via de regra, eram objeto de concessão por interesses diversos, notadamente políticos, sendo que a exigência de concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro só foi oficializada com a EC n. 07/77 e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o único regime jurídico possível é o celetista, diante da literalidade do art. 236: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. * Desembargadora Federal do TRT da 3ª Região.

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§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. Assim, a Constituição Federal nos termos do art. 236 e parágrafos, conforme bem afirma Elaine Berini da Costa Oliveira in Regime jurídico dos escreventes e auxiliares dos cartórios extrajudiciais, notariais e de registro (OLIVEIRA, 2006), “teve o condão de exterminar o ‘coronelismo’ existente na área cartorária, extinguindo para sempre o ‘dono de cartório’, figura hoje pejorativa, que muito sabiamente foi substituída pelo legislador, através dos termos ‘profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro’, por força do conteúdo do art. 3º da Lei Federal n. 8.935/94” que regulamentou o referido art. 236 da CF/88. Com a introdução dessas novidades legislativas, passou o cargo a ser exercido por delegação do poder público (o Estado), sob total responsabilidade do delegatário (o tabelião e o registrador). Em havendo vacância da delegação, por aposentadoria, morte ou perda do cargo pelo titular, o Corregedor-Geral da Justiça nomeia ou designa pessoa, que assume a unidade e a responsabilidade de dar continuidade aos serviços, conforme o disposto no § 2º do art. 39 da Lei n. 8.935/94, ou seja, “§ 2º Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso”, designação essa que na verdade tem o mesmo status do delegado, contudo despojado do caráter de titularidade. Por isso mesmo, a nomeação, quer seja por concurso ou por designação (interinidade), impõe ao nomeado a integral responsabilidade pelo serviço e pela satisfação plena de todas as condições e necessidades básicas para a manutenção da unidade, sejam elas de âmbito material, mediante a aquisição de bens e maquinários para a viabilização da prática dos atos e atendimentos aos usuários, seja ela de pessoal mediante a contratação, remuneração e demissão de funcionários qualificados, indo até a complexa área fiscal/tributária, nos termos dos arts. 20 e 21 da Lei n. 8.935/94, in verbis: Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendolhe estabelecer as normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. O estudo que se segue tem por objetivo compreender o instituto da “responsabilidade” e da “sucessão” trabalhistas, além de seus efeitos jurídicos para Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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os sujeitos envolvidos. Após a compreensão geral dos institutos, analisar-se-ão os seus efeitos diante dos contornos peculiares da imputação de responsabilidade às serventias, ou seja, ocorre sucessão, como na legislação trabalhista ou não? O novo titular do Cartório responde pelas obrigações anteriores à sua nomeação ou não? Em face das diferentes variáveis que podem ocorrer quanto à delegação dos serviços notariais e de registros públicos, há calorosos debates sobre os limites da responsabilidade dos créditos trabalhistas do novo titular do serviço, sendo que o Poder Judiciário tem adotado teses em sentidos divergentes quanto à questão da sucessão trabalhista, razão por que entendemos necessária a análise de cada caso concreto. Ante a nova realidade cartorária, a interpretação tradicional sucessória se desestabiliza. É necessário, portanto, um novo e detido olhar sobre este tema, que é atual, instigante, pertinente, apaixonante... É necessário, muitas vezes, alterar a forma do pensar tradicional para se deixar envolver pelo novo, pelas mudanças que podem sempre nos surpreender. 1 SUCESSÃO TRABALHISTA - NOÇÕES A fundamentação doutrinária da sucessão trabalhista tem suas bases em três princípios informadores do Direito do Trabalho: o princípio da intangibilidade dos contratos de trabalho sob o prisma objetivo, o princípio da continuidade (perpetuação) da relação de emprego e o princípio da despersonalização da figura do empregador. Adriana Goulart de Sena, em sua obra A nova caracterização da sucessão trabalhista (SENA, São Paulo: LTr, 2000), acentua que a residência jurídica da “sucessão trabalhista” e seus fundamentos legais no nosso ordenamento jurídico encontram-se nos arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, a saber: Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. Da leitura dos dois indigitados dispositivos, exsurgem as duas hipóteses de sucessão trabalhista referida pela ordem jurídica. Adriana Goulart de Sena, em A nova caracterização da sucessão trabalhista (SENA, São Paulo: LTr, 2000, p. 209), esclarece que: A primeira hipótese sucessória diz respeito à alteração na estrutura formal da pessoa jurídica (empregador). Pode se revelar através da alteração da modalidade societária (v.g. transformação de uma sociedade anônima em sociedade por cotas ou o inverso), fusão, incorporação, cisão, cessão (aquisição) do controle acionário, aumento ou redução do número de sócios, substituição de sócios, alienação a qualquer título da titularidade de pessoa jurídica ou qualquer outra hipótese em que o arcabouço jurídico (e até fático) da pessoa jurídica venha a ser alterado. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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[...] A segunda hipótese concerne à substituição do antigo empregador por outro, pessoa física ou jurídica. É o que ocorre, por exemplo, quando se verifica a aquisição do estabelecimento ou da “empresa”. Outras situações admissíveis na temática sucessória são as de alienação a qualquer título de estabelecimento comercial, agroeconômico, industrial e financeiro ou alienação do conjunto de estabelecimentos, fixando novo titular para esses estabelecimentos alienados (agências, filiais, armazéns, unidades rurais, etc.). O escopo da norma consolidada é deixar claro que pode ocorrer alteração na estrutura jurídica das empresas, mas os contratos de trabalho não serão modificados. Assim, pelo Estatuto Consolidado restam preservados todos os efeitos passados, presentes e futuros dos antigos contratos de trabalho. Alerta ainda uma vez Adriana Goulart de Sena, em A nova caracterização da sucessão trabalhista (SENA, São Paulo: LTr, 2000, p.277), que ...cláusulas contratuais excludentes de responsabilidade, firmadas entre o alienante e o adquirente, não têm valia na esfera trabalhista, uma vez que a assunção dos contratos pelo novo titular decorre de normas imperativas oriundas da legislação heterônoma. Sucessão trabalhista - Nova caracterização A “sucessão trabalhista” comporta dois modelos, um tradicional e o outro extensivo. Para a “vertente tradicional”, a sucessão englobaria a presença de dois requisitos: que uma unidade econômico-jurídica seja transferida de um para outro titular; que não haja solução de continuidade na prestação de serviços pelo obreiro. No “modelo extensivo”, o requisito básico é o primeiro, ou seja, que uma unidade econômico-jurídica seja transferida de um para outro titular. O segundo requisito não é essencial à configuração do instituto nesta vertente. 1.1 Caracterização tradicional Délio Maranhão, em sua obra Direito do trabalho (MARANHÃO, 1983, p. 79), em uma visão denominada de clássica, informa-nos que, para a caracterização da hipótese sucessória na esfera trabalhista, faz-se mister a observância de dois requisitos indissociáveis: a transferência de uma unidade econômico-jurídica de um para outro titular e que inexista ruptura na prestação de serviços pelo empregado. É esse segundo requisito que vai colorir, tradicionalmente, o pensamento jurídico a respeito e vai distanciar a velha da nova visão. A configuração do instituto sucessório na teoria tradicional necessitava da “continuidade da prestação dos serviços pelo obreiro” como um de seus requisitos. Mas tal característica, ou seja, a “continuidade da prestação laborativa pelo obreiro” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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nem sempre vai ocorrer nas situações-tipo da sucessão trabalhista conforme percebido pela atual jurisprudência trabalhista. Adriana Goulart de Sena, em A nova caracterização da sucessão trabalhista (SENA, São Paulo: LTr, 2000, p. 252), faz a distinção entre as “situações-tipo tradicionais” e as “situações-tipo novas”, esclarecendo que: As chamadas “situações-tipo tradicionais” são as que correspondem à interpretação majoritária que tradicionalmente se fazia do instituto sucessório. [...] A primeira situação-tipo tradicional é aquela que diz respeito à “alteração na estrutura formal da pessoa jurídica” que contrata sob a forma de emprego a força de trabalho. São modificações na modalidade societária (sociedade por cotas de responsabilidade limitada para Sociedade Anônima ou o inverso, por exemplo), processos de fusão, incorporação, cisão e outros correlatos ou, ainda, mudança de uma firma individual em direção ao modelo societário ou o inverso. [...] A segunda situação-tipo tradicional toca à “substituição do antigo empregador por outra pessoa física ou jurídica”. Esta substituição pode ocorrer por aquisição de estabelecimentos isolados ou em conjunto, ou aquisições da própria empresa em sua integralidade. Esta segunda situação-tipo tradicional pode desdobrar-se em outras possibilidades concretas, como, por exemplo, a situação de alienação a qualquer título (compra e venda, arrendamento etc.) de estabelecimento financeiro, industrial, comercial ou agroeconômico em que laboram empregados (ou conjunto de estabelecimentos), fixando novo titular para esses estabelecimentos alienados (agências, filiais, unidades rurais etc.). Em qualquer dos casos, a sucessão preserva com os novos empregadores os antigos contratos de trabalho, com todos os seus efeitos passados, presentes e futuros. 1.2 Caracterização extensiva Adriana Goulart de Sena, em A nova caracterização da sucessão trabalhista (SENA, São Paulo: LTr, 2000, p. 253), esclarece que: As chamadas situações-tipo novas de sucessão multiplicaram-se no fim do século em decorrência da profunda reestruturação empresarial ocorrida no mercado brasileiro (especialmente, o mercado financeiro, de privatizações). São situações-tipo novas quaisquer mudanças intra ou interempresarial significativas que possam afetar os contratos de emprego. Tais novas situações tiveram o condão de motivar uma nova leitura dos artigos 10 e 448 da CLT e o tipo legal encontrado foi mais extenso do que aquele originalmente concebido pela doutrina e jurisprudência majoritárias. Em épocas não tão distantes, instituições financeiras mal-administradas (por negligência, ou até por má-fé) sofriam a intervenção do Banco Central, eram liquidadas, faliam ou se tornavam bancos estatais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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Hodiernamente, diante da política governamental econômica e a busca da manutenção de estabilidade monetária, o procedimento é diverso, tendo surgido a intervenção e a liquidação sui generis, além do regime de “administração especial temporária”. Os procedimentos sui generis, instituídos por medidas provisórias e realizados pelo Banco Central, podem ser assim exemplificados, como bem expõe Júlio César Bebber, em seu brilhante artigo “Intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras - sucessão trabalhista - o caso da venda dos bancos sob intervenção” (BEBBER, 1998, p.475): [...] separa-se o ativo (fundo de comércio com todo o patrimônio principal, destituído das dívidas) do passivo não relativo aos depósitos bancários. Àquele é entregue - alienado - para outra instituição financeira (no caso do Banco Econômico ao Banco Excel; no caso do Banco Bamerindus ao Banco HSBC), a qual continua a desenvolver normalmente as atividades bancárias; este, destituído de todo o seu ativo principal, fica sob intervenção. Como bem enfatiza Júlio César Bebber, no artigo supracitado “Intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras - sucessão trabalhista - o caso da venda dos bancos sob intervenção” (BEBBER, 1998, p. 476): Os contratos denominados de “contratos Particulares de Compra e Venda de Ativos, Assunção de Direitos e Obrigações e Outras Avenças”, costumam prever que a assunção deva ser realizada através de aquisição apenas de determinados ativos e passivos, o que nos levaria a uma alienação parcial. Entretanto, a análise global do instrumento demonstra, na realidade, a alienação de toda a organização produtiva. Entretanto, mesmo que não houvesse a transferência total da atividade produtiva, mas ocorresse transformação que pudesse afetar significativamente os contratos de trabalho e suas garantias, restaria operada a sucessão trabalhista. O que se pretende deixar claro é que a transformação pela qual haja passado a empresa que afete os contratos empregatícios e sua garantia original implica sucessão trabalhista, independentemente de ter havido (ou não) continuidade da prestação laboral. Essa é a luz da nova vertente. É, portanto, essencial a verificação desses efeitos em face do empregador sucedido e na dimensão do novo titular da empresa ou do estabelecimento. 2 RESPONSABILIDADE TRABALHISTA - ASPECTOS GERAIS 2.1 Sucessor empresarial A respeito do reconhecimento ope legis do contrato de trabalho como parte integrante do estabelecimento industrial ou comercial, Evaristo de Moraes Filho, em sua obra Sucessão nas obrigações e teoria da empresa (MORAES FILHO, 1993, p. 261), é pontual: Em qualquer negócio jurídico de que seja objeto o estabelecimento, mesmo quando os contratantes não hajam se referido expressamente ao pessoal, determina a lei que este seja compulsoriamente considerado. O que vale Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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dizer: passa a fazer parte, como elemento indispensável, do fundo do comércio ou estabelecimento, como algo capaz de vocação econômica, como fator imanente ao funcionamento daquele conjunto de bens, materiais e imateriais. Estatui ainda o renomado mestre (MORAES FILHO, 1993, p. 249) que: na “sucessão trabalhista” a relação jurídica continua a mesma, ocorrendo uma dupla cessão de crédito e débito em face da lei; uma autêntica sucessão, pois o sucessor assume a universalidade que constitui a empresa ou o estabelecimento, substituindo o antecessor, independentemente do consentimento do empregado, exceto se presente má-fé ou fraude. Ao tratar da “sucessão”, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, em sua obra Relação de emprego (VILHENA, 1975, p. 95), leciona: O que se verifica é uma extrapolação no campo da captação da responsabilidade da pessoa, que explora o negócio. Há um plus, através do qual, o titular ou o que lhe suceda ou o que com ele manteve vínculo de interesse no empreendimento, sofram um agravamento da responsabilidade e esse agravamento consiste em comprometer, naquela ou naquelas pessoas, direitos de empregados pelo fato da continuidade do trabalho prestado à empresa. Como regra geral, exatamente em decorrência ope legis do efeito da sucessão, pode ser fixado que o novo titular, imediata e automaticamente, assuma os contratos trabalhistas. Se os contratos foram transferidos, ou seja, se houve continuidade da prestação laboral, nenhuma dúvida existe em relação à responsabilidade do sucessor (nem na visão clássica, nem na visão extensiva): o novo titular responde, imediatamente, pelas repercussões presentes, futuras e passadas dos contratos de trabalho que lhe foram transferidos. Em nenhuma das duas vertentes se propugna pela irresponsabilidade do sucessor. A responsabilidade do novo titular está presente, mesmo que o contrato de trabalho não esteja em vigor. Os valores devidos pelo antigo empregador são de responsabilidade daquele que assumiu o complexo empresarial ou o estabelecimento. O sucessor assume quando do transpasse tanto os direitos quanto as obrigações do sucedido, inclusive pelas chamadas “dívidas velhas”, execuções posteriores à sucessão por acordos ou sentenças proferidas em demandas trabalhistas, como bem nos adverte Messias Pereira Donato, em sua obra clássica Curso de direito do trabalho: direito individual (DONATO, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1982). É o efeito ope legis de assunção de débitos e créditos advindo do fenômeno sucessório. 2.2 Empregador sucedido No tocante à responsabilidade trabalhista do empregador sucedido, a doutrina tradicional costumava afirmar que o direito não mantém qualquer Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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responsabilidade ao alienante pelos créditos trabalhistas referentes ao período anterior à transferência. A responsabilidade de tais créditos seria tão-somente do sucessor empresarial. Fundava-se tal entendimento na assunção pelo novo titular dos créditos e dos débitos na operação sucessória trabalhista (ope legis). Assim, segundo tal vertente não haveria qualquer responsabilidade solidária ou subsidiária do alienante pelos créditos laborais relativos ao período anterior ao transpasse. Mauricio Godinho Delgado, em sua obra Introdução ao direito do trabalho (DELGADO, 1999, p. 357), consigna que: [...] Essa é a regra geral, que resulta da consumação plena dos efeitos da figura sucessória: o sucessor assume, na integralidade, o papel de empregador, respondendo por toda a história do contrato de trabalho. A questão não é pacífica em sede doutrinária e muito menos na jurisprudencial. Alguns autores compreendem que a lei trabalhista não exclui a responsabilidade do sucedido, outros comungam com o entendimento clássico (imprescindibilidade da continuidade da prestação de serviço pelo obreiro) e aduzem que, a princípio, inexiste solidariedade de empresas na sucessão, todavia admitem a possibilidade de sua fixação para acrescer garantia ao trabalhador. Na hipótese de fraude, ambas as vertentes (a clássica ou a nova) admitem a responsabilidade solidária do alienante. Alguns defendem idéia intermediária, sustentando a responsabilidade subsidiária do sucedido quando o sucessor não puder garantir aos empregados a totalidade dos direitos. Ísis de Almeida, em sua clássica obra Curso de legislação do trabalho (ALMEIDA, 4. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, p. 62), já possuía entendimento em similar diapasão: ...mesmo sem fraude, o sucedido responde, solidária ou subsidiariamente, com o sucessor, pelas reparações de direitos sonegados ao empregado, não só com referência ao período anterior como ao posterior à sucessão. Isto ocorre quando o sucessor não tem possibilidade de cumprir as obrigações contratuais ou legais. Por outro lado, quando não houver alienação, a responsabilidade subsidiária do sucedido subsiste, pois, mesmo que não haja alienação, trata-se de fenômeno sucessório, como bem enfatiza Mauricio Godinho Delgado, em Introdução ao direito do trabalho (DELGADO, 1999, p. 358): É evidente que nas sucessões trabalhistas precárias (resultantes de títulos jurídicos que não transferem de modo definitivo, mas transitório ou precário, o estabelecimento ou a empresa - como ocorre com o arrendamento) a responsabilidade subsidiária do sucedido justifica-se ainda mais (arts. 10 e 448, CLT). É que as novas garantias ofertadas aos contratos empregatícios (pelo novo titular arrendante) são necessariamente provisórias, afetando de modo significativo, pois, os respectivos contratos de trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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3 RESPONSABILIDADE REGISTRADORES DE IMÓVEIS

TRABALHISTA DOS

NOTÁRIOS

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3.1 Serviços notariais e de registro no Brasil Para uma melhor compreensão da matéria faz-se necessário um breve histórico sobre o exercício das funções notarial e registral no Brasil e, por isso, reportamos-nos ao artigo “Registro de títulos e documentos, aspectos históricos e pontos contemporâneos relevantes do notário” Fabrício Andrade Ferreira Girardin Pimentel (PIMENTEL, 2006, p. 61): Na Antiguidade, os contratos eram celebrados em festas, nas quais a negociação tornava-se conhecida por todos os convidados, registrando-se, assim, o que havia sido combinado. Com o passar dos tempos e o crescimento, tanto da sociedade como da quantidade de negócios, foram adotados mecanismos mais eficazes, passando-se a descrever as negociações em papel. Daí a origem dos serviços registrais, popularmente conhecidos no Brasil como cartórios, que ficaram responsáveis pelo registro e manutenção permanente daqueles documentos. A história do Registro de Títulos e Documentos em nosso país pode ser definida como a necessidade de abarcar, de forma fácil e rápida, na esfera de força de documento público, os documentos particulares que atendem a certos requisitos mínimos e que, uma vez registrados, valerão erga omnes. O referido notário (PIMENTEL, 2006, p.59-60) ainda nos informa que: No Brasil Colonial o provimento dos cargos relativos ao que hoje se conhece como serviços notariais e de registro realizava-se por meio de nomeação direta pelo soberano português, assim como os demais cargos da administração judicial. No Brasil Império observa-se uma especialização maior das funções notariais, com a organização das comarcas judiciárias e das circunscrições. Dada a estreita relação entre o Estado e a Igreja, diversas atribuições registrais, como o registro de pessoas naturais e de imóveis, eram praticadas diretamente pelos párocos locais. Com a proclamação da República e a conseqüente laicização do estado brasileiro, iniciou-se um processo de institucionalização dos serviços notariais e de registro, com a formalização e criação de diversas Serventias, que podem ser consideradas como as antecessoras dos atuais serviços notariais e de registro. Na maior parte dos Estados brasileiros, no entanto, os serviços acumulavam funções judiciais (escrivaninhas processantes) e extrajudiciais (registrais e/ou notariais), fato que só seria definitivamente organizado após a Constituição da República de 1988, no seu artigo 236, e no artigo 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando foi determinada a cisão definitiva entre os serviços judiciais e extrajudiciais. Como grande mudança, foi consolidada a feição privada da função e a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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necessidade de concurso público para assunção da delegação notarial e/ ou registral. Apesar da íntima ligação dessa função com o ente estatal, em especial o Poder Judiciário, observou o Constituinte a necessidade de que o serviço extrajudicial adquirisse o dinamismo típico da iniciativa privada, tendo em vista que, para regulamentar e formalizar relações privadas, nada melhor do que um serviço notarial e registral privatizado, que tivesse condição de acompanhar as várias facetas e rápidas transformações do mercado. Dessa forma o Constituinte houve por bem criar um sistema híbrido: uma delegação do poder público a pessoas físicas, por meio de concurso público, para exercerem a função de forma privada sob a fiscalização e orientação do Poder Judiciário. Procurou o Constituinte, deste modo, flexibilizar o exercício da atividade, de forma que a administração do serviço ficasse sob inteira responsabilidade do titular da delegação. Com base na orientação do artigo 236 da Constituição da República, foi criado um sistema jurídico notarial e registral, formado pelo advento de novas regras e pela recepção de regras anteriores a 1988. Dentre as leis do sistema destacam-se as Leis Federais n. 6.015/1973, 8.935/1994 e 10.169/2000, sob cujas órbitas gira a maior parte dos diplomas legais e regulamentares componentes do sistema. A primeira dentre as citadas - Lei n. 6.015/1973 - é a lei geral em matéria de Registros Públicos, uma vez que dita normas e procedimentos a serem observados em todo o País pelos Oficiais Delegados em matéria de registros. A segunda - Lei n. 8.935/1994 - é considerada como o estatuto ou lei orgânica dos Oficiais Registradores e do Notariado nacional, pois regula direitos, prerrogativas e obrigações dos profissionais do setor, além de prever infrações e punições. Seu grande mérito foi a regulamentação dos concursos públicos de ingresso nas atividades notariais e de registro. A terceira - Lei n. 10.169/2000 - estipula as regras gerais sobre os emolumentos a serem pagos em contrapartida aos serviços realizados pelos delegatários notariais e de registro. Trata-se de regras que deverão ser observadas tanto pelos Estados quanto pelo Distrito Federal, quando da edição de leis locais sobre emolumentos. Essas três leis formam, juntamente com a Constituição da República, a pirâmide triangular representativa do sistema registral nacional, com o art. 236 da Constituição em seu ápice e cada um dos diplomas legais citados em um dos vértices inferiores. 3.2 Natureza delegada das atividades cartorárias Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, em seu brilhante artigo “Responsabilidade civil do delegatário notarial e de registros públicos” (CARMO, 2006, p. 75-76), adverte, de início, sobre o equívoco de quem defende a responsabilidade direta e objetiva do Estado, com direito de regresso contra o delegatário e deste contra seus empregados e substitutos em questões de responsabilidade civil. Transcrevemos trecho do referido artigo que, em considerações abreviadas, indica que o delegatário notarial e de registros públicos assume pessoalmente as atribuições afeitas à sua profissão. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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A Constituição de 1988, refletindo a longa trajetória anterior, desde o BrasilColônia, fez uma opção política: os cartórios extrajudiciais, desligando-se da oficialidade, evoluíram a serviço público delegado, em caráter privado, sob a fiscalização do Poder Judiciário. A alternativa de adotar a técnica da delegação, mas em caráter privado, sedimenta na tendência universal de reduzir a Administração estatal. Por enquanto, notários e registradores, aprovados em concurso público e investidos na delegação, seguem titulares de função pública, todavia em nome próprio e risco deles, não integrando quaisquer dos organismos da hierarquia estatal. Entre o delegatário e o Estado constrói-se uma relação complexa, cujos aspectos centrais são a investidura, a fiscalização técnica e a disciplina. O serviço delegado não deixa de ser uma função pública de efeitos jurídicos; só que o modo da sua execução, com liberdade de organização e gestão administrativa, fica confiado à discricionariedade do delegatário. A fiscalização judiciária, técnica ou disciplinar, não envolve a subordinação hierárquica, suscitando, ao revés, um certo regime especial de coordenação e colaboração. Isto explica o princípio da independência positivado nos artigos 3º, 20, 21, 28 e 41 da Lei n. 8.935/94, sem olvidar-se do preceito do artigo 50, que confirma a abrangência do modelo privado, ao ordenar que na vacância de ofício estatizado este passaria automaticamente ao sistema da referida lei, que impõe o Regime Geral da Previdência Social. Já o estatuto dos empregados remete à Consolidação das Leis do Trabalho. Para além, no Direito pátrio, alinham-se outros profissionais titulares de serviços públicos que não são funcionários, servidores ou agentes públicos, como é o caso de leiloeiros, intérpretes, tradutores, peritos, permissionários e concessionários. Se integrassem órgão da Administração Pública direta, ou a qualquer outro título, notários e registradores não precisariam receber a outorga da delegação. Continua Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, no artigo suprareferido “Responsabilidade civil do delegatário notarial e de registros públicos” (CARMO, 2006, p. 76-77), a enfatizar o caráter privado da função pública exercida pelos notários e registradores: Afaste-se, pois, toda polêmica ou controvérsia: o delegatário notarial ou de registros executa atividade profissional privada de função pública geradora de efeitos jurídicos. Todo o risco é dele somente; risco profissional. Acentua ainda que: Não convencem os argumentos contrários. Realmente, a via do concurso público, para obter a delegação, não desnatura o seu caráter privado, sendo um novo meio tão idôneo quanto à licitação, máxime por sua origem constitucional. Nem conta a proibição do artigo 25, da Lei n. 8.935/94: o que se previne, aí, é a incompatibilidade da ocupação de cargo ou função pública com o exercício personalíssimo e exclusivo da função notarial e de registros. Mencionem-se, para encerrar, os aspectos da remuneração e da fé pública. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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Ora, os delegatários não se elevam a agentes públicos por perceberem emolumentos fixados em lei. Estes, em rigor, refogem ao conceito de receita pública típica; são, evidentemente, tarifa ou preço públicos, conquanto possam incluir parcelas obrigatórias, como os acréscimos devidos à receita dos Estados ou a fundos especiais de natureza variada. Quem lhes paga são os interessados e não o erário. A fé pública, a seu turno, não transforma o delegatário em autoridade estatal típica: melhor se diria que é um atributo da função notarial e registrária, que a lei chancela como garantia de segurança jurídica. Essa compreensão, em tema de responsabilidade civil, elucida e é pacificadora. Afinal de contas, se o Estado responde pelos danos dos seus órgãos de atuação, também há de responder o delegatário privado de serviços públicos. A outorga é do serviço público com seus ônus, e não apenas outorga da execução com emolumentos. Se o fosse, o privilégio seria injustificável, aviltando o princípio constitucional da igualdade substantiva. Na verdade, o delegatário notarial e de registros públicos inserese na Administração Pública, em substituição ao Estado, mas à sua conta e risco profissional, cumprindo-lhe ressarcir, pessoal e objetivamente, os prejuízos infligidos aos usuários e terceiros. Reitere-se o que antes foi dito: o ato notarial e registrário completa-se sob a regência da discricionariedade do trabalho profissional do delegatário, isto é, sem depender da fiscalização judiciária. A fiscalização técnica ou disciplinar não lhe retira a independência funcional e profissional para instrumentar notas públicas e qualificar títulos, documentos e papéis trazidos a registro. Em suma, a doutrina dominante nega aos delegatários a qualidade de agentes públicos, entendendo que o notário-registrador incorpora o risco profissional inerente à sua atividade, devendo indenizar, com suas rendas, independente de dolo ou culpa, os danos experimentados por usuários e terceiros. 3.3 Ilegitimidade passiva das serventias Wellington Luiz Viana Júnior, em seu brilhante artigo “Sucessão trabalhista e a delegação de serviços notariais e de registro públicos” (Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 69-78, jul./dez.2004), esclarece que, por ocasião da delegação do serviço notarial e de registro em virtude de aprovação em concurso público, o acervo da respectiva serventia é transferido ao novo titular que, nos termos do art. 21 da Lei n. 8.935, de 18.11.1994, fica responsável pelo investimento e montagem da estrutura necessária à prestação do serviço. Nesse contexto e, ainda, segundo os arts. 20 e 21 do referido Diploma Legal, cumpre ao delegado, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes e auxiliares, como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. Ou seja, a relação de trabalho se estabelece diretamente entre o notário ou o registrador e os respectivos prepostos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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Nada obstante, inúmeras têm sido as tentativas de imputar responsabilidade diretamente às serventias, com a acolhida de parte da doutrina e do Poder Judiciário. [...] [...] O art. 236 da Carta Magna e seus parágrafos dispõem o seguinte: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. [..] Nos termos dessa orientação constitucional, qualquer decisão judicial que atribua responsabilidade à serventia (cartório) deve ser tida por inconstitucional, já que incompatível com o disposto no art. 236 da Constituição da República. Como já vimos, na Introdução do presente artigo jurídico, a Lei n. 8.935, de 18.11.1994, que regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, estabeleceu em seu art. 21 que: Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendolhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. Portanto, o art. 21 da Lei n. 8.935/94 é explícito ao atribuir exclusivamente ao respectivo titular as despesas de pessoal, cabendo-lhe estabelecer livremente a remuneração de seus prepostos, de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. Não obstante, pontua o referido autor que muitas sentenças trabalhistas têm-se afastado desses comandos normativos, imputando as responsabilidades trabalhistas às serventias, sem qualquer respaldo legal. É importante frisar que, na forma do art. 236 da Constituição Federal, a natureza jurídica dos “cartórios” se resume na concessão sui generis do serviço notarial e de registro ao delegado, pessoa física, mediante concurso. E, através dessa concessão do exercício do serviço notarial, é atribuída ao delegado a responsabilidade pela montagem de toda a estrutura administrativa Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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necessária para a prestação dos serviços, sendo-lhe facultada, a seu exclusivo critério, a contratação de escreventes e auxiliares (conforme art. 21 da Lei n. 8.935/94). O ente conhecido como “cartório” ou “serventia” nada mais é que uma subdivisão do serviço público, subdivisão de competência, representado pelo conjunto de livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação que pertencem ao Estado e que são transferidos para a guarda do titular que deve zelar pela sua ordem, segurança e conservação (conforme art. 46 da Lei n. 8.935/94). Tal linha de pensamento já encontrava apoio em julgados regionais como o RO n. 00129/2003 do TRT da 3ª Região (Relatora Juíza Denise Alves Horta, DJMG, 11.10.2003), cuja ementa citamos como exemplo: CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. Os cartórios extrajudiciais, destinados à exploração de uma serventia, em decorrência do poder de delegação do Estado, mediante percepção de custas pagas diretamente pelos usuários, não possuem personalidade jurídica (inteligência do caput do artigo 236, da CR/88), pelo que não são passíveis de serem demandados judicialmente, emergindose, assim, a sua ilegitimidade para ocuparem o pólo passivo da lide. In casu, o Estado não se reveste da qualidade de empregador que, na hipótese, é assumida pelo próprio titular do Serviço Registral, uma vez que, no exercício da referida delegação estatal, em que desenvolve atividade econômica, auferindo renda em decorrência da exploração da serventia, é quem contrata, assalaria e dirige a prestação laboral, pelo que se equipara ao empregador, para efeitos da legislação trabalhista. Diante dessas considerações, é necessário concluir que a imputação de responsabilidade à serventia pelos créditos trabalhistas encontra vedação no art. 236 da CF/88, sendo que pela ótica da Lei n. 8.935, de 18.11.94, é o titular delegado quem pode contratar sob o regime celetista. 3.4 Responsabilidade trabalhista do titular Elaine Berini da Costa Oliveira, em “Regime jurídico dos escreventes e auxiliares dos cartórios extrajudiciais, notariais e de registro” (Revista LTr, São Paulo, v. 70, n. 04, p. 461-466, abr. 2006), afirma que o fato dos cartórios não terem personalidade jurídica é de extrema relevância e por isso mesmo deve ser tratado como um divisor de águas, delineador de direitos e obrigações dos diversos ocupantes do mesmo cargo - todos e sempre comumente chamados tabeliães e registradores. Conforme os termos do art. 21, da Lei n. 8.935/94, o cartório e o detentor do cargo de tabelião, na verdade, confundem-se na nomenclatura, como se fossem um só. Ao mesmo tempo em que o cartório é ente abstrato, impessoal, de propriedade do Estado, cuja exploração e administração é delegada a terceiro particular, o tabelião ou oficial de registro é a pessoa exercente do referido cargo. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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Assinala ainda que: Há uma confusão entre a pessoa de um e de outro, dando-nos a impressão de serem um só; mas clara e concretamente, trata-se de entes e pessoas diferentes e distintos, com características próprias, pois, ao mesmo tempo em que o primeiro tem existência longa, duradoura e continuada, o segundo tem existência limitada, mutável e restrita às condições legais para a sua manutenção no cargo. O fator primordial que diferencia os cartórios das empresas, estas como empregadoras comuns, é a forma da sucessão. Nas empresas, o sucessor assume o ativo e o passivo, inclusive tributário, trabalhista e previdenciário, em razão de haver entre os proprietários, o antigo e o novo, um negócio jurídico, criador de direitos e obrigações recíprocas, que pressupõe a transferência de titularidade da empresa e de todos os elementos que a integram (capital social, fundo de comércio, atividade comercial etc.). Entretanto, o mesmo fenômeno não ocorre nos cartórios, visto que os novos titulares são nomeados para o cargo através de concurso público. Não há alienação ou cessão de empresa, nem de capital social entre os titulares, mas, mera outorga de delegação pelo Estado. Como ilustração, transcrevemos decisão do TRT da 3ª Região n. 002052004-108-03-00-0 RO, 5ª Turma (Juíza Relatora Emília Facchini, DJMG Ano: 2004), específica sobre a inexistência de sucessão: SERVENTIA CARTORÁRIA - NOVO TITULAR APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO - SUCESSÃO TRABALHISTA - LEI N. 8.935/94. Para que ocorra sucessão de empregadores nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT, é necessária a transferência de unidade econômico-jurídica e ausência de solução de continuidade na prestação de serviços do trabalhador. À luz da Lei n. 8.935/94, cada titular de cartório, ou seu substituto ad hoc é responsável pelos contratos de trabalho que efetiva, não podendo tal ônus ser transferido ao novo titular que assumiu a serventia mediante aprovação em concurso público e para o qual o reclamante não prestou serviços. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais, inclusive no que diz respeito a custeio de pessoal, é de responsabilidade exclusiva do titular da serventia, conforme dispõe o artigo 21 da referida lei. O provimento das delegações nos cartórios ocorre com a nomeação do novo titular (aprovado em concurso público), que tem o prazo de 30 dias, após a investidura, para iniciar o exercício de sua delegação. Como bem esclarece Elaine Berini da Costa Oliveira, em “Regime jurídico dos escreventes e auxiliares dos cartórios extrajudiciais, notariais e de registro” (Revista LTr, São Paulo, v. 70, n. 04, p. 464, abr. 2006): ...o antigo detentor do cargo é obrigado a entregar ao novo titular o cartório livre de obrigações locatícias, tarifas de fornecimento de energia, água e telefone, de impostos e taxas em geral, de despesas de consumo e Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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manutenção, de contribuições e custas pertencentes às entidades cujo recolhimento seja obrigatório, de encargos e contribuições trabalhistas e sociais, salários e outros pagamentos a fornecedores e prestadores de serviço, tendo em vista serem essas responsabilidades inerentes ao cargo, nos termos do art. 21, da Lei n. 8.935/94. Ao mesmo tempo, tem o antigo detentor do cartório o direito de retirar da unidade todos os emolumentos, representados por dinheiro e créditos futuros existentes, auferidos até o seu último dia de exercício, todos os maquinários, móveis e utensílios de sua propriedade, que guarnecem a unidade. Em resumo, é como se o cartório começasse do zero a cada nova investidura ao cargo de um novo titular; tanto é que o antigo tabelião continua a responder civil e criminalmente por seus atos, não transmitindo essas responsabilidades ao novo titular, de forma que, embora a delegação exista por tempo infinito, cada delegado responde pelo seu tempo de gestão, sistematicamente nos termos do art. 22, da Lei n. 8.935/94, in verbis: Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. Vale ainda registrar que o novo tabelião não é obrigado a permanecer no mesmo prédio e utilizar-se dos móveis que compunham o cartório. No entanto, caso o novo titular do cartório, ao assumir o cargo, tenha intenção de permanecer no mesmo local (prédio) e necessitar dos móveis e utensílios da unidade, deverá indenizar o antigo tabelião. Quanto aos escreventes e auxiliares do cartório, na grande maioria das vezes, são aproveitados pelo novo titular, mediante o ajuste de novas formas de trabalho, remuneração, regras etc. Como bem pontua Wellington Luiz Viana Júnior, em “Sucessão trabalhista e a delegação de serviços notariais e de registro público” (Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 73-74, jul./dez.2004): ...deve-se tomar em conta que a extinção da delegação implica a interrupção da concessão do serviço notarial e de registro, dissolvendo-se o vínculo do ex-titular com a administração e, num momento seguinte, a criação de novo vínculo com a posse do delegado aprovado em concurso público. Nesse ínterim, entre a extinção e a delegação, o serviço fica sob a responsabilidade do substituto mais antigo que, de forma precária, responde como se titular fosse (§ 2º do art. 39 da Lei n. 8.935/94). Observe-se que o delegado aprovado em concurso público não recebe a delegação por transmissão do anterior titular, de forma derivada, mas diretamente do Estado, de forma originária, o que afasta a responsabilidade por obrigações pretéritas. Verifica-se, sob o prisma do empregado, que, na ausência de capacidade Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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econômica do antigo titular para arcar com os débitos trabalhistas, deve ser admitida a transferência de responsabilidade ao Estado concedente, titular do serviço e responsável final pela sua execução e, não, ao novo delegado que recebeu a delegação de modo originário. Sob outro prisma, a investidura do delegado aprovado em concurso público pode atrair a aplicação dos arts. 10 e 448 da CLT, se o mesmo estabelecer relação contratual com o antigo responsável pelo serviço, na qual seja estipulada a transmissão da unidade produtiva e dos prepostos. Só há sucessão, no conceito trabalhista, quando uma pessoa adquire de outrem empresa, estabelecimento ou seção no seu conjunto, isto é, na sua unidade orgânica. Nesse caso, a empresa sucedida transfere para a sucessora seu patrimônio (incluindo o fundo de comércio). Sérgio Pinto Martins, em sua obra Direito do trabalho (MARTINS apud VIANA JÚNIOR, 2004, p. 75), lembra que: ...a mera substituição da pessoa jurídica na exploração de concessão do serviço público não caracteriza sucessão de empresas. Se persiste o mesmo ponto, clientes, móveis, máquinas, organização e empregados, teremos sucessão. E nem poderia ser diferente, pois seria logicamente aberrante a transferência ao delegado aprovado em concurso público de um passivo para o qual não colaborou. Outro ponto que merece esclarecimento é o que institui a guarda do acervo cartorial como elemento isoladamente suficiente para caracterização da sucessão, uma vez que a mesma não pode ser tomada como transferência da unidade econômico-jurídica. Como é lógico, o exercício notarial e de registro exige mais que o acervo cartorial, pois depende de um ponto, máquinas, equipamentos, mobiliário etc., de forma que a transferência da guarda dos livros, dos papéis, dos documentos, dos microfilmes etc. não é suficiente para a configuração da transmissão da unidade econômico-jurídica. Dessa forma, não há como sustentar o entendimento de que a transferência do acervo cartorial tem como conseqüência a caracterização da sucessão. A admissão de tese adversa implica a aceitação de que toda investidura em serviços notariais e de registro resulta em sucessão trabalhista e, conseqüentemente, na inviabilização do regime de concursos públicos para ingresso na atividade. Portanto, deve-se concluir com Wellington Luiz Viana Júnior, em “Sucessão trabalhista e a delegação de serviços notariais e de registro públicos” (Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 78, jul./dez.2004), que, com a exigência de concurso público feita pelo art. 236 da Constituição Federal, o titular, que ingressa na atividade, assume a delegação e não o patrimônio do antigo empregador e, como nenhum crédito lhe é transferido, não deve ser responsabilizado pelos débitos anteriores, já que recebe a concessão de forma originária, inexistindo qualquer transação contratual entre o titular anterior e o novo ou a transferência de patrimônio. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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3.5 Responsabilidade do Estado por danos de cartórios oficializados, vagos ou em regime de intervenção Como bem expõe Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, em obra já citada Responsabilidade civil do delegatário notarial e de registros públicos (CARMO, 2006, p. 81-82), o regime constitucional de delegação do serviço de notas e registros públicos convive com três situações especiais: a) uma excepciona o direito adquirido de notários-registradores com investidura anterior à Constituição de 1988, nos termos como define o artigo 47 da Lei n. 8.935/94; b) outra, a dos cartórios oficializados e, pois, não privatizados, estes em consonância ao artigo 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; c) a terceira cuida das serventias vagas, na ausência de substituto nomeado pelo antigo titular, ou sob intervenção disciplinar do Poder Judiciário, até que venham a ser providas por um delegatário. Nesses três casos, urge bem discernir o momento de impor-se a responsabilidade objetiva do Estado (§ 6º do artigo 37 da Constituição de 1988). Os delegatários do grupo a, mantidos na titularidade dos cartórios ao manto do direito adquirido, sujeitam-se ao novo regime privado instituído pela Constituição de 1988. Respondem, destarte, direta e objetivamente, pelos danos causados aos usuários ou a terceiros, com direito regressivo no caso de dolo ou culpa dos empregados e substitutos. Nada justifica diferenciá-los do notário-registrador concursado; estão em pé de igualdade. Para as demais situações - letras b e c -, a solução é responsabilizar o Estado-Membro da territorialidade do cartório, que poderá cobrar dos serventuários ou empregados culpados, em regresso, a quantia que tiver pago. 3.6 Inexistência de responsabilidade subsidiária ou solidária do Estado A responsabilidade objetiva do Estado, por exceção, apresenta-se perante danos oriundos de fato da fiscalização, provado o nexo causal. Ou então, como bem pontua Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, no multicitado artigo “Responsabilidade civil do delegatário notarial e de registros públicos” (CARMO, 2006, p. 82), nos casos de cartório vago, em que falta substituto deixado pelo antigo titular, ou no período de intervenção disciplinar. Como bem esclarece o referido professor, o Estado, à evidência, nada responde pelos atos e fatos do notárioregistrador, no desempenho regular de sua atividade, nem direta nem indiretamente. Nem sequer à vista da insolvência do delegatário. Repele a tendência dos que defendem uma responsabilidade supletiva, subsidiária ou solidária do Estado, por entender que se trata de um grave equívoco. Insiste em que há que se considerar a nova realidade normativa do § 6º do art. 37 da Constituição, que não sufraga esse entendimento, e que se impõe, não apenas como um sistema em si com sua ordem, unidade e harmonia, mas também um modo específico de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Por isso se diz, muito apropriadamente, que este fenômeno implica um processo de filtragem constitucional, pelo que toda a ordem jurídica deve ser lida e compreendida à luz da Constituição. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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Insiste ainda (CARMO, 2006, p. 83) em que: nenhuma responsabilidade, portanto, deve suportar o Estado pelos fatos danosos do serviço delegado, pois o usuário, em contratá-lo, verga-se ao regime privado, sem qualquer vinculação com o Poder delegante. O ilustre professor também invoca a doutrina estrangeira, citando Eduardo Batista Pondé (PONDÉ apud CARMO, 2006, p. 83), festejado autor argentino, que afirma convincentemente: [...] O Estado responde pelos atos e fatos dos funcionários públicos, seja direta ou indiretamente, o Estado não responde pelos atos e pelos fatos do notário, nem direta, nem indiretamente. Para o referido articulista (CARMO, 2006, p. 87), o delegatário não é agente público, é colaborador e, portanto, nas ações de indenização, inexiste responsabilidade subsidiária ou solidária do Estado, afirmando que: Ao império dessas premissas, e acolhendo a opção político-valorativa do constituinte sobre o regime inteiramente privado das notas e dos registros públicos, é dado concluir, com larguíssima margem de segurança que os atuais delegatários, profissionais do Direito, não mais ostentam a qualidade de agentes ou servidores públicos, respondendo cada um deles, independente de culpa, com o seu patrimônio, pelos danos causados aos usuários e terceiros, devendo ser revista a jurisprudência que teima em admitir os Estados da Federação como legitimados passivos nas ações de indenização. 4 CONCLUSÃO De tudo o que foi dito, resta inequívoco que o fator primordial que diferencia os “cartórios” das “empresas”, estas como empregadoras comuns, é a “forma de sucessão”. Nas empresas, o sucessor (na visão tradicional ou extensiva) assume o ativo e o passivo trabalhista, em razão de haver entre os proprietários, o antigo e o novo, “um negócio jurídico”, criador de direitos e obrigações recíprocas, que pressupõe a transferência de titularidade da empresa e de todos os elementos que a integram (capital social, fundo de comércio, atividade comercial, etc). Entretanto, o mesmo fenômeno não ocorre nos cartórios, visto que os novos titulares são nomeados para o cargo através de concurso público. Não há alienação ou cessão de empresa, nem de capital social entre os titulares, mas mera outorga de delegação pelo Estado. O tabelião anterior (titular da delegação em exercício ou o substituto designado) fica responsável pessoalmente por todos os atos praticados durante o exercício de sua delegação. Não ocorre sucessão como na legislação trabalhista. Assim, o novo titular do cartório não responde pelas obrigações legais anteriores à sua nomeação. A pedra de tropeço de juízes e tribunais está na qualificação do delegatário notarial e registral. Quem nele vislumbra um “agente público”, enquadra-o na amplitude do § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Entendemos, entretanto, que o melhor posicionamento Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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está com aqueles que entendem que o art. 236 da Constituição estabeleceu um especial regime privado de prestação dos serviços notariais e de registros. Concluímos que, com a exigência de concurso público feita pelo art. 236 da Constituição Federal, o titular, que ingressa na atividade, assume a delegação e não o patrimônio do antigo empregador e, como nenhum crédito lhe é transferido, não deve ser responsabilizado pelos débitos anteriores, já que recebe a concessão de forma originária, inexistindo qualquer transação contratual entre o titular anterior e o novo ou a transferência de patrimônio. É irrelevante, portanto, a discussão jurídica de cabimento ou não de sucessão trabalhista, na troca do titular da serventia notarial, quando demonstrada a ausência de prestação de trabalho para o novo titular. Insistir na teoria da responsabilidade subjetiva, ao sofisma da qualidade de agente ou servidor público, ou porque o serviço é de origem estatal, sob fiscalização do Judiciário, é querer socializar obrigações tipicamente privadas. Para o notário-registrador não vale a teoria do risco administrativo, mas, sim, a do risco profissional. Nem vale confundir a fiscalização judiciária, nos aspectos técnico e disciplinar, com subordinação e dependência hierárquica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - ALMEIDA, Ísis de. Curso de legislação do trabalho. 4. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. - BEBBER, Júlio César. Intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras; sucessão trabalhista; o caso da venda dos bancos sob intervenção. Revista LTr, São Paulo, v. 62, n. 4, p. 467-477, abr. 1998. - CARMO, Jairo Vasconcelos Rodrigues. Responsabilidade civil do delegatário notarial e de registros públicos. Direito notarial e registral. Rio de Janeiro: Forense, 2006. - DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999. - DONATO, Messias Pereira. Curso de direito do trabalho: direito individual. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. - MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1983. - MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2002. - MORAES FILHO, Evaristo de. Do contrato de trabalho como elemento da empresa. São Paulo: LTr, 1993. - OLIVEIRA, Elaine Berini da Costa. Regime jurídico dos escreventes e auxiliares dos cartórios extrajudiciais, notariais e de registro. Revista LTr, São Paulo, v. 70, n. 04, p. 461-466, abr. 2006. - PIMENTEL, Fabrício Andrade Ferreira Girardin. Registro de títulos e documentos. Aspectos históricos e pontos contemporâneos relevantes. Direito notarial e registral. Rio de Janeiro: Forense, 2006. - SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTr, 2000. - VIANA JÚNIOR, Wellington Luiz. Sucessão trabalhista e a delegação de serviços notariais e de registro públicos. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 40, n. 70, p. 69-78, jul./dez.2004. - VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego. São Paulo: Saraiva, 1975. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.113-132, jul./dez.2006

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O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE NAS DECISÕES JUDICIAIS* Luiz Antonio de Paula Iennaco** INTRODUÇÃO De todos os conceitos, definições e análises que se fazem sobre a Justiça e as decisões judiciais, o fator que menos se considera e que é, sem dúvida, o de maior relevância, diz respeito à pessoa do próprio juiz. Há, aqui, um aparente antagonismo, quando se admite que, pelas qualidades dele exigidas, não pode o juiz deixar-se influenciar por interesses pessoais em seus julgamentos. Mas não tratamos aqui da decisão consciente em proveito de certos interesses. O que pretendemos abordar neste trabalho é a interferência inconsciente, nem sempre percebida, menos ainda admitida na atividade do juiz, dos fatores que contribuíram para a formação de sua personalidade. O INCONSCIENTE Para executar uma tarefa utilizando recursos de um computador, não é absolutamente necessário conhecer detalhes de seu funcionamento, ou do programa que o torna útil ao fim pretendido. Nem mesmo os princípios de informática que norteiam sua construção e a elaboração dos programas. A analogia se adequa perfeitamente à utilização da mente humana. Em nosso cotidiano, até as tarefas mais simples exigem uma complexa atividade neurológica, da qual não precisamos ter consciência. O sistema nervoso conduz ao cérebro as informações captadas pelos órgãos sensores. Essas informações desencadeiam uma série de sinapses, trocas de partículas elétricas entre as células especializadas do cérebro, os neurônios, e terminam por enviar um comando a algum órgão do corpo humano, uma glândula, um músculo, a partir do qual produzir-se-á um movimento ou a liberação de alguma substância hormonal. Dito assim, o mecanismo se apresenta de forma aparentemente simples, e é possível viver toda uma vida sem jamais ter a consciência de cada um de seus aspectos. De fato, não é necessário sequer pensar neles, quando seu funcionamento responde adequadamente às necessidades físicas e emocionais do indivíduo. Recorrendo à mesma analogia, ninguém se preocupa com o fluxo da corrente elétrica no interior de um chip ou demais circuitos de um computador, até que o programa apresente algum problema para o usuário. O desaparecimento de um arquivo, a recusa de um comando, até o completo travamento da máquina. Claro que, nesse caso, a reação usualmente adotada pelo usuário resume-se a encaminhar todo o equipamento a um técnico. Diante do problema, de que conhecimentos esse técnico deve dispor, para solucioná-lo? Deve, primeiro, conhecer o programa e a forma de utilizá-lo. Afinal, o defeito pode limitar-se às conseqüências de uma utilização inadequada. Depois, são necessários conhecimentos sobre a programação, com

* Adaptado de monografia apresentada como requisito de conclusão do curso de formação de psicanalistas da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa Brasileira, Rio de Janeiro, 2006. ** Juiz titular da Vara do Trabalho de Cataguases - MG. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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base nos quais poderá identificar possíveis defeitos no programa (software), os bugs e vírus. Finalmente, deve conhecer a tecnologia utilizada na fabricação do equipamento (hardware), pois o problema pode ser decorrente do mau funcionamento de alguma de suas partes (chips, cabos, motores, etc.). Do mesmo modo, para entender e, em conseqüência, para solucionar qualquer problema no funcionamento do corpo humano, seja ele físico ou emocional, é necessário um conhecimento universal de sua estrutura física, os sistemas fisiológicos que fazem o corpo funcionar, e mental, não apenas seus aspectos conscientes, como os dados utilizados pelo usuário de um computador, mas também aqueles dos quais não temos consciência, como as miríades de linhas escritas em linguagem de programação, normalmente desconhecidas e indecifráveis pelo usuário. O estudo da mente começa pelo entendimento de sua base física, a anatomia do cérebro. Dada a natureza e os objetivos propostos para o presente trabalho, nossa abordagem limitar-se-á a uma superficial referência à relação existente entre a mente e o cérebro. Há muito tempo o cérebro é reconhecido como a sede do processo mental, sendo hoje já identificadas áreas específicas dedicadas às emoções, ao intelecto, à motivação, ao aprendizado, ao comportamento e muitas outras funções que unem a mente ao corpo, inclusive o sistema autônomo e endócrino, que controla as funções relacionadas à autopreservação. Estudos de neurofisiologia têm avançado no entendimento das bases físicas do pensamento. Não é, pois, por acaso que o estudo mais profundo da mente humana tenha sua origem no trabalho de um neurologista, que buscava motivos para as ações presentes em um passado inconsciente, o que ele denominava a arqueologia da mente. Com muita adequação, já que seu método, que em seguida daria origem à Psicanálise, consistia em remover, de modo figurativo, as camadas conscientes da superfície da mente até descobrir, escondido no fundo do pensamento, um conteúdo de cuja existência o indivíduo não tem conhecimento, lembrando-se com falhas, quando muito, dos fatos a ele relacionados, mas que, de alguma forma, interfere em sua vida presente. Embora muitas sejam, na atualidade, as teorias que buscam explicar esse fenômeno, nenhuma delas nega os fundamentos assentados por Freud em sua teoria do inconsciente. Para explicar a base da teoria freudiana do inconsciente, J.-D. Nasio (1995, p. 16) utiliza a figura do esquema do arco reflexo, com a qual a neurofisiologia explicava a circulação do influxo nervoso, no século XIX. Por esse esquema, uma quantidade de energia é injetada em uma extremidade do arco, a partir de um estímulo externo. A outra extremidade transforma a energia em uma resposta do corpo. O acúmulo da energia provoca a tensão do arco entre as duas extremidades. Em sua adaptação ao funcionamento do psiquismo, a excitação da primeira extremidade será sempre interna, ainda que proveniente de uma sensação externa. Além disso, uma vez ocorrido o estímulo, a tensão nunca desaparece, o que se explica pela impossibilidade de alcançar a satisfação absoluta para a pulsão. Assim, num primeiro momento, há um deslocamento pulsional que provoca a necessidade de liberação da energia inconsciente, entendida pela mente como uma sensação de desprazer. A satisfação plena dessa necessidade encontra resistência no recalcamento, que devolve para o inconsciente uma parte da energia deslocada, que se acumula e realimenta o sistema, até o próximo deslocamento. A energia que escapa ao recalcamento provocará reações (atos involuntários, manifestações Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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patológicas, relações afetivas) que produzirão uma sensação de prazer parcial, ou seja, a satisfação parcial da necessidade originalmente produzida. E é através dessas reações que o indivíduo se comunica com o eu interior, a porção inconsciente de sua mente. Mais propriamente, é por elas que o inconsciente dá a conhecer partes de seu conteúdo. Parece antagônico falar-se em uma ciência da inconsciência, ou o conhecimento do desconhecido. Não se pode estudar o que não se conhece, e não se conhece aquilo do que não se tem consciência. Por outro lado, uma vez trazidos à consciência, o que antes era inconsciente deixa de sê-lo, e não pode mais ser visto como tal. Então, não se pode falar em um estudo direto do inconsciente. O que se pode observar são os efeitos manifestos de seu conteúdo no comportamento e nas sensações experimentadas pelo indivíduo. E é a isso que se dedicam as teorias do inconsciente. Embora diversas, essas teorias convergem em seus fundamentos, sendo possível delas extrair uma teoria geral da formação da personalidade, segundo a qual o psiquismo do indivíduo é fruto das sensações experimentadas em sua vida, principalmente na infância, das quais não tem consciência presente, mas encontramse firmemente gravadas em seu inconsciente. Adotando a concepção freudiana, a mente consciente é meramente a ponta do iceberg, e a predominância dos nossos pensamentos e sentimentos e, acima de tudo, da nossa motivação não nos é conhecida e, algumas vezes, não é benigna nem inocente (KAHN, 2003, p. 19). Mas de onde vem todo esse conteúdo oculto na mente do homem? Para Freud, são objetos da pulsão. Esta seria decorrente dos instintos animais necessários à preservação do indivíduo e da espécie, sendo dividida em duas categorias: pulsão de vida e pulsão de morte, sendo apenas aparente o antagonismo entre elas, eis que, na essência, conduzem ambas à perpetuação genética, pela sobrevivência do indivíduo ou pela perenização de seus gens em sua descendência. Esses aspectos determinantes da personalidade, não acessíveis à consciência, já estariam presentes no nascimento. Há, ainda, o material que foi excluído da consciência, censurado e reprimido. Ao inconsciente individual, composto das experiências reprimidas e afastadas da consciência, Jung acrescenta a controvertida idéia de um inconsciente coletivo, composto pela memória latente de um passado ancestral, acumulada a partir de experiências repetidas durante várias gerações. Teria como principal característica a universalidade, sendo comum a todos os indivíduos, da mesma forma que a estrutura do cérebro e o caminho evolutivo. Outros aspectos do inconsciente seriam identificados nas relações objetais, como a clivagem do ego descrita por M. Klein, em que o objeto bom é introjectado inteiro, enquanto o objeto mau é fragmentado. A fragmentação permitiria ao ego maior comodidade no enfrentamento das pulsões. Bion, por sua vez, dá ênfase às relações pessoais (evidente influência de seu trabalho com grupos e de sua experiência em psiquiatria militar) e identifica na mentalidade do grupo um obstáculo à realização dos desejos do indivíduo. Já Winnicott chamaria de influência do meio, em sua teoria do Self, em que essa influência produziria um falso self, artificialmente construído para adaptar-se às exigências do meio. Os aspectos até aqui abordados abrangem os principais conceitos das teorias mais aceitas para a formação da personalidade. Em síntese, podemos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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concluir que a personalidade do indivíduo é formada a partir de elementos inatos, como os instintos ou pulsões, ou mesmo características psíquicas geneticamente herdadas1, e elementos adquiridos ao longo da vida, principalmente na infância, decorrentes das experiências vividas e, em sua maior parte, reprimidas. Esses elementos formam um conteúdo mental ao qual a consciência não tem constante acesso (área da consciência menos exposta e explorada), mas têm forte influência no comportamento do indivíduo, manifestando-se de forma quase sempre dolorosa, quando não atendidas suas demandas. Esse conteúdo inconsciente comunica-se com o indivíduo, deixando-se revelar por formas diversas, principalmente os atos falhos (palavras que surgem aparentemente sem explicação, em meio a uma frase e fora de seu contexto) e os sonhos, como forma de satisfazer desejos que não foram (ou não podem) ser realizados, ajudando a satisfazer e proteger a psiquê. Utiliza sempre uma linguagem muito particular, com simbologia própria, somente inteligível a partir do conhecimento de todos os elementos que contribuíram na construção da personalidade. Com freqüência, essa comunicação acontece sutilmente, em aspectos da vida pessoal, familiar, social e profissional, com efeitos positivos ou negativos, para o indivíduo e para a sociedade. O que nos propomos neste trabalho é identificar essas manifestações inconscientes na atividade do juiz, como indivíduo dirigido por forças emocionais poderosas, cuja gênese é o inconsciente. AS MANIFESTAÇÕES DO INCONSCIENTE Tudo que se vê, ouve ou sente fica gravado de modo indelével em algum recôndito da mente. Nada é absolutamente esquecido, embora apenas uma pequena parte seja conscientemente lembrada. Como em um iceberg (KAHN: 2003, p. 19), em que apenas uma porção é visível, enquanto a parte maior e mais densa permanece submersa, a maior parte do conteúdo de nossa mente não nos é conhecida. O que não significa que esses pensamentos permaneçam inertes. Na verdade, as motivações inconscientes são responsáveis pela maior parte dos atos e emoções vividos pelo indivíduo. E é a análise desses eventos o único método de observação do inconsciente. Os elementos inconscientes são resultado da repressão que, pela ação de um complexo mecanismo de censura, torna-os inacessíveis à consciência. Em alguns momentos, esse conteúdo inconsciente consegue emergir. Tais manifestações, sempre involuntárias, podem apresentar-se na forma de sintomas neuróticos, parapraxias (atos falhos) ou sonhos. Sintomas neuróticos As demandas decorrentes da energia pulsional inconsciente somente podem ser atendidas pelo indivíduo quando há compatibilidade com os padrões que lhe são impostos pelas necessidades da vida em sociedade, pelos padrões morais e culturais ditados por essa sociedade. A energia acumula-se, então, pelo adiamento 1

Tendência para o desenvolvimento psicológico, paralela à disposição biológica inata para o crescimento e o desenvolvimento. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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das práticas relacionadas com as descargas. Deste conflito entre o id inconsciente e o ego volitivo, pela ação de um superego censor obstruindo a descarga pulsional, pode surgir uma neurose, cujos sintomas, na definição de Laplanche e Pontalis (apud CARVALHO: 2001, p. 30) são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a defesa. Isso ocorre nos momentos em que o reprimido se encontra mais forte do que a censura, vencendo a oposição que esta apresenta e externando alguns de seus componentes. Os sintomas neuróticos são, assim, decorrentes do acesso do reprimido à consciência. Esses sintomas variam de acordo com o conteúdo externado, principalmente com relação à fase da vida do indivíduo em que houve a introjeção, e podem afetar a capacidade motora, intelectual, de linguagem, de convívio social e o equilíbrio emocional, ou ter, ainda, conseqüências fisiológicas, como causa ou agravante de patologias psicossomáticas. Parapraxias Erros aparentemente inocentes na fala, na escrita, em gestos e atos cotidianos, podem representar uma forma mais branda de comunicação do inconsciente, as parapraxias. Por elas, o impulso inconsciente de expressar um conteúdo pressiona o mecanismo de censura até encontrar uma ruptura, surgindo em meio a uma comunicação consciente na forma do que se denomina ato falho. São palavras ditas ou escritas inconscientemente, no meio de uma frase, dentro da qual, pelo menos aparentemente, não apresentam um sentido lógico. Mas trazem um significado que, para ser apreendido, exige o entendimento do intrincado processo mental que o originou. Da mesma forma, gestos inexplicáveis que surpreendem o próprio indivíduo, ou atos inconscientes, como o dirigir-se a determinado local quando, conscientemente, o destino escolhido era outro. O que todos esses acontecimentos têm em comum é que são a tentativa de satisfação de um desejo não conhecido, a satisfação parcial de uma necessidade inconsciente. Sendo manifestações do inconsciente, sua análise permite o descobrimento, ainda que parcial, de seu conteúdo. Sonhos Dos meios utilizados pelo inconsciente para fazer-se conhecer, é por meio dos sonhos que ele fala de forma mais eloqüente. Através dos sonhos, busca-se a realização dissimulada de um desejo reprimido. Do sonho participam pensamentos e experiências recalcados no inconsciente, além de restos de memória remota ou recente (resíduos diurnos). A forma de apresentação desses elementos não tem que parecer coerente, nem obedece a padrões morais, cronológicos ou de realidade plausível. Não há limite imposto à representação onírica. Os elementos inconscientes apresentam-se, em geral, sob a forma de distorções dos elementos conscientes, como forma de ludibriar os mecanismos de censura, de modo que à análise literal o conteúdo do sonho pode parecer incoerente, chocante, repulsivo, estranho, etc. Essa análise considera apenas aquilo que se denomina o conteúdo manifesto, os acontecimentos do sonho que são lembrados. A descrição verbal de um sonho revela apenas esse conteúdo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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manifesto. Para entender todo o seu universo, deve ser considerado também o conteúdo latente, o desejo oculto que busca satisfação no sonho, surgindo na forma do conteúdo manifesto pelas distorções provocadas pela censura. Esse conteúdo compreende impressões sensoriais que ativam os órgãos do sentido durante o sono, como o som do despertador, a dor de um ferimento, uma necessidade fisiológica urgente, calor ou frio, entre outros fatores que podem ser introduzidos no sonho a partir de um estímulo sensorial. Também contribuem para o conteúdo latente os pensamentos relacionados às atividades cotidianas, que permanecem inconscientemente ativos durante o sono. Da mesma forma que os estímulos sensoriais, quando não acordam o indivíduo, esses pensamentos são direcionados para o sonho. Esses dois componentes têm origem em elementos que, durante a vigília, são percebidos pela consciência. A eles acrescenta-se um terceiro, a parte do conteúdo latente composta pelos desejos primitivos ocultos da consciência pela repressão dos mecanismos de defesa. Para ultrapassar essa defesa, o inconsciente elabora seu conteúdo, submetendo-o a um processo de seleção e transformação, possibilitando sua representação por imagens admissíveis à consciência. O processo de distorção pode utilizar dois mecanismos: o deslocamento, descarga de uma energia de uma representação para outra. A idéia central do conteúdo latente é deslocada para um elemento manifesto aparentemente neutro. Muitas vezes, as imagens utilizadas são retiradas das recordações recentes cotidianas. O mecanismo do deslocamento conduz ao sintoma e a condensação é o sintoma. É o somatório das várias cadeias de representações, em que um único elemento manifesto corresponde a vários significados latentes. Ocorre, por exemplo, quando, no sonho, uma única pessoa oferece traços que recordem várias outras. Conhecidos os mecanismos que afetam as representações, a percepção do significado inconsciente de um sonho depende, ainda, do entendimento dos símbolos utilizados. As idéias e objetos surgem sob uma representação simbólica. Existem símbolos que têm um significado geral, representando a mesma coisa em diferentes culturas, para diferentes pessoas, em diferentes ocasiões. Mas há aqueles de significado específico, resultante das experiências vividas pelo indivíduo. Os processos de elaboração e o simbolismo dos sonhos são observados também nas parapraxias, como por exemplo a utilização de neologismos curiosos formados pela junção de duas palavras, estas associadas ao significado inconsciente. A SUBLIMAÇÃO Como já visto, o aparelho psíquico dispõe de um sistema de defesa, cujo mecanismo mantém afastados da consciência os desejos que considera ameaçadores do equilíbrio mental.2 O acúmulo de energia provocado pelo recalque desses desejos leva o inconsciente a procurar caminhos alternativos para sua satisfação, ainda que parcial, ludibriando o aparelho repressor. Esse processo, 2

A repressão é um dos mecanismos utilizados pelo ego como defesa, procurando afastar da consciência os desejos cuja realização traria risco ao equilíbrio do aparelho psíquico. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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embora envolva a realização de um desejo, resulta muitas vezes em conseqüências notadamente incômodas e dolorosas, como os sintomas neuróticos. Isso acontece porque muitos dos desejos inconscientes são de realização insuportável para o aparelho mental. Foram recalcados (negando uma idéia ou um grupo de idéias, impedindo-as de entrar na consciência) na formação do ego pela ação do superego3, instância psíquica que garante o comportamento civilizado do indivíduo, dentro dos parâmetros culturais, morais e legais impostos pela sociedade. Pela simbolização, essa energia psíquica é investida em algo suportável que, através dos mecanismos de deslocamento, substituição e condensação, ocupa o lugar daquilo que é, ainda, insuportável. Essa capacidade de trocar o objeto inicial por outro, de natureza diversa mas psiquicamente relacionado ao primeiro, denominase capacidade de sublimação. Na sublimação, os desejos inconscientes podem realizar-se dentro das restrições institucionais de uma moralidade civilizada, permitindo ao ego uma descarga pulsional que transforma a finalidade da pulsão em algo gratificante, tanto para o indivíduo como ao meio em redor (satisfação do id e ego). Em geral, a energia proveniente desses desejos será direcionada para as artes ou para a ciência. A quantidade dessa energia apropriada para a sublimação varia em cada indivíduo, conforme sua constituição inata, assim como a forma como ela se manifesta. O gênio criativo da arte ou da ciência nada mais é, portanto, do que a expressão de um desejo reprimido, através do mesmo mecanismo utilizado pelos debilitantes sintomas neuróticos, mas com resultados produtivos para o indivíduo. A capacidade de sublimação não é encontrada igualmente em todos os indivíduos, como já dito no parágrafo acima. Enquanto a maioria das pessoas tornase neurótica, uma minoria é capaz de se beneficiar de sua capacidade individual para a sublimação, que pode ser considerada como uma forma produtiva de sintoma neurótico. Como, por exemplo, a criança que resolve a angústia da repressão do desejo sexual com o desenvolvimento de um dom artístico. Podemos, então, concluir que o sucesso de artistas e cientistas será o produto de uma neurose produtiva. A sublimação não se mostra apenas na ciência e nas artes. Aparece na vida social como na canalização de instintos básicos para a amizade e a solidariedade. Pode, também, surgir como fonte de satisfação na atividade profissional, no raciocínio, na criação e na execução de coisas que não se destinam a ser objetos de arte. Para que a atividade profissional seja fonte de satisfação, é necessário que seja objeto de livre escolha, possibilitando, por meio da sublimação, o uso das propensões e impulsos existentes. O trabalho, aqui, define-se como arte. A maioria das pessoas, porém, por fatores diversos, acabam por dedicar-se a profissões que limitam sua expressão criativa, remetendo as suas sublimações ao seu tempo de lazer e relacionamentos fora do trabalho. É, pois, de fundamental importância a definição vocacional na escolha da carreira, para que a energia pulsional, que se poderia manifestar por um sintoma neurótico, transforme-se, ao contrário, em algo gratificante, fator de sucesso e satisfação profissional. 3

Id, ego e superego são instâncias psíquicas que compõem a personalidade, na teoria freudiana. No superego encontram-se valores (parâmetros culturais, morais e legais) ditados pelo meio (família, sociedade) em que a pessoa viveu. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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O JUIZ Sendo objeto deste trabalho a manifestação inconsciente nos julgamentos, faz-se, de início, necessário identificar o seu sujeito. No caso, aquele que, por força de seu cargo e função, é o responsável pelas decisões judiciais. Por que se dá a alguém o poder de decidir sobre a vida de outros, sobre o que é certo ou errado, ou onde está a verdade? Por que se submetem todos a esse juízo, muitas vezes subjetivo? Nas sociedades primitivas, a autoridade, ou o poder de decidir sobre a conduta de seus integrantes, era exercida pelo indivíduo que, por um conjunto de fatores, tinha o poder de submeter os demais à sua vontade. À medida que essas sociedades se tornaram mais complexas, esse poder passou a ser exercido por certos segmentos, ou grupos de pessoas a elas pertencentes, com um interesse comum. Ou se concentrava em um único indivíduo, que detinha os meios necessários à imposição de sua vontade. Em um ou outro caso, o soberano ou o segmento dominante agiam movidos pelo interesse pessoal, concentrando, pela força, o domínio sobre os bens da coletividade. A esse Estado absolutista contrapôs-se a idéia de divisão do exercício do poder, proposta por Montesquieu em sua obra O espírito das leis (apud REIS FRIEDE: 2002, p. 211), como mecanismo de restrição ao exercício do poder, concepção que inspirou a quase totalidade dos Estados atuais. O poder estatal foi, então, dividido em três poderes políticos. A administração das coisas do Estado é atribuição específica do Poder Executivo. É sua responsabilidade a execução das finalidades do Estado, contidas em sua Constituição e disciplinadas em suas leis, que limitam a autoridade dos governantes. A elaboração das leis compete ao Poder Legislativo, como expressão da soberania da vontade popular. A vida em sociedade é, assim, administrada pelos governantes dentro dos parâmetros estabelecidos pela lei. Há casos, porém, em que surgem conflitos de interesse, motivados pela divergência na interpretação das leis. A solução pacífica do litígio está no direcionamento da força estatal em favor de um dos contendores. Definir a adequada solução do conflito é a função atribuída ao Poder Judiciário. A essa competência denomina-se jurisdição, do latim juris dicere, literalmente dizer o direito, significando definir os limites do direito de cada um dos litigantes e determinar a interpretação válida das leis editadas pelo Poder Legislativo. No Brasil, por disposição constitucional, a jurisdição é atribuída aos Tribunais Superiores, distribuída por regiões e exercida, em primeira instância, pelos juízes, de acordo com sua competência territorial e material. Estes são escolhidos através de um processo seletivo de mérito, no qual devem provar conhecimento técnico e teórico na interpretação das leis e na solução de litígios. O mote da democratização do acesso aos cargos públicos direciona a seleção para critérios cada vez mais objetivos, de forma a oferecer resistências ao favorecimento pessoal. Com isso, afasta-se a subjetividade do processo seletivo, não sendo a personalidade do juiz um aspecto considerado quando de sua nomeação para o cargo. Além disso, exigências como a impessoalidade e a imparcialidade nos atos que pratica forçam a imagem de distanciamento do homem comum, como se obrigado à criação de um falso self, como o definiria Winnicott, com a personalização de um ser juiz, com qualidades próprias independentes de seu portador. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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Mas essa distinção vem, gradualmente, sucumbindo, diante da visão que hoje se tem do exercente do poder público, entre eles também o juiz, como um ser humano universal. Admite-se, agora, a impossibilidade de separar-se o profissional do ser que o personaliza, com todos os aspectos e fatores que contribuíram para a formação de sua personalidade. Não se dispensam a impessoalidade e a imparcialidade nos julgamentos, mas não se ignora que as experiências vividas constituem fator de relevância na forma como o juiz conduz um processo ou interpreta uma lei. Calamandrei (1995, p.176) já percebia, há mais de meio século, os meandros subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar. AS RAZÕES DO JULGADOR Na aplicação da lei, o juiz atenderá ao fim social a que ela se destina. É o que diz, em seu artigo 5º, a Lei de Introdução ao Código Civil, instrumento legal que define a interpretação da lei no Estado brasileiro.4 Significa que o juiz, uma vez definidos os fatos e a legislação aplicável ao caso sub judice, não está adstrito à interpretação literal de seu texto, mas é livre para buscar seu verdadeiro sentido, a vontade da lei, independente da idéia original de quem a redigiu. Essa liberdade oferece vasto campo para elaborações pessoais, permitindo que, sob o manto do fim social, o juiz atenda ao seu próprio ideal de justiça. Por outro lado, o conceito de segurança jurídica está vinculado à idéia de previsibilidade do processo decisório, uma quase certeza de que, em determinada circunstância, a uma lei será atribuída, sempre, uma mesma interpretação. Um sistema recursal de jurisdição centralizada pode garantir certa uniformidade na interpretação legal. Mas pode-se esperar alguma hegemonia nas decisões de primeiro grau?5 Podem-se fixar as variantes, como os critérios para definição da verdade processual e os fatores externos que incidem nas razões de decidir, criandose assim um sistema de julgamentos, idealizado de tal modo que o intérprete dos fatos e do direito resolva a dúvida processual com uma decisão que corresponda ao que ordinariamente se define como justo. Ou que pelo menos dele se aproxime, tanto quanto os aspectos formais o permitam. Criam-se leis processuais, que limitam o poder discricionário do juiz, estabelecendo direitos e obrigações para as partes litigantes e parâmetros para os julgamentos. O que se espera, então, do indivíduo a quem se atribui a tarefa de dizer qual a solução justa para a controvérsia entre outros indivíduos é que, primeiro, conheça das razões daquele que recorre ao poder estatal com o intuito de ver garantido um direito que entende violado por alguém. Depois, que ouça as razões daquele de quem se pretende o cumprimento da obrigação decorrente do direito violado. Em seguida, estabeleça a verdade na qual se baseiam as alegações e, por fim, e só então, conhecendo a lei aplicável ao caso, decida o que é justo. 4

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Apesar de denominado “Lei de Introdução ao Código Civil”, o Decreto-lei n. 4.657/42 aplicase a todos os ramos do Direito brasileiro, consagrando a interpretação teleológica na aplicação das leis. Dizem-se de primeiro grau as decisões proferidas pelos juízos de primeira instância, ou seja, aqueles a quem primeiro se submetem os processos para decisão. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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Princípios de direito exigem que esse indivíduo seja absolutamente imparcial. Que seja escolhido naturalmente, sem direcionamento específico do processo. Que não forme seu convencimento antes do curso regular do processo. Que não se deixe influenciar por fatores externos ao processo. Desses quesitos, há os que se referem a aspectos subjetivos, conscientes ou não. Afinal, as decisões judiciais são elaboradas por mentes que se formaram como todas as outras. Juízes, como todos os indivíduos, passaram pelo mesmo processo de desenvolvimento da psiquê, com os mesmos desejos recalcados, os mesmos mecanismos de repressão. São também passíveis dos mesmos sintomas neuróticos, atos falhos e sublimações. Têm anseios, resistências, bloqueios e os exaspera a injustiça, tanto quanto às partes dos processos que a ele se submetem. Os instrumentos de seleção dos integrantes da magistratura, no Brasil, firmam-se em critérios de objetividade e impessoalidade, com o objetivo de garantir a todos os candidatos condições idênticas de acesso democrático ao cargo, sem favorecimentos ou preterições de natureza pessoal, que inevitavelmente surgiriam na adoção de um critério subjetivo. Em conseqüência, aspectos da personalidade do candidato deixam de ser observados, como, por exemplo, as tendências vocacionais e a própria adequação da psiquê ao exercício da profissão. Em alguns casos, a incompatibilidade se manifesta nos primórdios da carreira, chegando a motivar um pedido de exoneração. Em geral, ela se resolve com a adoção de sistemas de defesa, que passam pela racionalização da atividade e construção de uma ambiente artificialmente estável, criando o que Winnicott definiria como um falso self. Permanece, porém, o eu verdadeiro sob a imagem visível do indivíduo, com sua energia reprimida e acumulada até o limite suportável. Ultrapassado esse limite, ela encontra meios de vazão, alguns deles, perceptíveis ou não, com interferência na atividade profissional. Mesmo o indivíduo vocacionado está sujeito a essa influência, que nesse caso se dará de modo mais sutil, às vezes até em seu benefício, como ocorre na sublimação. Mas sempre haverá, como em qualquer atividade, essa interferência de conteúdos inacessíves à consciência, aparentemente esquecidos nos recônditos de sua mente. O SELF DO JUIZ Perceber as manifestações inconscientes na vida cotidiana não é tarefa que exija grande esforço. Uma observação atenta é suficiente para que se percebam condutas e comportamentos que podem ser considerados, ainda que em conceituação empírica, como manias, cujas motivações são presumíveis a partir da análise da vida pregressa do indivíduo, sua história de vida, sua infância em especial, sua adolescência, sua fase adulta. Isso vale, também, para o exercício de qualquer atividade profissional, podendo ser percebidos aspectos da personalidade no modo como ela é exercida. A magistratura não é exceção. Juízes têm, também, personalidades características, facilmente observáveis por aqueles que compõem seu universo profissional, sendo definidas por adjetivos que, em geral, definem com alguma propriedade sua conduta no trabalho. Isso não significa que tais características, mesmo as mais marcantes de sua personalidade, reflitamse em suas decisões, mesmo que evitá-lo, e saber separá-las, exija um esforço intelectual a mais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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Este trabalho teve sua motivação inicial na busca de manifestações do conteúdo inconsciente do juiz no corpo de seus julgamentos. O tema apresenta especial relevância por significarem esses julgamentos a solução apresentada pelo Estado ao conflito de interesses entre seus cidadãos. O que significa que, uma vez constatadas as manifestações, demonstrada estaria uma interferência subjetiva individual na conceituação da justiça. Temos, então, o objeto: o conteúdo inconsciente do juiz, e o campo de pesquisa: as decisões judiciais. Para reconhecer o objeto da pesquisa, tornou-se necessário um contato com elementos inconscientes dos prolatores das decisões, o que somente seria possível através de uma análise individual, com duração imprevisível. Os limites impostos a este trabalho, principalmente aqueles relacionados ao tempo de duração da pesquisa, exigiram uma abordagem menos complexa. Assim, em lugar de examinar os julgamentos a partir de uma escuta mais prolongada e de maior conhecimento da trajetória de seu prolator, passamos a utilizar apenas os dados oferecidos pelos próprios magistrados, procurando identificar as determinantes dos julgamentos a partir dos elementos consciente ou inconscientemente manifestos nas entrevistas. Optamos, então, por uma abordagem direta, através de uma única entrevista com cada magistrado que se dispusesse a participar. Essa necessária disposição preocupou, a princípio, já que exigiria uma adequação da agenda de trabalho diário de cada um. Para vencer esse primeiro obstáculo, estabelecemos um tempo máximo predeterminado para a duração de cada entrevista, que não deveria ultrapassar os cinqüenta minutos. Além disso, havia a necessidade de vencer a resistência inicial, previsível em toda abordagem psicanalítica direta, maximizada pelo fato de se tratar, os entrevistados, de pessoas investidas de uma autoridade estatal, naturalmente mais reservadas no trato de assuntos de natureza pessoal. As resistências e defesas Era esperada uma forte resistência já nas entrevistas. Afinal, estaríamos invadindo o espaço de trabalho do entrevistado, tomando-lhe um precioso tempo em suas assoberbadas agendas. Além disso, seria natural que o tema do encontro provocasse uma atitude defensiva, com uma postura formal e respostas evasivas, que não permitissem conhecer a verdadeira natureza de suas personalidades, frustrando a busca de elementos do seu conteúdo inconsciente. Surpreendeu-nos, porém, a receptividade. Não só quanto à disponibilidade de tempo, no que todos se mostraram solícitos, recebendo-nos, quase todos, em meio a pilhas de processos, em intervalos de suas pautas de audiências, oferecendo-nos o tempo que fosse necessário. Mas, também, quanto à disposição em revelar, diante do entrevistador, o eu por trás do personagem que exibem no exercício de sua autoridade. Não foi difícil vencer as defesas iniciais, quando se apresentaram. Nisso contribuiu, de forma evidente, o fato de exercermos, também, a magistratura, muito embora, em alguns casos, tenha sido esse, justamente, o fator de resistência. Mas essa dificuldade inicial de se expor diante de um colega de profissão, nesses casos em que surgiu, em pouco tempo cedeu lugar a uma confiança mútua, permitindo uma abordagem franca e direta, com respostas honestas e sem excessiva elaboração. Assim, em lugar de uma quase hostilidade esperada, revelaram-se os entrevistados não apenas receptivos, mas ansiosos por externar Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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livremente o que sentem em relação a todos os aspectos de sua profissão. Em alguns casos, o encontro aproximou-se, de fato, de uma sessão analítica, com a clara exposição de conteúdos inconscientes. E, ao final de cada encontro, o que se sentiu foi o desejo de prolongá-lo, tanto pelo entrevistado quanto pelo entrevistador, permanecendo intocada ainda uma quantidade incalculável de material analisável. O eu verdadeiro e o falso Esse anseio em despir-se de suas defesas no ambiente controlado das entrevistas explica-se pelo exacerbado uso que delas se faz na vida profissional. Exposto a censuras de todos os níveis, o juiz deve ter uma conduta irrepreensível, não apenas profissional, mas também nos âmbitos social e pessoal. Essa conduta é, muitas vezes, incompatível com suas demandas pulsionais, exigindo, para adequação às necessidades impostas pelo exercício do cargo, a adoção de um elaborado mecanismo de repressão, confinando o caos interior na construção de um ambiente profissional artificialmente estável. Desse modo, a imagem que exibe não é de si, mas do personagem que criou, um falso eu adaptado às demandas externas. Conforme o grau em que se dá essa adaptação, quanto mais se distancia o eu profissional do verdadeiro, maior a quantidade da energia pulsional reprimida. Quando o acúmulo atinge certo nível, essa energia busca uma vazão, rompendo o mecanismo repressor. Essa vazão pode dar-se de forma controlada (ainda que inconscientemente), como em casos de sublimação, revelando-se em atividades sociais, culturais, artísticas ou esportivas. Nesses casos, o eu verdadeiro tem oportunidade de atuar em uma atividade que dá ao indivíduo uma sensação de prazer, proporcionando uma conduta equilibrada, tanto no ambiente de trabalho quanto nos demais âmbitos de sua vida. Quando, porém, não há um canal próprio para a vazão pulsional, o rompimento da barreira repressora pode ocorrer de forma inopinada, às vezes violenta, em explosões de ira, manias, angústias ou, mesmo, sintomas neuróticos. Para esses indivíduos, o exercício da profissão torna-se uma tarefa exaustiva. Ainda que atuem adequadamente e se mostrem até satisfeitos com a carreira que adotaram, são notáveis os sinais. O rigor excessivo consigo e com os demais, a irritabilidade, a insatisfação constante com algum aspecto de sua vida são constantes não só no trabalho, mas também no ambiente social e familiar. Já se disse em tópicos anteriores que a satisfação profissional pressupõe certa adequação das demandas pulsionais às necessidades da profissão escolhida. A segurança jurídica exige a seleção de juízes capazes de exercer com liberdade o mister de dizer o direito, sem que aspectos de sua personalidade se apresentem como obstáculo a um julgamento isento. Para tanto, ele deve atuar em um ambiente estável, com o perfeito equilíbrio de suas demandas internas e externas. Se a vocação não é inata, se o equilíbrio não ocorre naturalmente, deve ser buscado ou aprendido, com o correto direcionamento das demandas pulsionais para objetos adequados aos parâmetros socioculturais.

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CONCLUSÃO O mestre florentino Piero Calamandrei (mestre de vida, antes que de direito, na poética introdução escrita por Paolo Barile à edição italiana de 1989) desfia com talento e arte, em sua obra Eloggio dei giudici scritto da un avvocato (traduzida no Brasil sob o título Eles, os juízes, vistos por um advogado), críticas e bemhumoradas considerações sobre a justiça em seu país. Suas lições, desconhecendo fronteiras de tempo e espaço, tornaram-se universais, e jamais perderam sua atualidade. Enxergando o homem que atua por sob o personagem formal representado pelo juiz, Calamandrei revela magistralmente o que deveria parecer óbvio: o que realmente motiva as decisões judiciais é, mais que as leis, o anseio pessoal do julgador pelo que é justo. Esse ideal de justiça é perseguido, nos limites que a lei permite, na condução do processo e na interpretação que dele mais se aproxima. Convencido da justiça de uma decisão, buscará uma interpretação das leis e das provas que seja a mais adequada a servir-lhe de fundamento. Mas não invocará seu senso de justiça como motivação do seu julgamento. Ainda assim, a decisão, último ato do juiz no processo, é o momento de sua vida profissional em que ele tem maior liberdade de agir conforme o eu verdadeiro. Não apenas respeitando os ditames de sua consciência, mas externando, de alguma forma, seus mais íntimos pensamentos, e afirmando que aquilo é o justo. Para os demais momentos, o magistrado, de modo geral, vale-se de um outro eu. Um personagem que incorpora as qualidades necessárias ao exercício da autoridade e à personificação do poder estatal, proporcionando a criação, ao seu redor, de um ambiente estável, adequado à sua atuação. Esse equilíbrio é conseguido, entretanto, pela ação equiparada de poderosas forças internas e externas. De fora, as restrições impostas pela lei à sua vida pessoal, a conduta social exigida pelo senso comum, o controle dos seus atos por agentes do próprio poder e de fora dele. Tudo isso, mais os fatores que normalmente incidem na vida de qualquer pessoa, dá forma a um forte mecanismo de repressão dos desejos internos, inibindo suas manifestações. O represamento provoca um acúmulo excessivo da energia pulsional, uma necessidade de transgressão, que, se não satisfeita, externa-se sob a forma de sintomas neuróticos, desde os mais leves e toleráveis (vistos apenas como manias ou excentricidades características deste ou daquele indivíduo), até os mais graves, com conseqüências indesejáveis em seu relacionamento profissional, social e familiar, algumas até irreversíveis. Da depressão à histeria, o desequilíbrio entre as forças internas e externas que atuam na psiquê tem conseqüências prejudiciais, mais ou menos graves, na vida de cada indivíduo. O equilíbrio que proporciona o ambiente estável necessário a uma vida saudável, em todos os seus âmbitos, depende da liberação adequada e controlada da energia acumulada no conteúdo inconsciente. A pulsão correspondente aos desejos não diretamente realizáveis deve ser canalizada e propriamente liberada, sob a forma de atividades culturais, artísticas ou esportivas. Atividades lúdicas, hobbies, a prática de uma modalidade esportiva, o desenvolvimento de um dom artístico, a docência não são apenas opções, mas necessidades para que o magistrado exerça com adequação o seu mister, cumprindo com suavidade seu papel diante dos seus pares, da sociedade, da família. E, principalmente, de seu próprio eu. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.133-146, jul./dez.2006

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O FGTS COMO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Fábio Lopes Fernandes* Inúmeras decisões judiciais têm refutado a defesa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS - através de ação civil pública. Tal fato se deve, sobretudo, ao advento do parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 7.347/85 - Lei da Ação Civil Pública, cujo teor é o seguinte, in verbis: Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Esse texto é resultado da alteração determinada pela Medida Provisória n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, ainda em vigor por força do disposto no art. 2º da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001. A fim de corretamente analisar o tema, faz-se necessário estabelecer a natureza jurídica do FGTS. Os diversos doutrinadores estabelecem pelo menos uma dezena de soluções. Mas, o correto deslinde da questão é feito por Mauricio Godinho Delgado1 que, com maestria, obtempera: Na verdade, há, no mínimo, uma tríplice dimensão de estrutura e objetivos no Fundo de Garantia apta a gerar relações jurídicas próprias, distintas, embora obviamente combinadas. Existe a relação empregatícia, vinculando empregado e empregador, pela qual este é obrigado a efetuar os recolhimentos mensais e, às vezes, também obrigado com respeito ao acréscimo pecuniário na rescisão. Em contrapartida, desponta nessa relação, como credor, o empregado. Há, por outro lado, o vínculo jurídico entre empregador e Estado, em que o primeiro tem o dever de realizar os recolhimentos, ao passo que o segundo, o direito de os ver adimplidos, sob pena de, compulsoriamente, cobrá-los, com as apenações legais. Existe, ainda, a relação jurídica entre o Estado, como gestor e o aplicador de recursos oriundos do fundo social constituído pela totalidade dos recursos do FGTS, e a comunidade, que deve ser beneficiária da destinação social do instituto, por meio do financiamento às áreas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana. Nesse caráter multidimensional do instituto é que se revela sua precisa natureza jurídica.

* Procurador do Trabalho no Ofício do Ministério Público do Trabalho em Uberlândia/MG. 1 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 1.265. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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Particularmente, no presente estudo, interessam os dois primeiros ângulos. No segundo deles, existente entre o empregador e o Estado, nossos tribunais têm adotado uma dupla natureza. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido, respaldado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal anterior à Carta Política de 88, que “as contribuições para o FGTS não se caracterizam como crédito tributário ou contribuições a tributo equiparáveis”.2 Entretanto, a atual linha jurisprudencial do Excelso Pretório tem trilhado justamente a tese contrária, vendo no instituto espécie tipicamente tributária. Foi o que aconteceu no RE 138.284/CE3, quando o relator Ministro Carlos Velloso classificou tal exação como sendo contribuição social geral, alicerçada no art. 149 da Carta Política, pertencente ao gênero contribuições parafiscais. Mais recentemente, tal posição restou consagrada na ADI-MC 2.556/DF.4 Não poderia ser outro o entendimento, tendo em vista que, sob o ângulo empregador-Estado, após 1988, o FGTS passou a ser obrigatório, sendo uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, não se constituindo sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, estando, portanto, satisfeitos todos os requisitos da qualificação tributária previstos no art. 3º do Código Tributário Nacional. O fato de os depósitos poderem ser levantados ao final do contrato de trabalho ou em situações específicas não desnatura o caráter tributário da exação, porque, enquanto isso, o valor é aplicado em finalidades públicas. Esta temporariedade da arrecadação também é característica do tributo denominado empréstimo compulsório, previsto no art. 148 da Constituição. Esse caráter tributário é a única justificação possível para haver incidência de FGTS nos contratos nulos da Administração Pública com servidor, por falta de concurso público, conforme estatuído no art. 19-A, acrescentado à Lei n. 8.036/90 pela Medida Provisória n. 2.164-41, de 27 de agosto de 2001, porquanto o tributo se alheia completamente aos aspectos de licitude ou ilicitude do fato gerador, conforme disposto no art. 4º do Código Tributário Nacional. Sob o prisma trabalhador-empregador, o FGTS é um crédito trabalhista, resultante de poupança forçada do trabalhador, concebido para socorrê-lo em situações excepcionais durante o vínculo empregatício ou na cessação do contrato5, estando garantido a todo empregado pelo inciso III do art. 7º da Carta Magna, sendo, por isso, considerado direito social de índole constitucional. A natureza jurídica no prisma empregador-Estado e empregado-empregador é de extrema importância no caso em testilha, uma vez que dela dependerá a possibilidade de ação civil pública.

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Recurso Extraordinário 100.249/SP, Relator Ministro Oscar Correa, Diário da Justiça de 01.07.88, p. 16.903. Recurso Extraordinário 138.284/CE, Relator Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça de 01.07.92, p. 13.456. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.556/DF, Relator Ministro Moreira Alves, Diário da Justiça de 08.08.03, p. 87. TEIXEIRA, João de Lima. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. In Instituições de direito do trabalho. V. I. São Paulo: LTr, 18. ed. p. 665. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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Com efeito. A alteração do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública foi dada pela Medida Provisória n. 1.984-19, de 29 de junho de 2000 e suas sucessivas reedições, posteriormente encampada pela Medida Provisória n. 2.102-26, de 27 de dezembro de 2000, até a reedição 32, quando foi abarcada pela Medida Provisória n. 2.180-33, de 28 de junho de 2001, reeditada até a 35ª versão, a qual ainda continua em vigor. A edição da Medida Provisória n. 1.984-19 ocorreu na época em que o Ministério Público Federal e os sindicatos representativos das categorias profissionais estavam ajuizando ações civis públicas para obrigar a União Federal e a Caixa Econômica Federal a creditar aos titulares das contas vinculadas do FGTS os expurgos inflacionários.6 Também é contemporâneo da Medida Provisória o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal pelo RE 213.631/MG, publicado em 07 de abril de 2000, cujo acórdão tratava da impossibilidade da cobrança de taxa de iluminação pública por via da ação civil pública. Ainda no STF, em maio de 2000, já se tinha iniciado o julgamento do RE 226.855/RS, no qual foram definidos os expurgos inflacionários aplicáveis. Na exposição de motivos da Medida Provisória inicial constou expressamente: Em outra matéria de extrema relevância, observe-se que, embora o art. 1º da Lei n. 7.347, de 24.7.85 (Lei da Ação Civil Pública) discrimine as hipóteses em que a ação civil pública é cabível, entre elas, para a proteção de interesses difusos ou coletivos, tem ocorrido muitas vezes propositura de ações envolvendo interesses que não se caracterizam como difusos ou coletivos. Não obstante, em numerosas hipóteses os juízes não extinguem, de pronto, o processo, por ilegitimidade do Ministério Público ou da associação autora (art. 267, VI, do CPC), circunstância que traz incontáveis inconvenientes às Fazendas Públicas, pelo universo de interessados abrangidos pelas ações, não obstante plenamente identificáveis as pessoas que o compõem. [...] Há casos bem recentes, envolvendo pleitos de correção monetária dos depósitos vinculados ao FGTS, formulados pela via da ação civil pública, quando é evidente que versam sobre direitos disponíveis, passível de prescrição a respectiva ação, com titulares facilmente identificáveis. Por essa perspectiva, justifica-se o esclarecimento, por via legislativa, da disciplina sobre a matéria, com a inclusão de parágrafo único ao art. 1º da Lei n. 7.347, de 1985. Nessa esteira, a Suprema Corte, em acórdão relatado pelo Ministro Ilmar Galvão (RE n. 213.631-0) decidiu pela “Ausência de legitimação do Ministério Público para ações da espécie, por não configurada, no caso, a hipótese de interesses difusos, como tais considerados os pertencentes

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Plano Bresser, de julho de 1997; Plano Verão, de fevereiro de 1989; Plano Collor I, de março de 1990 e Plano Collor II, de fevereiro de 1991. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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concomitantemente a todos e a cada um dos membros da sociedade, como um bem não individualizável ou divisível, mas, ao revés, interesses de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exigência tributária cuja impugnação, por isso, só pode ser promovida por eles próprios, de forma individual ou coletiva”. Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 5.100/2005, de autoria do Deputado Maurício Rands (PT/PE), pertencente à base governista, que visa a dar a seguinte redação ao indigitado parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, verbis: Parágrafo único - Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos e contribuições previdenciárias, cujos benefícios podem ser individualmente determinados. Na justificativa de seu Projeto, o Deputado Maurício Rands, após citar o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 7.347/85 e o art. 2º e parágrafo único da Lei n. 9.494/97, expõe as seguintes razões: A alteração do primeiro dos dispositivos supramencionados e a revogação dos dois últimos dispositivos visam, portanto, expungir do nosso sistema as normas que foram introduzidas com o propósito de, por um lado, impedir o uso das ações civis públicas contra a Administração Pública e, por outro, dificultar o manejo dessas ações pelas associações civis, sobretudo pelos sindicatos representativos dos servidores públicos federais, e, assim, restaurar a plenitude dos princípios da igualdade e do acesso dos cidadãos à Justiça estabelecidos no art. 5º, incisos X e XXXV da Constituição Federal. Mantém-se, contudo, a proibição do uso da ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos e contribuições previdenciárias por razões de Estado. [...] É chegada a hora de o Congresso Nacional reagir e restaurar todo o potencial das ações civis públicas, o que muito contribuirá para desafogar os órgãos do Poder Judiciário, na medida em que em um único processo poderão ser resolvidas milhares de demandas.7 Vê-se, portanto, nesse contexto, que o único intuito da alteração legislativa introduzida foi o de evitar a propositura de ações civis públicas que questionassem o FGTS, enquanto tributo. Basta se notar ainda que a Medida Provisória, desde quando editada, sempre estipulou privilégios para a Fazenda Pública. Não tratou, em nenhum momento, de estabelecer favores às partes privadas. O próprio parágrafo único do artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública cuidou tão-somente de espécies tributárias e fundos institucionais. 7

Informação obtida no site www.camara.gov.br. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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E, nesse aspecto, respeitadas as doutas opiniões em contrário, não parece que seja desacertada a inibição da ação civil pública para questionar tributos. É que, se assim utilizada, a ação civil pública, dado o seu efeito erga omnes, seria sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que o réu estaria obrigado a obedecer o comando jurisdicional em todo seu âmbito de atuação. Nesse sentido, vem se manifestando a uníssona jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Veja-se, a propósito, entre outros8, o seguinte aresto: Processual Civil. Ação Civil Pública. IPTU. Ilegitimidade Ativa Ad Causam do Ministério Público. Lei 7.347/85. Lei Municipal 7.439/96. 1. O Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor Ação Civil Pública, assumindo a defesa dos interesses de contribuinte e visando derruir lei municipal. Demais, não pode ser utilizada para obstar a cobrança de tributos, instrumentalizada com a feição de ação direta de inconstitucionalidade. 2. Precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso provido. (Recurso Especial 259.679 - STJ - 1ª Turma - Relator Ministro Milton Luiz Pereira - Diário da Justiça de 25/03/02 - p. 185) Se resta patente que a finalidade do atual parágrafo único do art. 1º da Lei n. 7.347/85 é tão-somente obstar a discussão do FGTS enquanto tributo, o resultado da desastrada alteração teve efeito justamente contrário. Isto porque várias decisões judiciais, a partir da alteração, julgaram improcedentes ou extinguiram, sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido ou ilegitimidade ativa, ações civis públicas com pedido de obrigações de fazer consistentes em obrigar o empregador a realizar os depósitos do FGTS no prazo legal. Literalmente o “tiro saiu pela culatra”, uma vez que a alteração que visava impedir a quebra do Fundo veio justamente impossibilitar que o parquet trabalhista obrigasse as empresas a cumprir a obrigação legal de efetuar os depósitos, conforme algumas decisões de nossos tribunais.9 Com isso, impediu que o Fundo recebesse mais recursos. Demonstrada a finalidade da norma, resta patente, então, a adequação da ação civil pública para defesa em juízo, pelo Ministério Público do Trabalho ou sindicatos, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço enquanto direito social decorrente da relação empregado-empregador. Há que se notar aqui que o inciso I do art. 83 e o inciso II do art. 84 da Lei Complementar n. 75/93 conferem legitimidade ao parquet especializado para promover em juízo ações para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores, não havendo, pois, como excluir o FGTS deste rol, dada a sua inserção no rol do art. 7º da Constituição Federal.

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REsp 302.647/SP, Min. Franciulli Netto; EREsp 177.052/SP, Min. Milton Luiz Pereira; REsp 252.803/SP, Min. Francisco Peçanha Martins; AGREsp 333.016/PR, Min. Paulo Medina. Recurso de Revista n. 739.050/2001, TST, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Levenhagen, DJ de 20.05.2005; Recurso Ordinário no processo 01612-2004-103-03-00-2, TRT da 3ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Eduardo Augusto Lobato, DJMG de 19.11.2005.

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É de manifesta inconstitucionalidade a Medida Provisória, uma vez que atenta contra normas constitucionais e adentra matéria reservada à lei complementar. Neste sentido Ricardo José Macedo de Brito Pereira10, que, após citar o art. 84 da Lei Complementar n. 75/93, assevera: Portanto, a exigibilidade pelo Ministério Público do Trabalho de regularidade dos depósitos do FGTS, como direito social previsto na Constituição, encaixa-se perfeitamente no referido dispositivo da Lei que enumera suas atribuições. A violação do artigo de lei complementar inviabiliza a tutela dos interesses que a Constituição encomenda ao Ministério Público. O conteúdo confere densidade aos dispositivos constitucionais, adicionando e especificando os instrumentos necessários para o cumprimento da missão constitucional. De qualquer forma, independentemente da localização da matéria no plano constitucional, não há dúvida de que uma atribuição expressamente prevista na lei complementar não pode ser esvaziada por medida provisória e nem mesmo pelo legislador ordinário. Colocadas estas premissas, passemos então à análise dos meios possíveis de defesa coletivos do FGTS em juízo; para tanto, faz-se mister analisar a classificação dos interesses e direitos que podem ser defendidos em juízo. A Lei n. 8.078/90, em seu art. 81, incisos I, II e III, define interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais hom*ogêneos. Debruçando-se sobre o tema, o insigne Min. Ives Gandra Martins Filho11 traz lição insuperável sobre o tema: a) interesses difusos - caracterizados pela impossibilidade de determinação da coletividade atingida pelo ato ou procedimento lesivo ao ordenamento jurídico, da qual decorre a inexistência de vínculo jurídico entre os membros da coletividade atingida ou entre estes e a parte contrária, autora da lesão; b) interesses coletivos - caracterizados pela existência de vínculo jurídico entre os membros da coletividade afetada pela lesão e a parte contrária, origem do procedimento genérico continuativo, que afeta potencialmente todos os membros dessa coletividade, presentes e futuros, passíveis de determinação; c) interesses individuais hom*ogêneos - decorrentes de uma origem comum, fixa no tempo, correspondente a ato concreto lesivo ao ordenamento jurídico, que permite a determinação imediata de quais membros da coletividade foram atingidos.

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PEREIRA, Ricardo José Macedo Brito. Ação civil pública e FGTS, in Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo: LTr, n. 31, março de 2006, p. 110-118. MARTINS FILHO, Ives Gandra. In Processo coletivo do trabalho, São Paulo: LTr, 1994, p. 159. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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Também é salutar trazer à baila o excerto do RE 213.015/DF12: Se é certo que os integrantes da coletividade tutelada nesta ação podem exigir, isoladamente, em ação própria, “que em relação à sua pessoa sejam adotadas as providências requeridas neste feito” (f. 565), não menos exato é que não se poderá deixar de considerar presentes interesses coletivos que o MPT quer tutelar, à vista de sua competência do art. 129, III, da Constituição. No referido despacho de admissibilidade do apelo extremo do MPT, acentuou ainda o Presidente do TST, à época (f. 564): “Isso simplesmente seria confundir um conceito específico, que se refere a um grupo ou categoria (Lei n. 8.078/90, art. 81, II), com o conceito de interesse público, que afeta a toda a coletividade (cfr. Voto vencido, f. 524, onde se atacou tal postura de alguns membros da Corte). Há clara ofensa à Carta Política no que diz respeito às prerrogativas do Ministério Público do Trabalho. Convém frisar que a mesma foi fulcrada no art. 129, III, da Constituição Federal, que é a base na qual se nutriu o art. 83, III, da Lei Complementar n. 75/93. Também a Lei 8.078/90, que deu o conceito legal do que seja interesse coletivo, nutriu-se do referido dispositivo constitucional. Ora, se nem a lei complementar, nem a lei ordinária restringiram o comando constitucional, afastando do Ministério Público do Trabalho a possibilidade de postular em defesa do interesse coletivo, como pode o TST fazê-lo colocando condições à ação civil pública que a Constituição e a lei não colocaram, a par de dar conceituação e enquadramento aos interesses coletivos que destoam do contido na Constituição Federal. Para se ver como toda a controvérsia é de índole constitucional, a decisão embargada louvouse em artigo da lavra do Prof. IVES GANDRA MARTINS (com o qual concordamos em gênero, número e grau), intitulado “Ação civil pública Limites constitucionais” (in Revista do Ministério Público do Trabalho n. 9, LTr - 1995 - São Paulo), onde o mestre paulista considera não defensáveis através de ação civil pública os interesses individuais hom*ogêneos, uma vez que o art. 129, III, da Carta Magna fala apenas em interesses difusos e coletivos como veiculáveis através desta ação. Para a defesa coletiva daqueles interesses individualizáveis foi criada a ação civil coletiva (Lei 8.078/90, art. 91), com caráter reparatório. Ora, para se perceber como na ação civil pública em apreço se defendiam interesses coletivos, basta verificar que não se postulou reparação do dano com relação ao passado, mas imposição de obrigação de fazer em relação ao futuro, dando-se à demanda o caráter cominatório e não indenizatório individual! Assim, o enquadramento da hipótese concreta - ação civil pública postulando a imposição de obrigação de não fazer em relação a toda categoria - como de interesse individual é distorcer a realidade de forma a não ter de enfrentar a questão concreta. Desde que os fatos estejam postos, por mais sibilina que seja a controvérsia, não pode o Poder Judiciário furtar-se a enfrentá-lo. Independentemente da própria lei fixar o conceito de interesse coletivo (fazendo-o, no caso, como

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Recurso Extraordinário 213.015/DF, STF, Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 24.05.2002. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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expressamente o diz “para efeitos deste Código” - Lei 8.078/90, art. 81), ele é conceito de Direito Constitucional, na medida em que a Carta Política dele faz uso para especificar as espécies de interesse que compete ao Ministério Público defender (CF, art. 129, III). Distorcer o conceito de interesse coletivo ou dar-lhe conceito distinto do que pretendeu a Constituição é violar a Carta Magna de forma direta.” - f. 531/533 (grifos originais) Embora todo o direito social tenha um fundo difuso, na medida em que interessa a toda sociedade o respeito ao ordenamento positivado, interessa no presente momento a definição de interesses e direitos coletivos, na acepção restrita do termo, e de individuais hom*ogêneos. São coletivos os direitos e interesses de determinada categoria ou grupo, ligada à parte contrária por uma relação jurídica, que, no caso em testilha, não é outra senão a própria relação de emprego, cujos membros, atuais e futuros, são determináveis. São defensáveis pela via da ação civil pública, que terá por objetivo compelir o empregador a efetuar os depósitos do FGTS no prazo legal. Aqui a tutela jurisdicional irradiará seus efeitos no futuro e em caráter preventivo, obrigando o recalcitrante, daí em diante, a não mais praticar a ilicitude. Estarão legitimados a organização sindical profissional e o Ministério Público do Trabalho. Veja-se o seguinte julgado: RECURSO DE REVISTA - FGTS - RECOLHIMENTO - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o intuito de resguardar o direito dos empregados aos depósitos do FGTS, por se tratar de um bem jurídico objeto, simultaneamente, de interesses individuais hom*ogêneos e interesses de relevância social, constitucionalmente garantidos. Exegese dos artigos 127 da Constituição e 82, inciso I, da Lei n. 8.078/90. Recurso conhecido e provido. (Recurso de Revista 608.691/1999 - TST - 2ª Turma - Rel. Juiz Convocado Luiz Carlos Gomes Godoi - Diário da Justiça de 14.10.05) Por outro lado, são individuais hom*ogêneos os direitos e interesses decorrentes de uma origem comum, fixa no tempo, cujos prejudicados são determinados. São defensáveis na via judicial pela ação civil coletiva, prevista no art. 91 do Código de Defesa do Consumidor. Nestes, a tutela tem espectro pretérito e reparatório. É o caso, por exemplo, de obrigar o empregador a efetivar os depósitos não realizados até então. Nesta esteira, foi a manifestação do TST no seguinte julgado: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM RECOLHIMENTO DO FGTS - DEPÓSITOS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA - NÍTIDO CARÁTER DE PROTEÇÃO DE INTERESSES INDIVIDUAIS hom*oGÊNEOS. 1. A ação civil pública, pela sua natureza de ação cominatória (imposição Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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de obrigação de fazer ou não fazer, sob pena de pagamento de multa) ou condenatória genérica (indenização para um fundo genérico de reparação dos interesses lesados), Lei n. 7.347/85, arts. 3º, 11 e 13, não tem feição reparatória, pois seria impossível a reparação individualizada de um conjunto indeterminado de lesados. Na realidade, o objetivo da ação civil pública é solucionar o problema da lesão em relação ao futuro, impedindo que se perpetue no tempo uma situação contrária ao ordenamento jurídico. 2. Por sua vez, a ação civil coletiva visa, justamente, à reparação da lesão em relação ao passado, relacionada à defesa dos interesses individuais hom*ogêneos, existindo no mundo jurídico exatamente para esse fim (CDC, art. 91). 3. Assim sendo, em relação ao requerimento de recolhimento dos depósitos fundiários de período anterior ao ajuizamento da ação civil pública, percebese o nítido caráter de defesa de interesses individuais hom*ogêneos, visto que relacionado o pleito a fatos passados e com sujeitos determinados, o que afasta a legitimidade ativa ad causam do Parquet, nos termos do art. 1º da Lei n. 7.347/85. Recurso de revista conhecido em parte e parcialmente provido. (Recurso de Revista 443/2004-802-10-00 - TST - 4ª Turma - Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho - Diário da Justiça de 31.03.2006) Em que pese ao acerto dos dois primeiros tópicos do acórdão, o julgado não se ateve à melhor técnica quando deu pela ilegitimidade do parquet, porquanto o que se reconheceu na decisão foi a inadequação da ação civil pública para pleitos de natureza reparatória - direitos individuais hom*ogêneos, o que leva à extinção do processo sem resolução do mérito, por indeferimento da petição inicial (art. 295, V, c/c inciso I do art. 267 do CPC) . Elucidativo é o seguinte excerto do julgado acima transcrito: Finalmente, quanto aos interesses individuais hom*ogêneos, a lei singelamente os define como aqueles decorrentes de origem comum (CDC, art. 81, parágrafo único, III). Essa definição, substancialmente distinta das demais, pois não traz em seu bojo a característica da indivisibilidade, denota que, nessa hipótese, a lesão não é potencial, mas efetiva (empregados aidéticos dispensados por esse motivo; empregados que não receberam horas extras e que efetivamente as prestaram, quando a empresa não admite a realização de sobrejornada), a demandar uma reparação determinada. Ora, justamente porque a lesão aos interesses individuais hom*ogêneos não é apenas potencial do grupo, mas efetiva de alguns de seus membros, o CDC, ao criar essa nova categoria jurídica (já que os interesses difusos e coletivos já gozavam do foro de cidadania com a Lei n. 7.347/85 e com a Constituição Federal de 1988), também criou o instrumento idôneo para defendê-los em juízo, que é a ação civil coletiva (CDC, art. 91), que supõe a habilitação dos lesados, para percepção da indenização a que fazem jus (CDC, arts. 98 e 100). Já a ação civil pública, pela sua natureza de ação cominatória (imposição de obrigação de fazer ou não fazer, sob pena de pagamento de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.147-156, jul./dez.2006

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multa) ou condenatória genérica (indenização para um fundo genérico de reparação dos interesses lesados) (Lei n. 7.347/85, arts. 3º, 11 e 13), não tem feição reparatória, pois seria impossível a reparação individualizada de um conjunto indeterminado de lesados. Na realidade, o objetivo da ação civil pública é solucionar o problema da lesão em relação ao futuro, impedindo que se perpetue no tempo uma situação contrária ao ordenamento jurídico. Já a ação civil coletiva visa, justamente, à reparação da lesão em relação ao passado. Daí que somente possam empolgar a ação civil pública os interesses difusos e coletivos, por expressa limitação constitucional (CF, art. 129, III). Ao Ministério Público é cometida a defesa dos interesses individuais hom*ogêneos, mas através de distinto instrumento processual (CF, art. 129, IX), ofertado pela lei (CDC, art. 91). Todavia, nesta última hipótese, há que se ressaltar que falta ao parquet trabalhista ou aos sindicatos representativos da categoria interesse processual, quando as contribuições já houverem sido lançadas pela fiscalização do trabalho e estiverem sendo cobradas judicialmente pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Não há necessidade de acionar o Judiciário duas vezes com o mesmo pedido. Em face do exposto, pode-se concluir: 1) a introdução do parágrafo único ao art. 1º da Lei n. 7.347/85 teve por única finalidade impedir o ajuizamento de ação civil pública para questionar tributos, entre os quais o FGTS, nessa qualidade; 2) o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 7.347/85 não impede a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho ou pelos sindicatos com a finalidade de impor ao empregador a obrigação de efetivar os depósitos do FGTS no prazo legal; 3) o Ministério Público do Trabalho e os sindicatos da categoria profissional estão legitimados para propositura de ação civil coletiva para cobrar os depósitos não realizados até então, exceto se os depósitos já estiverem sendo cobrados judicialmente pela Procuradoria da Fazenda Nacional.

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POR ACASO OS OPERÁRIOS ESTÃO SE SUICIDANDO? O ACIDENTE DE TRABALHO E A CULPA DA VÍTIMA EM DETERMINADA PRÁTICA JUDICIAL* Ramón Sáez Valcárcel** SUMÁRIO 1 QUANDO A CRIMINALIZAÇÃO É SOMENTE UMA MENSAGEM SIMBÓLICA 2 INEFICÁCIA PENAL CONTRA O ACIDENTE DE TRABALHO 3 A PRECARIEDADE E A MORTE NO TRABALHO 4 CULPA DA VÍTIMA? 5 A “AUTO-EXPOSIÇÃO” AO PERIGO E A RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO 1 QUANDO A CRIMINALIZAÇÃO É SOMENTE UMA MENSAGEM SIMBÓLICA Vivemos num tempo histórico em que se recorre à lei penal como meio de construir a solução para todo tipo de problemas. O discurso das vítimas, a insegurança e o medo, a precariedade, a perda de sentido regulador do trabalho e o desemprego em massa, a incapacidade dos governos de organizar e controlar a atividade das empresas transnacionais e o mercado, a profundidade que tem adquirido a desigualdade social entre o norte e o sul, bem como no interior de nossas sociedades, induziram a uma cultura de gestão do delito bem diferente. Tem-se imposto um discurso de vingança e o rigor punitivo para com setores inteiros de população, considerados perigosos, como os pobres, os marginais e os imigrantes, que difunde, a partir dos grandes meios de comunicação de massa, os valores da lei e da ordem. Não há piedade, o lema que mais se repete, à saciedade, e, ante qualquer realidade, é o da tolerância zero, que traz ressonâncias da distopia orwelliana (N.T.: apesar de “distopia” não estar dicionarizada em espanhol e, em português, ser um termo da área médica, segundo a Wikipédia, o termo significa, em diversas línguas, “anti-utopia” ou uma “utopia negativa”) e parece uma proclamação de ação protofascista, mas subjuga os políticos de todos os tipos. No discurso sobre a desorganização, os delitos e as penas; estabeleceu-se uma retórica que alguns denominaram de populismo punitivo e outros de pensamento patibular. O projeto de lei antidoping que acaba de ser aprovado é um bom exemplo de tudo isso e do novo puritanismo que nos envolve. A lei (N.T.: lei espanhola) pretende evitar, segundo a Vice-Presidente, as “trapaças”, porque “para ganhar não vale tudo, nem no esporte nem na vida” e os esportistas de alto nível devem ser “um referencial de ética” para a sociedade. Para alcançar desígnios similares aos daquelas profundas jornadas de exercícios espirituais, católicos e nacionais * Artigo original em espanhol. Traduzido pelo servidor da Escola Judicial Dalton Ricoy Torres. Inserido no site da Escola Judicial (www.mg.trt.gov.br/escola, seção Estudos/Artigos) em seu idioma original. ** Juiz Titular. 20ª Vara Criminal de Madri. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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dos anos sessenta, logicamente, prega-se a tolerância zero e se cria outro delito para castigar os “atletas referencial-ético” que se doparem, não em busca dos prazeres da ebriedade, mas na busca da sua meta e dos milhões, e seus treinadores ou agentes, que procuram o grande negócio que é hoje o esporte de elite. No mesmo dia, o editorial do “El País” publicava: “não vale tudo para vencer. De nada vale vencer se estiver sendo pisado o direito alheio, se a trapaça prevalecer sobre a eqüidade, se se permitir que a ilegalidade não tenha sanção. Para essas coisas é que é destinada a nova lei, atacar uma praga que muitas vezes encontra uma atitude compreensiva e injustificável. Porque nada há de menos justificável que a vulneração dos princípios éticos para conquistar o sucesso”. Acredite. Tremendo exercício de cinismo, num mundo onde o sucesso se mede pelo dinheiro, mais vale aquele que ganha mais (em sentido contrário à já antiga crença, ou aparência justificativa, de que aquele que mais vale, mais ganha), e aquele que ganha nos negócios leva tudo (e, na política, vejam a primeira eleição do presidente Bush, venceu por centenas de votos, mas obteve todo o poder, um paradoxo das nossas democracias de difícil explicação). Isso é importante ressaltar, porque a Espanha é o segundo país da União Européia, antes da sua recente ampliação, atrás de Portugal, com mais acidentes de trabalho, no total e nos dados relativos à mortalidade. Os índices de trabalhadores mortos e gravemente feridos nas fábricas são impressionantes. Temos as maiores cifras de sinistralidade e de precariedade trabalhista. Esse diagnóstico apresenta um balanço da indignidade da realidade trabalhista, de certos trabalhos que são realizados em determinadas condições, que exige o planejamento e a execução de políticas ativas e eficazes. E, contudo, é clamoroso que a justiça criminal seja incapaz de pôr um ponto final nessa realidade. Se aplicássemos esse discurso moralizante que vem justificando as políticas penais contra o doping no esporte ao acidente de trabalho, onde os tipos penais têm uma longa tradição de enfrentamento do assunto, a coisa não seria tão “pedagógica”, inclusive pareceria subversiva. Vejam o resultado da transposição: nem tudo vale para que os empresários (por exemplo, da construção civil) ganhem dinheiro em grande quantidade e consigam o sucesso - que os leva, portanto, a dirigir, com ânimo, os times de futebol associados ao negócio da construção civil, onde jogam as melhores estrelas agora elevadas ao pedestal de grandes homens da pátria - sobretudo, se isso for à custa da vida e da integridade dos seus operários, que são explorados em longas jornadas - com baixos salários e contratos precários, daqueles do tipo: “não volte amanhã” - e expõem a graves riscos de perder a vida. As mortes no trabalho são uma praga (ou uma “nódoa”, ou uma “epidemia”, escolham o substantivo patibular que mais lhes agradar), que muitos empresários desprezam, interessados numa concorrência truculenta com o fito de ganhar dinheiro transgredindo a ética dos negócios (se é que há alguma), uma vez que é intolerável que a trapaça nos negócios prevaleça sobre a vida e a integridade das pessoas, sob o preço de uma dívida de sangue que pagam os trabalhadores, já que os empresários devem ser um referencial ético para a nossa sociedade. (Nos tapumes que fecham as obras de um enorme túnel madrilense se vê escrito repetidamente o seguinte: trabalho a toque de caixa, não, 6 operários assassinados). Criminalizando todo tipo de conflitos, banaliza-se o recurso punitivo e se esquece da distinta gradação dos bens jurídicos, pois só os mais agraciados devem Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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ser merecedores de atenção a partir dessa perspectiva, para garantir a eficácia do sistema e a correta atribuição dos recursos, materiais (a cadeia e os demais castigos) e imateriais (realçar valores, educar a opinião pública). Insiste-se em enfatizar o papel moralizante ou pedagógico das leis penais, para tanto, criam-se novos delitos, em lugar de procurar que os que protegem bens essenciais, como a vida e a saúde dos trabalhadores, sejam aplicados e ajudem a limitar um fenômeno intolerável. Sabemos que, nas áreas de atividade econômica ou empresarial, onde a delinqüência é estrutural, a intervenção simbólica carece de virtualidade para transformar a realidade e proteger certos direitos essenciais, individuais e coletivos. É assim que se quer que seja, quando se reduz a funcionalidade da mensagem punitiva à mera transmissão de bons desejos. Ignorando que o sistema penal opera, na prática, essencialmente, como mecanismo de exclusão e incapacitação de pessoas pobres e marginais, mas apenas de maneira residual, e, muito dificilmente, no controle das condutas lesivas daqueles que detêm o poder econômico ou político. 2 INEFICÁCIA PENAL CONTRA O ACIDENTE DE TRABALHO A opinião comum dos especialistas é de que, apesar de contar com um esquema de regulamentação normativa coerente, com corpo de funcionários destinados especialmente para essa missão, de espaço para o desenvolvimento da ação dos sindicatos e representantes dos trabalhadores, a sinistralidade trabalhista é refratária à atuação dos poderes públicos, e responde às características dos respectivos setores de atividade trabalhista. A importância do fenômeno, o número e o sentido das sentenças judiciais permitem constatar a ineficácia do direito penal no controle dessa sinistralidade e na motivação dos empregadores no sentido de modificarem os seus comportamentos, assumindo, de uma vez por todas, as suas obrigações para os trabalhadores poderem realizar as suas tarefas sem risco para a sua vida e a sua saúde. As conseqüências penais por incorrer em condutas delituosas contra os direitos dos trabalhadores não são leves. Esse arsenal punitivo deveria garantir um funcionamento regular, no interior da fábrica, que protegesse a vida e a saúde dos operários. Mas, os dados evidenciam o fracasso das políticas públicas e confirmam as hipóteses que denunciavam a tendência criminosa dos negócios no mundo atual, no capitalismo desregulamentado, a sua difícil compatibilidade com o respeito às normas. Zygmunt Bauman, um dos melhores narradores da globalização, afirma que é impossível identificar, nas transações econômicas, uma vez que se libertaram das restrições legais, as operações regulares das quais têm uma origem delituosa, porque todas elas seguem o padrão dos negócios mafiosos e corruptos.1 Esse fracasso do controle penal, talvez, deva-se à lenidade - já demonstrada pelos clássicos - na abordagem institucional da delinqüência dos poderosos. O que explicaria a não-aplicação dos tipos de perigo concreto, previstos nos arts. 316 e 317 do Código Penal (N.T.: da Espanha), exceto quando o acidente, que resultar em morte ou em lesões, ocorreu, exigindo nesse caso um excesso de

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Vidas desperdiciadas. La modernidad y sus parias, Barcelona: ed. Paidós, 2005, p. 88. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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exposição ao risco, por ausência de medidas de prevenção, de outros trabalhadores além daquele que tenha sido vítima no acidente. Do mesmo modo, pode-se falar do fenômeno da normalização do acidente, ao qual dedicou Andrés Bilbao uma monografia, como fato freqüente e habitual no mundo do trabalho, normalização que se teria instalado na consciência social e na dos funcionários encarregados de impedir essas infrações. Como fato freqüente, ter-se-ia transformado em algo habitual e inevitável, acontecimento comum, um traço da relação de trabalho. Com uma ocorrência tão freqüente, tantas vezes, com as mesmas características, é a prova do fracasso das políticas institucionais. Morrer trabalhando virou algo normal na racionalidade econômica, mas não certamente na consciência social.2 Junto a esse processo de normatização, entre os juristas, pesa uma tradição que considera a imprudência como uma infração menor, que experimentam pessoalmente a partir do fato da circulação de veículos a motor e, de modo virtual, pelas catástrofes econômicas ou naturais da atualidade, expressivas dessa sociedade do risco de que todos falam - risco que não assumem os mais fracos, mas que se lhes impõe como um destino fatal. Ante as condutas negligentes, o direito só poderia agir garantindo uma reparação econômica do dano. Essa perspectiva poderia justificar certo trato benevolente, compreensivo, das imprudências dos empresários e dos seus representantes em matéria de segurança no trabalho. 3 A PRECARIEDADE E A MORTE NO TRABALHO Não se pode esquecer da influência que, na prática judicial, têm o desconhecimento das condições em que se trabalha em muitas das atividades empresariais e a posição subordinada do trabalhador na empresa, uma clara incompreensão das razões pelas quais muitas pessoas aceitam cotidianamente riscos elevados em seus trabalhos. Essas deficiências de informação, além de determinados preconceitos que produz a grande distância social de juízes e promotores em relação à experiência da precariedade, permitiram que uma certa corrente jurisprudencial construísse a figura da vítima como a de um ator livre, autônomo e responsável, que pode recusar ordens, exigir medidas de segurança ou questionar as decisões do empresário ou das suas chefias intermediárias. Talvez, por isso, muitas decisões judiciais se vêem condicionadas por uma primeira abordagem (NT.: a palavra aproximación, que se vê no original, poder-se-ia também ser traduzida como “estimativa”ou “abordagem”, além de “aproximação”), às vezes determinante, na qual prima a análise da conduta da vítima. Um tanto inusual nos demais conflitos, onde se veria como algo intolerável, uma autêntica demonstração de incorreção política. Esse enfoque na conduta do prejudicado desencadeia um discurso no qual se confrontam culpas (mas, qual seria a culpa, no sentido penal, da vítima?) ou nexos causais (N.T.: o original fala em: cursos causales), que provoca

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A análise de Bilbao sobre a evolução do fenômeno, sob o argumento de que a normalização veio encobrir o conflito social subjacente, encontra-se no seu imprescindível estudo El accidente de trabajo: entre lo negativo y lo irreformable, ed. Siglo XXI, Madri, 1997.

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uma minimização dos deveres do empresário e um enfraquecimento da finalidade protetora de bens jurídicos essenciais na execução do trabalho desses tipos penais e das normas setoriais. O preconceito fundamental, já um tópico entre especialistas e observadores, é de que a maioria dos acidentes de trabalho devem ser atribuídos à negligência ou ao descuido do trabalhador, ou seja, ao fator humano. Todavia, não se leva em conta a posição de dependência do operário, que se acentuou nos períodos de alta flexibilidade, de desregulamentação e de precariedade, em que o trabalho perdeu certa centralidade, circunstâncias que obrigam as pessoas a aceitarem más condições de trabalho. Tampouco que a vítima carece de faculdades para decidir sobre a organização do trabalho, que obedece a modelos e critérios que lhe são impostos hierarquicamente, mediante a disciplina e os poderes de direção que o patrão detém de maneira exorbitante no espaço da fábrica, aos quais está submetido o empregado.3 A prevenção, a técnica, a cultura e a ideologia reposicionaram a vinculação entre o trabalhador e o acidente, diluindo mais a responsabilidade do empregador. É por isso que se dá mais atenção, de maneira principal, ao fator humano, ao descuido, à imperícia, ao desleixo e à infração da norma de precaução por parte da vítima. O indivíduo está no centro do problema, não a relação social de produção. Essa percepção, segundo Bilbao, permite a culpabilização do trabalhador pelo dano que sofreu, em seu próprio corpo, algo de que não se pode esquecer. Todas as vozes situam a deficiente cultura da prevenção na origem de todo desastre, porque o conflito social se esvaiu. Além do mais, qualquer alternativa de tratamento da sinistralidade deve levar em conta que nossa sociedade viveu, nos últimos anos, uma série de experiências que afetaram a maioria das famílias e condicionaram a visão das coisas por parte dos trabalhadores. De um lado, o desemprego em massa, nos dois períodos compreendidos entre 1976 e 1985 e entre 1992 e 1994. Em seguida, o desemprego de longa evolução, que colocou os trabalhadores na instabilidade permanente, fonte de preocupação primária - de tal maneira que se chega a pensar que o maior risco não é o de acidente, mas o do desemprego4 - e as transformações na organização das empresas que propiciaram a flexibilidade: a descentralização produtiva, a exteriorização de atividades em empresas terceirizadas, que muitas vezes indicam longas cadeias de terceirização, difíceis de remontar quando se trata de indagar as responsabilidades pelo sinistro. Junto a isso, há de se notar as conseqüências que têm as políticas de desregulamentação da mão-de-obra, o trabalho temporário, o emprego informal,

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É muito informativa a leitura do trabalho de Jean-Paul de Gaudemar, El orden y la producción. El nacimiento y formas de la disciplina de fábrica, Madri: ed. Trotta, 1991, que indaga sobre a “submissão dos trabalhadores a um ordenamento produtivo que lhes é imposto em virtude da condição de assalariados, que pode, às vezes, transformar-se na pior das condições humanas”, p. 42. É uma das conclusões da pesquisa que realizou o sociólogo Javier Callejo na área metropolitana de Madri, nos arredores de Henares (N.T.: o autor poderia estar-se referindo a “Alcalá de Henares”, cidade próxima a Madri), sobre condições de saúde e segurança, ver “Fatalidad del mercado y cultura de la producción”, Sociología del Trabajo, n. 26, 1996, na qual expunha as características da cultura da precariedade. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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os falsos autônomos e toda uma estratégia controlada de instabilidade, propiciada e ampliada pelas empresas transnacionais contra as quais não conseguiram resistir os governos dos Estados-Nação. Além do mais, a pressão da imigração extracomunitária de trabalhadores que vêm realizar, sujeitando-se a baixos salários, tarefas que os nacionais não aceitam. Sem dúvida, a substituição por operários imigrantes piorará o panorama de sinistralidade, pela intensa vulnerabilidade desses trabalhadores. Outro fator a considerar, para constituir o problema, é a crise de representação dos sindicatos, que deixaram de veicular os interesses dos desempregados, dos trabalhadores jovens, dos precarizados, dos autônomos, dos estrangeiros. A sua ausência nas pequenas empresas terceirizadas, e que concentram os maiores índices de acidente, é uma realidade negativa, que o descontrole propicia. Não é em vão que as características que definem o mercado de trabalho espanhol são a baixa taxa de ocupação, a alta precariedade trabalhista e a elevada porcentagem de trabalhos com baixa remuneração.5 A economia cresce destruindo emprego, os negócios se valorizam pelo rendimento das suas ações nos mercados financeiros, a importância do trabalho decresce, aumenta a liberdade das empresas que emigram, deslocam os seus centros de trabalho, desmembram-se em múltiplas e versáteis organizações preparadas para a mudança. O capital se move ao bel-prazer, ele ganhou a sua liberdade à custa do trabalho e da capacidade de arrecadação dos Estados-Nação. Os governos tentam convencer as empresas a manterem os seus investimentos no país. Para isso, de uns anos para cá, investem em políticas de flexibilização do mercado de trabalho, de desregulamentação, e baixam os impostos que gravam as sociedades mercantis. Políticas que induzem, em contraste com os objetivos perseguidos, as maiores doses de precariedade. Os profissionais da gestão empresarial obtêm o seu prestígio travando e ganhando batalhas contra os empregados, contra os seus quadros de pessoal, assim se reinventam as organizações, como assinala Richard Sennett.6 As empresas se acham submetidas a grandes pressões por causa da mundialização dos mercados financeiros, o que gera uma competitividade permanente e lhes obriga a ajustar-se com rapidez às flutuações desses mercados. Para isso, precisam libertar-se de qualquer obstáculo que possam representar os vínculos locais, do tipo trabalhista ou fiscal. A diretoria deve ter em conta que os grandes investidores, aos quais se devem, orientados pela busca de lucros a curto prazo, comparam, em tempo real, a rentabilidade das ações das empresas e punem os fracassos ocasionais. Depois do anúncio de uma operação de “cirurgia plástica”

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La situación social en España, Vicenç Navarro (dir.), Fundação F. Longo Caballero, Madri, 2005, p. 39. O relatório Durán não podia ocultar que “parece digna de crédito a estreita associação entre temporariedade e risco de acidente de trabalho”, p. 64, Informe sobre riesgos laborales y su prevención. La seguridad y la salud en el trabajo en España. Federico Durán López (dir.), Presidência de Governo, Madri, 2001. La corrosión del carácter. Las consecuencias personales del trabajo en el nuevo capitalismo, Barcelona: ed. Anagrama, 2000, p. 48.

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numa organização empresarial, que consiste na demissão de milhares de trabalhadores, os investidores destacam a decisão como um ato de gestão audaz.7 O acidente de trabalho é um indício da exploração. A desigualdade no sofrimento dos trabalhadores assim o demonstra. Conforme o tipo de atividade que se realiza, o tamanho da empresa, a idade do operário e o tipo de contrato, a pessoa estará submetida a um maior risco de morrer no trabalho ou de sofrer algum dano à saúde. É o final visível de uma sucessão de acontecimentos que descrevem um ambiente penoso para determinados indivíduos. A saúde, a doença e a morte estão associadas às condições de trabalho. Por isso, podem-se estabelecer certas conexões (N.T.: o original usa a palavra frecuencias) entre o trabalho por turnos de revezamento, os transtornos do sono e os acidentes fatais. A desgraça se distribui desigualmente por várias razões. A leitura conjunta de dados e relatórios e as decisões da justiça penal permitem construir uma hipótese. O estatuto jurídico do trabalho por conta alheia caracteriza o perfil da vítima e explica a distribuição estatística do risco. Risco que afeta de maneira substancial aqueles que não têm capacidade de negociação de melhores condições trabalhistas, os jovens, aqueles que carecem de experiência, os trabalhadores temporários, os imigrantes. Por isso, o fator jurídico da temporariedade acaba sendo determinante. Outro elemento importante tem caráter econômico. A descentralização produtiva que, mediante a fragmentação e a terceirização, gera um deslocamento dos riscos das empresas mais fortes, com emprego seguro e estável, bons salários e forte presença sindical, às empresas mais fracas. É o que se denomina a estratégia da terceirização. A competitividade obriga a redução dos custos trabalhistas, que se alcança por meio da flexibilização que possibilita a deterioração das garantias jurídicas do emprego. Desse modo, imputam-se os custos e os sacrifícios necessários para conseguir maiores lucros sobre os trabalhadores em forma de precariedade, de baixos salários e de escassa proteção. A diversa posição de poder determina que as organizações mais bem situadas repercutam o preço que requer o ajuste a um mercado flutuante e imprevisível, porque mede as suas capacidades segundo o valor na bolsa de valores, sobre as empresas terceirizadas, as menores, que, às vezes, só fornecem mão-deobra, com relações de trabalho temporárias e salários inferiores, que dependem dos tempos de execução e, portanto, devem assumir maiores riscos de acidente para cumprir os seus compromissos e obter a sua correspondente quota do negócio. Essas empresas subordinadas carecem de margem de operatividade, têm pouca capacidade para decidir a sua organização do trabalho. O que poderia identificarse, seguindo os modelos do esportista dopado, como uma lógica de trapaça que utilizariam as organizações de “alto nível”, se não tivesse conseqüências criminais. As situações de ilegalidade são também condicionantes da distribuição desigual do acidente, porque o mundo do trabalho assalariado e das empresas tem uma quota importante de atividade irregular. Desse modo, quando se trabalha sem contrato, sem reunir os requisitos do posto de trabalho ou se encarregam tarefas perigosas a aprendizes menores, situações das quais dão conta as decisões da justiça penal. 7

Também aqui se pode seguir o relato de Zygmunt Baumam em algumas das suas últimas obras, como Trabajo, consumismo y nuevos pobres, Barcelona: ed. Gedisa, 2000, p. 84 ou La globalización. Consecuencias humanas, Buenos Aires: FCE, 1999, p. 75. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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“A precariedade se inscreve num modo de dominação de novo cunho, que se funda na instituição de um estado generalizado e permanente de insegurança que procura subjugar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração”, conclui Pierre Bourdieu como diagnóstico do sentido das políticas de precariedade.8 4 CULPA DA VÍTIMA? Algumas das decisões judiciais penais levantam o conflito a partir dos delitos de resultado, como já foi dito, em termos de nexos causais (N.T.: o original fala em: cursos causales) que se chocam: o comportamento do autor, o empresário ou os seus representantes, no sentido do cumprimento das suas obrigações de procurar meios de segurança, e a conduta da vítima, do trabalhador que sofreu a lesão. Essa construção do problema exprime a normalização e objetivação do fenômeno que antes resumimos. Em muitas ocasiões as vítimas aceitam trabalhar em condições de alto risco, sem exigir nem adotar medidas de precaução. Diante disso, algumas sentenças examinam o que denominam a culpa da vítima ou a sua influência na produção do resultado lesivo, para chegar a conclusões absolutórias ou reduzir a imprudência do empregador. Paradigma dessas decisões foi a Sentença da Audiência Provincial de Barcelona, sec. 2ª, de 02.09.2003 (ARP 2003/619), que provocou um debate público e o repúdio da decisão absolutória por parte de políticos, responsáveis ministeriais, sindicalistas e juristas. A sentença revogava a condenação prolatada por uma Vara Criminal pelo delito de lesões imprudentes. O prejudicado era um trabalhador que recebeu a ordem de rejuntar os azulejos de um lavadouro (N.T.: nos povoados espanhóis e portugueses, é comum haver grandes tanques públicos em forma de piscinões encimados por chafarizes que vertem água em que as senhoras lavam suas roupas e que são chamados de lavadouros). Subiu numa cumeeira para alcançar a altura necessária. Levava na mão um recipiente com cimento e uma colher de pedreiro. Quando desceu da cumeeira perdeu o equilíbrio e caiu de uma altura de 3,5 metros, por um vão da fachada, que carecia de medidas de segurança. Ficou tetraplégico. O empresário era consciente do estado de coisas. Ditava a decisão que era preciso “avaliar as condutas imprudentes protagonizadas por um e por outro”, empresário e trabalhador. E recriminava a posição processual deste: “O que não se pode aceitar é a postura do Sr. Enrique de pretender negar o seu comportamento imprudente com base em que os acusados não lhe tinham proporcionado meio algum de segurança, e além disso porquanto o fato de subir para realizar o seu trabalho numa cumeeira situada, num momento dado, próximo a um vão na fachada sem proteção alguma é, queira ou não o prejudicado, uma conduta clamorosamente imprudente”. Destarte, teria aceitado “voluntariamente o risco de ter despencado no ar”. Do ponto de vista da “causalidade material ambas condutas concorreram em idêntica medida”. 8

Como dizia Bourdieu, a precariedade está em todas as partes, influencia a tudo e a todos. Desestruturou as nossas existências, criando medo e insegurança. “La precarieté est aujourd’hui partout”, intitula-se um dos capítulos do seu livro Contre-feux, p. 95, Paris: Liber-Raisons d’agir, 1998. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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Para resolver esse problema de causalidade, a resolução acorria aos critérios de causa preponderante e de previsibilidade. Considerava que era mais grave a culpa do trabalhador, que tinha sido “causalmente determinante” do resultado. Porque a ausência de medidas de segurança não tornava, para o empresário, “inevitavelmente previsível o evento lesivo”, pois “cabia pensar que o trabalhador, na hipótese de que não se recusara a realizar o trabalho encomendado, teria adotado as medidas de precaução adequadas para evitar um resultado lesivo para si mesmo, inclusive pedindo ajuda a outros trabalhadores de tal maneira que, garantindo que estes segurassem aquele ou, em caso de queda, o mesmo não despencasse”. Todavia, para a vítima, era inevitável a previsão do acidente ante qualquer perda do equilíbrio. A infração do dever de tomar cuidado por parte da vítima foi da maior importância, porque “foi ele que determinou exclusivamente a forma e circunstâncias da sua realização, determinando, em última instância, o acidente produzido”. A decisão assumia como certos alguns dados contrários, contudo, às regras de experiência: a) que o trabalhador decidia como se executava a tarefa que lhe tinham ordenado, b) que assumia o risco de acidente, c) que pôde recusar o cumprimento da ordem e d) que pôde adotar, por conta própria, as medidas de precaução (fechar o buraco da fachada) ou pedir ajuda de um companheiro. Tudo isso demonstra uma reconstrução das relações trabalhistas que bem pouco corresponde à realidade do trabalho dependente. A argumentação exprime a incerteza que gera a aplicação da técnica do concurso de culpas já que não há modelos claros, tampouco são explícitos, para medir a gravidade das concausas e efetuar o juízo de comparação. A solução que se adota, aqui e em outras muitas sentenças, lembra os tipos de decisão aplicáveis a casos de acidente ocorridos no trânsito onde tomam parte, em pé de igualdade, pessoas que causam risco por causa de como dirigem e ocupam as vias públicas, aos quais o ordenamento jurídico impõe obrigações similares de cuidado. Todavia, trata-se de tipos de risco diferentes. Na atividade empresarial, existem comandos (N.T.: no original, a palavra é “mandatos” que significa o mesmo que em português, entretanto, pareceu-me melhor esta palavra que é mais consentânea com a idéia que expressa o texto) legais concretos dirigidos ao empregador de garantir a vida e a saúde dos trabalhadores, inclusive antecipando-se aos erros ou imprudências dos seus subordinados. Por isso, os §§ 3º e 4º do art. 15 da Lei de Prevenção Contra Riscos Trabalhistas (N.T.: lei espanhola) requerem que empresário adote as medidas necessárias a fim de garantir que apenas os trabalhadores que tiverem recebido informação suficiente e adequada possam ter acesso às zonas de risco grave e exige dele que preveja as distrações ou imprudências não-temerárias que possam cometer o trabalhador. O paradoxo aparente que se depreende de muitos acidentes, como destacou Andrés Bilbao, seria a existência de um grau variável de cumprimento da disciplina trabalhista por parte do trabalhador. Haveria um diferente grau de dependência do operário, de acordo com o objeto a que se referisse. Se se tratasse da execução material das tarefas, do traçado da obra, do desenho do produto, teria de seguir fielmente as indicações dos planos ou instruções, qualquer alteração consciente seria considerada uma infração, mas se poderia interpretar de maneira flexível as indicações que afetarem a sua vida e saúde, a segurança pessoal, permitindo-lhe Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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não cair numa vala ou trabalhar sem cinto. Em caso de acidente, em que pagará o subordinado com a sua integridade física, como se fosse um imposto de sangue em benefício do lucro empresarial, entender-se-á que descumpriu as normas ou as instruções que tinha recebido. A leitura de algumas decisões dos tribunais penais que atribuem a causa do acidente ao trabalhador, àquele que foi a vítima, evoca, de alguma maneira, o tratamento que, em certos tribunais, dava-se à violência sexual contra as mulheres. Por exemplo, quando se indagava, em primeiro lugar, acerca da atitude da mulher ante o agressor e o fato violento: se tinha provocado o ataque, se tinha assumido o risco (literalmente, se estava “disposta a ser usada sexualmente”), se tinha recusado com firmeza a abordagem do acusado, se tinha resistido. Neste caso, quando um pedreiro realiza uma tarefa perigosa, sob ordem de um patrão e, em troca de um salário diário, em determinada altura, sem proteção individual ou coletiva que neutralizassem a possibilidade de queda, ainda se pergunta se ele se colocou em perigo por sua própria conta. Parece que se pode descartar, muito pelo contrário e em princípio, que o operário se suicide na fábrica. 5 A “AUTO-EXPOSIÇÃO” AO PERIGO E A RESPONSABILIDADE DO EMPRESÁRIO (N.T.: autopuesta é um neologismo criado pelo autor, cuja melhor tradução pareceu-me outro neologismo, posto entre aspas, “autoexposição”) O problema da intervenção da vítima no delito de imprudência foi abordado pela jurisprudência, como já vimos, por meio da doutrina da concorrência ou concurso de culpas ou de condutas. Embora se declarasse que, no âmbito penal, a compensação de culpas não fosse aplicável, na prática, valorizava-se o comportamento do ofendido para lhe negar a proteção. Com esse fim, propunhase um juízo de ponderação no plano causal para decidir se alguma das condutas implicadas teria “eficácia preponderante, análoga ou de inferioridade” considerando “principais ou prevalentes …as reputadas como originárias ou propulsoras inicialmente dos acontecimentos, tendo caráter secundário as que meramente favorecerem aos mesmos…” (STS 25.02.1991, RJ 1991/1412) (N.T.: STS significa acórdão do Tribunal Supremo da Espanha). De acordo com esses parâmetros, de difícil concretização, a maior virtualidade da conduta do prejudicado, “a possível interferência de culpa da vítima no resultado comum”, permitiria a minoração do grau de imprudência do autor, inclusive a sua irrelevância. Essa técnica não oferecia critérios claros para a comparação e, na prática, acorria-se à previsibilidade do resultado, imprecisão que propiciava uma espécie de “decisionismo” judicial, entre a eqüidade e o puro arbítrio. Podia-se detectar, contudo, uma espécie de chamada de atenção que pontualizava esta solução: “no âmbito das relações trabalhistas a responsabilidade pela falta de cuidado diante de riscos extraordinários não fica excluída pela simples transferência tácita da mesma aos trabalhadores. Se assim o fosse, é indubitável que isso importaria, na prática, numa liberação de todo dever de cuidado por parte do empregador, que, como é lógico, sempre poderia amparar-se na tácita renúncia do trabalhador para justificar o seu descumprimento” (STS 24.11.1989, RJ 1989/8724). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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Recorreu-se, também, ao princípio de auto-responsabilidade para justificar uma hipotética “auto-exposição” ao perigo por parte do trabalhador. Essa doutrina se sustenta, segundo Cancio Meliá - que a sistematizou entre nós 9, a quem seguimos-, na autonomia da liberdade da pessoa, no reconhecimento de um âmbito próprio de auto-organização e a sua correspondente responsabilidade. O titular do bem jurídico tem uma posição preferencial, de tal maneira que condutas como a autolesão ou a exposição ao perigo não são castigadas, em princípio, pelo direito penal. É por isso, nas hipóteses de interação entre o autor e a vítima, que esta deve assumir, de forma prioritária, embora não exclusiva, o dano para com a sua vida ou saúde como conseqüência da sua liberdade de agir de maneira arriscada. A intervenção da vítima afetaria o campo da tipicidade do comportamento do autor, a delimitação do que lhe é proibido. São modelos que permitem resolver conflitos em que estiver sendo questionada a liberdade das pessoas diante de ingerências externas. Requer, em conseqüência, que os sujeitos se achem em pé de igualdade, um autor e uma vítima que interajam em níveis similares. Ou seja, exige uma vítima autônoma, não-dependente nem tutelada na sua capacidade de configuração vital. Se o ordenamento jurídico estabelecesse cuidados que tivesse de observar o autor, com a finalidade de proteger os bens da vítima, desapareceria a premissa sobre a qual opera o princípio de auto-responsabilidade, já que não seria reconhecido para esta uma liberdade de configuração da sua liberdade, uma autonomia de organização, condições imprescindíveis para considerá-lo responsável preferencial. A imputação no campo de responsabilidade da vítima exige, segundo essa proposta, que a atividade tenha sido organizada conjuntamente por um autor e uma vítima autônomos e que o autor não tenha deveres específicos de tutela dos bens da vítima. Como sabemos, nas relações trabalhistas, as partes não operam em pé de igualdade. O empregador conduz a prestação do trabalhador, tem poderes para isso, inclusive disciplinares. Portanto, não se pode falar em organização conjunta: trata-se de uma relação hierárquica, o trabalhador está subordinado, não decide os modos nem as formas de cumprimento dos seus deveres, cede a sua força de trabalho e subordina a sua obediência ao poder privado do patrão. É o autor, o empresário ou os seus representantes, que organiza a atividade em que se gera o risco para os bens da vítima. Além do mais, o empresário tem obrigações precisas e intensas de proteger a saúde e a vida dos seus trabalhadores, portanto, adquire uma posição de garante em virtude das suas faculdades de direção e organização. A vítima é uma pessoa dependente do autor, o empresário ou do seu representante, que é quem tem de cumprir as obrigações de controle das fontes de risco que lhe impõe a lei, inclusive aquelas que têm a sua origem em condutas imprudentes dos seus trabalhadores. As normas que regulamentam a relação de trabalho e procuram garantir a segurança no trabalho limitam a aplicabilidade da doutrina da imputação sobre a

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Cancio Meliá, M., em Conducta de la víctima e imputación objetiva en derecho penal, Barcelona: Bosch, 1998. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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vítima, a denominada auto-responsabilidade, e modificam os termos do risco permitido e o funcionamento do princípio de confiança.10 Ante a insatisfação que produziam aqueles métodos de análise de conflito, a jurisprudência evoluiu da concorrência de culpas à imputação objetiva do resultado, declarando a inadequação e a escassa aplicação de técnicas, como as da “auto-exposição” ao perigo. Nesse sentido, pronuncia-se a STS 1611/2000, de 19 de outubro, num caso de homicídio culposo (N.T.: o termo original é “homicídio imprudente”) ocorrido durante a execução de um trabalho perigoso, a construção de uma caixa-d’água que se localizava sob uma linha de condução elétrica aérea de alta tensão. O trabalhador tinha dezoito anos, o empregador não tinha assinado carteira nem o tinha inscrito na seguridade social. Não existiam medidas de segurança nem lhe foram dadas instruções com relação a esse risco notório. Uma descarga elétrica provocou a morte do jovem, quando encostou no cabo de alta tensão com uma vara de metal que utilizava para medir a quantidade de água na caixa. Segundo a sentença, não houve “auto-exposição” ao perigo e podia-se imputar objetivamente o resultado à conduta do empresário, que foi quem ordenou que se realizasse esse trabalho - portanto, colocou-o num perigo juridicamente reprovável - num lugar por onde passava a rede de alta tensão, de modo que era obrigatório fornecer os meios para que a tarefa fosse realizada sem risco. O motivo da impugnação se fundava na ruptura do nexo causal entre o descumprimento do empregador e o resultado, devido à culpa do trabalhador que contribuíra, de maneira decisiva, para a sua morte. A questão levantada afetava o tipo objetivo e, segundo a sentença, devia ser resolvida com a técnica da imputação objetiva, que permite: explicar a relação que deve distar entre ação e resultado e substituir uma relação de causalidade sobre bases exclusivamente naturais introduzindo considerações jurídicas, seguindo os modelos marcados pela teoria da relevância. Nesse campo, a verificação da causalidade natural seria um limite mínimo, mas não suficiente para a atribuição do resultado. Conforme esses postulados, comprovada a necessária causalidade natural, a imputação do resultado requer, além do mais, verificar: 1º) se a ação do autor foi a causa de um perigo juridicamente reprovável na produção do resultado; 2º) se o resultado produzido por tal ação é a realização do mesmo perigo (juridicamente reprovável) causado pela ação. Caso faltem algumas dessas duas condições complementares da causalidade natural (N.T.: a palavra natural, em espanhol, pode significar “espontâneo”), eliminar-se-ia a tipicidade da conduta e, por conseguinte, a sua relevância para o direito penal … percebe-se (N.T.: no original, “se presenta”) evidentemente que o resultado produzido - morte do trabalhador sob suas ordens - é a realização do perigo (juridicamente reprovável) causado pela conduta do acusado. 10

Cancio Meliá, citado, p. 314, sustenta que “uma conduta da vítima que, noutras circunstâncias, teria conduzido à imputação da atividade arriscada ao seu campo de responsabilidade pode gerar um comportamento típico do sujeito obrigado”. Arroyo Zapatero afirma que se produz uma inversão radical do princípio de confiança, Manual de derecho penal del trabajo, Madri, 1988, p. 90. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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Não é a vítima a que se põe voluntariamente, assumindo o risco existente, num perigo já criado previamente pelo acusado ao ordenar-lhe trabalhar nas proximidades de cabos de alta tensão. É o acusado e ninguém mais quem cria um perigo para a vítima, que deveria ter previsto, se tivesse adotado as medidas de precaução e cautela exigíveis e que lhe teriam permitido tomar as medidas de segurança imprescindíveis para evitar o resultado, ainda mais quando se trata de um trabalhador da construção civil, com longa experiência em obras como a que se estava realizando, sem que se pretenda acusar a própria vítima, um jovem de dezoito anos e sem experiência de trabalho, de não ter adotado medidas de precaução que não lhe tinham sido informadas quando tampouco fora avisado do risco que corria ao realizar o trabalho encarregado. Nem a vítima contribuiu com negligência decisiva para a produção do resultado, nem lhe pode ser aplicável o princípio da “auto-exposição” a perigo, nem da própria responsabilidade. Em outro caso de morte de um trabalhador, que se precipitou no vazio quando executava um trabalho em certa altura, com ausência absoluta de medidas de segurança - não havia passarela na parte de cima do alpendre nem lhe fora fornecido um cinto, a Audiência Provincial (N.T.: Tribunal de 2º Grau com competência hierárquica sobre as varas da província) reduzira a culpa do empresário, argüindo que a vítima era um profissional qualificado, com experiência e que não solicitara ao empregador os meios de segurança adequados. O Tribunal Supremo considerou que a solução da sentença era “totalmente inadequada” e condenou-o por delito de homicídio culposo (N.T.: o texto original usa o termo “homicidio imprudente”). “A pretendida concorrência de culpas, quando existe, tem a sua incidência no ordenamento civil da responsabilidade, mas rara vez no ordenamento penal, já que cada um dos culpados concorrentes devem ser julgados em separado segundo a sua participação no fato e segundo o seu nível de responsabilidade … não se avalia (N.T.: “aprecia” no original) de modo algum a existência de culpa da vítima, nem, em conseqüência, a diminuição de responsabilidade do acusado, já que não se pode fazer depender, nem em todo, nem em parte, a sua evidente falta de cuidado da possível solicitação que poderia ter feito o operário para evitar o acidente, pois o cuidado devido era-lhe imposto ope legis apenas pelas próprias normas de proteção trabalhista. Tampouco constitui argumento válido o de que a vítima pôde negar-se a realizar o seu trabalho em tão precárias condições, quando, segundo relata a sentença, o encarregado ou patrão se achava presente e foi quem lhe ordenou a realização dos trabalhos, o que significa que é muito difícil exigir do subordinado a desobediência dessas ordens” (STS 1853/2001, de 17 de outubro). Um bom resumo dessa maneira de operar que supera a técnica do concurso de culpas se encontra em alguns acórdãos das Audiências. Ressaltaremos a fundamentação que continha a SAP Madri (N.T.: Seção da Audiência Provincial: correspondente às turmas dos tribunais brasileiros), sec. 15ª, 26.4.2004 (JUR 2004/270485): a partir da perspectiva da conduta da vítima, convém precisar que se é inquestionável que esta interveio causalmente no resultado (plano causalnaturalístico), isso não quer dizer que possa ser-lhe imputado objetivamente Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.157-170, jul./dez.2006

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o mesmo à sua conduta (plano axiológico-jurídico da imputação objetiva). E isso porque, nesse tipo de imprudências trabalhistas, o dever objetivo de cuidado do empresário ou do seu representante na empresa abrange também a previsão e a neutralização dos riscos derivados das negligências em que poderiam incorrer os trabalhadores devido à própria possibilidade de risco do trabalho que prestam. Pois, como é sabido, o fato de estar acostumado com o risco e o hábito de estar sempre em circunstâncias perigosas acaba levando a um descaso com as situações arriscadas. Descaso que deve ser previsto e vigiado pelo empresário e seus representantes, que devem acentuar a vigilância e a direção presencial para evitar as situações desse tipo, impondo para isso de forma estrita o cumprimento de medidas de segurança e proporcionando os meios para a sua aplicação. A partir de tal perspectiva, a doutrina considerou que, nas atividades trabalhistas vinculadas com fatores importantes de risco, invertese de certo modo o princípio de confiança aplicável em outras áreas sociais (tráfego), substituindo-se mais especificamente pelo princípio da desconfiança. De forma que, sendo evidente que a rotina, o automatismo e a monotonia no trabalho acabam fazendo com que o trabalhador desconsidere o risco, deve-se incrementar o dever objetivo de cuidado do empresário, dos representantes e dos encarregados com o fim de prever e neutralizar essas situações. De modo que, esses, em lugar de confiar no comportamento cuidadoso e diligente do operário, devem muito mais «desconfiar» de tal possibilidade e acentuar as medidas de segurança e de vigilância, com o fim de evitar os riscos derivados dos descuidos dos trabalhadores, a quem devem impor de forma definitiva (N.T.: no original, aparece concluyente que também poderia ser “convincente”) e inapelável o cumprimento da normativa de segurança no trabalho diário. Nesse sentido, deve-se enfatizar que uma das obrigações básicas do empresário é atender e antecipar-se às possíveis negligências do trabalhador, às suas omissões ordinárias, aos erros em que possa incorrer pelo seu costume de encontrar-se em situação de risco e pela repetição de tarefas, segundo o critério de proteção efetiva (art. 15.4 LPRL). Como prolata a STS 1329/2001, de 05 de setembro, “é um princípio definitivamente adquirido no campo das relações trabalhistas, o da proteção do trabalhador diante das suas próprias imprudências profissionais, princípio que inspira toda a legislação em matéria de acidentes de trabalho. A própria dedicação à tarefa pedida, como nesse caso, a realização do escoramento do telhado que se vai construir, concentra a mente do operário nessa tarefa e, então, se acontecer um descuido, deve estar protegido para evitar, apesar disso, o percalço”. A superação daquela linha de análise e tratamento de acidentes de trabalho pelos tribunais, que antepõe a culpa da vítima, é condição necessária para uma maior eficácia da intervenção penal em defesa de direitos básicos dos trabalhadores. Pois é o empresário que é sujeito de obrigação, devedor de segurança, e o consentimento do trabalhador de assumir o risco da tarefa que lhe foi ordenada carece de relevância penal.

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SINDICATO E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Aroldo Plínio Gonçalves* Ricardo Adriano Massara Brasileiro ** SUMÁRIO 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 3 4 5 6 7 8

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A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS BREVES NOTAS SOBRE A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NO PROCESSO CIVIL Parte - Conceito plural Capacidade de ser parte e capacidade processual Representação Legitimação A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PREVISTA NO ART. 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EFEITOS DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL E A SENTENÇA ESPÉCIES DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL A RENOVAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL O SINDICATO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL ESPECIFICIDADES DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PELO SINDICATO NO PROCESSO DO TRABALHO A ATIPICIDADE DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO SINDICATO EM RELAÇÃO AO MODELO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL AS DISPOSIÇÕES DO INCISO XXI DO ART. 5º E DO INCISO III DO ART. 8º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO SINDICATO E A LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NAS SÚMULAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO A RECENTE POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSIDERAÇÕES FINAIS

RESUMO O estudo se predispõe à demonstração de que a substituição processual é dotada de contornos próprios no Processo do Trabalho, não se constituindo numa repetição do modelo do Processo Civil. Para tanto, centra-se na análise da legitimação extraordinária atribuída constitucionalmente aos sindicatos. * Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região aposentado. Professor Titular de Direito Processual Civil da UFMG - aposentado. Advogado em Belo Horizonte. ** Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor dos Cursos de Graduação e Mestrado na Faculdade de Direito Milton Campos. Procurador do Estado de Minas Gerais. Advogado Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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ABSTRACT The work intends to demonstrate that the institution of the extraordinary legitimacy in the labor procedure does not repeat the model of the civil procedure. For that, it focuses on the analysis of the extraordinary legitimacy given to the syndicates or to the labor unions by the Constitution. PALAVRAS-CHAVE Substituição processual - Sindicato - Processo do Trabalho KEY-WORDS Extraordinary legitimacy - syndicate - labor union - labor procedure 1 A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS A substituição processual no âmbito do Direito do Trabalho e do Processo Judiciário do Trabalho, durante muito tempo, foi admitida e se fez pela aplicação subsidiária do art. 6º do Código de Processo Civil. Seguia-se a orientação geral do art. 769 da CLT, pelo qual o direito processual comum é fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for com ele incompatível. No entanto, a substituição processual do sindicato passou por várias disciplinas legais e por várias interpretações doutrinárias e jurisprudenciais e foi se afastando de seu modelo clássico, dado pelo Direito Processual Civil. O acompanhamento desse histórico auxilia a compreensão dos contornos que a substituição processual tem hoje no Processo do Trabalho. Como ponto de partida pode-se fixar o clássico modelo da substituição processual regulada no Código de Processo Civil, para se perceber, depois, o que se foi diferenciando e moldando especialmente no campo do direito material e Processual do Trabalho, com seus princípios e suas normas alçados ao plano constitucional ou, mesmo, dele alijados. 2 BREVES NOTAS SOBRE A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NO PROCESSO CIVIL Os conceitos de parte (no sentido material e no sentido processual, de parte como quem recebe os efeitos da sentença em seu patrimônio), de legitimação para a causa e legitimação para o processo, de representação e de assistência são imprescindíveis para a compreensão da substituição processual e de suas conseqüências para o substituto e para o substituído. O Código de Processo Civil de 1973 tratou das condições gerais da ação, incluindo, entre elas, a legitimação para agir. Assim dispõe: Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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Apesar das críticas que recebeu por haver estendido as exigências do interesse e da legitimidade ao réu, o artigo 3º do Código de Processo Civil descortina o cenário para o início da investigação dos conceitos de parte e de legitimidade, que irão adquirir contornos mais precisos com a vedação geral e a excepcional permissão do art. 6º, a delimitação da capacidade de estar em juízo, que se segue no art. 7º, e as disposições processuais sobre a representação e a assistência. 2.1 Parte - Conceito plural O termo parte pode ser empregado em várias acepções. Classicamente, na doutrina processual, parte sempre foi considerada como aquele que pede ou aquele em face de quem se pede algo em juízo. Usualmente, no processo de conhecimento, aquele que tem a iniciativa de ir a juízo, para pedir uma providência jurisdicional, um provimento, denomina-se autor, e aquele contra o qual a providência é pedida, denomina-se réu. No processo cautelar, o autor também se chama requerente, e o réu, requerido. Na execução, o autor se denomina exeqüente, e o réu, executado. No Processo do Trabalho, usam-se as expressões reclamante e reclamado. A propositura da ação e a citação para ação assinalam, originariamente, a posição da parte ativa e da parte passiva, mas a sucessão e a intervenção no feito também podem levar à aquisição da posição de parte no processo. Dentre as muitas acepções, o conceito de parte comporta um sentido processual e um sentido material. No sentido processual, partes são o autor e o réu, com as derivadas terminológicas. São sujeitos do processo, que praticam atos processuais, em contraditório, em simétrica paridade, perante o juiz que também é sujeito do processo, do qual tem a condução. No sentido material, partes são os sujeitos da relação litigiosa, são os sujeitos da lide, são os sujeitos da relação de direito material, a respeito da qual algum provimento será requerido no processo. Parte é, ainda, aquele que sofre os efeitos do provimento, o que recebe os efeitos da sentença em seu patrimônio. Pode haver ou não coincidência entre a parte na acepção material e a parte no sentido processual. Isso significa que nem sempre o sujeito da relação litigiosa é o sujeito do processo em que se busca resolver o litígio. Nem sempre quem recebe os efeitos da sentença em seu patrimônio é quem atua no processo, assumindo a posição de parte, no sentido processual. 2.2 Capacidade de ser parte e capacidade processual A capacidade de ser parte é distinta da capacidade processual. O Código de Processo Civil, ao disciplinar a capacidade processual, dispõe: Art. 7º - Toda pessoa que se acha no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em Juízo. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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A capacidade de ser parte é reconhecida a todas as pessoas, que são sujeitos de direitos e obrigações, significa dizer, a todo ser dotado de personalidade jurídica. Têm, também, capacidade de ser parte certas entidades que não são dotadas de personalidade jurídica, mas que, excepcionalmente, recebem da lei aquela qualidade: a massa falida, a herança jacente, o espólio, as sociedades irregulares e o condomínio. A capacidade processual, ou legitimatio ad processum, é a capacidade de estar em juízo, que têm todas as pessoas que se encontram no exercício de seus direitos. É uma qualidade que pertence somente aos sujeitos de direito que possuem a capacidade de fato e, conseqüentemente, a aptidão para praticar, validamente, os atos processuais. A capacidade de ser parte e a capacidade processual nem sempre se encontram reunidas no mesmo titular. 2.3 Representação Os que têm capacidade de ser parte e não têm capacidade processual comparecem a juízo e atuam no processo por meio de seu representante legal. A representação é um instituto que disciplina o direito de uma pessoa agir em nome de outra. Ela pode ser legal, como a dos incapazes, das pessoas jurídicas, de classes profissionais e categorias profissionais e econômicas, voluntária ou convencional. Os que têm capacidade de estar em juízo, mas não possuem habilitação profissional, pela inscrição na Ordem dos Advogados, atuam por meio de quem possui a capacidade postulatória, salvo em casos específicos, expressamente previstos em lei, em que se admite o exercício do ius postulandi, que é o direito de agir em juízo diretamente, sem o acompanhamento de advogado e sem que se possua a habilitação profissional, conferida pela Ordem dos Advogados. A representação postulatória, prevista no art. 36 do Código de Processo Civil e no artigo 5º e §§ da Lei n. 8.906, de 04.07.1994, faz-se por meio de mandato conferido ao advogado. 2.4 Legitimação A legitimação processual não se confunde com a legitimação para a causa. A legitimação processual, ou ad processum, é a capacidade processual, é a aptidão genérica para estar em juízo. Como foi dito, depende somente da capacidade de fato, ou de exercício de direitos. A legitimação para a causa, ou ad causam, é a qualidade reconhecida a quem possui a titularidade do direito de ação, ou de apresentar determinada pretensão em juízo. É, portanto, uma qualidade do titular da ação. O reconhecimento da titularidade do direito de ação não depende da efetiva titularidade do direito material, cuja existência somente pode ser aferida no julgamento do mérito. A legitimação processual e a legitimação para a causa podem coincidir em um único sujeito, ou estar dissociadas. Nem todas as pessoas que têm legitimação ad processum têm legitimação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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ad causam e a recíproca é verdadeira. Para exemplificar, uma pessoa que, embora tenha capacidade processual, estando no pleno exercício de seus direitos, não pode comparecer a juízo para cobrar um débito que não é seu, não tem legitimação para a ação de cobrança. O credor pode não ter a capacidade de fato, como no caso dos incapazes, mas tem legitimação para a causa. A legitimação para a causa pode ser reconhecida simultaneamente a vários sujeitos, quando o direito tem vários titulares e a lei permite que qualquer deles o reclame em juízo. Denomina-se, nesse caso, legitimação concorrente. 3 A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PREVISTA NO ART. 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Tem legitimação para a causa, ordinariamente, quem se apresenta como titular do direito subjetivo material cuja proteção é pleiteada em juízo. Excepcionalmente, a lei permite que o titular do direito material seja substituído por um terceiro, que age, em nome próprio, na defesa de um direito que não é seu. A substituição processual se verifica quando alguém pleiteia em nome próprio direito alheio. É ela prevista no art. 6º do Código de Processo Civil, que dispõe: Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. À primeira parte do artigo, que veda, genericamente, a toda a pessoa pleitear em nome próprio direito alheio, corresponde a regra geral de que somente o titular do direito subjetivo pode reivindicá-lo em juízo. Ao titular do direito cabe a titularidade da ação. Somente ao titular do direito se reconhece a legitimatio ad causam. No entanto, a segunda parte do artigo introduz a exceção à regra geral, admitindo que alguém venha a juízo pleitear, em nome próprio, direito alheio, quando autorizado por lei. Surge, assim, a substituição processual, que se configura pela possibilidade de alguém estar em juízo no lugar do titular do direito material. Ela se caracteriza pelo comparecimento de alguém a juízo para demandar, não como representante, mas, em nome próprio, a tutela de direito de outrem. A substituição processual é restrita às hipóteses em que a lei a autoriza. Confrontando-se o artigo 3º e o artigo 6º do Código de Processo Civil, podese traçar a distinção entre a legitimação ordinária e a legitimação extraordinária. Na legitimação ordinária, que é a regra geral, o titular do direito o pleiteia em juízo, assumindo a posição de parte. Na legitimação extraordinária, que constitui a exceção, o terceiro adquire a posição de parte, demandando em nome próprio direito alheio. Por constituir exceção à regra geral e necessitar, por isso, do expresso permissivo legal, a substituição processual tem sido denominada legitimação extraordinária. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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Às vezes, é ela chamada de legitimação anômala, o que é impróprio, porque não pode conter anomalia, se tem, como efetivamente ocorre, seu fundamento na lei. O artigo 6º do Código de Processo Civil trata da legitimatio ad causam, da titularidade do direito de ação, que é aferida em relação a um direito de que alguém se diz titular. Como foi visto, ela não se confunde com a legitimatio ad processum, que é a capacidade para estar em juízo. Mas, na excepcional legitimação nele prevista, que possibilita que o titular do direito, que seria, originariamente, legitimado para a causa, seja substituído por um terceiro, que assume a posição de parte, em juízo, a legitimação para o processo tem de estar, necessariamente, envolvida. 4 EFEITOS DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Na substituição processual a titularidade da ação não coincide com a titularidade do direito postulado. Quem vem a juízo é o terceiro. Todavia, assumindo a posição de parte, sendo portador da legitimatio ad causam, é ele quem detém a disponibilidade da ação. Significa que ele pode realizar todos os atos processuais compatíveis com a defesa do direito objeto da controvérsia ou com a defesa do substituído. E pode até mesmo desistir da ação. Mas não poderá confessar, desistir, renunciar ao direito e reconhecer o pedido, porque não possui a titularidade do direito objeto do litígio. Ao substituído é, entretanto, permitido intervir no processo como assistente litisconsorcial. A assistência, como forma de intervenção de terceiro, pode ser a) simples, ou adesiva, ou b) qualificada ou litisconsorcial. Da assistência simples trata o art. 50 do Código de Processo Civil, estabelecendo que o terceiro que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma das partes poderá intervir no processo para assisti-la. A assistência qualificada, também chamada de litisconsorcial em decorrência da linguagem do parágrafo único do art. 54 do Código de Processo Civil é assim caracterizada pela lei: Art. 54. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido. Parágrafo único. Aplica-se ao assistente litisconsorcial, quanto ao pedido de intervenção, sua impugnação e julgamento do incidente, o disposto no art. 51. Como se vê, o assistente qualificado ou litisconsorcial não é somente um terceiro com interesse jurídico na causa, que se torna auxiliar de uma das partes no intuito de que a sentença seja a ela favorável. O seu interesse vai muito além porque a sentença que será proferida influenciará na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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Significa que a sentença produzirá efeitos em seu patrimônio e a coisa julgada que se formar irá atingi-lo. Os casos de assistência litisconsorcial se delineiam quando o assistente é co-obrigado, ou co-titular do direito que se discute em juízo e, nessa condição, também teria legitimação para reclamá-lo sozinho ou em litisconsórcio com os demais co-titulares, e quando o direito que se discute em juízo pertence ao assistente, e a ação tenha sido proposta pelo substituto processual. É importante observar que o assistente, seja simples ou qualificado, não é parte, no sentido processual. Ao assistente qualificado ou litisconsorcial a lei atribuiu poderes mais amplos do que concedeu ao assistente simples, mas são poderes que se circunscrevem à defesa do direito em litígio. Nessa defesa, ele pode agir até em oposição ao assistido, mas sua atuação é limitada. A lei não lhe reconheceu a titularidade da ação. Em conseqüência, ele não pode desistir dela. 5 A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL E A SENTENÇA A sentença proferida na causa vincula o substituto processual e o substituído. E a coisa julgada produz eficácia para ambos, embora em planos diferentes. Para o substituto, são efeitos que operam na esfera processual, como não lhe ser lícito renovar a ação, responder pelo dolo processual, ser responsabilizado pelos ônus da sucumbência. Para o substituído os efeitos da sentença atingem a esfera do direito material. Nesse sentido, o substituído não é parte no sentido processual, mas é parte no sentido material, enquanto sujeito da lide, que recebe os efeitos da sentença em seu patrimônio. 6 ESPÉCIES DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL São várias as espécies de substituição processual. Pode ser ela admitida em caráter principal e exclusivo e em caráter subsidiário ou sucessivo. Na primeira hipótese, a lei atribui, com exclusividade, a uma pessoa, que detém uma determinada condição jurídica, a titularidade da ação relativa a direito de outrem. Assim, no antigo preceito do inciso III do art. 289 do Código Civil de 1916, já revogado, era atribuída somente ao marido a titularidade das ações relativas aos bens dotais da mulher. Na substituição em caráter subsidiário, o terceiro é autorizado a atuar, em favor do direito do titular, se se verificar que este não promoveu a sua defesa. Tipicamente sucessiva é a substituição processual que resulta do inciso LIX do art. 5º da Constituição, em que a vítima pode propor a ação penal privada se o Ministério Público não intentar a ação pública no prazo legal. A substituição processual pode ser autorizada em caráter permanente ou em caráter esporádico. O estatuto de uma associação pode conferir-lhe a faculdade de substituir os associados, genericamente. Ou os associados podem conferir esse poder à associação em casos específicos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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7 A RENOVAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL A substituição processual é tida como caso de legitimação ad causam extraordinária e, por ser extraordinária depende sempre de previsão da lei. Mas, por ser considerada excepcional, era ela tratada com muita restrição até o advento da Constituição de 1988. Em razão das disposições constitucionais, voltadas para a ampliação do direito de acesso ao Poder Judiciário e à tutela jurisdicional, aumentaram, sensivelmente, as hipóteses de substituição processual. A Constituição, em seu art. 5º, inciso XXI, permitiu a substituição processual pelas associações, por autorização dos associados, ao dispor: as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente. Previu, no art. 5º, inciso LIX, caso típico de substituição processual sucessiva, ao estabelecer: será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Merecem considerações especiais as disposições de seu art. 8º, inciso III, em torno das quais surgiram grandes polêmicas a respeito da substituição processual pelo sindicato, questões que serão a seguir consideradas. 8 O SINDICATO COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL - ESPECIFICIDADES DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PELO SINDICATO NO PROCESSO DO TRABALHO O sindicato pode vir a juízo, na defesa de direitos dos trabalhadores ou da categoria que representa, na qualidade de representante processual ou de substituto processual. Quando age em nome alheio, na defesa de interesses e direitos de outrem, atua como representante processual. Assim, por exemplo, quando instaura a instância do dissídio coletivo, agindo como representante da categoria e por expressa autorização dela. Quando age em nome próprio, na defesa de direitos e interesses alheios, atua como substituto processual. Como foi visto, a substituição processual, prevista no art. 6º do Código de Processo Civil, configura-se como legitimação extraordinária e depende de autorização legal. Por muito tempo, a possibilidade de o sindicato atuar como substituto processual restringiu-se à única hipótese em que havia autorização legal, que era a prevista no § 2º do art. 195 da CLT, concernente à demanda para reclamar o adicional de insalubridade e de periculosidade:

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Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato em favor de grupo de associados [...]. Além de delimitar a matéria da substituição processual, a CLT a restringiu aos associados da entidade sindical. A hipótese de substituição processual pelo sindicato foi ampliada pela Lei n. 7.238, de 29 de outubro de 1984, que tratou de correção automática de salários, estabelecendo: Art. 3º [...] § 2º Será facultado aos Sindicatos, independente da outorga de poderes dos integrantes da respectiva categoria profissional, apresentar reclamação na qualidade de substituto processual de seus associados, com o objetivo de assegurar a percepção dos valores salariais corrigidos na forma do artigo anterior. Embora tenha acrescentado matéria nova ao campo autorizado da substituição processual, a lei continuou restringindo-a aos associados. Eram esses os casos de substituição processual pelo ente sindical, admitidos no Direito, quando foi promulgada a Constituição de 05 de outubro de 1988. Dentre as muitas inovações que trouxe, o Texto Constitucional preconizou, ao tratar dos direitos sindicais: Art. 8º [...] III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Esse preceito, a princípio, teve uma interpretação muito tímida e restritiva. Como a defesa dos direitos e interesses da categoria pode ser feita mediante representação processual, uma parte considerável da doutrina e da jurisprudência firmada nos tribunais sustentou que a disposição constitucional não autorizava a substituição processual, que continuava sendo possível somente nos casos em que havia previsão legal específica. Por muito tempo, essa foi a tese vitoriosa nos tribunais e nas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. No entanto, já sob a égide da Constituição de 1988, entrou em vigor a Lei n. 7.788, de 03 de julho de 1989, que dispôs sobre a política salarial e, em seu artigo 8º, ofereceu, de modo amplo, a base da prévia autorização legal que vinha sendo exigida para a substituição processual. Assim estabeleceu: Art. 8º. Nos termos do inciso III do art. 8º da Constituição Federal, as entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais da categoria, não tendo eficácia a desistência, a renúncia e a transação individuais. A Lei n. 7.788/1989 resolveu um problema, mas criou outros, gerando grandes polêmicas na interpretação que fez do preceito constitucional. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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De um lado, ela recebeu aprovação, pela amplitude da interpretação, que permitia ao sindicato atuar como substituto processual não só dos associados, mas de toda a categoria por ele representada e não limitava a atuação às demandas e pretensões previamente determinadas. No entanto, ao negar eficácia à desistência, à renúncia e à transação individuais, nas causas em que o sindicato atuasse como substituto processual, ela sofreu severas críticas, em vários planos. Parte da doutrina entendeu que, embora não pudesse ser considerada inconstitucional, a Lei n. 7.788/1989 rompia com os princípios do Direito Judiciário do Trabalho, contrariando o princípio da titularidade do direito. Outra parte da doutrina a considerava manifestamente inconstitucional, por contrariar, frontalmente, o princípio da conciliação, ínsito no art. 114 da Constituição de 1988. Com efeito, o princípio da conciliação, ou princípio conciliatório, sempre esteve presente nas Constituições, até o advento da Emenda Constitucional n. 45, de dezembro de 2004. Anteriormente à Emenda n. 45, ele se inseria na própria competência da Justiça do Trabalho, como previa o art. 114 da Constituição de 1988: Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar [...]. Até a promulgação da Emenda Constitucional n. 24, de 09 de dezembro de 1999, que extinguiu a representação classista em seus órgãos, a Justiça do Trabalho foi dotada de uma estrutura propícia às soluções conciliatórias dos litígios, que a diferenciava, em larga escala, da Justiça Comum. Não se nega que as leis processuais civis também inserem a conciliação no âmbito do processo, mas, na Justiça do Trabalho, o princípio da conciliação estava inserido na própria competência constitucional direcionada a “conciliar e julgar”. A Emenda n. 45 acabou com a tradição da inserção do princípio da conciliação no plano constitucional. Hoje o art. 114 diz, simplesmente: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...]. Não há dúvida de que, enquanto se podia afirmar a supremacia do princípio da conciliação de natureza constitucional, era possível sustentar que a vedação à solução negociada era inconstitucional. Havia, portanto, sólido fundamento para se inquinar de inconstitucional a parte do art. 8º da Lei n. 7.788/1989, que negava eficácia à desistência, à renúncia e à transação individuais. O argumento voltado para o princípio da conciliação perdeu a força que possuía enquanto foi um diferencial da Justiça do Trabalho. Hoje, ele se encontra no mesmo nível da lei ordinária, como na Justiça Comum. No entanto, outras características continuam permitindo afirmar-se que a substituição processual é dotada de contornos próprios no Processo do Trabalho, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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não é uma repetição do modelo do Processo Civil, e deve ser interpretada à luz de outros princípios igualmente vigorosos. A Lei n. 8.073, de 30.07.1990, revogou a Lei n. 7.788/1989, suprimindo a negativa de eficácia à desistência, à renúncia e à transação individuais, que, efetivamente, equivalia à vedação da solução conciliatória do dissídio. A substituição processual foi submetida à nova disciplina, pelo preceito de seu artigo 3º, que dispôs: Art. 3º As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria. Foi mantida a amplitude da substituição processual pelo sindicato, que se estendia a todos os membros da categoria e não se restringia somente aos associados. Não houve, também, limitação de matéria que poderia ser objeto da demanda. Um fato totalmente inusitado ocorreu com a Lei n. 8.073/1990, que reforçou os traços da substituição processual nela contemplada. Seu texto se constituía de 5 (cinco) artigos, sendo que o art. 3º, citado acima, possuía um parágrafo único, e o art. 5º dispunha somente sobre a revogação, nos clássicos termos: Revogam-se as disposições em contrário. Os artigos da Lei n. 8.073/1990, à exceção do artigo 3º, caput, e do art. 5º, foram todos vetados. Todavia, ainda que reduzida a um único artigo que tratou da substituição processual, e da cláusula de revogação, a Lei n. 8.073/1990 produziu grande alteração no Direito do Trabalho e no Processo do Trabalho, tanto pela amplitude da substituição processual reconhecida ao sindicato como pela supressão da proibição de desistência, renúncia e transação individuais, nas causas em que o sindicato atuasse como substituto processual. Com base nessa legislação, formou-se o entendimento, no campo doutrinário, de que a substituição processual no Processo do Trabalho passou a ter disciplina própria, cessando a aplicação subsidiária do art. 6º do Código de Processo Civil, que dependia da existência de lacuna. Não havendo mais lacuna, não se poderia mais aplicar o art. 6º do Código de Processo Civil, e não se aplicando mais o art. 6º do Código de Processo Civil, não se poderia exigir que a substituição processual fosse restrita aos casos previstos em lei. Teve, ainda, grande consenso, em sede doutrinária, o entendimento de que, com a queda da proibição que existia na legislação revogada, o trabalhador poderia desistir, transigir e conciliar independentemente da concordância do sindicato, o que estaria em consonância com o princípio da liberdade de associação conjugado com a disponibilidade dos direitos materiais. Essas questões tiveram soluções diferentes na jurisprudência e nas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. Recentemente voltaram a ser discutidas e parte delas tornou-se objeto de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, como será referido adiante. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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9 A ATIPICIDADE DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO SINDICATO EM RELAÇÃO AO MODELO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL Desde o advento da Lei n. 7.238/1984, que, nas disposições do § 2º, de seu art. 3º, autorizou os sindicatos a apresentar reclamação trabalhista independentemente de outorga de poderes, “na qualidade de substituto processual de seus associados”, restringindo a autorização à reclamação dos valores salariais corrigidos, expressiva parte da doutrina entendeu que o legislador não usou a figura da substituição processual do art. 6º do Código de Processo Civil com propriedade técnica. Várias eram as razões desse convencimento. Muitos usaram o argumento de que a substituição processual, segundo o modelo do Código de Processo Civil, não permitiria a presença do titular do direito material no processo, como parte, afastando a aplicabilidade do princípio da conciliação, que, como se viu, esteve no plano constitucional até que a Emenda n. 45, de dezembro de 2004, alterou o art. 114 da Constituição. A interpretação dada pelas Súmulas n. 180 e 255 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, editadas e publicadas respectivamente pelas Resolução n. 01/1983, no DJ de 19.10.1983, e Resolução n. 03/1983, no DJ de 02.07.1986, que preconizavam que o substituído poderia desistir da ação, não resolvia o problema. Antes, constituía mais um argumento contra a clássica figura da substituição processual, na qual, a rigor, o substituído não tem a disponibilidade da ação. Houve propostas de solução em sede doutrinária, no sentido de que a substituição processual admitida no Processo do Trabalho ou era uma “substituição processual concorrente”, ou não se tratava de uma substituição processual, mas de representação, com mandato presumido e revogável, em que estaria preservada a vontade individual do trabalhador. Essas soluções continuaram a ser preconizadas depois da revogação da Lei n. 7.788/1989 pela Lei n. 8.073/1990 e da interpretação dada pelo Tribunal Superior do Trabalho ao inciso III do art. 8º da Constituição da República, pela edição da Súmula n. 310. No entanto, ao lado delas, manteve-se outra posição que admite que há uma verdadeira substituição processual, no Processo do Trabalho, mas que não segue o modelo do Código de Processo Civil, do qual se libertou quando foi objeto de regulamentação própria. Ela seria atípica, naturalmente, se se tomasse como critério de comparação o Direito Processual Civil, mas, fora dessa comparação, seria um instituto independente, com contornos próprios. 10 AS DISPOSIÇÕES DO INCISO XXI DO ART. 5º E DO INCISO III DO ART. 8º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, o inciso III de seu art. 8º vem sendo alvo de grandes debates. Sua interpretação deu margem a um amplo leque de indagações que incluíam até a existência de uma substituição processual, em seu texto. A história da substituição processual no texto do art. 8º, e das polêmicas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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que em torno dela se formaram remontam aos trabalhos preparatórios da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. A expressão “substituição processual” havia figurado no projeto originário Afonso Arinos. Foi mantida nos projetos relatados por Bernardo Cabral, mas foi suprimida no primeiro turno de votação, quando o texto foi levado ao Plenário da Assembléia Constituinte. O texto originário era assim redigido: À entidade sindical cabe a defesa dos direitos e interesses da categoria, individuais ou coletivos, inclusive como substituto processual, em questões judiciais ou administrativas. Nas discussões dos projetos, prevaleceu o entendimento de que o inciso III do art. 8º simplesmente repetia o texto do art. 5º, inciso XXI, pelo que seria mais adequada a supressão da expressão substituição processual. A tese foi vitoriosa e a supressão foi feita. No entanto, são significativas as diferenças entre os dois dispositivos, constantes do texto promulgado. O inciso XXI do art. 5º da Constituição estabelece: as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente. Como se vê, sua legitimidade restringe-se à representação de seus filiados, e não de uma classe, e, para essa representação, elas necessitam de autorização expressa. O art. 8º, inciso III, preceitua: ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. Por essa disposição, o sindicato tem a prerrogativa de defender direitos não só de seus filiados, dos membros da categoria que sejam seus associados, mas de toda a categoria e de qualquer membro da categoria. O Texto Constitucional não exigiu a prévia autorização para a atuação do sindicato. Raciocinando à luz dos critérios de seu modelo clássico, parte da doutrina e da jurisprudência sustentou que o inciso III do art. 8º não acolhia a figura da substituição processual, que se chocaria contra a liberdade de associação sindical, assegurada pelo mesmo art. 8º, no inciso V, que proclama: ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato. Assim como é livre para filiar-se ou não ao sindicato, o trabalhador é livre para permitir ou não a tutela de seus direitos pelo ente sindical. A renúncia e a transação do direito, em juízo, nessa linha de idéias, devem Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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ser reflexos da própria liberdade sindical. Houve mesmo argumentação no sentido de que a renúncia, a desistência e a transação não impedem o prosseguimento do processo para a defesa dos demais membros da categoria profissional que a ele não se opuserem. O argumento, entretanto, deve ser examinado com muita cautela. É claro que, admitindo-se a transação pelo substituído, é possível a hipótese, ainda que teórica, de que todos os substituídos processuais realizem a transação. Não se poderia, então, conciliar o direito do substituto de prosseguir no processo com o direito do substituído de por fim a ele, mediante desistência. Isso significa que o modelo clássico não serve para solucionar o problema. 11 A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO SINDICATO E A LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE Uma outra solução surgida na doutrina, ainda com base no Direito Processual Civil, vincula a substituição processual à legitimação concorrente. A idéia de que a substituição processual do sindicato coexistiria com a legitimação concorrente poderia tornar-se atraente porque permitiria conciliar a disponibilidade da ação do substituto processual com garantia de igual direito ao substituído. Há, entretanto, alguns pontos de contrastes em sua adoção. Na legitimação concorrente qualquer dos titulares do direito pode pedir o cumprimento da obrigação por inteiro. Porém, na substituição processual, não se tem uma co-titularidade de direitos entre o sindicato e os membros da categoria profissional por ele representada. Os direitos processuais do substituto são diferentes dos direitos do substituído. Além do mais, não poderia o trabalhador pedir os direitos dos associados do sindicato ou da categoria profissional por inteiro. A legitimação concorrente não oferece, portanto, solução para o problema da tensão entre os poderes atribuídos ao sindicato, como substituto processual, e, portanto, parte, no sentido processual, e os poderes concedidos ao substituído, assistente litisconsorcial, parte no sentido material, titular do direito objeto da controvérsia, que irá receber os efeitos da sentença em seu patrimônio. Poder-se-ia pensar na concorrência da legitimação extraordinária do substituto com a legitimação ordinária do substituído, para que a ambos fossem reconhecidos iguais poderes no processo. Essa solução será atípica se for considerada à luz do art. 54 do Código de Processo Civil. 12 A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NAS SÚMULAS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO A matéria da substituição processual foi objeto de súmulas, antigos enunciados do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, editadas, e também canceladas, à medida que a legislação sobre o tema foi surgindo e se modificando e à medida que os doutrinadores e os juízes buscavam novos e melhores critérios para a solução dos problemas que dela decorriam. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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As Súmulas n. 180 e 225, editadas, respectivamente , pela Resolução n. 01/1983 e pela Resolução n. 01/1986, publicadas no DJ de 19.10.1983, e no DJ de 02.07.1986, dispunham sobre o direito de o substituído desistir da ação, nos seguintes termos: 180. AÇÃO DE CUMPRIMENTO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESISTÊNCIA. Nas ações de cumprimento, o substituído processualmente pode, a qualquer tempo, desistir da ação, desde que, comprovadamente, tenha havido transação. 255. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESISTÊNCIA. O substituído processualmente pode, antes da sentença de primeiro grau, desistir da ação. Ambas foram canceladas pela Resolução n. 121/2003, publicada no DJ de 21.11.2003. A Súmula n. 271, editada pela Resolução n. 04/1988, publicada no DJ de 01.03.1988, considerava legítima somente a substituição processual dos associados e para demandas que tivessem como objeto adicional de insalubridade e periculosidade. Foi cancelada pela Resolução n. 121/2003, publicada no DJ de 21.11.2003. A Súmula n. 286, em sua redação original, editada pela Resolução n. 19/1988, publicada no DJ de 18.03.1988, entendia que o sindicato não era parte legítima para propor, como substituto processual, demanda que visasse a observância de convenção coletiva. Com nova redação, editada pela Resolução n. 98/2000, publicada no DJ de 18.09.2000, externou entendimento diametralmente oposto, preconizando que: A legitimidade do sindicato para propor ação de cumprimento estende-se também à observância de acordo ou de convenção coletivos. A Súmula n. 310, editada pela Resolução n. 1/1993, publicada no DJ de 06.05.1993, em seus oito tópicos, dispôs sobre vários temas. No primeiro deles, entendeu que “O art. 8º, inciso III, da Constituição da República, não assegura a substituição processual pelo Sindicato”; no VI, afirmou que “É lícito aos substituídos integrar a lide como assistente litisconsorcial, acordar, transigir e renunciar, independentemente de autorização ou anuência do substituto.” Foi cancelada pela Resolução n. 119/2003, publicada no DJ de 01.10.2003. A Súmula n. 359, editada pela Resolução n. 78/1997, publicada no DJ de 19.12.1997, entendeu que: A federação não tem legitimidade para ajuizar a ação de cumprimento prevista no art. 872, parágrafo único, da CLT na qualidade de substituto processual da categoria profissional inorganizada. Foi cancelada pela Resolução n. 121/2003, publicada no DJ de 21.11.2003. Dos verbetes que dispunham a respeito do tema, estão mantidas a Súmula Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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n. 286, acima referida, e a Orientação Jurisprudencial n. 121, da SDI-I, que, com nova redação, foi publicada no DJ de 20.04.2005, asseverando que: O sindicato tem legitimidade para atuar na qualidade de substituto processual para pleitear diferença de adicional de insalubridade. As edições e os cancelamentos das Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho mostram que o entendimento da Justiça do Trabalho sobre a substituição processual passou por profundas alterações. 13 A RECENTE POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2006, através de seu Plenário, julgou o Recurso Extraordinário - RE 210029, interposto pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Passo Fundo - RS, em que se discutia o reconhecimento da legitimação processual dos sindicatos para a defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais trabalhistas de que são titulares os membros da categoria. O recurso foi interposto contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho que, na trilha da Súmula n. 310, hoje cancelada, entendeu que o inciso III do art. 8º da Constituição não autoriza a substituição processual pelo sindicato. O relator do recurso, Ministro Carlos Velloso, hoje aposentado, interpretou o inciso III do art. 8º da Constituição, entendendo que suas disposições possibilitam a atuação do sindicato na defesa dos interesses trabalhistas da categoria por ele representada. Seu voto foi pelo reconhecimento de que a disposição constitucional confere ao sindicato o direito à ampla substituição processual. Houve parcial divergência quanto à legitimação do sindicato para atuar em demandas de liquidação ou execução de sentenças. Mas, por 6 (seis) votos a 5 (cinco) venceu a tese de que o sindicato poderá atuar, como substituto processual, tanto nas ações de conhecimento como na liquidação e na execução de sentença. Ao final, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o inciso III do art. 8º da Constituição confere ao sindicato poderes para atuar, como substituto processual, na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos, individuais ou coletivos, dos integrantes da categoria por ele representada, tanto nas ações coletivas como nas individuais, tanto nas ações de conhecimento como na liquidação e execução de sentença. O julgamento do Plenário da Suprema Corte, de 12 de junho de 2006, foi transmitido pela TV Justiça e foi divulgado nas notícias do site do Supremo Tribunal Federal, na internet. O acórdão não foi ainda publicado e as notícias até agora veiculadas não mencionam se houve pronunciamento a respeito da faculdade de o substituído desistir da ação. O Informativo ANAMATRA, Ano X, n. 85, de 11 de julho de 2006, uma das primeiras publicações que se seguiram à sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal, de 12 de junho de 2006, noticiou a matéria com grande entusiasmo, como uma vitória dos Juízes do Trabalho e da ANAMATRA que há 11 anos se batia, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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através de várias manifestações, pelo reconhecimento da eficácia imediata do inciso III do art. 8º da Constituição, com a interpretação de que ele preconiza a ampla substituição processual. Historiando essa luta, o artigo ressalta a importância do julgamento, afirmando que: o tema era considerado como uma das questões jurídicas mais relevantes da atualidade do Judiciário brasileiro. 14 CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância do reconhecimento da substituição processual ampla, contida no preceito constitucional do inciso III do art. 8º é inegável. Se antes a doutrina apontava uma substituição processual atípica, na Justiça do Trabalho, por contraposição à substituição processual do art. 6º do Código de Processo Civil, suas conseqüências e seus efeitos, os contrastes entre ambas se acentuaram. A prévia autorização legal requerida no Processo Civil remete o fundamento legal da substituição processual à norma infraconstitucional. A substituição processual pelo sindicato tem seu fundamento em preceito constitucional. Também tem fundamento constitucional o direito à livre associação sindical, com a previsão expressa do inciso V do art. 8º de que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.” Essa disposição não interfere diretamente na substituição processual, nas relações entre substituto e substituído, diante do reconhecimento de que a substituição processual pelo sindicato abrange não só os associados, mas os membros da categoria. Contudo, por vias transversas, ela acaba refletindo nas relações entre o substituto, com o direito de exercer, efetivamente, sua legitimação para a causa, e o direito material que é objeto da demanda. A doutrina do Processo do Trabalho tem se batido pelo reconhecimento dos direitos individuais do substituído, de intervir no processo, de desistir e transigir quanto aos direitos postulados. E, para tanto, tem apresentado argumentos sólidos e corretos, enfocando os princípios da conciliação, que, por muito tempo, teve foro constitucional, e da liberdade de associação. Na realidade, quando o sindicato atua como substituto processual da categoria que ele representa, o substituído não pode ser prévia e individualmente determinado. A categoria profissional é dotada de grande mobilidade em relação a seus componentes, que ingressam no mercado de trabalho, que têm contratos rescindidos, que se aposentam. Em qualquer categoria profissional, os componentes de hoje não são exatamente e necessariamente os mesmos de ontem, nem serão os mesmos de amanhã. Dessa forma, mesmo que haja desistência e renúncia, o sindicato, como substituto processual da categoria, não terá afetada a disponibilidade da ação. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.171-188, jul./dez.2006

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Se o sindicato atua como substituto processual na defesa de direitos individuais, não há por que negar a seus titulares o direito à transação, quando se tratar de direitos materiais disponíveis. O direito não pode ser considerado disponível ou indisponível em razão de quem o postula em juízo. Todavia, não pode ser ignorado que, no cerne da discussão a respeito do direito de renúncia e de transação do substituído, há a preocupação com a fragilidade do empregado diante da precariedade do mercado de trabalho e do poder econômico do empregador. E, com ela, surge a resistência em se admitir que o trabalhador possa intervir no processo para renunciar a direitos. É certo que as transações nem sempre são prejudiciais aos trabalhadores. Envolvendo renúncias e ganhos ou vantagens, elas podem ser benéficas para as partes que se propõem a realizá-las. É preciso ressaltar, entretanto, que, tanto no que concerne ao direito transacionado como à verificação da vontade livre do trabalhador, a doutrina e a jurisprudência sempre foram rígidas. Havendo indícios de que a transação foi prejudicial e de que houve pressão sobre a vontade do trabalhador, surge a possibilidade da existência de coação e, com ela, a da invalidade do ato jurídico, ou mesmo de rescisão da sentença hom*ologatória do acordo. Já se repetiu, por vezes sem conta, que a substituição processual pelo sindicato não foi introduzida no direito para prejudicar o trabalhador. É uma verdade elementar, que deve servir de critério para o equilíbrio das relações entre os titulares dos direitos processuais e dos direitos materiais em litígio, nos casos de substituição processual.

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TRABALHO ESCRAVO E “LISTA SUJA”: UM MODO ORIGINAL DE SE REMOVER UMA MANCHA* Márcio Túlio Viana** 1 INTRODUÇÃO Conta Eduardo Couture1 que, certa vez, depois de esperar algum tempo por um sábio, em seu laboratório, ouviu dele as seguintes palavras: Sabereis perdoar-me. Quando se começa a olhar pelo microscópio, somente após duas ou três horas se começa a ver alguma coisa. Hoje, ao estudarmos as novas formas de trabalho escravo, a mesma observação nos aproveita. A um primeiro olhar, trata-se apenas de uma anomalia - ou paradoxo - de um mundo que já não conhece limites para a ciência e a técnica. Algo assim como o tumor que se instala num corpo sadio, e por isso exige apenas as mãos de um bom cirurgião. Se, porém, nos detivermos num exame mais calmo, veremos que os próprios avanços do que se habituou a chamar de progresso têm se valido, com freqüência, de elementos de seu contrário - fundindo passado e presente, riqueza e miséria. Assim, mais do que simples anomalia, o fenômeno do trabalho escravo aponta para todo um corpo doente; é parte integrante de um novo modelo, e por isso cobra respostas rápidas e variadas, pragmáticas e criativas, globais e o mais possível contundentes. Também por isso, não exige apenas iniciativas oficiais, mas o esforço de todas as pessoas disponíveis, incluídos aqui os próprios trabalhadores - que de vítimas podem se fazer agentes de sua própria libertação. Mais do que tudo isso, porém, reclama o conhecimento da realidade subjacente; e a apropriação das próprias armas de dominação como instrumentos de resistência. É dentro desse amplo contexto que se inserem as Portarias de n. 504, do Ministério do Trabalho e Emprego, e 1.150, do Ministério da Integração Nacional. A primeira criou o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que exploram o trabalho “em condições análogas à de escravo”. A segunda recomenda aos órgãos financeiros que não lhes concedam regalias. Uma e outra inspiraram o PL 207/2006, já aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal. São regras simples, quase telegráficas. Não obstante, exatamente porque se utilizam de elementos da própria globalização, mostram um potencial de efetividade superior ao das próprias normas penais; e abrem espaço para ações de múltiplos atores. *

Artigo elaborado para a OIT como subsídio para os debates no I Encontro dos Agentes Públicos Responsáveis pelo Combate ao Trabalho Escravo, Brasília, novembro de 2006. ** Desembargador Federal do TRT da 3ª Região aposentado e professor nas Faculdades de Direito da UFMG e da PUC-Minas. 1 KONFINO, José. Introdução ao estudo do processo civil. Rio de Janeiro, (s.d.), p. X. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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No entanto, exatamente por serem efetivas, transitam em campo minado. Num tempo em que cresce a distância entre o direito posto e o (não) direito imposto, têm sido alvo de várias críticas e sucessivas ações judiciais. Assim, a luta que se trava no campo dos fatos se reproduz no mundo das idéias; e não só ali, mas às vezes aqui, contamina-se pela lógica do poder, que é também a lógica da cooptação, da influência, da constrição ou do medo. Na verdade, também os seus opositores se utilizam de valores muito enfatizados em nossa época, e por isso também poderosos. Naturalmente, se olharmos para o futuro, é possível prever, com boa margem de certeza, que a repulsa formal à escravidão será cada vez mais enfática e geral. Mas isso não garante o consenso em relação aos meios específicos de combatêla. Do mesmo modo, não é difícil antecipar que - com a evolução da Humanidade - o trabalho escravo terminará banido por completo. Mas isso não significa que a vitória esteja próxima, nem indica qual será o seu preço. Na verdade, os resultados dessa equação - que é política, sem deixar de ser jurídica - não dependem apenas do que se passar nos gabinetes. Eles flutuam ao sabor de inúmeras variáveis, mas sobretudo em razão das escolhas concretas e diárias que fizermos. 2 BREVES NOTAS SOBRE A ESCRAVIDÃO EM GERAL Embora quase tão antiga quanto o homem, a escravidão nem sempre teve significados, formas e objetivos iguais. Entre as tribos mais primitivas, podia ser apenas um momento de espera, antes que os vencedores devorassem os vencidos - apropriando-se de sua força e coragem. Assim, o escravo tinha um valor de uso, mas não de troca; e a própria morte lhe assegurava a vida, incorporando em outro corpo o seu espírito guerreiro. Era assim, por exemplo, entre os nossos índios, na descrição de Buarque de Holanda2: Os escravos moram também com seus senhores, dentro da mesma cabana, como filhos da mesma família. Comem bem e são bem tratados. Dão-lhes por mulheres suas filhas e irmãs, as quais os tratam como maridos. Isso tudo até que lhes agrade matá-los para comê-los. Esses escravos transitórios tinham liberdade de movimentos; mas apesar disso não fugiam, pois a fuga significava desonra3, tal como a morte os libertava. Ser bravo diante da morte - como no poema I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias era também, de certo modo, valorizar-se enquanto escravo.

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Apud PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 17. PEDROSO, Eliane. Op. cit., passim.

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Mais tarde, o escravo já não é o próprio alimento, mas o homem que o produz. É o braço adicional do pater, trabalhando ao seu lado na ceifa dos campos ou na coleta das uvas. E isso o torna quase um membro da família, cultuando o mesmo deus e dele recebendo igual proteção. Na Grécia antiga, a escravidão podia ser apenas o modo de libertar o cidadão do trabalho necessário, para que ele cuidasse da polis e se dedicasse à filosofia e às artes.4 Mas, já então, ter escravos era também ter status: poder exibi-los na rua ou presenteá-los aos amigos.5 Mas pouco a pouco, mesmo na Grécia, a escravidão vai se tornando especialmente um modo de enriquecer as elites, aumentar os exércitos ou garantir serviços públicos. O número de escravos passa a ser uma das medidas do poder de um império. Em todo esse longo tempo, as marcas da escravidão não eram a cor da pele, a forma dos olhos ou o lugar de origem - pois o que fazia o homem se tornar propriedade do outro era sobretudo a guerra ou a dívida. Daí a sua mobilidade: o cidadão de hoje podia se tornar escravo amanhã, e vice e versa.6 Até Alexandre Magno remou nas galés antes de conquistar o seu império. Talvez por isso, entre os gregos e romanos os escravos se vestiam como os homens livres, embora essa prática também servisse para impedi-los de perceber o seu grande número.7 Mas a mobilidade era também viabilizada pela alforria, dada ou comprada, e às vezes financiada pelos próprios escravos, reunidos em associações.8 Dizer que eles eram simples mercadoria pode se revelar um exagero em dois sentidos diferentes, pois se muitos - como os escravos das minas - viviam pior que os bois ou as cabras, outros eram músicos, pintores, poetas, filósofos, preceptores, médicos, policiais, administradores, comerciantes, banqueiros e até proprietários de escravos.9 Uns costumavam ser emprestados - ou terceirizados - de forma gratuita ou onerosa. Outros se alugavam livremente, repassando o dinheiro ao seu proprietário. Era comum receberem - de seus senhores ou de terceiros - dádivas em dinheiro ou em utilidades.10 Por outro lado, dizer que os escravos não tinham direitos pode ser ou não um exagero, na medida em que entre muitos povos, e em várias épocas, eles podiam até ser mortos por capricho ou mesmo devorados; mas até o velhíssimo Código de Hamurabi já os protegia de algum modo, ao dispor, por exemplo, que

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ARENDT, Hannah. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, passim. MELTZER, Milton. História ilustrada da escravidão. São Paulo: Ediouro, 2004, passim. Idem. ZEIDLER, Camilla Pereira. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: formas de erradicação e de punição (dissertação de mestrado), UFPR, 2006. MELTZER, Milton. Op. cit., passim. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. V. I, São Paulo: Globo, 1980, passim; MELTZER, Milton. Op. cit., passim. CATHARINO, J. Martins. Tratado jurídico do salário. São Paulo: Freitas Bastos,1951, p. 547. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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§ 175 Se um escravo do palácio ou um escravo de um muskênum tomou como esposa a filha de um awilum e ela lhe gerou filhos: o senhor do escravo não poderá reivindicar para a escravidão os filhos da filha do awilum.11 Além disso, ainda na Roma antiga, os escravos tinham acesso aos tribunais, embora através dos senhores; e, quando as conquistas foram minguando, vários imperadores lhes garantiram sucessivos direitos, como os de não serem mortos ou torturados. Adriano chegou a fundar uma religião para honrar o escravo que lhe salvara a vida.12 E havia também os que - como os servos - não eram escravos, nem homens livres, e se multiplicaram sobretudo na Idade Média. Presos à terra, também a prendiam, usando-a não só (e nem tanto) para o senhor, mas para si. Em geral, viviam vida miserável, mas eram protegidos não só pelos laços primários de solidariedade que os uniam, como pelas mãos do próprio nobre feudal - obrigado, pela tradição, a socorrê-los nas grandes fomes.13 Quanto aos índios e negros, a história não foi muito diferente. Milhares de anos antes das primeiras caravelas, eles já conheciam e praticavam a escravidão - que era causa e também efeito das guerras, e se inseria na mesma prática, já descrita, de devorar os vencidos para roubar-lhes a força14 e assim se mostrarem fortes à tribo. Quando, pela primeira vez, suas âncoras se agarraram nas costas da África, as caravelas buscavam escravos para as famílias européias. Por volta do século XVII, as lojas londrinas já exibiam em suas vitrines argolas, correntes e cadeados, e até mesmo abridores de boca para os negros que se recusavam a comer. Quando Colombo aportou na América, surpreendeu-se com a meiguice dos índios; e escreveu ao seu rei que eles mostravam “uma tal inocência e generosidade, que mal se pode acreditar”. Mas isso não o impediu de concluir: Daqui, em nome da Santíssima Trindade, podemos enviar todos os escravos que possam ser vendidos. Quatrocentos, no mínimo, renderão vinte mil escudos.15 Ao contrário dos escravos antigos, os índios tinham a pele cor de cobre, os olhos como amêndoas e os cabelos lisos e pretos - marcas que se tornaram estigmas de sua má sorte. E como o seu trabalho já se inseria na lógica de acumulação capitalista, não será exagero supor que viviam mais sofrimentos que nos tempos de Aristóteles.

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Código de Hamurabi, cit., p. 78. MELTZER, Milton. História ilustrada da escravidão. São Paulo: Ediouro, 2004, passim. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Vozes, 1995, p. 48-50; HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 11-25. PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea, in VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, passim. MELTZER, Milton. Op. cit., p. 87. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Também ao contrário dos escravos antigos, os africanos tinham um estigma no corpo - a cor negra; e, assim como os índios, nada valiam como homens, embora valessem muito como objetos de uso e de troca. Por isso, se de um lado sofriam o peso da chibata, de outro eram alimentados com dieta rica em carboidratos, ferro e proteínas.16 Tal como acontecera com os escravos antigos, a escravidão dos índios - no início - e a dos negros - em seguida - buscavam se legitimar com argumentos teóricos. Um deles era o de que só assim seria possível conduzi-los à salvação. E entre esses condutores estavam os capitães do mato, criados por uma lei de 1676 para dar caça aos renitentes.17 No início, compensava mais comprar um negro já pronto do que criá-lo desde o berço, como se fazia com potros, frangos e bezerros. Mais tarde, com as restrições ao tráfico, passou a valer a pena reproduzi-los; e as senzalas se tornaram também incubadoras. É difícil saber se foi a escravidão que produziu o tráfico, ou vice e versa tão entrelaçados eram os interesses. E essa mesma interação - transformando a causa em efeito - existia entre produtos e produtores. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a cachaça: a partir do século XVII, os traficantes começaram a trocála por negros, que em seguida eram usados para a fabricação de novos tonéis.18 Como sucede em todos os tempos, submissão e resistência conviviam lado a lado. No caso dos negros, o mar afogava as esperanças de uma volta à pátria, mas a floresta cobria as escapadas para os interiores da nova terra. No caso dos índios, o que houve foi sobretudo um vasto morticínio, mas salpicado, aqui ou ali, por algumas revanches históricas.19 Ao perder as suas raízes, os negros se tornaram mais vulneráveis que os índios às mazelas da civilização20; mas o destino comum no país estranho os fez produzir uma nova e rica cultura, com traços africanos e europeus - como nos mostram o candomblé, a capoeira, o samba e a feijoada. Já os índios que não conseguiram fugir ou morrer viveram a dualidade da proteção que esmaga: os jesuítas quebraram as correntes de seus punhos, mas ao preço de envolver uma cruz em seus pescoços. Na troca dos deuses, perderamse as línguas, os cantos, as danças, as crenças e os valores. Mesmo antes da abolição, como nota Eliane Pedroso21, começaram a chegar as primeiras levas de suíços e alemães para as fazendas paulistas. No início, o Governo pagava as passagens; depois, o custo da imigração passou para os ombros dos próprios imigrantes. Escravos da dívida e sufocados pelo poder dos coronéis, viviam eles no limite do possível.

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PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 60. PEDROSO, Eliane. Op. cit., p. 53 e 59. Alencastro, segundo PEDROSO, Eliane. Op. cit., p. 56. Como a dos tamoios. VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996, p. 32. PEDROSO, Eliane. Op. cit., p. 57-58. Op. cit., p. 65. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Na verdade, o que aconteceu com os imigrantes aconteceria logo depois com os negros. Libertos da escravidão, libertaram os seus senhores do peso de sustentá-los22; e, embora já tornados sujeitos, continuaram objetos de direito, trocando por farinha e feijão as fadigas diárias de seus corpos. Mas é curioso observar, de todo modo, como foi que, no início, alguns exescravos reagiram: vendo no trabalho o símbolo de sua própria indignidade, tentaram negá-lo para afirmar a liberdade recém-conquistada23 - preferindo viver perambulando, sem eira nem beira, como lumpen. Um século depois, as cenas de escravidão por dívida se repetiram em várias fases de nossa história, como na II Guerra Mundial, quando os nordestinos se transformaram em soldados da borracha na Amazônia, ou, mais recentemente, quando a política econômica da ditadura militar inaugurou as políticas de apoio indiscriminado ao agronegócio.24 3 BREVES NOTAS SOBRE OS “ANOS GLORIOSOS” Até algumas décadas atrás, a face ocidental do mundo - especialmente o bloco mais rico - vivia o que Hobsbawm chamou de “anos gloriosos” do capitalismo.25 De um lado, fábricas verticais, linhas de montagem e trabalho parcelado garantiam a produção em massa. De outro, sindicatos grandes, políticas keynesianas e direitos crescentes permitiam um consumo também massivo. Um boom de novos produtos - de carros a geladeiras, de rádios a enceradeiras - interagia com o que se passou a chamar de consumismo: um novo costume, quase uma ideologia, que vinha não só potencializar o gosto pelas compras, mas introduzir nos produtos a capacidade de dar status, compensar frustrações, provocar emoções e indicar poder.26 Era o tempo não só do pleno emprego, mas do emprego pleno, representado por toda uma vida no interior de uma só empresa, ao longo dos dias, e ao longo de cada dia, seguindo as várias etapas da profissão - de aprendiz a auxiliar, daí para oficial, depois chefe de turma. Esse modelo começa a dar sinais de exaustão já nos anos 60. A crise apresenta primeiro a sua face política, envolvendo grupos de operários, estudantes, hom*ossexuais, mulheres e até grupos armados. A face econômica se acentua pouco depois, com as altas do petróleo e a quebra na espiral de lucros que vinha marcando

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A observação é de Eliane Pedroso, referindo-se à Lei dos Sexagenários. Op. cit., p. 61. Sobre o tema, cf. CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, passim. A propósito, cf. CHAVES, Valena Jacob. A utilização de mão-de-obra escrava na colonização e ocupação da Amazônia. Os reflexos da ocupação das distintas regiões da Amazônia nas relações de trabalho que se formaram nestas localidades. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 89 e segs. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995, passim. RIFKIN, Op. cit., passim; TORRES I PRAT, Joan. Consumo, luego existo, Barcelona: Icaria, (s.d.).

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o sistema desde a II Grande Guerra. Por fim, a face militar, simbolizada sobretudo pela derrota dos EUA no Vietnã.27 Dez anos depois, surge a grande contra-ofensiva, representada seja pela eleição de governos conservadores - como os de Reagan, Thatcher e Kohl -, seja pela quebra do acordo de Breton Woods, seja pela massacrante vitória norteamericana na Guerra do Golfo, seja pelo esmagamento de movimentos revolucionários como o das Brigadas Vermelhas, seja, enfim, no plano da microeconomia, pela introdução da chamada reestruturação produtiva.28 4 BREVES NOTAS SOBRE OS NOVOS TEMPOS A nova empresa se organiza em rede, o que não sinaliza, necessariamente, uma relação de simples coordenação. Ao contrário: com freqüência, esse corpo de múltiplos braços tem um coração que impulsiona o tráfico de prestações e um cérebro que produz e repassa as suas vontades. Assim, o que é horizontal na aparência pode continuar vertical na essência. Ao externalizar as mesmas atividades que antes concentrava, a fábrica pósfordista pode - no limite - nada fabricar, pelo menos diretamente. Nesse sentido, talvez não seja exagero dizer que a terceirização provoca a terciarização: o industrial se faz gerente, migrando - se não em termos formais, pelo menos em termos reais - para o setor de serviços.29 A par de acentuar a especialização - que pode, eventualmente, até melhorar a qualidade do produto - essa terceirização externa30 permite à grande empresa não apenas reduzir os custos, in genere, nem somente se especializar no foco de suas atividades, mas sobretudo explorar em níveis desumanos a força-trabalho, valendo-se de suas parceiras. É que, à medida que se avança em direção às malhas mais finas da rede, as empresas se tornam cada vez menos visíveis - tanto ao sindicato quanto à fiscalização e até para a mídia. Assim, o que a corporation não pode fazer, exatamente por ter visibilidade, as pequenas fazem por ela; e a própria concorrência, que a primeira dissemina, impulsiona as últimas a baixar sempre mais as condições que oferecem aos empregados. Desse modo, e ao contrário do que se costuma pensar, é bem provável que a coexistência de empresas toyotistas e tayloristas, tão comum nos nossos tempos, não traduza uma fase de transição entre dois paradigmas - mas já revele, por si só, um novo padrão de acumulação capitalista, marcado exatamente pela composição e integração de modelos.

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FIORI, J. Carlos L. Trabalho em crise: um debate multidisciplinar (conferência). Curitiba, maio de 2005. Idem. VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o Direito do Trabalho no limiar do século XXI. Revista LTr n. 63, n. 7. São Paulo: LTr, 1999, p. 885896. VIANA, Márcio Túlio. Terceirização e sindicato. In HENRIQUE, Carlos Augusto Junqueira; DELGADO, Gabriela Neves (coord.) Terceirização no direito do trabalho. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 321-366. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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É nesse quadro que se insere o trabalho escravo. Seja no campo, seja na cidade, ele quase sempre se integra, direta ou indiretamente, às formas mais novas do capitalismo e ao mesmo tempo aos modos mais antigos de exploração do trabalho humano. Assim é, por exemplo, que Há casos de resgate em fazendas com pistas de pouso para aviões de médio porte e sedes suntuosas, mas que alojavam os trabalhadores temporários nos currais ou em barracas de plástico, sem paredes, escondidas na mata.31 É curioso notar como essa junção de passado e presente, campo e cidade, enxada e internet, discursos e práticas invertidas lembram misturas também presentes na pintura, na música ou na paisagem urbana, que colam elementos díspares e convivem com estilos diversos. Na verdade, segundo os estudiosos 32 , essa é exatamente uma das características mais fortes do mundo pós-moderno, que já não tenta codificar e uniformizar as diferentes realidades, mas permite e até deseja o heterogêneo, o caótico e o variado. Naturalmente, esse novo modo de ser é também produzido por nós, e ao mesmo tempo nos produz; e talvez nos ajude a explicar não só esse ecletismo de práticas empresariais, como também, em sentido diametralmente oposto, a nossa crescente sensibilidade para os direitos das minorias e o respeito à diversidade. Mas há outros importantes ingredientes desse novo mundo - como, por exemplo, a tendência de se valorizar mais a superfície que a profundidade, a aparência ao invés da essência, a fantasia sobre a realidade.33 E tudo isso parece influir de algum modo nos movimentos de um mercado cada vez mais premido pela concorrência. Nesse sentido, é interessante notar como a evolução da ciência e da técnica permitiu um certo nivelamento entre os produtos, muitos dos quais já alcançaram - ou estão perto de alcançar - um nível de perfeição quase absoluta. Assim é, por exemplo, que os relógios não mais se atrasam, os novos CDs nunca chiam, os automóveis já não freqüentam as retíficas e até os pneus raramente se furam. Na verdade, a vida curta desses e de outros produtos têm muito menos a ver com a sua durabilidade material do que com as pequenas novidades que a fábrica vai introduzindo, a todo instante, em cada novo modelo, envelhecendo assim o seu antecessor. Desse modo, tanto um selo verde aposto sobre uma mobília de madeira34 como a notícia de que a marcenaria do vizinho usou mãos infantis podem se tornar um traço importante de distinção entre produtos que - sem isso - se mostrariam virtualmente iguais; e desse modo passam a compor as estratégias de concorrência.35 31

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LOBATO, Elvira, apud PEDROSO, Eliane. Op. cit., p. 68. A reportagem foi publicada na Folha de São Paulo. Como HARVEY, David. La crisi della modernità. Milão: EST, 1997, passim. Idem. A propósito, cf. VIANA, Virgilio M. As florestas e o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Manaus: Valer, 2006, passim. COVA, Veronique; COVA, Bernard. Alternatives Marketing, Paris: Dunod, 2003, passim. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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O fenômeno da chamada responsabilidade social da empresa se insere nesse contexto. Apesar de suas reconhecidas limitações36, o que lhe garante uma eficácia crescente é sobretudo o valor que a imagem da marca e do produto vai adquirindo para o consumidor. É que também ele, consumidor, está cada vez mais preocupado com a sua própria imagem - não só física quanto imaterial. Além de freqüentar academias, quer parecer politicamente correto, não só aos outros como a si mesmo; e, num mundo cada vez mais desigual, compensa dessa forma o sentimento de culpa que o invade.37 Mas os tempos pós-modernos são também tempos de perda de identidade e de rompimento de laços sociais. E até mesmo essas carências podem ser supridas - magicamente - pelo produto que compramos, cuja marca também nos marca e nos (re)une a pessoas iguais a nós.38 E é assim que vão se disseminando novas estratégias entre os consumidores. Cada vez mais, especialmente nos países centrais europeus, surgem grupos formais e informais que se comprometem a comprar ou a vender produtos fabricados em países mais pobres e com respeito aos direitos humanos. É claro que não são apenas aquelas as causas que nos levam ao consumo consciente e ao boicote - direto ou indireto - que o acompanha. As razões psicológicas podem estar, e geralmente estão, conectadas com as nossas histórias de vida e com as nossas utopias. De igual modo, a prática da responsabilidade social não se reduz, necessariamente, a meras jogadas de marketing. Tal como aconteceu há duzentos anos com Owen e tantos outros, é possível, e até provável, que haja empresários realmente sensíveis às novas questões sociais. Seja como for, o importante é que os impulsos se casam, as práticas se aproximam, e - embora isso nem sempre aconteça - o interesse pessoal e as carências psicológicas de uns podem interagir positivamente com as crenças, os sonhos e os projetos políticos de outros. Assim, o mesmo modelo que induz o trabalho escravo acaba fornecendo instrumentos para o seu combate. A imagem da empresa, boa ou má, contamina o produto que ela fabrica e - por extensão - o próprio cidadão que o consome. Essa realidade é tão mais intensa quanto mais ágeis, penetrantes e ávidos vão se tornando os meios de comunicação de massa. Se os satélites já são capazes de identificar até o capacete de um soldado, e se na tribo dos pataxós, em plena Amazônia, os índios assistem novelas, é porque quase não há limites para o que a mídia pode saber e a quem pode atingir. Ainda que boa parte do mundo permaneça excluída das necessidades mais básicas, a internet permite a um universo crescente de pessoas trocar saberes e vivências, ver e ouvir grandes mestres e visitar as maiores bibliotecas. Não foi por acaso que em 2006, em Belo Horizonte, a Prefeitura disponibilizou computadores para que o povo fizesse propostas ao orçamento participativo. 36

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O Observatório Nacional da CUT tem observado, por exemplo, uma defasagem não só entre o discurso e as práticas das empresas multinacionais, como entre as próprias práticas desenvolvidas nos países centrais e as realizadas nos países periféricos. TORRES I PRAT, Joan. Consumo, luego existo, Barcelona: Icaria, (s.d.)., passim. COVA, Veronique; COVA, Bernard. Alternatives Marketing, Paris: Dunod, 2003, passim. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Mas o nosso tempo, também, é um tempo em que os direitos humanos não só pela evolução das idéias, mas até pela involução das práticas - alcançam os seus patamares mais altos, em termos de importância.39 Hegemônicos e ao mesmo tempo heterogêneos, eles se estendem, ou devem se estender, por todos os lugares e sobre todas as relações. A própria globalização nos mostra que os direitos do trabalho, a proteção da atmosfera e a defesa dos nossos rios e matas já não dizem respeito apenas às políticas internas de um ou de outro país. O que acontece aqui repercute ali, e - tal como os direitos individuais interagem com os sociais e os políticos - uma cidadania negada ou uma árvore cortada pode vir a interessar a todas as pessoas do mundo. Nesse sentido, observa Flávia Piovesan que a globalização “propicia e estimula” a abertura da Constituição para a normatização externa.40 Os indivíduos deixam de ser considerados apenas cidadãos em seus próprios Estados, para se tornarem “sujeitos de Direito Internacional”41, passíveis de serem protegidos através de denúncias formuladas por entidades ou grupos diversos, de quaisquer outros países. Por fim, vivemos um tempo em que os vazios deixados pelo Estado-Nação - cada vez mais fragilizado - são reocupados não só de forma autoritária pelo grande capital, mas de modo democrático pela sociedade civil, que aos trancos e barrancos vai multiplicando as suas associações de bairros, as pequenas cooperativas de produção e as estratégias coletivas de sobrevivência. Tudo isso nos faz crer que, com o passar dos anos, a prática do consumo solidário tenda a se tornar hegemônica; e, então, quando sairmos para comprar um novo tênis, a presença ou a ausência de trabalho digno será um componente tão importante quanto as bolhas de ar que irão proteger os nossos pés. 5 BREVES NOTAS A PROPÓSITO DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA 5.1 Sobre o conceito e o alcance da lista Como vimos no item 2, embora a escravidão, de um modo geral, tenha sido marcada pela dor, pela pobreza e pela indignidade, havia escravos de todo tipo, sem nenhum ou com alguns direitos, com poucas ou muitas qualificações, quase nus ou luxuosamente vestidos, com ou sem uma perspectiva na vida. Essa diversidade de situações talvez possa ser explicada, entre outros motivos, pela origem do escravo e pelo fim perseguido por seu dominador. Assim é, por exemplo, que as guerras produziam um escravo móvel, ao passo que as dívidas o imobilizavam naquela condição; analogamente, se usado apenas para criar tempo livre, sua vida era provavelmente melhor do que quando explorado para gerar riquezas. 39

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A propósito, cf. o excelente livro Direito fundamental ao trabalho digno, de DELGADO, Gabriela Neves. São Paulo: LTr, 2006. Para uma abordagem também inovadora, cf. a já clássica obra de Jorge Luiz Souto Maior, O direito do trabalho como instrumento de transformação social, da mesma Editora. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 46. PIOVESAN, Flávia. Op. cit., p. 62. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Nem por isso, ao longo do tempo, deixaram eles de ser incluídos na mesma categoria, fossem operários ou poetas, mineiros ou filósofos, gladiadores ou armadores, famintos ou proprietários de outros escravos. O que importa dizer que o conceito de escravidão sempre foi amplo, ligando-se sobretudo à falta de liberdade. Mas mesmo a falta de liberdade, como também já vimos, tinha os seus graus e matizes. Como qualificar, então, o fenômeno de hoje? Alguns o chamam de escravidão branca; outros, de nova escravidão; outros, ainda, usam aspas na palavra escravidão. A Convenção n. 29 da OIT fala em trabalho forçado ou obrigatório, para em seguida defini-lo como ...todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade. A Convenção n. 105 repete essa terminologia, ensaiando uma espécie de classificação: a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição ideológica à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como medida de disciplina de trabalho; d) como punição por participação em greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa. A mesma Convenção também emprega expressões como escravidão por dívidas e servidão. Outros documentos falam em servidão por dívidas ou em trabalho análogo ao de escravo. A última expressão é a utilizada pelo art. 149 do Código Penal. No entanto, é importante notar que o tipo penal é amplo, abrangendo não só situações de falta de liberdade em sentido estrito, como o trabalho em jornada exaustiva e em condições degradantes. Ora, a Portaria n. 540 repete a expressão da lei penal, o que nos leva a concluir que todas aquelas hipóteses degradantes estão abrangidas por ela. E é natural que seja assim: para quem vive - como vivem tantos - em condições piores que a de um animal, a liberdade não é mais do que um mito. Fixar os limites da degradação, para o fim de inserir nomes na lista suja, é um problema a ser resolvido caso a caso - embora se possa ensaiar alguns critérios, como faremos a seguir. Um auditor-fiscal nos sugeriu como parâmetro as normas de higiene e segurança do trabalho42; mas o fato é que um salário de fome ou um trabalho extenuante pode causar mais estragos que a ausência de um par de botas.

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Nos debates travados durante o I Encontro dos Agentes Públicos Responsáveis pelo Combate ao Trabalho Escravo, Brasília, novembro de 2006.

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É verdade, por outro lado, que também um operário de fábrica pode receber um salário que não lhe permita viver dignamente - ainda que se trate do mínimo legal. Basta que tenha alguns filhos e não disponha de outra fonte de renda. Esse mesmo operário pode também estar vivendo numa barraca de plástico e bebendo água poluída, tal como os que trabalham nos sertões do Pará. Talvez por isso, segundo relatos recentes, candidatos à lista suja estão deslocando as barracas de seus empregados para fora das fazendas ou para longe das carvoarias. Mas será que isso mudaria substancialmente a sua situação? E se entendermos que não: teríamos então de incluir na lista todos os patrões de empregados que levam vida miserável? É claro que a própria constitucionalidade do salário-mínimo pode ser questionada.43 Mas se quisermos manter os pés no chão, e resguardar a efetividade das portarias, talvez seja melhor entendermos a expressão “condições degradantes” sob um enfoque um pouco mais restrito - o que não significa reduzi-la aos casos típicos de escravidão. Em princípio, seriam cinco as hipóteses possíveis: 1. A primeira categoria de condições degradantes se relaciona com o próprio trabalho escravo stricto sensu. Pressupõe, portanto, a falta explícita de liberdade. Mesmo nesse caso, porém, a idéia de constrição deve ser relativizada. Não é preciso que haja um fiscal armado ou outra ameaça de violência. Como veremos melhor adiante, a simples existência de uma dívida crescente e impagável pode ser suficiente para tolher a liberdade. A submissão do trabalhador à lógica do fiscal não o torna menos fiscalizado. 2. A segunda categoria se liga com o trabalho. Nesse contexto entram não só a própria jornada exaustiva de que nos fala o CP - seja ela extensa ou intensa - como o poder diretivo exacerbado, o assédio moral e situações análogas. Notese que, embora também o operário de fábrica possa sofrer essas mesmas violações, as circunstâncias que cercam o trabalho escravo - como a falta de opções, o clima opressivo e o grau de ignorância dos trabalhadores - tornam-nas mais graves ainda. 3. A terceira categoria se relaciona com o salário. Se este não for pelo menos o mínimo, ou se sofrer descontos não previstos na lei, já se justifica a inserção na lista. 4. A quarta categoria se liga à saúde do trabalhador que vive no acampamento da empresa - seja ele dentro ou fora da fazenda. Como exemplos de condições degradantes teríamos a água insalubre, a barraca de plástico, a falta de colchões ou lençóis, a comida estragada ou insuficiente. 5. Mas mesmo quando o trabalhador é deslocado para uma periferia qualquer, e de lá transportado todos os dias para o local de trabalho, parece-nos que a solução não deverá ser diferente. Basta que a empresa repita os caminhos da escravidão, desenraizando o trabalhador e não lhe dando outra opção que a de viver daquela maneira. Esta seria a quinta categoria de condições degradantes.

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A propósito, cf., por todos, BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, passim. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Voltando à terminologia, nesse texto falaremos sempre de “trabalho escravo”, não só porque até a escravidão “clássica”, como vimos, teve múltiplas faces, como também porque, como observa Camilla Pereira Zeidler, trata-se de uma expressão menos dúbia e de melhor compreensão.44 5.2 Sobre os sofrimentos do trabalhador Os percursos mais freqüentes da escravidão já são bem conhecidos45: primeiro, a cidade pequena, a falta de trabalho, as barrigas vazias; depois, o gato que chega, as promessas de dinheiro, a sensação de aventura; então, a mãe que implora, o pai que abençoa, o orgulho de se aventurar no mundo; depois o caminhão, o ônibus ou o trem, a cachaça alegrando a viagem, a noite escondendo os caminhos, a dívida subindo a cada prato de comida; por fim, a fazenda, o fiscal, a arma, e às vezes a fuga, a volta e o recomeço. Com freqüência, a lógica do dominador se introjeta no dominado46, que passa a se achar realmente um devedor e - quando foge - uma espécie de ladrão. Também por isso, as fugas não são freqüentes; em geral, acontecem em situaçõeslimite, quando o medo de morrer vence o medo de ser morto, ou as penas do corpo fazem esquecer as inquietações morais, ou ainda - mais comumente - quando a sensação do engano desobriga a dívida.47 Em fazendas de Paragominas-PA, do português conhecido como Velho Matos, a polícia encontrou, segundo uma reportagem, [...] os materiais utilizados para tortura, como ferros, açoites e correntes de aço, que também serviam para amarrar os peões à noite para não fugirem. Os trabalhadores eram torturados quando desobedeciam às ordens do patrão e mortos quando tentavam fugir por pistoleiros auxiliados por cães treinados. Foi confirmada até mesmo a existência de um cemitério clandestino, onde foi encontrada, numa vala, a parte inferior de um corpo.48 Já o “castigo do tronco”, que teria sido usado numa fazenda do Bradesco, consiste num [...] tronco oco de angelim dentro do qual se colocam restos de comida, atraindo formigas e outros insetos, juntamente com a pessoa a ser punida. O cara passa três dias lá amarrado.49 44

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ZEIDLER, Camilla Pereira. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: formas de erradicação e de punição (dissertação de mestrado), UFPR, 2006, passim. A propósito, cf. a excelente pesquisa da Juíza Camilla Guimarães Pereira Zeidler, já citada. A propósito, cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, passim. A propósito, cf. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, passim. A reportagem, datada de 24.07.91, e publicada na Veja, é referida por SENTO-SÉ. Op. cit., p. 58. Correio Rural, de Cidelândia/MA, segundo descrito por SUTTON, A., apud SENTO-SÉ. Op. cit., p. 58. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Outro castigo aplicado aos que tentavam fugir de outra fazenda da região era o “vôo da morte”: [...] o trabalhador era espancado, muitas vezes com uma corda encharcada d´água, e a seguir jogavam-lhe água fria. Depois faziam-no equilibrar-se em cima de tábuas na traseira de uma pic-up, sem ter onde se agarrar, a não ser nos lados da camioneta, aos quais tinha de se agarrar com as mãos. Às vezes duas ou três pessoas eram colocadas assim na traseira da camioneta. Então alguém - informa-se que muitas vezes era o administrador da fazenda - dirigia a camioneta, descendo o morro a toda velocidade.50 A maioria dos escravos brancos vem do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará; quase todos homens (98%), entre 18 e 40 anos (75%), desqualificados e vulneráveis.51 Uns viajam por conta própria, e se arrancham nas pensões que exploram o tráfico: são os peões de trecho, que repetem a saga das prostitutas, à espera de clientes que lhes paguem as contas. Como nota Sento-Sé, os gatos os libertam da dívida, mas no mesmo instante os prendem de novo.52 Mesmo depois de salvo pelos auditores-fiscais, com dinheiro no bolso e passagem de volta, nem sempre o trabalhador viaja para casa: seja por se sentir fracassado, seja por falta de esperança, seja porque as políticas de reinserção ainda engatinham, ou ainda porque a saída de casa teve outras razões, o melhor pode ser ficar no trecho.53 E é nesse ponto que - tal como em 1888 - essa nova abolição encontra em si mesma os seus limites. Seja como for, nos últimos anos, cerca de 25 mil trabalhadores foram libertados - o que talvez signifique, pela força do exemplo, que outros tantos deixaram de se tornar prisioneiros. Um estudo realizado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário parece indicar54 que quase 70% das fazendas listadas não possuem registro no INCRA - o que também sugere a prática de grilagem. De certo modo, essa forma de escravidão pode ser também descrita como uma espécie de prisão por dívida, que paradoxalmente coexiste, na prática, com um modelo jurídico que a proíbe ao próprio Estado, exceto no caso de depositário infiel ou para garantir ao credor a percepção de alimentos (CF, art. 5º, inciso LXVII). Note-se que, pela Convenção 95 da OIT, nenhuma empresa poderá pressionar trabalhadores para que comprem produtos em suas lojas; e, quando lhes faltar alternativa, as autoridades devem tomar medidas para que “as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis” ou sem fins lucrativos. No mesmo sentido, o § 2º do art. 462 da CLT.55 Na verdade, no caso específico da alimentação, pode-se entender que todo desconto, mesmo a preço de custo, será ilícito, na medida em que se trata de uma espécie de ferramenta de trabalho - sem a qual este se inviabilizaria. 50 51 52 53

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SUTTON, A., apud SENTO-SÉ. Op. cit., p. 59. AUDI, Patrícia. Op. cit., p. 77-78. SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, 2001, p. 45. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, passim. Segundo AUDI, Patrícia.Op. cit., p. 83. A observação é de SENTO-SÉ. Op. cit., p. 50. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Nesse sentido, é sempre útil lembrar a clássica distinção proposta por Catharino - entre a utilidade entregue pelo trabalho, ou seja, em troca dele, e a fornecida para o trabalho, isto é, para torná-lo possível ou melhor. Pouco importa, assim, se a prestação também é útil ao empregado; o que vale é a causa do seu fornecimento - se no interesse da empresa ou não. Ora, quando o empregador fornece comida ao trabalhador escravo, sem que este tenha a opção de comprá-la de outro, age no interesse próprio, tal como acontece quando lhe entrega a enxada ou a foice. Desse modo, todo o dinheiro descontado - e não apenas o que ultrapassa o custo do alimento - deve ser restituído. E é o que tem sido feito. 6 BREVE HISTÓRICO DAS MEDIDAS ANTI-ESCRAVIDÃO NO BRASIL Segundo dados da OIT, ao menos 12,3 milhões de pessoas no mundo sofrem as penas do trabalho forçado.56 No Brasil, a Pastoral da Terra contabiliza 25 mil pessoas.57 Como anota Patrícia Audi58, as primeiras denúncias, entre nós, surgiram nos anos 70, com Dom Pedro Casaldáliga. Mas foi só na década de 90 que o País assumiu as suas culpas. Em 1992, surgiu o Programa para a Erradicação do Trabalho Forçado - PERFOR. Em 1995, o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado e o Grupo Móvel de Fiscalização. Em 2003, o Governo lançou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Em seguida, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE - com representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de vários segmentos da sociedade civil. 7 A LÓGICA E A ORIGEM DAS PORTARIAS MINISTERIAIS As Portarias n. 540 do MTE e 1.150 do MIN são nossas contemporâneas não apenas em termos cronológicos, mas no sentido de que interagem de forma positiva com todos aqueles elementos, já mencionados, que marcam a nossa época. Ao mesmo tempo - seja de forma consciente ou apenas coincidente - imitam uma prática já tradicional da OIT, que torna públicos os nomes dos países que violam as suas convenções; e, assim agindo, ajudam a evitar que entre esses mesmos nomes apareça o do Brasil.

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Relatório Global OIT - Aliança Global contra o trabalho forçado, 2005, in www.oit.org.br. SIMON, Sandra Lia; MELO, Luis Antonio Camargo. Produção, consumo e escravidão restrições econômicas e fiscais. Lista suja, certificados e selos de garantia de respeito às leis ambientais trabalhistas na cadeia produtiva. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves. Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 231. Sobre o importante trabalho das Pastorais e de outras entidades civis, como a ONG Repórter Brasil, cf., na mesma obra, o artigo de PLASSAT, Xavier. Consciência e protagonismo da sociedade, ação coerente do poder público. Ações integradas de cidadania no combate preventivo ao trabalho escravo, p. 206-222. A escravidão não abolida. In VELLOSO, Galba; FAVA, Marcos Neves (coord.). Op. cit., p. 75.

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Na verdade, a primeira Portaria a dispor sobre o tema foi a de n. 1 234, que previa o envio dos nomes dos infratores a vários órgãos do primeiro escalão, “com a finalidade de subsidiar ações no âmbito de suas competências”. Em 15.10.04, a Portaria n. 540 oficializou o “cadastro de empregadores”, dispondo que: Art. 2º A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo. Art. 3º O MTE atualizará, semestralmente, o Cadastro a que se refere o art. 1º e dele dará conhecimento aos seguintes órgãos: I - Ministério do Meio Ambiente; II - Ministério do Desenvolvimento Agrário; III - Ministério da Integração Nacional; IV - Ministério da Fazenda; V - Ministério Público do Trabalho; VI - Ministério Público Federal; VII - Secretaria Especial de Direitos Humanos; e VIII - Banco Central do Brasil. A Portaria prevê ainda que a fiscalização “monitorará” o infrator pelo prazo de dois anos depois de sua inclusão no cadastro. Não havendo reincidência, e pagas as multas e os débitos trabalhistas, o seu nome será então excluído. Quanto à Portaria MIN n. 1.150, recomenda a agentes financeiros sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional que se abstenham de conceder aos integrantes da lista financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos... A par dessas Portarias, tramitam no Congresso Nacional, segundo o juiz José Nilton Pandelot, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), [...] cerca de vinte propostas de modificações na legislação vigente que consistem, basicamente, em agravamento das penas, instituição de desapropriação de terras, proibição de concessão de crédito oficial, de subsídios e de incentivos fiscais, ou, ainda, de participação em licitações públicas para praticantes desses crimes.59 Alguns desses projetos transformam em lei o disposto nas Portarias, com uma ou outra modificação ou acréscimo. Em nível estadual, já existe pelo menos

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Trabalho escravo e sua raiz estatal, in www.anamatra.org.br. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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um exemplo de projeto aprovado: trata-se da Lei n. 1.726-06, de Tocantins, que proíbe a formalização de contratos e convênios pela Administração Pública Direta e Indireta e a concessão de serviços públicos às empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho forçado ou em condição análoga à de escravo na produção de bens e serviços. Um dos projetos mais importantes - n. 438/01 - permite a expropriação de fazendas onde houver trabalho escravo, tal como acontece hoje com o narcotráfico. No entanto, como também nota o juiz José Nilton Pandelot60, de um lado falta vontade política para a sua aprovação, e de outro sobram pressões da bancada ruralista. 8 AS OBJEÇÕES E OS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ÀS PORTARIAS Ambas as Portarias têm sido alvo de objeções. Algumas delas também utilizam idéias e valores muito enfatizados em nossa época, como é o caso da proteção à imagem e à intimidade. Em outras palavras, opõem-se direitos humanos a outros direitos humanos. 1. A primeira crítica é a de que estaria sendo violado o princípio da reserva legal. Nesse sentido, argumenta-se, por exemplo, que as Portarias buscam regulamentar os incisos III e IV do art. 186 da Constituição Federal, que teriam conteúdo programático. Ora, os incisos em questão alinham dois (entre quatro) requisitos para que uma propriedade cumpra a função social de que trata o art. 170, inciso III. São eles: [...] III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Ocorre que, pelo menos em relação a um dos requisitos - o terceiro - a lei regulamentadora já existe: é a própria CLT, acompanhada da legislação complementar. Na verdade, o que as Portarias fazem é apenas viabilizar o cumprimento de direitos que são também princípios e - além de tudo - fundamentais. Esses direitos se espalham em vários pontos da CF, mas a sua raiz - ou matriz - encontra-se sobretudo nos incisos II, III e IV do art. 1º, que mencionam a cidadania, a dignidade e os valores sociais do trabalho e da iniciativa privada como fundamentos da própria República. Só para ficarmos no primeiro deles, é bom notar que a cidadania não se reduz ao direito de votar ou ser eleito; nem ao direito formal de ter direitos. Ela passa pela vivência efetiva dos direitos fundamentais, sem o quê, aliás, não se pode falar em dignidade humana. 60

Op. cit. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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A propósito, já dizia Konrad Hesse que [...] a Constituição jurídica, no que tem de fundamental, isto é, nas disposições não propriamente de índole técnica, sucumbe cotidianamente em face da Constituição real.61 E não é outra a lição de Bobbio: Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção do seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. E mais adiante, concluindo: O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.62 No caso específico do Brasil, é também importante notar, com Flávia Piovesan, que O texto de 1988, ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria na história constitucional do país.63 Ora, a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais está claramente consagrada no § 1º do art. 5º da CF. Não há necessidade de mediação da lei ordinária. O que pode e deve haver é a expedição de atos administrativos destinados a facilitar a execução da norma, a exemplo do que prescreve o inciso II do art. 87, também da CF. A propósito, ensina Bonavides que um dos princípios constitucionais mais relevantes é o princípio da máxima efetividade daqueles direitos, cuja “força de irradiação” se estende por sobre todo o Direito Privado. E prossegue o mestre: Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais a “sociedade livre, justa e solidária” contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.64 61 62 63 64

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1991, p. 11. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 23-24. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 44. BONAVIDES, Paulo.Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 548 e 594. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Sobre o princípio da dignidade humana, em particular, ensina Mauricio Godinho Delgado que é norma que lidera um verdadeiro grupo de princípios, como o da não-discriminação, o da justiça social e o da equidade.65 Daí a sua particular importância - e a necessidade de sua efetivação real, e não apenas a declaração formal de sua existência. Como também argumenta a magistrada Silvia Mariozi dos Santos, de Brasília, Pensar de forma contrária propiciaria a total impossibilidade de execução de políticas públicas pelo Poder Executivo, que ficaria inerte e à espera de detalhamento na legislação para poder iniciar os trabalhos para o qual foi criado [...]. E prosseguindo: [...] se a Constituição Federal tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (inc. III do art. 1º), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. IV do art. 1º), se constitui como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I do art. 3º), garantir o desenvolvimento nacional (inc. II do art. 3º), erradicar a pobreza e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV do art. 3º), se valoriza o trabalho humano de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170), por certo que os órgãos do Poder Executivo são os responsáveis pela implementação das ações governamentais tendentes a tornar efetivos esses direitos.66 Por outro lado, como observa o Juiz João Humberto Cesário, do TRT da 23ª Região, em argumento irrespondível, [...] se, em última instância, é legítimo à União, nos termos do § 2º do art. 184 da CRFB, editar um decreto declarando o imóvel como de interesse social, para fins de instauração do procedimento de desapropriação, por certo será muito mais lícito que, por via dos Ministérios competentes, publique portarias que visem coibir a existência da repugnante prática de servidão contemporânea [...].67 O mesmo juiz lembra que as Portarias também encontram respaldo

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DELGADO, Mauricio Godinho.Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 26. Sentença proferida nos autos do proc. n. 007117/2005, entre Agropecuária Pimenta Bueno S/A e a União Federal, na 6ª Vara de Trabalho de Brasília, em 08.09.05. CESÁRIO, João Humberto. Breve estudo sobre o cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas às de escravo (lista suja): aspectos processuais e materiais. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 178. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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[...] no artigo 21, XXIV, da CRFB, que dita competir à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho; no art. 87, I, da CRFB, que diz competir ao Ministro de Estado exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal, na área de sua competência; bem como no art. 913 da CLT, a dizer que o Ministro do Trabalho expedirá instruções, quadros, tabelas e modelos que se tornarem necessários à execução da CLT. Não custa notar, também, que há uma série de outras normas, presentes em tratados e convenções internacionais, que proíbem o trabalho escravo - a começar pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948.68 Várias delas enfatizam a necessidade de se adotar medidas amplas - e não apenas de natureza legislativa - na defesa do trabalho digno. Em seu preâmbulo, a Constituição da OIT considera não só que a paz, para ser universal e duradoura, deve assentar sobre a justiça social, mas que ...a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios. As Convenções n. 29 e 105 tratam especialmente do trabalho escravo. Como ambas, de certo modo, são simples explicitações do que dispõe aquela Constituição, a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho as considera obrigatórias, com ou sem ratificação. Observe-se que, na prática, as duas Portarias também evitam que o Poder Público se contradiga - combatendo e ao mesmo tempo financiando a escravidão, por via de créditos ou outras facilidades. Ora, os atos administrativos também servem, ou devem servir como linha de costura entre os órgãos públicos, garantindo a sua unidade de pensamento e ação. Note-se que a multa administrativa, por si só, é ineficaz para inibir a prática da escravidão, especialmente se se considerar o montante dos lucros obtidos.69 Para a OIT, a certeza da impunidade é a principal explicação para a perpetuação dessas práticas.70 Também por isso, a invenção de medidas destinadas a aumentar a efetividade das normas constitucionais não é mera faculdade, e muito menos abuso de poder, mas um dever da Administração Pública, especialmente num contexto

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Citem-se, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Convenção sobre a Escravidão, de 1956; a Convenção Suplementar para Abolição da Escravidão, de 1956; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), de 1969; e a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, de .... A propósito, observou a Juíza Adriana Lemes Fernandes, em reclamatória proposta na Vara do Trabalho de Barra do Garças/MT, que o empregador havia sido autuado em R$4.512,91 por manter 17 trabalhadores “em condições degradantes comprovadas” (trecho de sentença proferida no proc. n. 00463.2005.026.23.00-1, entre Roberto Guidoni Sobrinho e União Federal, em 07.12.05). AUDI, Patrícia. Op. cit., p. 82. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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em que “teoria e prática percorrem duas estradas diversas e em velocidades muito desiguais.”71 Observe-se, por fim, que dentre as medidas que compõem o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo se encontram as “cláusulas impeditivas para a obtenção e manutenção de crédito rural, quando comprovada a existência de trabalho escravo ou degradante”.72 2. Outra objeção comum é a de que estaria sendo violada a presunção de inocência. Em algumas petições, tem-se acrescentado que não pode haver punição sem processo criminal. No entanto, nem se trata de sanção legal, nem a sanção é monopólio do Direito Penal. De fato, não se trata de sanção legal porque a Portaria MTE n. 540/04 apenas torna público o resultado de um ato administrativo. Ora, a publicidade é um dos princípios básicos da Administração, na medida em que [...] visa a propiciar seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral, através dos meios constitucionais [...].73 Quanto à Portaria MIN n. 1.150, como visto, apenas procura - através de recomendação - limitar o acesso de financiamento público a produtores rurais inseridos na lista. Desse modo, como tem observado o MTE em mandados de segurança, mesmo o eventual prejuízo, pelo menos no aspecto financeiro, [...] não decorre da inclusão do nome do infrator no cadastro, mas sim de um ato privativo das próprias instituições financeiras, que possuem autonomia para uma análise dos riscos econômicos e sociais de seus negócios.74 Poder-se-ia argumentar que, na prática, aquela recomendação vale como ordem. Haveria apenas um sofisma, um mero jogo de palavras para esconder a verdadeira face da Portaria. Mas a afirmação é discutível, tanto mais porque - como já notou uma juíza75 - a Portaria não prevê qualquer sanção para as instituições que concederem o crédito. Seja como for, porém, também o ato administrativo pode sancionar condutas, sem o que seria inoperante. 71 72

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 67. CESÁRIO, João Humberto. Breve estudo sobre o cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo (lista suja): aspectos processuais e materiais. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (coord). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: ANAMATRA/LTr, 2006, p. 166. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 88. Trecho citado em sentença proferida no proc. n. 1.056/05, na 2ª Vara de Brasília/DF. Adriana Lemes Fernandes, na sentença já citada. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Aliás, algumas decisões judiciais têm visto, aqui, um exemplo de exercício do chamado poder de polícia, que o velho mestre Hely Lopes Meirelles definia como ...o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.76 E esse poder, segundo Maria S. Z. Di Pietro, vai-se alargando cada vez mais, na mesma medida em que cresce o conceito de ordem pública: Na realidade, quer se trate de obrigação negativa, quer se trate de obrigação positiva, a pessoa que a cumpre está sofrendo uma limitação em sua liberdade, em benefício do interesse público.77 Essa limitação também se articula com os novos direitos do homem, que envolvem não apenas liberdades, mas poderes. Como ensina Bobbio, [...] a realização integral de uns impede a realização integral dos outros. Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos. Trata-se de duas situações jurídicas tão diversas que os argumentos utilizados para defender a primeira não valem para defender a segunda.78 É inegável que as Portarias acabam produzindo efeitos paralelos, não necessariamente previstos - mas nem por isso ilegais. Aliás, é exatamente nesse ponto que se pode observar todo o seu potencial e importância. Um desses efeitos, decorrente exatamente da publicidade, é a eventual exposição do nome do infrator à mídia.79 Nesse aspecto, valem os argumentos da Juíza Odélia França Noleto, ao rebater a tese levantada por uma empresa do setor agropecuário: Não quisesse a reclamante passar por escravocrata em público, não tivesse ela adotado essa praxe em seu estabelecimento. Aliás, agindo dessa forma, a reclamante expôs internacionalmente o nome do País, que levou a pecha de não coibir essa praxe vil, apesar de ter ratificado Convenção da OIT!80

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 115. Op. cit., p. 88. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 22. Os nomes da lista suja, que é atualizada semestralmente, podem ser encontrados, por exemplo, no site www.reporterbrasil.org.br. Trecho de sentença da Juíza Silvia Mariozi dos Santos, auxiliar da 60ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, nos autos do proc. n. 00717-2005-006-10-00-8, entre Agropecuária Pimenta Bueno da Silva e União Federal, proferida em 25.08.05.

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Além disso - ou por isso mesmo - os consumidores podem ser induzidos ao boicote. E quem dá o exemplo são as próprias empresas: seja por interesse econômico, seja (também) por outras razões, mais de 70 delas celebraram em 2005 o Pacto Nacional contra o Trabalho Escravo, obrigando-se a não usar produtos de integrantes da lista suja. Desse modo, na medida em que as Portarias, por via oblíqua, incentivam o consumo solidário - seja por parte do grande público, seja entre as empresas da rede - acabam potencializando o combate ao trabalho escravo. E se, também aqui, alguém apontasse a presença de uma sanção, sua fonte não seria estatal, mas social, em sentido estrito. De resto, como argumenta um juiz, trata-se da mesma discriminação que o País sofre, no plano internacional, quando um organismo lhe nega crédito por violar direitos humanos - inclusive praticando escravidão.81 Note-se que a Portaria n. 540 dispõe que a inserção na lista depende de não caber mais recurso administrativo, no qual se assegura ampla defesa. Por outro lado, em muitos casos tem sido celebrado termo de ajuste de conduta, o que supõe “concordância com as atuações e a assunção dos fatos”.82 E, como não se trata de rol de culpados, não há necessidade de prévia condenação criminal.83 Por tudo isso, só se pode concluir que ...ao editar a Portaria n. 540/04, criando o Cadastro Negativo dos Empregadores, o Ministério do Trabalho e Emprego nada mais fez do que, dentro de sua competência, buscar dar cumprimento à Constituição Federal, precisamente ao disposto no § 1º do art. 5º, que impõe a todos os poderes públicos o dever de “maximizar a eficácia dos direitos fundamentais”, objetivando dar efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. (ac. TRT 8ª Reg., 1ª T., REXRO 00610-2005-112-08-00-0, Relatora Suzy Elizabeth Cavalcante Koury) 9 COMPETÊNCIA Com a EC n. 45, a Justiça do Trabalho ganhou competência para processar e julgar: as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. (art. 114, VII)

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Argumento utilizado em sentença pelo Juiz Federal Marcos Alves Tavares, da 1ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso, no proc. n. 2005.36.00.001077-2. Trecho da sentença proferida pela Juíza do Trabalho Adriana Lemes Fernandes, respondendo pela Vara de Barra do Garças/MT, nos autos do processo entre Roberto Guidoni Sobrinho e União Federal, em 07.12.05. Acórdão nos autos do proc. RO 00717-2005-006-10-00-8, proferido em 16.12.06, sendo Relator o Juiz Paulo Henrique Blair de Oliveira, do TRT da 10ª Região.

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Desse modo, não pode haver qualquer dúvida sobre qual o juízo que deve atuar nas causas que envolvam a lista suja - venham elas sob a forma de mandados de segurança, ações coletivas em geral, ações individuais de reparação por dano material ou moral etc. Algumas ações, em mandados de segurança, vêm alegando que a competência funcional não seria das Varas do Trabalho, mas do TST. No entanto, como observa o juiz João Humberto Cesário84, o argumento não procede, já que a legalidade das Portarias vem sendo discutida e apreciada apenas de forma incidental. O mesmo juiz, aplicando analogicamente o § 2º do art. 109 da CF, conclui que [...] figurando a União como ré nas demandas em discussão, tais causas poderão ser opcionalmente intentadas na Vara do Trabalho que possuir jurisdição sobre o domicílio do autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda, ou ainda no Distrito Federal.85 10 A AÇÃO DOS FISCAIS DO TRABALHO A atuação dos auditores-fiscais - base de toda a estratégia de combate ao trabalho escravo - está centrada sobretudo nos grupos móveis, cuja atuação concreta já foi sintetizada assim: Chegando ao estabelecimento rural [...] percorre todas as dependências, a mata, o pasto, os currais, as plantações [...] toma a termo as declarações de cada trabalhador [...] documenta, fotografa, enfim, toma todas as providências, que se transformam em provas.86 Assim, mais do que apenas autuar, os fiscais fornecem subsídios para a atuação sucessiva do Ministério Público e da Justiça do Trabalho; e, mesmo ao reprimir, acabam prevenindo outras práticas e ajudando a inverter a lógica do lucro fácil e da impunidade. Não é por outra razão, aliás, que vêm sofrendo ameaças e ataques reais às vezes pagando com a vida o preço de sua coragem. 11 A AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Outro importantíssimo ator no combate à escravidão é o Ministério Público do Trabalho, especialmente através das ações coletivas, em sentido amplo - na defesa de interesses difusos, coletivos e individuais hom*ogêneos. Como se sabe, difusos são os interesses que dizem respeito a pessoas não identificáveis, sem rosto, visto que não ligadas por laços jurídicos; coletivos, aqueles 84 85 86

Op. cit., p. 172. Op. cit., p. 177. Depoimento de Robinson Neves Filho, no painel “Terceiro momento: o que liberta?”. In Anais, cit., p. 72. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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que se referem a grupos de indivíduos presos entre si por um vínculo de direito, e passíveis de serem determinados; e individuais hom*ogêneos, os que decorrem de uma origem comum e dizem respeito a pessoas desde logo identificadas. A propósito, têm sido ensaiadas algumas medidas inovadoras, como aconteceu, por exemplo, em fins de 2005, no Pará, quando a condenação se destinou à compra de veículos, computadores e rádio-comunicadores, que vêm sendo utilizados pelas equipes do Grupo Móvel.87 A par dessa atuação, o MPT tem tido papel relevante ao acolher denúncias, acompanhar blitzes, divulgar práticas e lutar na esfera política pela adoção de medidas sempre mais eficazes no combate à escravidão, sobretudo através de sua associação de classe. O MPT conta hoje com uma Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE). E também o Ministério Público Federal criou uma força-tarefa destinada à mesma luta. 12 A ATUAÇÃO DOS JUÍZES DO TRABALHO A atuação da Justiça do Trabalho tem sido decisiva. Em geral mais sensíveis e atentos aos problemas sociais, seus juízes têm se envolvido de corpo e alma no combate à escravidão. Uma das experiências mais inovadoras e eficazes são as Varas Itinerantes88, de cuja atuação nos fala o Procurador Lóris Rocha Pereira Júnior: No caso da Fazenda Estrela das Alagoas [...] a Vara Itinerante foi lá dentro [...] constatou-se o trabalho escravo ou degradante [...].89 Eu estava presente, fiz a petição, pedi o bloqueio, e na mesma hora o juiz deferiu, conectou a Internet e bloqueou 110 mil reais na conta do fazendeiro. No mesmo dia, por volta das 18 horas, chegava à fazenda um pequeno avião trazendo, em espécie, 110 mil reais, devidamente trocados, e começava o pagamento a cerca de 92 trabalhadores. Começando por volta de 19 horas e continuando por toda a noite, lá pelas 5 horas da manhã foi feito o último pagamento. Em 2004, instituiu-se uma rubrica específica no orçamento da Justiça do Trabalho para a erradicação do trabalho escravo, prevendo a estruturação e o suporte às ações daquelas Varas. Para além dessas fronteiras, a ANAMATRA tem tido atuação diária e efetiva junto aos poderes públicos, acompanhando de perto a tramitação de projetos que tratam da matéria e participando de discussões em várias instâncias.

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PRADO, Erlan José Peixoto do. A ação civil pública e sua eficácia no combate ao trabalho em condições análogas às de escravo: o dano moral coletivo. In VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves. Op. cit., p. 200. A propósito, cf. o texto de MIRANDA, Anelise Haase; e SANTIAGO, Ricardo André Maranhão. Das ações pró-ativas do Poder Judiciário e a atuação da vara itinerante no combate ao trabalho escravo. In VELLOSO, Gabriel; e FAVA, Marcos Neves (coord). Op. cit., p. 241-268. Primeiro momento: quem é o escravo? In Anais... cit., p. 29. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Junto aos seus próprios associados, a ANAMATRA vem há anos semeando a idéia do juiz-cidadão, que não se limita a julgar, e nem mesmo a julgar de forma transformadora, mas se envolve de corpo e alma com a sociedade em que vive. Esse modo de sentir dos juízes é muito bem exemplificado pelas palavras de um deles, Jorge Antônio Ramos Vieira, aliás participante de uma das Varas Itinerantes: [...] quem escraviza também é aquele que, devendo coibir a prática concretamente, também não o faz, e com as suas ações ou omissões permite a escravidão [...].90 E a percepção da amplitude do problema fica bem nítida nas palavras de outro, Grijalbo Fernandes Coutinho, ex-presidente da ANAMATRA e um de seus mais combativos líderes em todos os tempos: Estou absolutamente convencido de que todos os atos são importantes, insuficientes, no entanto, para eliminar as formas degradantes de exploração do trabalho humano, se não tivermos a capacidade crítica de romper com a ideologia neoliberal que domina o mundo, responsável pela propagação da idéia de que “qualquer trabalho é melhor do que nada”.91 13 A ATUAÇÃO DO LEGISLADOR Uma lei que substitua aquelas duas Portarias será muito importante - não só por eliminar boa parte das discussões, como por aumentar a força da lista suja. Do mesmo modo, a expropriação de terras será uma arma de grande eficácia. Mas não basta atuar na direção do infrator. É preciso enfrentar a realidade do ponto de vista da vítima. A propósito, dizia, há alguns anos, o líder sindical dos auditores-fiscais, que, se for colocar uma placa em uma determinada fazenda oferecendo trabalho escravo, podem ter certeza de que, infelizmente, haverá candidatos.92 Assim, essa nova abolição que se pretende fazer terá de ser mais profunda que a primeira – não só reprimindo o trabalho escravo, mas criando condições efetivas de sobrevivência digna para as populações marginalizadas. 14 ALGUMAS NOTAS FINAIS Para Rousseau, as palavras “escravidão” e “Direito” se excluem.93 Por isso mesmo, o direito de não ser escravo chega a ser redundante; é dizer o que já está dito. 90 91

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NUNES, Carlos Alberto T. Segundo momento: quem escraviza? In Anais..., cit., p. 65. COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Fragmentos do ativismo da magistratura. São Paulo: LTr, 2006, p. 83. In Anais..., cit., p. 41. OLEA, Manuel Alonso. Da escravidão ao contrato de trabalho. Curitiba: Juruá, 1990, p. 65-66. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.189-215, jul./dez.2006

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Trata-se de um daqueles direitos que não encontram limites sequer diante de casos excepcionais. Em outras palavras, [...] são privilegiados porque não são postos em concorrência com outros direitos, ainda que também fundamentais.94 A nosso ver, a análise das duas Portarias ministeriais tem de partir dessa premissa. Não pode e não deve ser feita sob a ótica de uma suposta privacidade do infrator ou do eventual prejuízo que a lista suja lhe possa causar. Do mesmo modo, precisa considerar que as vítimas não são apenas os trabalhadores, nem somente as suas famílias, mas a sociedade em geral e o nosso próprio País, cuja imagem reflete, bem ou mal, a de todo o seu povo. Para isso, é preciso ter sempre em mente que interpretar é também integrar; é descobrir, mas também inventar; é fazer Direito e criar Justiça. A aplicação da lei é ciência, mas sem deixar de ser arte; talvez seja mais arte, até, do que ciência. E é exatamente nesse campo que os juízes do trabalho - especialmente os mais jovens - encontram diariamente não só as suas aflições, como os seus alívios; não apenas os seus desafios, mas as suas realizações. Sobre eles, o nosso grande Evaristo - provavelmente tão sábio quanto o sábio de Couture - escreveu certa vez que são, ou deviam ser, como que vanguardeiros do seu tempo, vivendo como antenas soltas no espaço social, captando o que há de constante e sentindo por igual o que há de variável, com acenos de transformação dos velhos quadros econômicos, políticos e sociais.95

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 20. Grifos nossos. MORAES FILHO, Evaristo de. A justa causa na rescisão do contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 243.

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UM OLHAR RECONSTRUTIVO DA MODERNIDADE E DA “CRISE DO JUDICIÁRIO”: A DIMINUIÇÃO DE RECURSOS É MESMO UMA SOLUÇÃO? Flávio Quinaud Pedron* O presente artigo desenvolve uma leitura reconstrutiva da “crise do Judiciário” a partir dos seus fatores históricos e sociológicos, bem como da teoria desenvolvida por Jürgen Habermas, a fim de demonstrar que as crises desempenham um papel fundamental da Modernidade, não podendo - nem devendo - ser sanada. Na realidade, do ponto de vista funcional a “crise” é fruto de uma colonização da racionalidade sistêmica (principalmente do Mercado) que desaloja a ação comunicativa do seu habitat, trazendo prejuízo para a legitimidade do Direito moderno. Palavras-chave: “crise do Judiciário”; Modernidade; paradigmas e legitimidade do Direito. A afirmação da existência de uma “crise” no Poder Judiciário brasileiro não é nova e, antiteticamente, parece acompanhar a história dessa instituição como uma constante. A surpresa se revela mais clara, todavia, quando se tem em mente que a palavra crise tem sua origem na palavra grega krísis, tão comum no vocabulário médico. Representaria, então, um estágio súbito no curso de uma determinada patologia, que coloca em dúvida os poderes de autocura do organismo afetado. Daí, pode-se compreender o significado de crise como uma “força objetiva, que priva um sujeito de alguma parte da sua soberania normal” (HABERMAS, 2002:12). Mas, se uma outra compreensão do termo for procurada, é possível encontrar referência no campo estético, principalmente na literatura. Nesse caso, a crise adquire o significado de uma encruzilhada que permanece como perspectiva interna à identidade das pessoas que lutam por uma salvação, ou seja, o sujeito tem de se debater internamente em razão de um conflito normativo que vai de encontro à sua identidade. Transportando esse conceito para as ciências sociais, podem-se encontrar menções ao conceito teórico sistêmico de crise, fornecido por Habermas: Conforme esta perspectiva sistêmica, as crises surgem quando a estrutura de um sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que são necessárias para a contínua existência do sistema. Neste sentido, as crises são vistas como distúrbios persistentes da integração do sistema (2002:13).

* Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Professor de Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ciência Política e Teoria do Estado no Uni-Centro Izabela Hendrix, Belo Horizonte/ MG. Advogado. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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As crises em sistemas sociais são, portanto, o resultado de uma incompatibilidade dos imperativos funcionais inerentes a cada sistema. Mas, para melhor compreender essa afirmativa, faz-se necessário identificar quais dentre os imperativos funcionais são essenciais para a manutenção da identidade de um dado sistema. Segundo Buzaid (1972:144), a idéia de crise do Judiciário está ligada a um desequilíbrio entre o aumento do número de demandas ajuizadas e o número de julgamentos proferidos. Em razão do maior número de demandas propostas em face do número de julgados, tem-se um acúmulo de demandas que se sedimentam, congestionando o fluxo normal da tramitação processual e prejudicando a observância regular pelo Poder Judiciário dos prazos processuais fixados na legislação processual brasileira. Dentro da problemática traçada nesta pesquisa, a questão acima adquire uma forma específica, uma vez que tal identificação depende da compreensão adequada da função que deverá ser assumida pelo sistema do Direito na sociedade moderna - qual seja a de estabilizar as expectativas de comportamento generalizadas dentro de uma determinada sociedade.1 Dessa forma, a proposta lançada aqui é identificar como a “patologia” que assola o Judiciário brasileiro foi percebida ao longo do transcurso histórico, bem como quais foram as medidas tomadas até agora para sua superação. Em seguida, proceder-se-á a uma reconstrução paradigmática a fim de avaliar se as atuais medidas de contensão da “crise” se mostram não apenas eficazes, mas adequadas ao atual paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. As raízes históricas da “crise” podem ser identificadas ao longo do desenvolvimento da República, sendo o Supremo Tribunal Federal (STF) o órgão que primeiro a percebeu2 através do Decreto n. 20.889, de 23 de novembro de 1931, que fixava o número obrigatório por semana de seções de julgamento, até que fosse esgotada a pauta das causas judiciais já marcadas (BUZAID, 1972:145). Nessa época, o número de feitos não atingia a casa anual de duzentos3, mas as pautas, que não se esgotavam, já representavam uma preocupação, o que levou os estudiosos a afirmarem a existência de uma “crise no Supremo Tribunal Federal”.4 1

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Ao fazer referência ao sistema do Direito, o presente estudo se apóia nos trabalhos desenvolvidos por Habermas, principalmente, em sua obra Facticidade y Validez (1998). Contudo, não se pode furtar a menção aos estudos de Luhmann sobre os sistemas sociais, inclusive o sistema do Direito. Para tanto, ver LUHMANN, Niklas. El Derecho de la Sociedade. Trad. Javier Torres Nafarrate. México: Universidad IberoAmericana, 2002 (Colección Teoria Social). É, contudo, oportuno esclarecer que as divergências habermasianas sobre a teoria de Luhmann não serão objeto de discussão. Criado pelo Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, o Supremo Tribunal Federal seguiu os moldes do modelo norte-americano, tendo suas atribuições definidas pela Constituição de 1891, de forma a caber-lhe o papel de defesa da unidade e autoridade da Constituição e das leis federais (VILLELA, 1986:236). As referências estatísticas apresentadas baseiam-se no texto de Alfredo Buzaid (1972:145), que, por sua vez, baseia-se nos Arquivos do Ministério da Justiça, v. 16, p. 37. Todavia, conforme Almeida Santos (1989:122), durante a reforma constitucional de 1926, uma proposta para diminuição de julgados já havia sido feita, mas não materializada: limitar o cabimento dos recursos extraordinários - previstos inicialmente sem essa nomenclatura - apenas às hipóteses de questionamento sobre vigência ou validade das leis federais em face da Constituição, excluindo, assim, a possibilidade de questionamento da aplicação errônea da lei. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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Com a Constituição de 1934, acreditou-se que a criação da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar e de um mecanismo administrativo de resolução de contenciosos ligados à matéria trabalhista representassem uma solução para o problema enfrentado pelo STF. Além disso, o art. 76, 2, III, do Texto Constitucional, ao disciplinar a figura do recurso extraordinário5, traçou contornos mais próximos dos atualmente existentes - apesar de ainda não haver recebido a nomenclatura atual. Ao utilizar o termo julgar ao invés da expressão consagrada no Texto Constitucional anterior (haverá recurso), ficou encerrada uma discussão existente em razão do novo art. 766, entendendo-se que o STF não funcionaria como uma corte de cassação - que anularia as decisões proferidas pelos órgãos inferiores e determinaria que os mesmos proferissem outra substituta - e optando-se pelo modelo da corte de revisão, de modo que seus ministros teriam poderes para reexaminar toda a matéria, aplicando o direito a um determinado caso em litígio, o que, operacionalmente, poderia representar uma diminuição dos trabalhos do Tribunal. Essa polêmica já é suficiente para caracterizar uma preocupação sobre o acúmulo de serviço mesmo quando os feitos endereçados ao STF somavam anualmente 800, sendo 286 o número de recursos extraordinários propostos (NAVES, 2001:11). Uma tentativa encontrada para agilizar os julgamentos foi a divisão do Tribunal em turmas de cinco juízes, por meio do Decreto-lei n. 6, de 16 de novembro de 1937. Outras medidas “desafogadoras” do STF foram, então, tomadas nos anos posteriores: (1) a Constituição de 1946 criou o Tribunal Federal de Recursos (TFR), substituindo o STF como segunda instância para as causas de interesse da União; (2) a Lei n. 3.396/58, que alterou os artigos 864 e 865 do Código de Processo Civil, determinando a necessidade de fundamentação das decisões do Presidente do Tribunal a quo que admitem ou denegam recurso extraordinário - o que possibilitou a denegação do recurso, não apenas segundo critérios formais de admissão; e (3) 5

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O instituto do recurso extraordinário, bem como os demais recursos destinados a Tribunais Superiores não serão objeto de análise aqui, por necessitar de uma abordagem maior, escapando ao escopo da presente pesquisa. Mesmo assim, já se indica a leitura da pesquisa feita por Bahia (2003:331), que, em sua dissertação de mestrado em direito constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (FDUFMG), reconstrói o instituto do recurso extraordinário com vistas ao paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. A Constituição da República de 1934, ao estabelecer a competência do STF, assim dispôs: “Art. 76 - À Corte Suprema compete: [...] III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância: a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada; c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou a lei impugnada; d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um destes Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal”. Diferentemente é o Texto Constitucional anterior: “Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] II - julgar, em grau de recurso, as questões resolvidas pelos Juízes e Tribunais Federais, assim como as de que tratam o presente artigo, § 1º, e o art. 60”. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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em 1963, por influência do Min. Nunes Leal, o STF aprovou suas primeiras súmulas de jurisprudência dominante (370 verbetes ao todo), visando a externar a posição majoritária do Tribunal para que a mesma fosse seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário. Foi, sobretudo, a partir de 1964 que medidas pautadas mais em razões meramente pragmáticas para solucionar a “crise do Supremo Tribunal Federal” ganharam destaque: (1) através da alteração do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), foram consideradas prejudicadas todas as causas pendentes de julgamento há mais de dez anos, caso não houvesse manifestação expressa das partes após convocação; (2) a introdução do controle concentrado de constitucionalidade, por meio da Emenda Constitucional n. 16, consagrando o instituto da representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, quando encaminhada pelo Procurador-Geral da República7; e por fim, através da Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, (3) a argüição de relevância da questão federal, condicionando para o conhecimento do recurso a demonstração de reflexos na ordem jurídica e aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, julgados como um incidente prévio ao conhecimento do recurso extraordinário em seção secreta e irrecorrível.8 Com o movimento de redemocratização, consagrado na Constituição da República de 1988, modificações sensíveis puderam ser notadas no tocante à preocupação em não sobrecarregar o STF. A principal modificação foi a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja atribuição seria a de “guardião” da legislação

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Segundo parte da doutrina constitucional brasileira, com destaque às lições do Min. Gilmar Mendes (2004:263), a introdução do controle concentrado de constitucionalidade, pautado no modelo europeu, representaria uma evolução para o sistema brasileiro, substituindo a “obsoleta” técnica de decisão caso a caso, caracterizadora do sistema difuso, por uma técnica de decisão em tese, que, devido aos efeitos erga omnes, seria capaz de abranger mais situações concretas através da discussão do que seria um processo objetivo e que garantiria não somente um desafogamento do STF como ganhos em segurança jurídica. Tais ganhos são ainda ressaltados após a publicação da Lei n. 9.868/99 e da Lei n. 9.882/99, que inovaram quanto à possibilidade de modulação dos efeitos temporais e pessoais e de concessão dos mesmos efeitos em sede de medida liminar, determinando a suspensão de causas que tramitem na primeira e segunda instâncias. Todavia, desde já destaca-se que pesam críticas sobre tal leitura no que tange à obediência ao princípio democrático e à legitimidade dessas decisões sobre a constitucionalidade (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002). Mesmo com o desrespeito explícito ao princípio do devido processo legal, como denuncia Calmon de Passos (1977:13), diversos juristas, seguindo a linha de raciocínio do Min. Nunes Leal, consideram a argüição de relevância da questão federal um instrumento mais eficiente para diminuir o número de recursos, defendendo o seu retorno ao Direito brasileiro com aplicação não apenas para o recurso extraordinário, mas estendida ao recurso especial e ao recurso de revista, por considerarem ideal o modelo de jurisdição discricionária da Suprema Corte norte-americana (NAVES, 2001; MARTINS FILHO, 2000; MANCUSO, 2003, entre outros). Ao longo da presente pesquisa, objetiva-se demonstrar que a noção de efetividade - principal argumento dos defensores de tal instrumento, na realidade, pautase no modelo de racionalidade instrumental (teleológico) weberiano - adequação dos meios a um fim determinado - sem, contudo, observar a dimensão comunicativa existente na linguagem, voltada à garantia da legitimidade do Direito. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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federal, deixando ao STF a atribuição de proteção da esfera constitucional. A Carta Magna, contudo, deixou de consagrar o polêmico requisito da argüição da relevância para os recursos extraordinários. Com a nova Constituição, ainda se tinha a idéia de que a “crise” persistia mesmo com a criação do STJ. E não se tratava mais de uma endemia restrita ao âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas que rapidamente havia se alastrado aos demais órgãos do Poder Judiciário, o que conduzia à constatação de que havia uma “crise” não somente no STF, mas uma crise generalizada em todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Dados estatísticos acusam que, após um ano de sua criação, o STJ recebeu 14.087 processos para julgamento, conseguindo decidir apenas 11.742.9 O mesmo aconteceu com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, no mesmo período, julgou 20.473 processos.10 Contudo, tal problema não é restrito à realidade dos Tribunais Superiores. A primeira instância - englobando tanto as Justiças Estadual e Federal, Comum e Especiais - recebeu, em 1990, 5.117.059 causas, sentenciando apenas 3.637.152.11 Após a Constituição da República de 1988, no nível infraconstitucional, a legislação processual sofreu diversas alterações, principalmente no sentido de concentrar a tomada de decisões em figuras individuais, como o caso do aumento dos poderes do relator dos acórdãos perante os Tribunais.12 Outra medida foi o uso experimental da figura da “transcendência” no recurso de revista como requisito de admissibilidade - com pretensão de propagação para

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Conforme valores fornecidos pelo Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário disponíveis em , é possível perceber que a atuação do STJ, após o ano de 1996, tem sido sempre no sentido de julgar mais demandas do que o montante que lhe é distribuído. Todavia, esse diferenciado contraste estatístico entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não pode ser tomado como um resultado positivo, como adverte Ribeiro Costa (2004:295), pois representa uma média de 300 processos mensais por Ministro do STJ - 8 demandas julgadas, em média, por dia trabalhado pelo Ministro, prejudicando uma análise mais aprofundada das questões discutidas. Segundo informações do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário - disponíveis em - e atualizadas até o ano de 2003. Disponível em , atualizado até o ano de 2003. Trata-se do art. 557 do Código de Processo Civil brasileiro (CPC), cuja redação foi modificada com a Lei n. 9.756, de 17 de dezembro de 1998, autorizando, no caso de recursos especiais ou extraordinários, o relator a negar seguimento de plano a recurso que seja manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de outro Tribunal Superior. Com a Lei n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001, alterou-se o texto do art. 527 do CPC, permitindo que o relator, no caso agora de agravo de instrumento, possa fazer uso desse dispositivo, antes restrito aos recursos especiais e extraordinários. Essa mesma Lei também foi responsável por aumentar os poderes do relator, permitindo que o mesmo, ao receber um agravo de instrumento, também possa: convertê-lo em agravo retido (art. 527, II); atribuir efeito suspensivo ou deferir antecipação dos efeitos pretendidos com a tutela legal, de maneira total ou parcial (art. 527, III), entre outras possibilidades. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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todos os demais recursos para Tribunais Superiores - por meio da Medida Provisória n. 2.226/01.13 Tal medida foi questionada judicialmente com a proposição da ADI n. 2.527-9 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. De maneira bem sintética, pode-se afirmar que o objetivo da “transcendência” é fornecer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) a possibilidade de desenvolver um filtro de seleção de recursos, através da demonstração pelo recorrente de que aquela causa transcende - econômica, política, social ou juridicamente - os limites do caso concreto e do interesse privado das partes processuais. Segundo seus defensores (MARTINS FILHO, 2000; SILVA, 2001), tal artifício autorizaria os Tribunais a negar o conhecimento de “causas menos importantes e repetitivas”, que tanto abarrotam as estantes dos Tribunais, dando fim precoce - ou mais célere, na definição dos mesmos - à tramitação dessas, supostamente “pacificando” o conflito pelo proferimento da decisão judicial final. Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, duas inovações ganharam destaque como propostas para a solução da “crise”: a possibilidade de o STF publicar súmulas de efeito vinculante14 (art. 103-A)15 e a necessidade de se demonstrar, em sede de recurso extraordinário, a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, § 3º)16, funcionando como um requisito 13

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Não serão feitos muitos comentários no presente tópico, haja vista ser esse o assunto que serve de mote para toda a discussão a ser ventilada pela presente pesquisa, de modo que uma melhor análise do instituto será feita mais à frente. Já a respeito da súmula vinculante, deve ser lembrado que esse não é o objeto da presente pesquisa, de modo que não há espaço aqui para maiores colocações ou, até mesmo, uma análise crítica do instituto, sob pena de se fugir à temática inicialmente proposta. Todavia, mostra-se importante compreender que tal mecanismo obedece à mesma lógica da transcendência/relevância - e, como querem alguns juristas, também, o mesmo acontece com a repercussão geral das questões constitucionais discutidas. “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgandoa procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. “Art. 102. [...] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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de admissibilidade desse recurso. Sobre este último, é importante destacar que muitos estão compreendendo-o como um retorno da antiga argüição de relevância da CR/69, da mesma forma que a transcendência no recurso de revista tratar-seia, então, de uma mera troca de etiquetas nas perspectivas, por exemplo, de Martins da Silva (2005:195) e de Tavares (2005:213-214; 2004:55).17 Se se adotar, todavia, a perspectiva da análise de Buzaid (1972:147), lançando mão do termo crise conforme o seu significado médico, parece equivocado considerar o aumento de volume de trabalho nos Tribunais Superiores como a causa da patologia denominada de “crise do Poder Judiciário”. O que se sugere como adequado é a compreensão dos mesmos fenômenos como meros sintomas, ou seja, apenas como uma conseqüência verificável empiricamente da incapacidade do próprio sistema jurídico de gerar respostas funcionais satisfatórias.18 Dessa forma, a “cura” para tal condição não decorreria simplesmente de uma solução pragmática com vistas a reduzir de forma drástica o número de recursos julgados, principalmente nos Tribunais Superiores, mas de uma tentativa de lançar um olhar mais amplo sobre a questão. Isso porque a sobrecarga não decorre de um simples aumento no número de recursos dirigidos aos Tribunais Superiores, mas de uma litigiosidade que começa desde a primeira instância e apenas segue seu curso normal. Assim, as causas da “crise” estariam no aumento demográfico (BUZAID, 1972:149) ou no processo de industrialização e urbanização brasileiro (SADEK, 2004:11)19. Um olhar complementar a esse é apresentado por Oliveira Filho e confirmado por Buzaid em citação de Baptista (1976:40): o acúmulo de processos, fator gerador da “crise” do STF, seria resultado da grande confiança que os litigantes estariam depositando naquela Corte.

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O presente trabalho se propõe a discutir tal tese, posicionando-se em sentido contrário e tentando fornecer uma compreensão procedimentalmente adequada do dispositivo constitucional à luz dos pressupostos incorporados pela Teoria do Discurso de Habermas, de modo a manter íntegra a tensão entre facticidade e validade inerente ao Direito moderno. Theodoro Júnior lembra que a “crise do Judiciário” não é uma questão que assola apenas o Brasil, mas todo o Mundo Civilizado: “Por mais que juristas e legisladores se esforcem por aperfeiçoar as leis de processo, a censura da sociedade ao aparelhamento judiciário parece sempre aumentar, dando a idéia de que o anseio de justiça das comunidades se esvai numa grande e generalizada frustração” (2005:61). Para estudiosos da Ciência Política (VIANNA et alli. 1999:149; SORJ, 2004:61), tratar-seia de um deslocamento de eixo, do Legislativo e do Executivo para o Judiciário, como novo centro de discussão sobre a concretização de direitos - movimento fruto do Estado Social, a ser explicado um pouco mais à frente no presente tópico. Importante destacar a ocorrência de uma mudança de percepção ao longo das pesquisas de Vianna e Burgos (VIANNA e BURGOS, 2002) em relação às pesquisas anteriores (VIANNA, CARVALHO et alli, 1999:149). Através dos fenômenos de judicialização da política e das relações sociais, o Poder Judiciário estaria ampliando sua esfera de atuação por via de um poder de revisão dos atos originados dos Poderes Executivo e Legislativo, em razão do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) e da constitucionalização ou juridificação de direitos, deslocando os discursos do âmbito da esfera de representação política para a atuação decisória dos Tribunais, como órgão estatal encarregado da resolução de disputas na sociedade (SORJ, 2004:60-61; SOUZA JÚNIOR, 2004:102; MACIEL e KOERNER, 2002:114). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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Importante ainda lembrar que os estudos sociológicos sobre a administração da justiça, em autores como Faria e Souza Santos (1989; SOUZA SANTOS, 2005:177), vêm destacando - ainda que em perspectiva diversa da adotada nesta pesquisa - o fato de que o problema da “crise” do Judiciário decorre não somente de uma sobrecarga quantitativa, mas também da incapacidade do mesmo em “absorver” novas demandas sociais que passam a exigir uma mudança de paradigma quanto ao papel da jurisdição e do Poder Judiciário. Todavia, parece estar ausente, em diversas pesquisas, a necessidade de uma compreensão do Direito que leve em conta uma reconstrução em paradigmas.20 Se assim se procedesse, ficaria mais clara a noção de que as “crises” representam movimentos constantes na modernidade, resultantes justamente do aumento de complexidade no interior da sociedade; não podendo ser, portanto, eliminadas. Deve ser lembrado ainda que cabe às instituições existentes, incluindo o próprio Judiciário, a manutenção dessa complexidade (HABERMAS, 1998:406). Tais paradigmas são resultados não apenas da leitura dos textos legais, mas principalmente do compartilhamento de um horizonte de pré-compreensão, “sendo que essa interpretação é também uma resposta aos desafios de uma situação social percebida de uma determinada maneira” (ROCHA, 2004:232-233). Por isso mesmo, que 20

O termo paradigma pode ter sua existência desde o período grego, aparecendo em escritos platônicos, mas foi, principalmente a partir dos estudos de Kuhn, em sua obra Estrutura das revoluções científicas, de 1962, que adquiriu o sentido atualmente difundido. Kuhn objetivou apresentar a tese de que o conhecimento científico não decorre de um acúmulo evolutivo e pacífico de informações, mas, ao contrário, forma-se por processos de rupturas, saltos cognitivos, como verdadeiras revoluções. Nesse sentido, Cattoni de Oliveira (2002:82) afirma ser o conjunto “...realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Por isso mesmo, todo membro de uma dada comunidade científica está envolto por um paradigma, de modo que não pode sair sem aderir a outro paradigma, como resultado do advento de novas práticas sociais. O paradigma corresponde metaforicamente a um filtro, ou seja, a óculos que filtram a visão, moldam a maneira como uma pessoa percebe a realidade. Logo tudo o que se vê e a forma como se compreende estão condicionados por vivências sociais concretas, que limitam ou condicionam a ação e a percepção do indivíduo no mundo (CARVALHO NETTO, 1999:476). Todavia, aqui se deve marcar uma distinção importante na compreensão de Kuhn para a compreensão a ser levada a cabo por Habermas (1998:263, 1996b:771) quanto aos paradigmas jurídicos. Para o primeiro autor, um paradigma representa uma noção voltada para a possibilidade de se alcançar um consenso acerca de uma pretensão normativa voltada para a verdade; para o autor alemão, a questão é deslocada do âmbito da Filosofia da Ciência e do Mundo Objetivo para a Teoria do Direito e a Filosofia Política, conseqüentemente, para o campo do universo normativo intersubjetivamente compartilhado, ou seja, de correção normativa. As distinções entre a verdade e a correção podem ser encontradas em Habermas (2004:267): a verdade diz respeito à existência (ou não) de estados de coisas, ao passo que a correção reflete o caráter obrigatório dos modos de agir (Moral, Direito). Nesse sentido, os paradigmas jurídicos são definidos, por Habermas (1998:263-264), como conjunto de visões exemplares de uma comunidade jurídica acerca de como o mesmo sistema de direitos e princípios constitucionais podem ser considerados no contexto percebido de uma dada sociedade. Um paradigma jurídico, portanto, delineia como princípios e regras devem ser considerados e implementados para que cumpram, num dado contexto, as funções a eles normativamente atribuídas pela sociedade. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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[...] o conceito de paradigma incorpora, na ciência, a compreensão da impossibilidade humana de um conhecimento absoluto, de um saber total, perfeito e eterno, precisamente em razão do nosso inafastável e constitutivo enraizamento social, histórico-cultural. [...] Só podemos observar algo com os olhos que temos, marcados socialmente e historicamente datados, e não com supostos olhos divinos e atemporais (CARVALHO NETTO, 2003b:151). Assim, poder-se-ia identificar, após a superação da concepção pré-moderna, uma nova fórmula de legitimação do poder político com o advento da Modernidade, o Estado Democrático de Direito.21 Ao longo da existência deste, dois paradigmas adquiriram maior sucesso: o Estado Liberal (Estado de Direito), o Estado Social (Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social). Todavia, desde os fins do século XX, uma nova compreensão começa a ganhar relevância, indicando para um novo paradigma. Dentro da proposta de Habermas, então, está a reconstrução dos paradigmas anteriores, para que até mesmo se torne possível traçar os contornos do que seja um paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. A principal característica da concepção pré-moderna é a percepção de que Direito, Política, Religião, Moral, tradição e costumes são justificados por uma ordem transcendente, não apresentando diferenciações, de modo a formar um amálgama. A concepção de Direito estava, então, associada à coisa que era devida a uma pessoa em decorrência de sua posição dentro de um determinado sistema de castas. E a justiça era um produto da sabedoria e sensibilidade do aplicador (CARVALHO NETTO, 1999:476-477). Como conseqüência de tal compreensão, o Direito funcionava como elemento de consagração e conservação dos privilégios de cada casta, de modo a ensejar uma aplicação casuística e individual, desligada de um caráter universalizável, ou seja, proveniente de um ordenamento jurídico integrado por normas gerais e abstratas válidas para todos os membros dessa sociedade. Com a Modernidade22, entretanto, novas luzes são lançadas. Assim, 21

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É também comum denominá-lo como Estado de Direito Democrático, conforme a tradição portuguesa (CANOTILHO, 2003), entendendo-se que o termo democrático deveria adjetivar Direito, ao invés de Estado. Contudo, o art. 1º da atual Constituição da República brasileira fez uso da outra expressão, muito possivelmente para realçar a ruptura com a postura autocrática assumida pelo Estado Brasileiro a partir de 1964. Todavia, a partir de uma compreensão procedimentalista, como faz Habermas (1998), é possível ainda defender que tanto democrático quanto de Direito representam adjetivações simultâneas de Estado. Com isso, caracteriza-se a relação de tensão de ambos os conceitos (HABERMAS, 2003:171-172; CARVALHO NETTO, 2003:81), em substituição à noção de oposição, que transparece no debate entre as tradições liberais e republicanas, no sentido de procurarem estabelecer uma relação de prioridade entre Estado de Direito (constitucionalismo) e Democracia (soberania popular). Segundo Chauí (1992:346), a modernidade traz a marca do pensamento racionalista, em substituição à compreensão mítica da pré-modernidade: “A modernidade, nascida com a Ilustração, teria privilegiado o universal e a racionalidade; teria sido positivista e tecnocêntrica, acreditando no processo linear da civilização, na continuidade temporal da história, em verdades absolutas, no planejamento racional e duradouro da ordem social e política; e teria apostado na padronização dos conhecimentos e da produção econômica como sinais de universalidade.” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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[...] o que conhecemos com o nome de modernidade começa quando desaparece a idéia de uma ordem universal - seja ela imanente ao cosmos ou transcendente a ele. Em outras palavras, a modernidade começa quando termina a idéia de “mundo” (espaço infinito, dotado de centro e de periferia e de “lugares” naturais) e de hierarquia natural dos seres, cedendo para as idéias de universo infinito, desprovido de centro e de periferia, e de indivíduo livre, átomo no interior da Natureza e para o qual já não possuímos a definição prévia de seu lugar próprio e, portanto, de suas virtudes políticas. [...] A modernidade afasta a idéia (medieval e renascentista) de um universo regido por forças espirituais secretas que precisavam ser decifradas para que com elas entremos em comunhão. O mundo se desencanta - como escreveu Weber - e passa a ser governado por leis naturais racionais e impessoais que podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão aos homens o domínio sobre a Natureza (CHAUÍ, 1992:350). O primeiro paradigma jurídico do Estado Democrático de Direito ficou conhecido como o Estado Liberal, que se assentava sobre três princípios básicos: igualdade, liberdade e propriedade. Esses princípios se relacionavam ainda com um novo elemento: o indivíduo. Isso, porque, desde a Grécia Antiga até a Idade Média, havia um centro orientador e aglutinador da vida em sociedade, ou melhor, em comunidade - primeiro, tem-se a polis, que foi substituída, no período medieval, pela Igreja Católica. Como decorrência, identifica-se um deslumbramento da sociedade diante da declaração de igualdade de todos os indivíduos - marcando o fim dos antigos privilégios de nascimento - e a possibilidade de que cada um possa definir, a partir exclusivamente dos ditames de sua própria razão, os rumos que sua vida deve tomar (BAHIA, 2004:304).23 Tem-se, então, uma compreensão no sentido de afirmar uma divisão entre a esfera privada e a esfera pública (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:55), principalmente em razão da interpretação dos direitos fundamentais como garantias negativas, isto é, como garantia da não-intervenção do Estado na esfera da sociedade, deixando principalmente a Economia a cargo das leis mecânicas do

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Galuppo (2002:20-21) identifica o fenômeno do pluralismo, ou seja, da pluralidade de concepções de vida boa concorrentes em uma sociedade, como tema eminentemente ligado à Modernidade: “Com o advento da Modernidade, a sociedade torna-se uma sociedade complexa, na qual, ao contrário das sociedades antigas e medievais, convivem projetos de vida e valores culturais não raro antagônicos. Enquanto o Estado Liberal procurava eliminar os projetos e valores divergentes pela imposição dos projetos e valores ‘dominantes’ e o Estado Social procurava impor um ‘projeto alternativo’ e arbitrário ao poder econômico, integrando, mais que incluindo, aqueles historicamente excluídos do projeto majoritário, o Estado Democrático de Direito reconhece como constitutivo da própria democracia contemporânea o fenômeno do pluralismo e do multiculturalismo, recorrendo preferencialmente à técnica da inclusão do que da integração. Por isso mesmo o Estado Democrático de Direito não pode eliminar qualquer projeto ou qualquer valor, mas, ao contrário, deve reconhecer todos os projetos de vida, inclusive os minoritários, igualmente valiosos para a formação da auto-identidade da sociedade”. Lançando mão de uma malha argumentativa diversa, Michel Rosenfeld (2003:23) também irá reconhecer a impossibilidade de um fechamento do sujeito constitucional, devendo o mesmo permanecer como um constante hiato, fruto de um contínuo processo de inclusão e exclusão de identidades. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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Mercado e garantindo que cada indivíduo possa buscar por si sua felicidade (HABERMAS, 1996b:772; QUADROS DE MAGALHÃES, 2002:63). A Constituição é, então, compreendida como um “instrumento de governo”, o estatuto jurídico-político fundamental que organiza a sociedade política e limita o poder político do Estado (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:56). O Direito, como um Direito formal burguês, assume a perspectiva de um sistema fechado de regras que determina o limite e a garantia da esfera privada de cada indivíduo24; portanto, adquire uma compreensão formal, privatística, de modo que percebe os conflitos sociais exclusivamente sob a perspectiva interindividual (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:9).25 Movidos pela idéia de uma razão “absoluta”, os legisladores acreditavam poder positivar o conteúdo do Direito Natural - agora não mais transcendente, mas de índole racional - em Códigos, capazes de regular toda a complexidade da vida em sociedade de modo a não deixar lacunas, no máximo obscuridades aclaradas pelo trabalho dos “comentadores”. Ao Judiciário, cabia o papel de dirimir conflitos interparticulares, ou entre esses e a Administração Pública mediante provocação; para tanto, esclarece Carvalho Netto (1999:479), o magistrado exercia uma atividade mecânica de aplicação do direito ao caso concreto através de uma subsunção do caso às hipóteses normativas identificadas mediante uma leitura direta do texto normativo, razão pela qual o juiz foi considerado por Montesquieu a bouche de la loi (boca da lei). Todavia, percebe-se que, ao alicerçar a liberdade na propriedade, restringiuse a participação na esfera pública aos sujeitos que já integravam a ordem econômica. Além disso, essa interpretação de liberdade acabou por alimentar a eliminação da livre concorrência e uma sempre crescente exclusão social. Como conseqüência, o Estado Liberal entrou em colapso, pois explodiram revoltas operárias que buscavam o reconhecimento de condições mínimas de trabalho, bem como foram difundidas as idéias de Marx e Engels, incentivando a organização proletária, o que forçou o Estado Liberal a empreender diversas mudanças em sua estrutura (QUADROS DE MAGALHÃES, 2002:64). Compreendeu-se, principalmente, que os direitos, até então positivados, não mais eram suficientes para garantia real de liberdade e igualdade. A principal queixa foi a necessidade de materialização dos direitos consagrados constitucionalmente, como meio não apenas de garantia da igualdade formal, mas 24

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“Since the principle of legal freedom implied equal protection for all persons, this principle seemed to satisfy the normative expectation that, by delimiting spheres of individual liberty through guarantees of negative legal status, social justice could be concomitantly produced. The right of each person to do as he or she pleases within the limits of general laws is legitimate only under the condition that these laws guarantee equal treatment. This legitimating force, found in equal treatment, appeared form a liberal point of view, to be already guaranteed through the formal universality of legal statues, that is, through the grammar and the semantic form of conditional legal programs” (HABERMAS, 1996b:772). No mesmo sentido, Cattoni de Oliveira afirma que, no paradigma do Estado Liberal, o Direito era compreendido como “[...] uma ordem, um sistema fechado de regras, de programas condicionais, que tem por função estabilizar expectativas de comportamento temporal, social e materialmente generalizadas, determinando os limites e ao mesmo tempo garantindo a esfera privada de cada indivíduo” (2002:57). Ele, então, mostra-se como a limitação da liberdade de cada indivíduo, como condição da liberdade de todos, nos moldes do pensamento de Kant. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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como proteção ao menos favorecido.26 Segundo Habermas (1998:471), essa materialização, que já havia sido explorada por Weber, ganhou relevância ao final da Segunda Guerra, mas foi compreendida inicialmente como uma crise do Direito, que dissolveria a unidade e estrutura sistemática da ordem jurídica, sobrepondose à concepção liberal e vindo a substituí-la. Um marco inicial do paradigma jurídico do Estado Social pode ser identificado com o chamado constitucionalismo social, movimento que ganha maiores contornos após a Constituição alemã de Weimar (1919), apesar de a Constituição mexicana de 1917 ser considerada a primeira Constituição Social (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:58; CARVALHO NETTO, 1999:480; QUADROS DE MAGALHÃES, 2002:65). Como principal conseqüência dessa ruptura, tem-se uma ampliação no conjunto dos direitos fundamentais, resultante não somente de um acréscimo de direitos, mas também de uma completa alteração nas bases de interpretação dos direitos anteriores.27 Nesse sentido, assevera Carvalho Netto: Não se trata apenas do acréscimo dos chamados direitos de segunda geração (os direitos coletivos e sociais), mas inclusive da redefinição dos de 1ª (os individuais); a liberdade não mais pode ser considerada como o direito de se fazer tudo o que não seja proibido por um mínimo de leis, mas agora pressupõe precisamente toda uma plêiade de leis sociais e coletivas que possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e o tratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da relação, ou seja, a internalização na legislação de uma igualdade não mais apenas formal, mas tendencialmente material (1999:480). Na seqüência, Leal (2002:27) alerta para uma mudança de posição estatal: a posição negativa é abandonada para se assumir uma posição positiva, isto é, o Estado passa a agir efetivamente na garantia dos direitos sociais mínimos e da autonomia privada dos cidadãos.28 O Estado não mais pode ser tomado como um 26

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“El derecho privado, considerado en conjunto, parecía ahora haber de ir más allá del aseguramiento de la autodeterminación individual y servir a la realización de la justicia social” (HABERMAS, 1998:480, grifo no original). É muito difundido, no Brasil, o entendimento de que os direitos fundamentais poderiam ser divididos em gerações, por exemplo, como faz Bonavides (2002:517). Todavia, o presente trabalho, tributário da posição defendida por Cattoni de Oliveira (2002:103), considera imprópria a divisão dos direitos fundamentais em gerações, pois, a cada paradigma jurídico, assiste-se a uma redefinição completa dos direitos fundamentais. Importante ter em mente que a noção de autonomia privada como direito ao maior grau de iguais liberdades subjetivas possíveis não sofreu mudança significativa (HABERMAS, 1998:482); a mudança foi, na realidade, quanto aos contextos sociais nos quais essa autonomia pode se realizar plenamente. Assim, com a autonomia privada “[...] queda garantizado a cada cual su status de persona jurídica; pero éste está muy lejos de fundarse solamente en la protección de un ámbito de vida privada en sentido sociológico aun cuando sea sobre todo en él donde la libertad jurídica pueda acreditarse como posibilitación de la libertad ética. El status de un sujeto jurídico libre, autónomo en el sentido del derecho privado, viene constituido por la totalidad de todos los derechos relativos a acciones y relativos a status, que resulten de la configuración políticamente autónoma del principio de libertad jurídica” (HABERMAS, 1998:482-483, grifos no original). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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elemento “neutro”, distante dos conflitos sociais; passa agora a atuar no sentido de assumir-se “como agente conformador da realidade social e que busca, inclusive, estabelecer formas de vida concretas, impondo pautas ‘públicas’ de ‘vida boa’.”(CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:59). Na esfera econômica, o Estado passa a desempenhar ações que visam a uma proteção artificial da livre concorrência e da livre iniciativa, além de compensar a desigualdade através de prestações sociais de serviços.29 Com isso, de cidadãos, os indivíduos se transformam em clientes. As alterações são sentidas no Direito, que passa a ser interpretado como um sistema de regras e princípios otimizáveis (valores) - a serem realizados no “limite do possível” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:59).30 A preocupação com a materialização do Direito levanta a exigência de novas teorias hermenêuticas que libertem o juiz da aplicação mecanizada da norma ao fato (CARVALHO NETTO, 1999:480; BAHIA, 2004:308). Nessa ótica, o Judiciário passou a representar uma peça fundamental no processo de densificação social das normas, visando à concretização de direitos carentes de políticas públicas (CARVALHO NETTO, 2003:99). Ganha relevo a teoria de Kelsen como tentativa de construção de uma Ciência do Direito “pura”31, isto é, livre de qualquer elemento moral, econômico ou valorativo. Um ponto importante foi a teoria kelseniana da interpretação, que diferenciou interpretações “autênticas” (feitas pelo legislador ou pelo juiz) de “não autênticas” (feitas principalmente pela dogmática jurídica).32 Uma teoria da interpretação estaria diretamente vinculada a uma compreensão escalonada de normas jurídicas. A interpretação jurídica está vinculada à existência de uma

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Habermas (1998:497-498; 2000:171) identifica o desenvolvimento de um paternalismo por parte do Estado, no paradigma do Estado Social, em razão da adoção de programas políticos compensatórios às necessidades de uma “sociedade de massas”, que se mostra incapaz de se autodeterminar, de definir para si suas necessidades. Logo, torna-se massa facilmente modelada por um Estado nos moldes do Leviatã hobbesiano (CARVALHO NETTO, 1999:480). A proposta por cidadania permanece nesse paradigma como uma espera irrealizada. A Corte Constitucional Alemã, reconhecendo a existência dos princípios, entendeu que esses funcionariam como valores, isto é, como comandos otimizáveis, fato que também conduziu à ampliação de poder por parte do Judiciário, especialmente da Corte Constitucional, como denuncia Ingeborg Maus (2000). Não cabe, no presente momento, tecer maiores considerações e críticas à Jurisprudência de Valores alemã, sob pena de se fugir do objetivo proposto para o presente tópico. Segundo Kelsen (1999:1): “Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe a garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.” Não é objetivo do presente trabalho fazer uma análise mais aprofundada sobre a teoria kelseniana, mas é importante lembrar que essa distinção, entre interpretações “autêntica” e “não autêntica”, não está prevista na primeira edição da Teoria Pura do Direito, de 1934, nem no seu ensaio sobre a teoria da interpretação, também da década de 30, aparecendo apenas a partir da edição francesa da Teoria Pura do Direito, em 1953. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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autorização dada por um nível superior do ordenamento a um nível inferior para que este possa produzir atos normativos. Isso porque, para Kelsen (1999:387), a decisão judicial é também uma forma de produção de norma, porém uma norma individual.33 Ela está, então, vinculada à atividade de aplicação de uma dada norma jurídica. Contudo, Kelsen (1999:388) entendia que haveria sempre um espaço de livre apreciação a ser preenchido pelo aplicador. Poderiam ainda surgir situações em que essa margem para interpretação não decorresse de um ato intencional do nível superior, mas de uma mera eventualidade, como uma ambigüidade surgida na leitura do próprio texto ou entre outros textos. Como conseqüência, surge a possibilidade de uma pluralidade de interpretações sobre a aplicação de uma dada norma. Reconhecendo isso, Kelsen (1999:390) acaba por afirmar que seria possível conter todas as interpretações jurídicas sob uma mesma moldura de modo que tudo o que ficasse em seu interior seria considerado como juridicamente possível e teria igual importância, deixando a cargo do órgão aplicador a decisão como uma questão de livre preferência.34 Caberia, então, à dogmática jurídica descrever todas as possíveis interpretações que poderiam estar contidas na moldura, sem, contudo, emitir qualquer juízo de valor sobre qual seria a correta, para influenciar a escolha do órgão aplicador. Todavia, a partir da edição de 1960, Kelsen lança uma outra proposta - um giro decisionista, segundo Cattoni de Oliveira (2001:47; BAHIA, 2004:311) defendendo que o órgão aplicador - principalmente os mais altos Tribunais possuiria liberdade não apenas para escolher interpretações possíveis, previstas na moldura, mas estaria autorizado a ir além, produzindo uma nova interpretação e, como conseqüência, criando um direito novo (KELSEN, 1999:395). Como bem destaca Carvalho Netto (2003:100), a estupefação das ciências em geral - e, no caso da Ciência do Direito, ainda presa à tradição positivista diante da indeterminação da linguagem percebida com o giro lingüístico levou à necessidade de uma compreensão modificada da racionalidade humana. A ciência,

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Todavia, Derzi (2003:152) reconhece que a pirâmide normativa kelseniana é “drasticamente redutora, incapaz de apreender a complexidade do objeto, que implica uma reprodução em rede entrelaçada. Ademais, os traços de contato entre o diferenciado sistema normativo e o restante indiferenciado ficam implícitos e obscuros, quer nos pontos limites da norma fundamental, quer naqueles de eficácia da norma no plano social ou, ainda, no estreito espaço hierarquizado com que se criam novas normas a partir de outras, segundo as várias possibilidades de sentido”. Importante ter em mente que Kelsen (1999:391) rejeitava a tese sustentada pela “Jurisprudência Tradicional”, que procurava desenvolver métodos capazes de, com o uso da razão humana, descobrir a interpretação verdadeira. Para o pensador austríaco, isso era uma proposição desprovida de sentido, pois o Direito não pode ser tomado apenas como um ato de conhecimento, mas também como um ato de natureza volitiva. Segundo colocação de Cattoni de Oliveira (2001:44): “Para Kelsen, mais que uma atividade de cognição, que somente levaria à descrição das interpretações possíveis, a interpretação que acompanha a aplicação da norma superior e a produção da norma inferior é um ato de vontade. É através de um ato de vontade que o órgão autorizado fixa qual dentre as interpretações possíveis da norma superior é a que terá curso na produção da norma inferior.” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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hoje, só pode ser reconhecida quando se assume como um sistema de conhecimento histórico e precário (2003:92). A necessidade de garantia da certeza e da segurança jurídica (entendida como previsibilidade) não mais poderia se dar através de métodos da ciência e foi solucionada por Kelsen na forma da consagração de uma discricionariedade do órgão aplicador, identificando na sua vontade a da sociedade. O desgaste do paradigma do Estado Social tem início a partir dos anos 60, entrando em colapso a partir da década que se segue (BAHIA, 2004:312).35 O paternalismo estatal, já denunciado anteriormente, mostra-se como um dos entraves para o processo de cidadania que ele próprio pretendia resolver.36 Habermas (1994:123) lembra que, para a sua manutenção, o Estado Social necessitou desenvolver uma enorme rede normativa e burocrática, cobrindo toda a vida cotidiana da sociedade. Desenvolve-se ainda uma preocupação de garantia de direitos cujos titulares não são mais facilmente identificáveis (os chamados direitos difusos, como por exemplo, direito ao meio ambiente, direito do consumidor e direito da criança e do adolescente). Os direitos individuais e sociais ganham uma nova leitura: uma conotação processual, como destaca Carvalho Netto (1999:481). Passam a ser vistos como garantias de participação no debate público, marcando a preocupação pluralista e aberta de uma nova leitura - agora procedimental - do Direito. Uma característica importante é a necessidade de redefinição de autonomia pública e autonomia privada a partir de uma coesão interna, no sentido de que direitos privados só são assegurados conjuntamente com os direitos políticos (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:10). Além do mais, o estatal não é capaz de identificar a sociedade, que por meio de organizações civis passa a exigir uma maior participação; não mais depende da postura burocratizante (instrumentalizante) do Poder Administrativo nas decisões sobre direitos. Logo, “somente através de espaços de discussão pública, formais ou não, em que se assegure igual participação de diferentes grupos, agindo discursivamente é que se poderá lidar com as desigualdades” (BAHIA, 2004:315). A cidadania é agora entendida como um processo, bem como a democracia, que conduz a um aprendizado social, de modo a não necessitar de pré-requisitos (CARVALHO NETTO, 1999:481-482).

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“No esteio dos novos movimentos sociais, tais como o estudantil de 1968, o pacifista, o ecologista e os de luta pelos direitos das minorias, além dos movimentos contraculturais, que passam a eclodir a partir da segunda metade da década de 60, a ‘nova esquerda’, a chamada esquerda não-estalinista, a partir de duras críticas tanto ao Estado de BemEstar - denunciando os limites e o alcance das políticas públicas, as contradições entre capitalismo e democracia - quanto ao Estado de socialismo real - a formação de uma burocracia autoritária, desligada das aspirações populares [...]” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:62, grifos no original). Segundo Habermas (1994:124), o paradigma do Estado Social padece de uma contradição entre seu objetivo e o meio que escolhe para concretizá-lo. O que seria o seu objetivo - a construção de formas de vidas estruturadas igualitariamente, que fossem capazes de exercer uma auto-regulação espontânea - se vê frustrado pelos obstáculos levantados pelo Poder Administrado, regido pela lógica da burocracia jurídico-administrativa, que acaba contaminando os programas políticos. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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Pois, da mesma forma que cidadania não é algo natural, que se garante tão-somente pelo reconhecimento de direitos privados e de uma esfera de livre-arbítrio, cidadania não se ganha nem se concede, mas se conquista. Exige luta, reconhecimento recíproco e discussão, através de todo um processo de aprendizado social, capaz de corrigir a si mesmo, todavia, sujeito, inclusive, a tropeços (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:10).37 Como conseqüência, o Direito também demanda uma (re)construção mais voltada à participação social na tomada de decisões públicas.38 Como lembra Häberle (1997), afirma-se existência de uma “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” em substituição ao “intérprete autêntico” de Hans Kelsen. A necessidade de legitimidade das decisões passa a ser uma preocupação constante39, não mais podendo tais decisões se prenderem a uma racionalidade instrumental, voltada para aspectos meramente de eficiência (SADEK, 2004:27). Todavia, tal questão parece ter ficado em segundo plano nas continuações das propostas de reformas para a solução da “crise do Judiciário”. Essa nova abordagem teórica é fundamental para o presente trabalho, pois revela que a “crise”, na realidade, não se trata tanto da inflação de demandas perante o Judiciário, mas sim de uma “crise” decorrente da compreensão do 37

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Um exemplo dessa “luta por reconhecimento” bem-sucedida pode ser encontrado nas políticas feministas de equiparação: “[...] os direitos subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento autônomo e privado para suas próprias vidas, não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. Só se pode assegurar a autonomia privada de cidadãos em igualdade de direito quando isso se dá em conjunto com a intensificação de sua autonomia civil no âmbito do Estado” (HABERMAS, 2002b:297). Diversas são as propostas para essa empreitada. Como já colocado anteriormente, a presente pesquisa assume como marco teórico a Teoria do Discurso de Habermas (1998), que se propõe a refletir o Estado Democrático de Direito a partir de uma teoria procedimentalista. “Ese paradigma procedimental del derecho parte de las premisas de que (a) está cerrado el camino de vuelta que el neoliberalismo propugna bajo la tesis de un «retorno de la sociedad civil y de su derecho», de que, sin embargo, (b) la consigna de «redescubrimiento del individuo» viene provocada por un tipo de juridificatión ligada al Estado social que amenaza con convertir en lo contrario lo que es su objetivo declarado, a saber, el restablecimiento de la autonomía privada; y de que (c) el proyecto que es el Estado social ni simplemente hay que ratificarse en él, ni tampoco se lo puede interrumpir, sino que debe proseguirse en un plano suprior de reflexión. La intención rectora sigue siendo la de domesticar el sistema económico capitalista, es decir, la de «reestructurarlo» social y ecológicamente por una vía por la que simultáneamente quepa «refrenar» a éste desde puntos de vista de efectividad y eficacia en formas modernas de regulación y control indirectos, así como reconectarlo retroalimentativamente con el poder comunicativo desde puntos de vista de legitimidad, inmunizándolo al propio tempo contra el poder ilegítimo” (HABERMAS, 1998:492). Segundo Habermas (1998), a legitimidade decorre do fato de as normas terem sido produzidas conforme um procedimento que assegure a participação potencial daqueles que sofrerão os seus efeitos, para que esses concordem com a norma produzida na qualidade de co-autores da mesma. Para tanto, faz-se necessário observar uma racionalidade comunicativa, muito diferente da mera racionalidade instrumental. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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paradigma do Estado Social. Em outras palavras, essa crise, em sua inteireza, traz à tona o fato de que múltiplas interpretações, provindas não apenas dos canais formais do Estado, passam a adentrar o cenário das discussões do Judiciário, buscando ressonância e reconhecimento (SOUZA SANTOS, 2005:177). Todavia, o que representaria uma contribuição para a democratização dos processos de tomada de decisões institucionais, atendendo a uma preocupação com a legitimidade dessas, é interpretado como um risco de dissenso que deve ser eliminado a todo custo para que se possa (re)estabelecer o primado da “segurança jurídica” (aqui entendida como previsibilidade). Assim, retoma-se a crença, já presente em Kelsen, de que a solução decorreria do estabelecimento de uma única interpretação autorizada - no caso, a do STF - como forma de simultaneamente garantir a segurança jurídica e o desafogamento em relação às demandas.40 Porém, outra ainda pode ser a explicação - que não necessariamente exclui a hipótese anterior, mas complementa-a: o resultado de uma intervenção instrumental por parte do poder econômico do Mercado (sistema econômico) no sistema do Direito. O sistema econômico regido pelo medium do dinheiro atua nos processos de integração social de maneira diversa do que acontece com o Direito. Os pressupostos comunicativos são substituídos por uma forma de ação não intencional, que segue uma lógica instrumental (HABERMAS, 1998:102). Tanto o mundo da vida quanto o Direito são elementos fundamentais para o funcionamento e para a reprodução da sociedade (FREITAG, 2002:239). Todavia, pode-se identificar como “patologia da modernidade” a chamada colonização do mundo da vida.41 De uma maneira parasitária, o sistema econômico intervém nos processos de decisões

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De Giorgi (2003), em célebre conferência no Instituto Max-Planck, lembra que a história é constituída da memória. Todavia, esta última não pode ser compreendida como resultante de um processo de organização de informações puro e simples, mas sim permeado de invenções e criações inventivas. Um sistema social, como o Direito, necessita de uma autocompreensão histórica, que, por meio da memória, isola as operações que pode considerar relevantes, a partir de uma diferenciação entre o “recordar” e o “esquecer”; mas o “recordar” evolve o “inventar” e, com isso, o sistema do Direito cristaliza determinadas criações como se fossem “fatos” históricos. Essa pode ser uma forma de compreender a noção de uma “crise” no Judiciário - sempre tomada como algo do presente, uma vez que os autores viram as costas para uma dimensão temporal - considerando-a como extensão de algo provindo de um passado. Resumindo: a noção de “crise do Judiciário” é uma “invenção” fundamental para que o sistema jurídico preserve sua ligação ao paradigma do Estado Social, sem com isso tomar consciência da ruptura necessária para o paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito. A colonização do mundo da vida é explicada por Freitag (2002:239) como o processo resultante da expansão da racionalidade instrumental utilizada pelos imperativos funcionais do sistema econômico e do sistema político-burocrático que invade o mundo da vida desalojando e expulsando a racionalidade comunicativa. Assim, onde antes havia processos de interação sociais regidos por uma racionalidade comunicativa, passa-se a ter uma racionalidade instrumental. Como conseqüência, aponta uma crise de legitimidade das decisões jurídicas, o que põe em risco o processo de integração social, uma vez que o Direito não somente mantém contato com o código proveniente da linguagem coloquial ordinária, como por ele ainda transitam mensagens provenientes dos códigos do sistema econômico e do sistema político-burocrático (HABERMAS, 1998:146). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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jurídicas através de sua própria lógica de racionalidade (adequação de meios a fins), buscando a sua expansão, mas sob pena de perda da legitimidade do Direito como conseqüência da expulsão da ação comunicativa de seu habitat natural (FREITAG, 2002:239). Melo Filho (2003:79) e Silva Candeas (2004:18) alertam para a intervenção do capital estrangeiro, através do Banco Mundial e de seu plano de padronização do Judiciário de toda a América Latina, sob o pretexto de “construção de uma nova ordem” favorável ao capital e à integração econômica. Tais tendências e expectativas foram materializadas no Documento Técnico n. 319, denominado O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma, datado de junho de 1996.42 O próprio documento reconhece a necessidade de uma reforma econômica para que o Judiciário funcione bem, isto é, aplique as leis de maneira previsível e eficiente - em sua leitura, o mais célere possível - e atue na garantia da propriedade privada (DAKOLIAS, 1996:3).43 Diante de uma ordem econômica de proporções globais44, o Judiciário pode se tornar um “parceiro” do Mercado, se levar a cabo a defesa da propriedade e atuar dentro de uma margem de previsibilidade: [...] o Estado é essencial para a implantação dos fundamentos institucionais apropriados para os mercados, e a credibilidade do governo - a previsibilidade de suas normas e políticas e a constância de sua aplicação - pode ser tão importante para atrair investimentos privados quanto o conteúdo dessas normas e políticas (SILVA CANDEAS, 2004:21-22). O Estado, então, por meio do Judiciário, proporcionaria uma ordem de estabilidade causada pela previsibilidade e celeridade na aplicação de normas jurídicas e pela garantia da obrigatoriedade dos contratos, minimizando o risco das atividades econômicas. Assim,

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O Documento Técnico n. 319 é o que apresenta o maior nível de detalhamento quanto às propostas e expectativas do Banco Mundial para a reforma dos Judiciários latinoamericanos, mas não é o único. Merece menção ainda o Relatório Anual n. 19, de 1997, “O Estado num mundo em transformação”, e o de n. 24, de 2002, “Instituições para os mercados”. Conforme Silva Candeas (2004:19), o relatório de 1997 “discute o novo papel do Estado diante de acontecimentos como desintegração das economias planejadas da ex-União Soviética e da Europa Oriental, a crise fiscal do Estado-Providência, o papel do Estado no ‘milagre’ econômico do leste da Ásia, a desintegração de Estados e as emergências humanitárias em várias partes do mundo. Já o relatório de 2002 trata da criação de instituições que promovem mercados inclusivos e integrados e contribuem para um crescimento estável e integrado, para melhorar a renda e reduzir a pobreza”. Como alerta Melo Filho (2003:80): “O que a agência financeira internacional pretende, na realidade, é redesenhar as estruturas dos Poderes Judiciários da América Latina, a partir das premissas neoliberais, com o fito de adequá-las à prevalência do mercado sobre qualquer outro valor”. Segundo Quadros de Magalhães (2002:73), globalização é “[...] expressão [que] designa um movimento complexo de abertura de fronteiras econômicas e de desregularização, que permite às atividades econômicas capitalistas estenderem seu campo de ação no planeta”. Todavia, não há um consenso sobre o termo de modo a serem possíveis ainda múltiplas tentativas de conceituação. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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[a] interpretação que se depreende dos textos é que o Judiciário pode tornarse mais eficiente ao concorrer com outros mecanismos para a resolução de litígios. Por isso, o Banco estimula a aplicação dos MARD (mecanismos alternativos de resolução de disputas), quais sejam, arbitragem, mediação, conciliação e os juízes de paz, para romper com o “monopólio do poder judicial” (SILVA CANDEAS, 2004:28). Mas o valor previsibilidade é ainda mais almejado que a eficiência: Para o Banco Mundial, o Estado deve atuar como vetor de certezas. Na opinião do organismo, se um Estado muda freqüentemente as regras ou não esclarece as regras pelas quais ele próprio se guia, as empresas e os indivíduos não podem ter certeza hoje do que amanhã será lucrativo ou não lucrativo, lícito ou ilícito. Nesse caso, tendem a adotar estratégias arriscadas para se protegerem contra um futuro incerto - ingressando, por exemplo, na economia informal ou enviando capital ao exterior, prejudicando a economia nacional (SILVA CANDEAS, 2004:33). É a partir desse prisma, ou seja, racionalidade voltada aos interesses do capital despersonalizado, que também pode ser compreendido o processo de centralização das decisões jurídicas, como a súmula vinculante ou mesmo a adoção de mecanismos de filtragem de recursos para os Tribunais Superiores. Ao se limitar a interpretação jurídica, centrando-a em órgãos especializados entendidos como os únicos autorizados a decidir, minimiza-se o risco de dissenso, mas assume-se, por outro lado, o risco de perder de vista o papel comunicacional presente nos processos de decisões jurídicas, responsável pela manutenção de sua legitimidade democrática. A conseqüência da implementação dessa proposta, segundo Melo Filho (2003:81), é fornecer mais subsídios para a hipertrofia do Poder Executivo a custo da submissão do Judiciário, que se transformaria em mero órgão chancelador das políticas públicas propostas pelo primeiro45, com a subseqüente redução da órbita de ação do Poder Judiciário. Tal diagnóstico parece ser confirmado quando se percebe a tentativa de defesa de uma concentração do controle de constitucionalidade por parte de STF, principalmente com o uso da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) com efeito vinculante, após 1993. Além disso, o Executivo acaba por quase monopolizar faticamente a atividade do Judiciário. Grinover (2005:501) lembra que, no plano das demandas individuais, o principal “cliente” do Judiciário é o próprio Estado. Com base nas análises da pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, a pedido do Ministério da Justiça, constatou-se que

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Melo Filho (2003:84) lembra que: “Em países como a Argentina, a Bolívia e a Venezuela, tais propósitos foram plenamente alcançados, chegando-se ao extremo de atribuir ao Ministério da Justiça o controle da magistratura.” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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[...] 79% dos processos em tramitação perante o Supremo envolvem o Poder Executivo (64% da União, 8,2% dos Estados e 6% dos Municípios; só a Caixa Econômica Federal é responsável por 44% das causas em andamento no Supremo Tribunal Federal). Na grande maioria desses casos, o que se percebe é o uso dos procedimentos jurisdicionais, contando com a morosidade como forma de retardar a satisfação de direitos já reconhecidos, até mesmo pela própria parte recorrente. Logo, uma solução mais democrática é a proposta por Souza Cruz (2004:412): utilizando os próprios instrumentos processuais existentes, dever-se-ia voltar a atenção para a coibição de posturas estratégicas que desnaturem o conteúdo comunicativo inerente aos recursos, tornando-os meros subterfúgios para protelações. Uma vez que o exame do caso específico em juízo pode demonstrar a existência de um abuso do direito processual, o que se teria é uma situação não tutelada pelo Direito, que, ao contrário, coíbe quando caracterizada em ilícito. Outra questão que não pode ser olvidada é que, simultaneamente ao fato de as instituições ligadas ao Estado de Direito contribuírem para a redução da complexidade social, essas, em movimento contrário, são também responsáveis por mantê-la (HABERMAS, 1998:405-406). No caso, então, da “crise” do Judiciário, a mesma se mostra como elemento fundamental - e, por isso mesmo, sem solução, uma vez que atua no sentido de colocar o Judiciário em evidência, como tema permanente dos debates públicos. Isso adquire uma perspectiva positiva, já que incentiva permanentemente a fiscalização e a crítica pública das decisões judiciais, lembrando aos aplicadores jurídicos que eles são meros representantes do papel que desempenham (GÜNTHER, 1995:52-53). REFERÊNCIAS - ALMEIDA SANTOS, Francisco Cláudio. Recurso Especial: visão geral. Revista de processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. a. 14. n. 56. out./dez. 1989. - BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. A interpretação jurídica no Estado Democrático de Direito: contribuição a partir da Teoria do Discurso de Jürgen Habermas. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. - BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Controle judicial difuso de constitucionalidade das leis e atos normativos: contribuição para a construção de uma democracia cidadã no Brasil. 2003. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. - BAPTISTA, N. Doreste. Da argüição de relevância no recurso extraordinário: comentários à Emenda Regimental n. 3, de 12.06.1975, do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Forense, 1976. - BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. - BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1972. v. 1. - CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Da argüição de relevância no recurso extraordinário. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense. a. 73. v. 259. set./1977. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.217-239, jul./dez.2006

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DECISÃO PRECURSORA

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DECISÃO PRECURSORA Decisão*

ATA DE AUDIÊNCIA relativa ao Processo nº 764/87-87/95 - 259/95 Aos 12 dias do mês de maio do ano de 1995 às 10:02 horas, reuniu-se a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora, em sua sede, e sob a Presidência do(a) MM. Juiz(a) do Trabalho, Dr.(a) JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS, presentes os Srs. Aída Célia de Andrade, Juiz(a) Classista, representante dos empregadores e Francisco de Assis Valle, Juiz(a) Classista, representante dos empregados, para audiência da reclamação ajuizada por Wilson Anastácio da Silva contra Sidnei Jorge de Souza + 4 relativa a ação declaratória de nulidade processual no valor de Cr$ xxx. Aberta a audiência foram, de ordem do(a) MM. Juiz(a) Presidente, apregoadas as partes, que não compareceram. Colhidos os votos, a MM. Junta, por unanimidade, julgou PROCEDENTE a ação, acolhendo, em todos os seus termos, a seguinte decisão do MM. JuizPresidente: “Vistos, etc. “É sem dúvida de mister consagrar a autoridade da coisa julgada, mas não é menos essencial consagrar o império da verdade e da justiça, quando se patenteia tal que não se pode dele duvidar. Nas ciências morais poucas vezes é permitido levar as disposições humanas ao absoluto, sem que se cometam algumas e graves injustiças: Convém evitá-las.” (PIMENTA BUENO). WILSON ANASTÁCIO DA SILVA, qualificado na inicial, propôs ação a que denominou de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE ABSOLUTA DE ATOS PROCESSUAIS, NULIDADE DA SENTENÇA E DO PROCESSO, em face de SIDNEI JORGE DE SOUZA, SIANEI CARDOSO, ALBERTO MEDEIROS, JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA e EUCLIDES JOSÉ TODESCO, objetivando nulidade de todos os atos praticados no processo 1ª JCJ/JF-764/87, subseqüentes às citações inicial e da fase executória, posto que referido processo, consoante alentadas razões expendidas às fls. 03 usque 32, foi mutilado por nulidade absoluta, tanto na fase cognitiva quanto na executória, por falta de citação válida, eis que ambas foram procedidas via editalícia, provocada pela malícia com que se houve a advogada dos então reclamantes, Dra. “X”, que incidiu entre outros crimes, em estelionato, ao conluiar-se com seus constituintes (reclamantes naquele processo), ao mesmo tempo em que era mandatária do ora autor (reclamado na reclamatória), constituída por instrumento público em 19.05.87, consoante procuração lavrada no Cartório do 1º Ofício de Notas desta Comarca, enquanto aduz, naquela época, o Autor * O texto foi mantido em sua versão original, excetuada a atualização ortográfica ao padrão hoje em vigor.

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cumpria pena privativa da liberdade no presídio de Piedade (SP). Completa informando que também lhe foi substabelecida procuração com poderes “ad judicia”, passada pelo advogado “Y”, para defender o A. na causa criminal. Então, aproveitando-se da situação, a Dra. “X”, aliando-se aos reclamantes, agora réus, numa verdadeira formação de quadrilha, promoveu, em nome deles, mas no seu próprio interesse, o processo trabalhista 1ª JCJ/JF-764/87, instruindo-o com reclamação sem fato gerador lícito, apoiado em relação jurídica inexistente, fazendoo aeticamente, com malícia e sem direito à tutela jurisdicional do Estado, objetivando alcançar enriquecimento ilícito, o que se evidencia com a posterior adjudicação do bem penhorado e sua posterior transferência a “Z”, coincidentemente irmão da I. advogada. Registra, por derradeiro, que somente agora, em liberdade, ciente da violação de seus direitos constitucionais, busca o A. o agasalho adequado. Redargüindo, os réus apresentaram a sucinta defesa de fls. 41/42, afirmando que o A. pretende, sem intentar ação rescisória, já prescrita, desconstituir decisão trabalhista inatacável, em tentativa impossível juridicamente, seja pela incompetência deste Juízo, seja pela incidência da coisa julgada, com espeque nos artigos 463 e 467 do CPC. Juntados documentos, manifestando-se amplamente as partes. Requerida às fls. 43 e determinada às fls. 60-verso, a juntada a este do processo 1ª JCJ/JF- 087/95, ao qual já se encontrava acoplado o de nº 1ª JCJ/JF764/87, para melhor instrução do feito, evitando-se o traslado de peças. Instrução encerrada, com razões finais orais, revelando-se impossível a conciliação. Tudo visto e bem examinado. 1. DA COMPETÊNCIA Prima facie, a perlenga parece de fácil desate, como pareceu aos réus, com singela aplicação dos artigos 836, CLT e/ou 463 c/c 267, IV, CPC. Mas o caminho correto é o apontado na inicial e não o da rescisória, como pretende a peça de resistência. É que, in casu, discute-se a nulidade da sentença em razão de vício de origem – falta de citação válida. Buscando luzes no direito civil, encontra-se em ORLANDO GOMES (Introdução ao Direito Civil, Forense, Rio, pág. 357): “quando a imperfeição do ato jurídico provém da ausência de elemento indispensável à sua formação, diz-se que é inexistente; se resulta de inobservância de requisito essencial à sua validade, o ato, traduzindo-se em uma infração legal, é dito nulo. Finalmente, se o defeito se manifesta na declaração de vontade do agente, é ato anulável.” Já COQUEIJO COSTA dilucida: “Processo sem citação, ou com citação irregular, sem a comparência ou a resposta sanadora do réu, e ainda sem que, na execução, o réu, revel, haja alegado o defeito para ser anulado o processo ex radice, é nulo e a sentença nele proferida também o é.” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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Donde se conclui que a espécie versa sobre a nulidade de ato essencial ao curso válido do processo. E não divergem os autores, no sentido de que atos nulos não podem ser rescindidos: “...os atos nulos não podem ser rescindidos.” (COQUEIJO COSTA, in Ação Rescisória, LTr, SP, pág. 33). Na lição de SILVA PACHECO, “as sentenças podem ser inexistentes, nulas ipso jure e rescindíveis. As primeiras não precisam de ser rescindidas (inidônea a rescisória) porque, se inexistentes, não são sentenças, improcedendo a rescisão... As sentenças nulas ipso jure, igualmente, embora existentes, não valem, não têm eficácia (logo, não produzem coisa julgada). Se nulas de pleno direito, não precisam de ação para rescindi-las, porque incapazes, por si só, de valer. Só ensejariam rescisória as sentenças rescindíveis, eivadas de nulidade, de acordo com a lei expressa. A rescindibilidade das sentenças depende da lei. A lei é que estabelece quando é possível a ação rescisória e baseada em que espécie de nulidade. A nulidade, porém, independe de rescisória, o mesmo acontecendo com as sentenças inexistentes.” (Direito Processual Civil, vol. II, ed. 1976, páginas 428/429). LIEBMAN esposa posicionamento semelhante: “...todo e qualquer processo é adequado para constatar e declarar que um julgado meramente aparente é na realidade inexistente e de nenhum efeito.” Idem, idem, LOPES DA COSTA, para quem as nulidades absolutas da sentença não figuram entre as hipóteses reservadas para a ação rescisória (“Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. III, nº 470, pág. 452). Ultima ratio, a jurisprudência dominante foi estratificada pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em sua Súmula nº 7, verbis: “A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação nulamente feita.” (RT 629/206). Destarte, inquestionável e induvidosa a possibilidade jurídica questionada, bem como a adequação da via escolhida. E, tratando-se de ação declaratória, a competência deste Juízo é irreprochável, aliás, como adequadamente dilucida LIEBMAN: “A nulidade pode ser alegada em defesa contra quem pretende tirar da sentença um efeito qualquer, assim como pode ser pleiteada em processo principal, meramente declaratório. Porque não se trata de reformar ou anular Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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uma decisão defeituosa, função esta reservada a uma instância superior (por meio da ação rescisória); e sim de reconhecer simplesmente como de nenhum efeito um ato juridicamente inexistente.” Também COQUEIJO COSTA: “A anulatória se propõe no órgão de 1º grau... Seu procedimento é o ordinário ou o sumaríssimo.” (op.cit., pág. 84). Portanto, afastada, na hipótese, a incidência dos artigos 836, CLT e 463 c/ c 267, IV, CPC. 2. DA COISA JULGADA No que tange à coisa julgada,derradeiro tema agitado pela defesa, incorporando os fundamentos de direito acima expendidos, acrescento ser indiscrepante a doutrina e a jurisprudência, no sentido de que não ocorre coisa julgada com relação a sentenças nulas ipso jure, como in casu. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, com a precisão e segurança peculiares, valendo-se do ensinamento dos doutos, resume: “Tanto as sentenças inexistentes como as nulas ipso jure não têm aptidão para gerar a res judicata (PONTES DE MIRANDA, apud SILVA PACHECO, op. cit. nº 1.658, página 429). Mas, a sentença nula existe como tal e até pode produzir algum efeito enquanto não declarada nula. “O suporte fático é suficiente, mas deficiente”, no dizer de PONTES DE MIRANDA. “A nulidade supõe existência do ato jurídico, mas invalidade...” de sorte que “a nulidade acontece no plano da validade; não no plano da eficácia; nem, com mais forte razão, no plano da existência” (op. cit., pág. 632). Sobre o tema, lembra LOPES DA COSTA que as nulidades da sentença “podem nascer dela mesma”, ou podem advir de nulidade do processo na sua integridade, “por vício da relação processual” (op. cit., III, nº 470, pág. 452). Urge, pois, distinguir nulidades parciais do processo, e nulidade total do próprio processo. As nulidades de atos avulsos do processo, mesmo não sanadas ao tempo de sua prática, se não argüidas na oportunidade adequada, tornam-se preclusas e são definitivamente sanadas pelo efeito maior da res judicata. Assim, não podem servir de fundamento para rescindir a sentença, nem muito menos para inquinar-lhe o vício da nulidade. Quando, todavia, o defeito ataca o processo e não permite que se estabeleça ou prossiga sobre o suporte indispensável da relação jurídica processual válida, nula será a sentença que se proferir e coisa julgada não haverá. Por isso, “a falta ou nulidade da citação inicial, essa, se não foi suprida com a comparência, atravessa todo o processo executivo, como atravessaria o processo de cognição e resistiria à sanção pela sentença”. E, por isso mesmo, conclui PONTES DE MIRANDA que “o citado nulamente e o não Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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citado, que não compareceu, tem a actio nullitatis... (“Comentários ao CPC”, ed. 1949, vol. VI, págs. 431-432, apud SILVIO PACHECO, op. cit., II, pág. 429). Inutilizado o processo como um todo, a nulidade da relação processual se projeta, também, no dizer de LOPES DA COSTA, sobre a sentença (op. cit., III, nº 470, pág. 452).” Respaldo encontra-se, também, na jurisprudência, inclusive do Excelso Supremo Tribunal Federal: “RESCISÓRIA - VÍCIO DE CITAÇÃO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO - ART. 741 DO CPC - Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC que é a de falta ou nulidade de citação, havendo revelia, persiste no “direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ação rescisória, que em rigor, não é a cabível.” (STF - RE 96.374-0-GO, Rel. Min. MOREIRA ALVES, 2ª T., in “DJ”, 11.11.83). “RESCISÓRIA - FALTA DE CITAÇÃO ‘QUERELA NULLITATIS’. A citação tem o cunho e a marca da indeclinabilidade, sendo insanável a nulidade resultante de sua inobservância ou infringência e tão importante e essencial é a citação, que sua falta ou nulidade não convalesce nem a coisa julgada e pode invalidar, por isso, o título executivo constituído por sentença condenatória. Assim, ou sua falta acarreta o não surgimento da relação jurídica processual com relação à parte não citada, ensejando a propositura da ação declaratória de nulidade - querela nullitatis - independentemente do prazo para propositura da ação rescisória, que, em rigor, não é cabível para essa hipótese. Daí porque a nulidade pode e deve ser proclamada mesmo sem a demonstração ou prova de prejuízo.” (TJSP - Ap. 1.122.570-1, Rel. Ds. SOUZA LIMA, ac. 9.8.89, COAD Bol. 01/1990, pág. 014/47.413). 3. MÉRITO Quanto ao mérito, as falcatruas imputadas aos réus e sua advogada não foram contestadas, constituindo-se assuntos incontroversos (art. 302, CPC). Mas, ad abundantia, a documentação acostada atesta a atuação maliciosa da patrona dos réus no processo 1ª JCJ/JF-764/87, em especial, as procurações que lhe outorgaram o Autor e sua esposa, para defesa de seus interesses (fls. 84 a 87), além do termo de fls. 88, todos não impugnados e que bem demonstram o relacionamento profissional da Dra. “X” com o A., sendo impossível conceber que, à época da propositura da reclamatória contra seu próprio cliente, desconhecesse ela o endereço de sua esposa e a circunstância de estar ele sob prisão, cumprindo pena em localidade distante. Completando a trajetória criminosa, advogada e reclamantes adjudicaram o bem penhorado na execução da sentença, o qual, consoante afirmado na exordial Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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(fls. 8, nº 2) e não contestado pela peça de resistência, mediante cessão dos direitos da adjudicação, foi cedido ao Sr. “Z”, irmão da Dra. “X”, e também procurador do Autor (fls. 85). A incursão em outras áreas que não a trabalhista deve-se à necessidade constitucional de fundamentação da decisão. Deixa-se de abordar outras nulidades apontadas, v. g., da execução, por falta de citação válida, porquanto, em sendo nula, ex radice, a citação inicial, como ensina o insigne Mestre AROLDO PLÍNIO GONÇALVES, “reputam-se de nenhum efeito todos os (atos) subseqüentes, que dele dependam”. (NULIDADES NO PROCESSO, Aide, RJ, pág. 39). Isto posto, sendo “a citação ato fundamental do processo, a condição sine qua non, portanto, de eficácia do próprio processo”, como preleciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, demonstrada, quantum satis, a insanável irregularidade citatória do processo 1ª JCJ/JF- nº 764/87, de nenhum efeito todos os atos praticados posteriormente e inevitavelmente nula a sentença nele prolatada. Por tais fundamentos, Julgo PROCEDENTE a ação, declarando nulos todos os atos praticados no processo 1ª JCJ/JF- 764/87, onde figuram os aqui réus como reclamantes e o autor como reclamado. Usando o “poder geral de cautela” que o CPC me confere, no art. 798, determino seja oficiado ao Cartório de Registro de Imóveis respectivo, noticiando sobre a ineficácia da Carta de Adjudicação passada no Processo 1ª JCJ/JF- nº 764/87, proibindo qualquer averbação ou transferência do imóvel a que se refere sem autorização deste Juízo. Custas, no importe de R$300,00, calculadas sobre o valor arbitrado de R$15.000,00, pelos reclamados e, por aplicação do art. 32 da Lei nº 8.906/94 c/c parágrafo 1º do artigo 18 do CPC, solidariamente a I. patrona destes, Dra. “X”. Intimem-se. Nada mais.”

ATA DE AUDIÊNCIA realizada sob a presidência do MM. Juiz do Trabalho, José Miguel de Campos, na sede da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Juiz de Fora-MG. Aberta a audiência foram, de ordem do MM. Juiz-Presidente, apregoadas as partes, ausentes. Proposta a solução do dissídio e colhidos os votos dos Srs. Juízes Classistas, a JUNTA proferiu a seguinte SENTENÇA. Vistos, etc. Pretende o Embargante, Dr. “X”, a nulidade da execução e a conseqüente liberação do bem penhorado, argüindo, preliminarmente, a suspeição e o impedimento do “ilustre magistrado da 1ª JCJ” (sic) para julgar os Embargos, por estar o mesmo atuando como advogado do reclamante tendo interesse na lide. Ainda em preliminar, requer seja declarada a nulidade de todo o processo de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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execução, cálculo e penhora, com fundamento no art. 741, inciso VII, do CPC (sic), por incompetência do juízo. No mérito, o valor descontado de Cr$7.323.852,22 refere-se a honorários advocatícios e despesas, de acordo com documentação acostada, pelo que o cálculo está incorreto, como demonstrado às fls. 226. Contrariedade às fls. 256, verso, afirmando o Embargado “que quer receber a importância que o Dr. “X” lhe pagou a menos, porque tratou 15% de honorários, concordando depois passar para 20%. Aviados a tempo e modo, conheço dos Embargos. 1 - DA SUSPEIÇÃO E DO IMPEDIMENTO Não me dou por suspeito ou impedido para apreciar os Embargos, porque não presente na espécie nenhuma das hipóteses legais pertinentes, especialmente daquelas previstas no artigo 801 do Estatuto Obreiro. 2 - DA COMPETÊNCIA Induvidosamente, da Justiça do Trabalho a competência para dirimir a questão, nos exatos termos do artigo 114 da Carta Magna, in fine, que determina: “...bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças ...” No processo de conhecimento o Estado, através da jurisdição, proclama a lei do caso concreto (DINAMARCO). Na execução, medidas são desenvolvidas para que a vontade dessa lei seja realmente satisfeita (CHIOVENDA). E o que se pretende, neste processo, é nada mais que isso: a plena entrega da prestação jurisdicional ao seu destinatário. É GIUSEPPE CHIOVENDA quem afirma que o direito processual “tem finalidade pública: funciona mediante o interesse das partes para realização da vontade concreta da lei”. Essa finalidade social assume especial relevo no direito processual do trabalho, pois este, na feliz expressão de MASCARO, visa a “tutela jurisdicional de grupos ou coletividades”, distribuindo justiça social, “função excelsa do Estado”, na magnífica definição de COQUEIJO COSTA. Por outro lado, o artigo 765/CLT confere ao Juiz do Trabalho e lhe impõe deveres incomuns, dando-lhe ampla liberdade na direção do processo, sendo certo que o impulso “ex officio” pode e deve ser exercido por força do estatuído no artigo 4º da Lei nº 5584/70. In casu o Exeqüente “reclamou pessoalmente” de seu patrono, do qual, a certa altura, passou a ser vítima. De outro tanto, o artigo 878 da CLT faculta ao Juiz-Presidente “dar início à execução independentemente de provocação das partes “. Na espécie, nem isso ocorreu, por isso que o interessado acionou a Justiça. Reitera-se que na verdade, ante a conduta retratada nos autos, especialmente confessada no termo de fls. 207/208, o exeqüente tornou-se vítima de seu próprio advogado, tendo requerido, mais de uma vez providências desta Especializada no sentido de repor as coisas no seu devido lugar (fls. 166, 177, 181, 207, 208 e 256). NELSON NICOLIELO acentua a “natureza ultrapeticional” da sentença trabalhista e MASCARO, com absoluta propriedade dilucida: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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“Trata-se de um direito processual social, destinado, principalmente, à tutela jurisdicional de grupos ou coletividades, e não de um direito processual individual. Como conseqüência, seguem-se as necessidades de um mínimo de formalismos, a maior liberdade interpretativa e criativa do Juiz, a maior celeridade, o menor custo, a maior distributividade e menos comutatividade nos seus atos”. (Curso de Direito Processual do Trabalho, 1ª ed. Saraiva). Reconhecendo a dívida para com seu cliente, simulando devolução (fls. 176), frustrando a ordem judicial (fls. 166, 167v., 172, 185 e 193), propondo devolução de quantia menor (fls. 208), não deixando dúvidas, portanto, quanto à apropriação indébita, o Dr. “X” sub-rogou-se na dívida (artigo 568, III, CPC), desvestiu-se da condição de procurador, tornando-se “novo devedor”, portanto. Sobre o novo devedor, ensina MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO: “a litigiosidade da coisa ou do direito, prevista no art. 42, do CPC, como pressuposto para a inalterabilidade da legitimação das partes, faz com que a incidência dessa norma seja inadmissível no processo do trabalho, mercê de incompatibilidade lógica e jurídica com este. Linhas atrás, afirmamos que as disposições do art. 568, lll, do CPC, se enastram, em parte, com as do art. 42, do mesmo Código. Essa interpretação promana do fato de o novo devedor ser o cessionário, o adquirente ou subrogatário. Sucede que o terceiro poderá assumir, em atitude voluntária, a obrigação derivante do título executivo judicial, sem que seja em virtude de cessão, alienação, etc., por parte do devedor: assume, tão-somente, porque assim deseja. Requere-se, para tanto, apenas o assentimento do credor. Nesta última hipótese, cremos que, em circunstâncias especialíssimas, poder-se-ia conceber, no processo do trabalho, a figura do novo devedor, pois a medida poderia ser benéfica ao empregado-credor...” (in Execução no Processo Trabalhista, LTr, 1989, p. 116). “No art. 568, lll, apenas se cogita da assunção da dívida, se o credor consentir em que se extinguisse a dívida de quem foi devedor. Trata-se aí, de novo devedor, de modo que há sub-rogação pessoal com a eliminação de quem antes era o devedor”. (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao CPC, Tomo lX, p. 100, Forense). Inquestionavelmente, uma das hipóteses é bem a dos autos, em que o Dr. “X”, como patrono do Exeqüente, recebeu o valor ao mesmo destinado e não o fez chegar às suas mãos. Portanto, impõe-se a conclusão de que é inquestionável a competência desta Justiça Especializada para mediante aplicação dos meios legais, obrigar o Dr. “X” a devolver ao Exeqüente, quantia que indevidamente lhe subtraiu, como demonstrado nos autos, com suporte nos artigos 114/CF, 659/CLT e 568, lll/CPC, incluindo-se, também, como supedâneo do raciocínio, o “poder geral de cautela” atribuído ao Juiz pelo Código de Processo Civil, no seu artigo 798. Assim o deseja o Exeqüente, como amplamente demonstrado. E o que é pior para ele (EMBARGANTE): reconheceu a competência desta Presidência para desatar a questão, tornando-se preclusa a oportunidade de excepcionar o Juízo agora, pois: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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“JUSTIÇA DO TRABALHO - COMPETÊNCIA. Em princípio, incompetente é a Justiça do Trabalho para conhecer de dissídio sobre contrato de honorários firmado, em particular, entre reclamante e seu advogado. Entretanto, em virtude da vinculação de pagamento efetuados na Junta, de prestações na execução da sentença através da qual o empregado reclamante devedor consente na prática de atos referentes à liqüidação de honorários, precluso está o direito de impugnar a competência consentida”. (Ac. Unânime, TRT 7ª Região, in Dic. Dec. Trabalhistas, C. Bonfim, 21ª edição, verbete n. 2825). “O que estabelece a competência da Justiça do Trabalho não é a natureza da obrigação, mas ser ou não o litígio oriundo ou não da relação de trabalho.” (TRT 9ª Região – Ac. 1573/80, LTr 45-5/615). Luiz JOSÉ DE MESQUITA, in LTr 42/1223-1240, conclui: “18ª - A Justiça do Trabalho tem competência RATIONE MATERIAE para conhecer e julgar ação de repetição de indébito, conforme os textos constitucionais (artigos 112, V e 142) e consolidados (artigos 769, 791, 839, A e 840, § 1º), a doutrina dos doutos em Direito Processual do Trabalho e os precedentes semelhantes da jurisprudência trabalhista”. Nessa toada, desatam-se aqui questões atinentes a despejo, prisão de depositário infiel, repetição do indébito, PIS, etc... porque compete à Justiça do Trabalho executar suas próprias decisões e, repete-se, executar é entregar a prestação jurisdicional ao seu destinatário, plenamente, constituindo-se no que RUSSOMANO denomina “conflitos impuros ou impróprios”. 3 - DA ATUAÇÃO DO JUIZ NO PROCESSO TRABALHISTA O juiz não é nem pode ser um mero observador insensível ao que ocorre de errado no processo. Como diz RUSSOMANO, é “protagonista e diretor do drama”, objetivando o melhor desenlace possível. É o mesmo jurista que ensina: “Em síntese, a finalidade da lei trabalhista - proteção ao trabalhador e nivelação social das classes - reclamando a adoção de meios processuais que assegurem o cumprimento dessa lei e o alcance daquela finalidade, força o juiz do trabalho a tomar, ante a vida, postura diferente da que o juiz civil pode assumir perante os mesmos fatos”. (Direito Processual do Trabalho, LTr, 2ª ed., p. 23) - (Grifei). A concepção simplista do Juiz como mero aplicador da lei ao caso concreto não se coaduna com a finalidade precípua de seu “poder-dever” de “dar a cada um o que é seu”, ou, em outras palavras, de tornar realidade o direito. Impende ao Magistrado prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da Justiça (art. 125, CPC). AMAURI MASCARO NASCIMENTO afirma que está ínsito no mister do magistrado criar, de acordo com o seu prudente arbítrio e segundo as necessidades do caso sub judice, medidas que julgar indispensáveis à presença do resultado final. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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Recentíssimo acórdão do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, cuidando de fato relacionado à apropriação indébita de numerário por advogado, foi assim ementado: “NOTIFICAÇÃO JUDICIAL - PENA DE CONDUÇÃO - AMEAÇA À LIBERDADE - INOCORRÊNCIA -LEGITIMIDADE - É legítima a notificação feita pelo juízo à parte para vir prestar esclarecimentos, sob pena de condução, a respeito de recebimento de valor a maior nos autos de acordo trabalhista, com prejuízo financeiro para outrem e desprestígio do Poder Judiciário. A Justiça tem obrigação de buscar a verdade a respeito de procedimento irregular do advogado nos autos do processo que recebe quantia superior à devida e sonega informação ao cliente e à Justiça.” (TRTHC 1/92, unânime, 1ª Turma, in DJMG, 20.06.92, fls. 163). No corpo do v. acórdão, observa-se: “...Por primeiro entendo que a Junta tem o direito e a obrigação de velar pela seriedade própria, dos advogados e das partes no processo. Qualquer procedimento irregular há que ser devidamente esclarecido a fim de que não pairem dúvidas sobre honrabilidade de quantos aqui militam ou buscam a prestação jurisdicional”. Assim, não vejo ilegitimidade alguma no procedimento da autoridade em obrigar a parte a vir a juízo prestar esclarecimentos. Não é assim que procedem as autoridades administrativas de quaisquer dos poderes públicos? À vista do documento de fls. 23, induvidosamente, um dos procuradores do reclamante, ora impetrante, recebeu a quantia a maior e somente prestou conta a ela do importe objeto do acordo (tanto que somente lhe repassou Cr$800.000,00 - e o acordo era de Cr$1.000.000,00) certamente embolsando a diferença... Isto se chama apropriação indébita! E o que é pior - alguém insiste em manter a apropriação recusando-se a promover sua devolução. E a Justiça tem a obrigação de descobrir o autor deste ato, este sim, prepotente, arbitrário, abominável e criminoso”. Parece até - pela igualdade de situações - que o julgamento supra foi uma “avant-première” do que se aprecia neste momento. Irreprochável, portanto, ser obrigação do magistrado tomar as medidas implementadas nestes autos, objetivando a obrigar o Dr. “X” a devolver o que indevidamente embolsou do Exeqüente. 4 - DA MORAL E DA ÉTICA DECÊNCIA, segundo o velho “Aurélio”, é sinônimo de decoro, lisura, asseio, honestidade. Não apenas é preciso não meter a mão no bolso do próximo, como ter Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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respeito humano: respeito próprio, sobretudo, mas também pelo outro, ainda que esse outro possa ser um simples trabalhador rural, velho, de mais de 60 anos. É possível o exercício da advocacia com decência? Felizmente, a resposta é sim, porquanto a maioria dos advogados assim a exercem! FREDERICO, o Grande, da Prússia, entendia que a melhor maneira para se restabelecer a Justiça seria a supressão dos advogados. Evidentemente que não concordo com a assertiva. Entretanto, admito que seria de bom alvitre o afastamento da vida forense dos maus advogados. Incompetentes e indecentes deveriam ser alijados do exercício profissional da advocacia. Por seu turno, IMANUEL KANT, refletindo sobre a ética, afirmou que “uma pessoa que desrespeita outra está, de fato, desrespeitando a humanidade”. Esse “vale tudo”, essa promiscuidade, essa proliferação de cinismo, de condutas aéticas, onde se chega ao absurdo da indébita apropriação e da insistência em mantê-la, recusando-se o apropriador a promover a devolução, tem que ter um fim, em nome da própria dignidade da Justiça! Afirmava JOSÉ LOPES DE OLIVEIRA que “o direito não tolera a imoralidade nem a ilicitude de ação”. CARNELUTTI, em memorável síntese, firmou um princípio ético segundo o qual “a parte deve servir ao processo, jamais servir-se dele”. Por falar em ética, induvidoso é que as petições assinadas e juntadas pelo Dr. “X” nestes autos não são da sua lavra, porquanto bem redigidas, sem erros crassos de português e sem heresias jurídicas. Algum causídico covarde, que não tem a coragem de fazer “pessoalmente” os assaques e ofensas ao Magistrado neste e em outros processos, vem se servindo da inocência do Dr. “X” para tirar alguma diferença. Lembro a este que a lei prevê penalidade para quem assina e apresenta em juízo o que não escreve. É questão de ética. Ademais, assume ele a responsabilidade pelo que está escrito. Mas, tanto para o elaborador das petições quanto para o signtário das mesmas, sei que estou falando grego, pois, certamente, de ética e de moral nada entendem, como se pode observar do registrado neste processo. O elaborador das petições é co-autor dos deslizes praticados pelo Dr. “X” , eis que atuando desde o início do processo, como se pode observar do teor das petições acostadas, como se disse, bem elaboradas, sem erros graves de lingüística ou de direito. 5 - MÉRITO O fato objetivo é este: crédito oriundo de demanda trabalhista não foi alcançado na sua plenitude pelo credor, porquanto, vítima de seu próprio advogado, teve indevidamente retida parte do mesmo, em autêntica apropriação indébita. Ora, competindo à Justiça do Trabalho executar suas próprias decisões e tendo em vista que, ao receber o valor da execução e não repassá-lo integralmente ao Exeqüente, o advogado, Dr. “X”, tornou-se novo devedor, à luz do estatuído no art. 568, lll, CPC, estando obrigado a restituir o importe indevidamente retido, impende a esta Justiça fazer chegar ao destinatário (reclamante) o resultado da prestação jurisdicional na sua totalidade. Quanto ao valor da execução, será calculado em função da data do recebimento, com abatimento de “quantum” corrrespondente a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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20% de honorários advocatícios, aplicando-se, analogicamente, o percentual determinado pela Lei nº 5584/70, com acréscimo de 5%, porquanto, no termo de fls. 207/208, o Exeqüente concordou com o mesmo. Tem-se em conta, ainda, que o Dr. “X” sequer redigiu a exordial, pois a reclamação foi atermada, sendo seu trabalho de mero acompanhamento do processo. Portanto, os cálculos estão corretos. Registra-se que, mesmo depois de acuado, já sem possibilidade de esconder sua conduta irregular, o Dr. “X” ainda tentou iludir o Juízo, trazendo a lume, por cópia “xerox”, o cheque nº 989232, de sua emissão contra o BANESPA, e nominal ao Exeqüente, objetivando “comprovar” que teria sido o mesmo sacado pelo prejudicado. Determinada ao Banco a remessa do mesmo documento ao Juízo, com o ofício de fls. 209 veio cópia do mesmo cheque, só que com algumas novidades: do seu verso consta assinatura de “Z”, verdadeira sacadora do valor no mesmo consignado, conforme informação prestada pelo BANESPA (fls. 209). E, como se pode observar dos impressos profissionais do Dr. “X”, há no seu escritório pessoa detentora deste sobrenome, levando a crer que pessoa da família foi utilizada para despistar a operação. Ou será “fantasma”? Esta operação deverá ser objeto de inquérito policial, para apuração de possíveis delitos praticados pelos envolvidos. As despesas que o Executado, Dr. “X”, julga dedutíveis não o são, porque: -recibo de Cr$800.000,00 (fls. 200), relativo à elaboração (conferência) de cálculo de liquidação, não há de ser levado em conta porque a despesa não foi expresssamente autorizada pelo reclamante/exeqüente; porque elevadíssima, considerando-se os padrões normais da região, ainda mais que não foi elaborado laudo nenhum. Quem fez o cálculo foi a reclamada (fls. 136 e seguintes). Demais disso, não veio a lume o original e, diante dos fatos constantes dos autos, nada que parta do Executado merece fé. Não colhe a afirmativa de que o documento está autenticado, porque a formalidade de nada adianta. Ainda esta semana, em outro processo, por cópia autenticada, o Dr. “X” juntou documento com características diferentes, ou seja, a cópia, na verdade, não é autêntica, apesar de autenticada (se negar, juntarei aos autos comprovação). E não se diga que o Magistrado está advogando, pois o que está fazendo é fundamentando a decisão. - Ultima ratio, compete ao advogado elaborar o cálculo como parte de seu mister. Se paga alguém para fazê-lo, deve arcar com as despesas, pois se assim não for, ao final das contas, como in casu, o verdadeiro detentor do crédito (autor) ficaria apenas com cerca de 40, 50 ou 55% do total, utilizando-se da Justiça para locupletamento de advogados (inescrupulosos, naturalmente) e peritos. - Recibo de Cr$1.330.000,00, datado de 23.03.92. De nenhum valor. O reclamante, como se observa, é analfabeto, mal sabendo “escrever” o nome. E cansou de fazê-lo para o Dr. “X”. A data do documento - 23.03.92 - impede seja o mesmo aceito pelo juízo, por isso que, na mesma, era litigioso o débito, devendo qualquer pagamento ser feito em juízo, em razão da conduta do Dr. “X” demonstrada no processo. - No que tange aos honorários advocatícios, jamais podem ser aceitos em valor correspondente a 40%, como acima demonstrado. Já fixados em 20%, tendo em vista, inclusive, que o causídico sequer elaborou a petição inicial. Por derradeiro, o Dr. “X”, diversas vezes, nos autos, reconheceu o débito Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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que se lhe cobra (fls. 166, 207, 208), chegando a simular quitação (fls. 176 e 183), esta, com inexplicável pagamento em dois cheques - naturalmente já com a intenção de subtrair do reclamante um deles, como efetivamente aconteceu, para, por último, confessar, inequivocamente, toda a sua irregular condutra (fls. 207/208), chegando ao absurdo de querer, com a devolução de apenas Cr$1.000.000,00 sanar a situação (fls. 208, in fine). Posto isto, são IMPROCEDENTES os Embargos, corretos os cálculos de fls. 212, a merecerem apenas atualização, ficando, destarte, mantida firme e valiosa a penhora. Intimem-se. Nada mais. Comentário* As duas decisões do hoje Desembargador Federal do Trabalho são precursoras. Foram proferidas quando ainda presidente de junta, na cidade de Juiz de Fora. A primeira versa questão interessante. Uma advogada propôs reclamação trabalhista como procuradora de reclamantes contra um reclamado, do qual era também advogada. Como este cumpria pena por condenação criminal em cidade paulista, foi citado por edital e condenado. O réu dessa ação propôs outra, na condição de autor, pleiteando a nulidade da sentença em que fora condenado, já que se tratava de uma armação da advogada e seus clientes contra o autor (na reclamação atual) e réu na outra. A evidência da ampla fraude, segundo o autor, estava no fato de que o bem penhorado na ação anterior fora adjudicado e posteriormente cedido ao irmão da advogada. A sentença sob comentário anulou a anterior por falta de citação válida e, para enfrentar o problema da coisa julgada, fez judiciosas considerações, que o leitor naturalmente lerá com proveito. O espírito da argumentação foi o seguinte: a coisa julgada é instituto criado pelo processo, em função da garantia e certeza das questões decididas. Nenhuma lide pode ser eterna. Compor a controvérsia e decidi-la definitivamente é missão do processo. A coisa julgada é a conseqüência natural desse processo. Porém, como acontece com todas as verdades nas ciências sociais, das quais o Direito faz parte, nenhuma verdade pode ser realçada ao extremo, sobrepondo-se às demais. O que se quer é um concerto de conceitos e não uma hierarquia entre eles. Ao lado da coisa julgada, há vários outros (recorribilidade, eventualidade, impenhorabilidade, informalidade, etc.) que também pedem um lugar no amplo ordenamento da ciência do processo. * Comentário feito pelo Desembargador Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Antônio Álvares da Silva. Professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UFMG Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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Certeza e segurança nas decisões é um bem de alta valia, indispensável à vida social. Mas, sob a forma dessa certeza e segurança, deve haver como conteúdo a justiça. Se assim não fosse, o processo se transformaria numa instrumentalidade vazia, que põe fim às controvérsias unicamente para encerrá-las e não para encerrálas fazendo justiça às partes. Segurança e justiça são dois conceitos entranhados reciprocamente. Buscam encontrar na sentença um equilíbrio e se sustentam numa harmonia desejada pela justiça do caso concreto. Com base nesses fundamentos, o então juiz de primeira instância José Miguel de Campos anulou todos os atos praticados no processo anterior, considerou ineficaz a carta de adjudicação e proibiu o cartório de operar qualquer transferência do imóvel sem ordem judicial. Na fundamentação, fez-se uma observação de grande sentido que hoje vai valer como cânone interpretativo da EC n. 45: “A incursão em outras áreas que não a trabalhista deve-se à necessidade constitucional de fundamentação de decisão.” Essa afirmativa mostra que o Direito do Trabalho será um ramo impreciso e incompleto da Ciência do Direito se ficar apenas na relação de trabalho. O trabalho, enquanto fato jurídico captado pelo Direito, tem amplo desdobramento que não se comporta na relação de emprego, a qual constitui apenas um epifenômeno de um fenômeno muito maior, ou seja, o trabalho humano. O Direito do Trabalho, para ser digno deste nome, vem acolher o trabalho em todas as suas dimensões sociais. Caso contrário, será um ramo mutilado da ciência jurídica que apenas recolhe um lado menor do fato social trabalho, deixando para outras disciplinas seus aspectos mais significantes. Do ponto de vista jurídico, o trabalho se manifesta na relação de emprego. Mas, rompendo esse círculo estreito, desdobra-se na relação de trabalho, hoje majoritária no mundo, inclusive no Brasil, segundo as modernas estatísticas. Reverteu-se o dado histórico: a relação de emprego passou a ser exceção, cedendo lugar à relação de trabalho, que hoje é a regra geral. Mas o fenômeno segue seu grau de expansividade, desdobra-se para o Direito Coletivo, continua no Direito Público do Trabalho, chegando até a co-gestão, como epílogo mais evoluído dessa ampla cadeira, que constitui o maravilhoso universo da nossa disciplina, que a EC. n. 45, em tão boa hora, acolheu. Ao dizer pioneiramente que a incursão em outras áreas se deve à necessidade constitucional de fundamentação da sentença, José Miguel sentia, percebia, na sua fina sensibilidade de jurista, que o trabalho da relação de emprego não bastava para a dimensão do fenômeno “trabalho”. Pedia a expansão que o Direito da época não lhe dava. E, para justificar a incursão fora da relação de emprego, invocava a Constituição sob o pretexto de fundamentar a decisão. Com isso defendia sua sentença da reação conservadora que poderia anulá-la por extravasar o mundo acanhado da relação de emprego. Hoje, essa idéia é o cotidiano de nossas decisões, pois tudo que deriva da relação de trabalho é objeto do moderno Direito do Trabalho brasileiro. Não se utiliza mais da competência ampliada apenas para fundamentar, mas para efetivamente decidir. Se a sentença anulou todo o processo, anulou também os fatos que dela Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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derivaram, que passaram automaticamente para a competência da Justiça do Trabalho. A adjudicação, cedendo o bem a terceiro, também cai, porque seu suporte jurídico foi anulado. Fica então competente a Justiça do Trabalho para decretar essa nulidade, anular registros em cartórios e transações a que porventura o bem tenha sido submetido. Não se trata de ingerência em outras áreas, mas de conseqüência necessária do desdobramento do fenômeno “relação de trabalho”, enquanto conteúdo das relações jurídicas. Essas considerações valem também para a segunda sentença, em que se condenou um advogado a devolver quantia recebida, da qual se apropriou e prestou contas apenas parcialmente. Aqui se vê novamente o trabalho humano em sua expansibilidade fenomênica. Na reclamação trabalhista, condenou-se o empregador a um pagamento de créditos trabalhistas. O advogado recebeu-o e o reteve, praticando claramente a apropriação indébita. Aqui o trabalho, além de crédito, já assume fato que fundamenta um crime. O advogado foi condenado a devolver a quantia, executando-se a sentença na própria Justiça do Trabalho. O raciocínio que a grande maioria dos juízes do trabalho teria na certa seria este: não seria possível a cobrança do crédito na Justiça do Trabalho, pois não se tratava de conflito empregado/empregador, mas sim de crime de apropriação indébita. Porém foi aqui que entrou o elemento inovador e o refinado argumento jurídico do então juiz de primeiro grau José Miguel. No tempo em que foi prolatada a sentença, vigia o art. 114, com redação anterior à EC n. 45. Porém fez-se um raciocínio analógico precursor. Se não se tratava de conflito empregado/empregador, era certo que havia um conflito derivado da relação de emprego. Como fora surrupiado do reclamante seu crédito, era obrigação do juiz tomar providências para fazê-lo chegar ao destinatário. E foi isso que de fato foi determinado. A vida já pedia a mudança que viria concretizar-se dez anos depois. Não basta à Justiça do Trabalho julgar o conflito entre empregado e empregador, mas a controvérsia proveniente da relação de emprego e de trabalho. Neste último caso, mesmo que não haja relação empregatícia. O mundo do trabalho é muito maior e era preciso que a Justiça do Trabalho, para fazer jus ao nome, acolhesse-o em sua integridade. A hipótese fática da sentença é o exemplo. O advogado foi executado diretamente, porque se apossou de crédito trabalhista. Se a Justiça do Trabalho tinha competência para julgar, como de fato julgou, o conflito direto entre empregado e empregador, pela mesma razão haveria de ter competência para garantir a autoridade de sua decisão, tomando todas as medidas complementares necessárias para fazê-la valer. A execução direta do advogado foi além do conflito empregado/empregador, apanhando-o na derivação da relação de emprego, exatamente para propiciar a efetiva prestação jurisdicional que estava ameaçada. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.243-258, jul./dez.2006

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Vê-se claramente que já se armara, no embasado raciocínio de José Miguel, o substrato necessário que viria desdobrar-se na EC n. 45. O juiz, como salienta Richard Posner, é um legislador indireto. Não faz a lei, mas a interpreta. E, às vezes, a interpretação é mais importante do que a lei. Essas duas sentenças, que acabamos de comentar, mostram como a jurisprudência pode ser criadora e edificante, desde que manejada por magistrados capazes e de visão.

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JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃOS DO TRT DA 3ª REGIÃO EMENTÁRIO DO TRT DA 3ª REGIÃO

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO TRT-00129-2005-017-03-00-6-RO Publ. no “MG” de 09.08.2006 RECORRENTES: COPE - COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS DE E S P E C I A L I Z A Ç Ã O ELETROMECÂNICA LTDA. E OUTROS RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público do Trabalho tem legitimidade, na defesa de direitos e de interesses coletivos e/ou difusos violados, para ajuizar ação civil pública, à luz do inciso III do artigo 129 da Constituição do Brasil e do inciso III do artigo 83 da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, e a Justiça do Trabalho é competente para processá-la e julgá-la, a teor do artigo 114 da Carta Magna, com a nova redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 45/ 04, vigente a partir de 31 de dezembro de 2004. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário interposto contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz do Trabalho Substituto da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que figuram, como recorrentes, COPE - COOPERATIVA DOS PROFISSIONAIS

DE ESPECIALIZAÇÃO ELETROMECÂNICA LTDA. e OUTROS e, como recorridos, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RELATÓRIO O MM. Juiz do Trabalho Substituto da 17ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Dr. Marco Túlio Machado Santos, pela r. sentença de f. 2564/2580, cujo relatório se adota e a este se incorpora, julgou parcialmente procedente o pedido inicial. Os réus e o autor opuseram embargos de declaração (f. 2583/2589 e 2591/2592, respectivamente), que foram julgados procedentes, em parte (f. 2593/2596). Aqueles e este aviaram novos embargos de declaração (f. 2598/2605 e f. 2606, respectivamente), que foram julgados procedentes, em parte (f. 2609/2613). Os réus opuseram outros embargos de declaração (f. 2619/2624), que foram julgados improcedentes (f. 2625/2627). Recorreram os réus (f. 2631/2670), argüindo as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, em razão da matéria, de carência de ação, por ilegitimidade ativa para a causa e por impossibilidade jurídica do pedido, e de nulidade da r. sentença, por negativa de prestação jurisdicional. No mérito, insurgem-se contra o deferimento dos pedidos de que: a) a primeira ré se abstenha “...de intermediar mão-de-obra de trabalhadores a terceiros contratantes, quer na atividade-fim, quer na atividademeio destes; abstenha-se de tomar a mão-de-obra, com os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT... sem o devido registro do contrato de emprego”; b) o

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2º, o 3º, o 4º e 5º réus “...abstenham-se de constituir, administrar e gerenciar sociedades cooperativas que tenham por objeto o fornecimento de mão-deobra ou a prestação de serviços subordinados sem o correspondente registro do contrato de emprego”. Não se conformam, igualmente, com o deferimento do pedido de indenização por danos morais coletivos e sociais e com a multa em caso de desobediência. Contra-razões oferecidas (f. 2676/2688). É o relatório, em resumo. VOTO Recurso da reclamada Primeira recorrente 1. Do juízo de admissibilidade Próprio e tempestivo, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso. 2. Preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, em razão da matéria Suscitam os réus a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil pública, “...na qual se pretende, na verdade, o encerramento de atividade empresarial lícita e constitucionalmente prevista”. Sustentam que a r. sentença aplicou equivocadamente a lei e suplicam, em face de tudo isso, que se anulem todos os atos praticados até então e que se remetam os autos à Justiça Comum. Desacolhe-se. É que esta Justiça Obreira, como se verá, detém competência para instruir e decidir a presente ação civil pública.

Rezam o artigo 129 e seu inciso III, da Constituição da República, que: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Por sua vez, preconizam o artigo 83 e seu inciso III, da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, que: Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos constitucionalmente garantidos. Ademais, a Emenda Constitucional n. 45/04, de 31 de dezembro de 2004, que deu nova redação ao artigo 114 da Carta Magna, ratificou os termos das normas acima reproduzidas. Com a introdução do inciso IX ao artigo 114 da Lex Legum, ficaram afastadas quaisquer dúvidas - se é que existiram - acerca da competência da Justiça do Trabalho. Eis seu teor: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

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Por conseguinte, a alegação de equívoco sobre a aplicação das normas não procede, data venia. Finalmente, o autor pretende apenas, com a presente ação, que a primeira ré “...se abstenha de intermediar mão-de-obra de trabalhadores a terceiros contratantes, quer na atividadefim, quer na atividade-meio destes; abstenha-se de tomar a mão-de-obra, com os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT... sem o devido registro do contrato de emprego”, porquanto, no seu pensar, tal prática lhe é vedada, por lei. E como se deixou patente, o autor tem legitimidade para pleitear isso e esta Justiça Especial é dotada de competência para dar-lhe a resposta. Aliás, o pensamento aqui exteriorizado vem ao encontro do contido no r. acórdão da lavra do eminente Ministro Barros Levenhagen, do Colendo TST, cuja cópia foi juntada aos autos do Processo (RO-3620/2001, TRT da 3ª Região), quando assevera que o Ministério Público do Trabalho é parte legítima para patrocinar ação civil pública e que a Justiça do Trabalho é competente para processá-la e julgá-la, porque ...o pedido de suspensão das atividades da Cooperativa se reporta diretamente à relação de emprego, atraindo a aplicação do artigo 114 da Constituição, que se notabiliza por sua incontrastável prodigalidade... Frente ao expendido, mostrada a plena competência desta Justiça, os autos, obviamente, não podem ser remetidos à Justiça Comum, à vista de sua total incompetência. Justifica os argumentos aqui expostos a jurisprudência abaixo transcrita:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO INTERFERÊNCIA ESTATAL NO FUNCIONAMENTO DE COOPERATIVAS. O art. 114 da Constituição Federal atribui competência à Justiça do Trabalho para, na forma da lei, conciliar e julgar as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, enquanto que a Lei Complementar n. 75/93 confere ao Ministério Público do Trabalho a competência para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, na defesa dos interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente assegurados, sendo, portanto, desta Justiça Especial a competência para julgar ação civil envolvendo contratação de trabalhadores através de cooperativas, em violação aos direitos sociais. O princípio constitucional que veda a interferência e a intervenção do Poder Público na vida das associações civis conferiu liberdade e autonomia para essas entidades, prerrogativas salutares que as colocam a salvo da ingerência estatal, mas não à margem da lei, não estando imunes à fiscalização do Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado. (Ac. do TRT da 3ª Região, RO00813-2003-003-03-00-3, Rel. Juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, publ. no “Minas Gerais” de 21.08.2004) COMPETÊNCIA - JUSTIÇA DO TRABALHO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A Constituição da

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República, além de fixar, em seu artigo 114, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho [...] e IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, estendeu o âmbito de abrangência da ação civil pública, preceituando que esta abarca a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigo 129, III). No caso específico da Justiça do Trabalho, a matéria veio regulada pela Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, relativa à organização e atribuições do Ministério Público do Trabalho. Em seu artigo 83, III, há menção expressa à competência desta Especializada, no sentido de que incumbe ao parquet promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. De fato, se a matéria suscitada nos autos - fraude a direitos trabalhistas decorrente da contratação de mão-de-obra por intermédio de cooperativa insere-se indubitavelmente na disciplina juslaboral, não se pode aceitar que sua análise seja subtraída do âmbito da Justiça do Trabalho, sob pena de violação do disposto no já mencionado artigo 114 da Constituição da República de 1988. (Ac. do TRT da 3ª Região, RO01288-2004-110-03-00-0, Rel. Juiz Bolívar Viégas Peixoto, publ. no “Minas Gerais” de 27.07.2005)

3. Preliminar de carência de ação, por ilegitimidade ativa Eriçam os réus a prefacial de carência de ação, por ilegitimidade ativa para causa. No seu sentir, NÃO EXISTE NO CASO EM DISCUSSÃO QUALQUER INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL OU INTERESSE SOCIAL COLETIVO QUE JUSTIFIQUE A AÇÃO PROPOSTA. Rejeita-se. Como se salientou acima, a Constituição do Brasil, nos seus artigos 114, inciso IX e 129, incisos III e IX e a Lei Complementar n. 75/93, no seu artigo 83, inciso III, dão legitimidade ao parquet para ajuizar ação civil pública, em defesa dos interesses coletivos e difusos dos trabalhadores. No caso vertente, pede para que: a) a primeira ré “...se abstenha de intermediar mãode-obra de trabalhadores a terceiros contratantes, quer na atividade-fim, quer na atividade-meio destes; abstenha-se de tomar a mão-de-obra, com os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT... sem o devido registro do contrato de emprego”; b) os outros réus “...se abstenham de constituir, administrar e gerenciar sociedades cooperativas que tenham por objeto o fornecimento de mão-de-obra ou a prestação de serviços subordinados sem o correspondente registro do contrato de emprego”. Entende-se, à semelhança da r. sentença, que o Ministério Público tem legitimidade para aforar a presente ação civil pública e nela vindicar o que foi transcrito acima, dado que, a seu juízo, a primeira ré não pode, na condição de cooperativa, intermediar mão-de-obra e nem seus diretores estão autorizados a

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constituí-la para tal fim. É de bom alvitre salientar que, por ser a primeira ré um ente abstrato, depende de seus diretores para sua movimentação. Por fim, a cultura elevada dos “cooperados” não afasta a legitimidade ativa do autor, quando atua, como no caso presente, em defesa de interesses coletivos, em razão do desrespeito a direitos sociais constitucionalmente garantidos. À baila, a jurisprudência: AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHISTA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. As relações de trabalho já não são vistas nos dias de hoje sob o prisma individual; antes, despertam interesse nos aspectos globais, que dizem respeito a todos os trabalhadores, ou a muitos deles, pois uma única e mesma conduta ilícita pode constituir violação de direitos ou interesses de centenas e até milhares de trabalhadores. A orientação diretora das reformas processuais deste final de século aponta para a universalização da tutela jurisdicional e para a conseqüente criação de instrumentos modernos, hábeis para solucionar os conflitos envolvendo interesses difusos e coletivos em suas várias modalidades. Um desses novos instrumentos é a ação civil pública, cuja legitimidade ativa é atribuída ao Ministério Público pelo art. 129, III, da Constituição da República. A par dessa atribuição constitucional, a Lei Complementar n. 75/93, em seu art. 83, III, estabeleceu a competência do Parquet no

âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses difusos e coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores. Por meio da ação civil pública o Parquet cumpre sua missão de defender a própria ordem jurídica que assegura aqueles direitos, na tutela não somente de um grupo específico de trabalhadores, mas também dos futuros, dos ausentes, dos minoritários, dos dissidentes e dos desconhecidos, na expressão do eminente jurista Messias Pereira Donato. É de decisiva importância o comprometimento do Ministério Público e do Poder Judiciário na aplicação deste instrumento processual relativamente novo, que é a ação civil pública, pois permitirá extrair dela todo o seu potencial de virtude e eficácia, conforme pretendeu o legislador. (Ac. do TRT da 3ª Região, RO17507/99, Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, publ. no “Minas Gerais” de 20.05.2000) Por derradeiro, corrobora, também, o posicionamento aqui exteriorizado excerto do v. acórdão proferido no RO-1314/02, de que foi Relator o insigne Juiz Marcus Moura Ferreira, componente desta Egrégia Turma. Diz ele que: Ao definir a competência do Ministério Público do Trabalho para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, a ação civil pública para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos

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sociais constitucionalmente garantidos, a LC 75/93, em seu art. 83, inciso III, fez tão-somente complementar o texto constitucional e criar-lhe condições de eficácia. É que tal disposição normativa coloca em ordem de relevância uma espécie de interesse geral, público e institucional de suma importância: a realização dos direitos constitucionais dos trabalhadores previstos nos arts. 7º e 8º da Constituição. 4. Preliminar de carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido Argúem os réus a preliminar de carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido, porquanto seu atendimento é impossível, “por absoluta e indiscutível ofensa ao ordenamento jurídico vigente, e, ainda, à Constituição”. Desacolhe-se. É juridicamente impossível o pedido que não encontra amparo no direito material positivo. Todavia, não se está diante de tal hipótese. A presente ação civil pública acha-se prevista no ordenamento jurídico, como meio constitucionalmente assegurado para promover a defesa judicial dos interesses metaindividuais, inclusive sociais, de modo a propiciar a adequada tutela jurisdicional. A pretensão inicial diz respeito à imposição das medidas para fazer cessar a prática irregular da intermediação de mão-de-obra. Em síntese, as pretensões, formuladas na peça de ingresso, apesar do longo inconformismo dos réus, são juridicamente possíveis, porque, como

se assinalou, há previsão no ordenamento pátrio (possibilidade em abstrato). Noutras palavras, há viabilidade jurídica da pretensão deduzida pelo autor em face do direito positivo em vigor. Pontue-se que a citação de artigo de lei é despicienda, uma vez que o juiz tem obrigação de conhecer o direito (jura novit curia). 5. Preliminar de nulidade da r. sentença por falta de prestação jurisdicional e por ausência de fundamento Suscitam os réus outra preliminar, desta feita de nulidade da r. sentença, por negativa de prestação jurisdicional e por ausência de fundamento. Rejeita-se. Ao contrário do afirmado pelos réus, ela é perfeita, dado que presentes, no seu corpo, as condições intrínsecas (relatório, motivação ou fundamento e dispositivo ou conclusão) e formais (clareza e precisão). Sem embargo disso, apresentou, de forma longa, fundamentada, meticulosa e lúcida, os motivos pelos quais julgou procedente em parte o pleito inicial. Um pequeno erro material não empana seu brilho. É de curial sabença que, por ser o decisum ato de inteligência e de vontade, e levando-se em conta o princípio da persuasão racional, pode a solução final dada à controvérsia não agradar às partes, como, in casu, contrariou os réus. A propósito, no magistério do Mestre Couture, eminente processualista uruguaio, na sua obra Introdução ao estudo do processo civil, Rio de Janeiro: José Konfino - Editor, 3. ed., p. 86:

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A sentença não é um pedaço de lógica, nem tampouco uma norma pura. A sentença é uma obra humana, uma criação da inteligência e da vontade, isto é, uma criatura do espírito do homem. De qualquer maneira, à luz do artigo 515 do Código de Processo Civil, o recurso devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 6. Do juízo de mérito Intermediação de mão-de obra Aduzem os réus, em síntese, que é regular a constituição e a gestão de funcionamento da primeira ré (Cooperativa dos Profissionais de Especialização Eletromecânica - COPE) e que inexiste qualquer ilegalidade ou irregularidade nos atos praticados por seus dirigentes. Querem a reforma da r. sentença. Sem razão, data venia. De plano, ratifica-se, hic et nunc, a asserção da r. sentença (f. 2579) de que se está diante de uma fraude. É que, a teor do artigo 4º da Lei n. 5.764/71, o objetivo social da cooperativa é prestar serviços aos associados, ou seja, o filiado é cooperado e ao mesmo tempo cliente (princípio da dupla qualidade). Isso significa que não se concebe a existência de cooperativa que coloque à disposição de terceiros a força de trabalho de seus associados. Noutras palavras, não se admite a existência de cooperativa locadora de mão-de-obra ou que a arregimenta para terceiros. No caso em jogo, não foi observado o princípio da dupla qualidade, já que a cooperativa não

prestou serviços aos “cooperados”. Ao contrário, estes, por meio dela, prestaram serviços, exempli gratia, para a CEMIG. Via de conseqüência, restou configurada verdadeira merchandising ou intermediação de mão-de-obra, atividade vedada à cooperativa. Ainda sobre o princípio da dupla qualidade, vale a pena a transposição, para este subitem, da lição do eminente Prof. Mauricio Godinho Delgado, in Curso de direito do trabalho, LTr, abril de 2002, p. 323, que consolida sobremaneira o pensar aqui exposto: O princípio da dupla qualidade informa que a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo as vantagens dessa duplicidade de situações. Isso significa que, para tal princípio, é necessário haver efetiva prestação de serviços pela Cooperativa diretamente ao associado - e não somente a terceiros. Essa prestação direta de serviços aos associados/ cooperados é, aliás, conduta que resulta imperativamente da própria Lei de Cooperativa (art. 6º, I, Lei n. 5.764/71). Já acerca do disposto no parágrafo único do artigo 442 da CLT, é importante salientar que ele não pode afastar a existência de vínculo de emprego, quando este está presente, sob pena de entrar em chaça ou em testilha com a Constituição do Brasil. Noutras palavras, não exclui da proteção do Direito do Trabalho o cooperado que trabalha nas mesmas condições de outro empregado qualquer, porque, se assim o for, estará sendo ferido o princípio da isonomia.

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Escoliando a norma citada, ensina o ilustre Professor Rodrigo de Lacerda Carelli, na sua obra Cooperativas de mão-de-obra - manual contra a fraude, LTr, 2002, p. 21, que: ...expressamente rejeita a Organização Internacional do Trabalho a utilização das cooperativas de trabalho como substitutivo do trabalho subordinado legalmente protegido, por meio da intermediação da mão-de-obra, devendo os Estados Nacionais garantir a obstaculização da fraude. Verifica-se, portanto, que não há como se servir da cooperativa como fornecedora de trabalhadores, já que essa é a forma em que se daria a fraude aos direitos trabalhistas. Desta forma, qualquer interpretação do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho que tente retirar a qualidade de empregado de quem realmente o é deverá ter sido uma tentativa de fraude, impedida pelo art. 9º da mesma lei. E esta é a única interpretação constitucional possível. De fato, senão vejamos. A Constituição Cidadã de 1988, em seu art. 1º, inclui entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil: “IV - os valores sociais do trabalho.” Ora, a princípio não se teria constitucional uma forma de trabalho que negasse todo o valor social do trabalho, não tendo garantia nenhuma de direitos sociais. Seria a negação do princípio fundamental da Federação, o que não se pode aceitar.

Além disso, no seu art. 7º da mesma Constituição Federal, vem afirmando que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, em seguida listando os direitos. Ora, não está dito “empregados”, e sim trabalhadores genericamente, que obviamente incluem os cooperados. Não se pode negar a característica de trabalhadores urbanos ou rurais aos cooperados. Assim, qualquer interpretação que retire aos cooperados trabalhadores os direitos previstos na Constituição, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, é inegavelmente inconstitucional. Desta forma, não há interpretação constitucionalmente correta que retire dos cooperados trabalhadores os direitos trabalhistas assegurados na legislação constitucional e infraconstitucional, por ordem da própria lei maior. (sic) Mais adiante (f. 168), preleciona o juslaborista que: O cooperativismo não substitui o trabalho subordinado. E o cooperativismo só é alternativa ao trabalho subordinado quando for agregado o trabalho com a produção. O trabalho cooperado não é substitutivo ao trabalho subordinado quando a subordinação permanece. Isso é fraude, precarização do trabalho humano em benefício de ganhos individuais de empregadores. (sic)

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Na mesma esteira, o ensinamento do ilustre Prof. Mauricio Godinho Delgado, obra citada, p. 424: ...não se fixa na CLT, entretanto, presunção legal de caráter absoluto mas simples presunção relativa de ausência de vínculo de emprego. O objetivo da regra teria sido o de retirar do rol empregatício relações próprias às cooperativas - desde que não comprovada a roupagem ou utilização meramente simulatória de tal figura jurídica. [...] Em decorrência, comprovado que o envoltório cooperativista não lida com profissionais efetivamente autônomos, desatende, ainda, às finalidades e princípios imanentes ao cooperativismo (princípio da dupla qualidade e princípio de retribuição pessoal diferenciada, por exemplo), fixando, por fim, vínculo caracterizado por todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, não há como evitar-se o reconhecimento desta relação empregatícia, afastando-se a simulação perpetrada. Por fim, em palestra, transcrita na obra Cooperativas de trabalho, sob a coordenação dos Professores Ives Gandra da Silva Martins Filho e Miguel Salaberry Filho, LTr, março de 2004, p. 86, o ilustre Dr. Raimundo Simão de Mello, Procurador Regional do Trabalho da 15ª Região, discorrendo sobre o previsto no artigo 442 da CLT, assim se pronunciou:

...logo que aprovada aquela alteração, surgiu uma orientação patronal rural, incentivando a criação de cooperativas de mãode-obra, consubstanciada no seguinte: a) não existência de problemas trabalhistas; b) supressão de vínculo empregatício; c) inexistência de fiscalização trabalhista; d) desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais, etc. Eis, como se vê, a possibilidade perigosa de fraudes e de desvirtuamento das normas trabalhistas e do verdadeiro cooperativismo, que com o tempo foi concretizada, como comprovam os inúmeros julgados trabalhistas. O que na maioria dos casos se vê é a criação de cooperativas de direito, mas não de fato, por “testas de ferro”, pagos por empresas e empreendimentos, com o objetivo de diminuir os custos trabalhistas e baratear a mão-de-obra, mediante apropriação indébita e maldosa da idéia cooperativista. Hodiernamente, prolifera-se a criação de cooperativas de trabalho, incentivada por empresas, com o fim de fraudar a legislação trabalhista, já que têm empregados a custo módico, sem necessidade de cumprir obrigações trabalhistas e sem o mínimo encargo social, repete-se. Evidentemente, não desempenham qualquer finalidade social. Sobre o tema, ensina o ilustre Prof. Jorge Luiz Souto Maior, no seu trabalho intitulado “Cooperativas de trabalho”, Revista LTr 60-08-1062/1063, que:

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As cooperativas de produção (ou mesmo de “trabalho”), agasalhadas por nosso sistema jurídico, pressupõem que os instrumentos da produção estejam na posse dos cooperados, além de terem estes total disponibilidade quanto ao produto do seu trabalho. Ou seja, várias pessoas podem unir esforços para, com o trabalho conjunto e sem fins lucrativos, suprirem uma necessidade que lhes era comum (construção de moradias, por exemplo). O trabalho e o resultado desse trabalho executado são usufruídos pelos cooperados e não por terceiros. Não há, por assim dizer, a possibilidade de comercialização desse trabalho, pois do contrário estar-se-ia diante de uma sociedade comercial como outra qualquer, não de uma cooperativa. Neste sentido, “cooperativas de trabalho” em que o resultado do trabalho é utilizado por terceiro (construção de casas para uma construtora, colheita de laranja para citricultores, colheita de lixo para um Município e prestação de serviços médicos para empresas de saúde ou um Município, por exemplo) não são propriamente cooperativas. (grifos adesivos) Continua o eminente Professor: As cooperativas, portanto, apesar de terem evidentes objetivos empresariais, pois visam à melhoria das condições de vida dos seus associados, não

podem ser constituídas com o único propósito de colocar mãode-obra a serviço de outrem. O trabalho humano, no nosso atual ordenamento jurídico, é protegido pelas regras trabalhistas e não há métodos intermediários juridicamente possíveis para regular o trabalho não eventual, remunerado e subordinado de uma pessoa por outra. A prestação de trabalho nestas condições caracteriza a relação de emprego junto ao tomador de tais serviços... (os grifos não estão no original) Da mesma maneira, pensa o insigne Juiz do Trabalho Luiz Carlos Cândido Martins Sotero da Silva em trabalho intitulado “As cooperativas de trabalho no meio rural”, Suplemento Trabalhista, LTr, n. 126, 1995, p. 804: Com efeito, conforme claramente define o artigo 4º, da Lei n. 5.764/71, a finalidade da cooperativa é prestar serviços aos associados ou em regime de reciprocidade. Visa o bem comum dos sócioscooperados. Nesse passo, a cooperativa que deixar, por qualquer razão, de cumprir essa finalidade, simplesmente arregimentando-os para a prestação de serviços a terceiros, numa nítida locação da mão-de-obra como se mercadorias ou bens de serviços fossem, divorcia-se flagrantemente da sua própria razão de existir. Haverá aí uma verdadeira intermediação ilícita de mão-de-obra entre a cooperativa e o tomador de serviço, afrontando o artigo 9º,

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da Lei n. 5.764/71, como também o parágrafo único, do artigo 442, o artigo 9º e o artigo 444, todos da CLT. Igualmente, a jurisprudência não destoa da doutrina. Veja-se então: COOPERATIVA - COOPERADO - FRAUDE. A discussão que envolve cooperativa-cooperado, para ornar essa típica situação veiculada pela legislação, seria condizente à hipótese da Cooperativa se restringir a aproximar seu associado do tomador dos serviços. “O disposto no artigo 9º da Lei n. 5.764/71 pressupõe relação jurídica de mero associado, quando a Cooperativa se restringe a aproximar o associado daquele tomador dos serviços, a fim de que os mesmos celebrem contrato de emprego. Não passa pelo crivo do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, procedimento da Cooperativa que implique colocar à disposição de terceiros força de trabalho, mediante remuneração do prestador de serviços a título de mera participação.” (Min. Marco Aurélio). Cooperativa realmente funciona como tal quando intermediária entre os associados e aqueles que desejassem contar com a força de trabalho. Efetivando contratos com estes últimos e colocando a força de trabalho daqueles que seriam os associados à disposição dos tomadores, efetuando pagamentos aos prestadores

dos serviços, essa hipótese discrepa do ordenamento jurídico vigente, de vez que encerra locação de serviços estranha à Lei n. 6.019/74, chegando à marchandagem que o Direito do Trabalho repudia. O art. 7º da Lei n. 5.764/71 é incisivo: caracteriza-se a cooperativa pela prestação direta de serviços AOS associados e, não, pela prestação de serviços DOS associados, o que consubstancia distinção fundamental. (Ac. do TRT da 3ª Região, RO1187/02, Rel. Juiz Ricardo Antônio Mohallem, publ. no “Minas Gerais” de 12.04.2002) Por conseguinte, bastava, tãosó, a intermediação de mão-de-obra a terceiros pela primeira reclamada - fato incontrastável e proibido por lei, em face de sua condição de Cooperativa, como se frisou acima - para autorizar o ajuizamento, pelo Ministério Público, da presente ação civil pública. A par disso, a r. sentença apontou, com percuciência, uma a uma, as irregularidades cometidas pelos réus, indicando, através da prova documental e da prova oral, onde se encontram. Por ser também escorreita neste ponto, ratificam-se seus termos, com o escopo de se evitar repetição. Frente a tal realidade, é sem qualquer espeque o longo inconformismo dos réus. A propósito, se é intenção dos dirigentes da primeira reclamada continuar no ramo de locação de mão-de-obra, deveriam constituir uma sociedade, nos moldes previstos na Lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974. Assim sendo, trabalhariam dentro da legalidade.

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Quanto ao valor da indenização por dano moral coletivo e da multa por trabalhador contratado, foi arbitrado com razoabilidade, diante do tamanho da ilicitude praticada pelos réus. Acerca das multas aplicadas pela r. sentença de f. 2625/2627, são mantidas, à vista da clara intenção da primeira ré, com o aviamento de embargos de declaração, de retardar o desfecho da demanda. A propósito, três foram opostos por ela. Sobre a condenação solidária, a r. sentença, também, não merece reparo. Deixou evidente que: A 1ª requerida, através de seus dirigentes, burla a lei e mais, incentiva as urdiduras e chicanas das empresas que deixam de contratar o trabalhador com a CTPS registrada para, em nome da avidez dos lucros, prejudicar o trabalhador. Se estas práticas cessarem, com certeza amanhã outra alternativa não haverá para empresas como a CEMIG por exemplo, do que contratar trabalhadores para serem empregados seus, com CTPS assinada. Daí a razão pela qual está em jogo a efetividade da ordem jurídica, sendo extremamente necessário o fim de práticas que tais.

Isso posto, conhece-se do recurso, rejeitam-se as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, em razão da matéria, de carência de ação, por ilegitimidade ativa ad causam e por impossibilidade jurídica do pedido e de nulidade da r. sentença, por negativa de prestação jurisdicional e por ausência de fundamento, e, no mérito, nega-se provimento ao recurso. Fundamentos pelos quais, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer do recurso; sem divergência, em rejeitar as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho, em razão da matéria, de carência de ação, por ilegitimidade ativa ad causam e por impossibilidade jurídica do pedido e de nulidade da r. sentença, por negativa de prestação jurisdicional e por ausência de fundamento; no mérito, unanimemente, em negar provimento ao recurso. Belo Horizonte, 31 de julho de 2006. MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGAL Relator

Por fim, não se visa aqui a dissolução da primeira ré. Ao reverso, o autor, com ajuizamento da presente ação, pretendeu apenas que fosse coagida a não mais intermediar mão-deobra para terceiros, ato defeso por lei, por ser ela uma cooperativa. Basta que o objetivo desta seja alterado para outro que tenha amparo legal. Nega-se provimento. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.261-389, jul./dez.2006

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TRT-00415-2006-134-03-00-6-RO Publ. no “MG” de 07.10.2006 RECORRENTES: (1) ASSOCIAÇÃO SALGADO DE OLIVEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA (2) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECORRIDOS: OS MESMOS EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITOS INDIVIDUAIS hom*oGÊNEOS LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Insere-se na função jurisdicional do Ministério Público a defesa de direitos individuais hom*ogêneos de natureza indisponível, conforme interpretação do inciso IX do art. 129 da CF/88; do inciso I do art. 82 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); do art. 21 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e alínea “d” do inciso VII do art. 6º do Capítulo II da Lei Complementar n. 75/93. Assim, considerando-se que o Ministério Público é uma instituição una e indivisível, como exposto no § 1º do art. 127 da CF/88, quando o inciso III do art. 83 da Lei Complementar n. 75/93 dispõe que compete ao MPT “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”, está se referindo aos direitos coletivos em sentido amplo, que abrangem

os direitos ou interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais hom*ogêneos. Quanto a estes, cumpre assinalar, no entanto, que devem ser aqueles que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade, ou nos casos de grande dispersão dos lesados, e, ainda, quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recursos ordinários, oriundos da 5ª Vara do Trabalho de Uberlândia/MG, em que figuram, como recorrentes, (1) ASSOCIAÇÃO SALGADO DE OLIVEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA e (2) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e, como recorridos, OS MESMOS. RELATÓRIO Ao relatório da sentença (f. 974/ 994), que adoto e a este incorporo, acrescento que a Ex.ma Juíza Tânia Mara Guimarães Pena, em exercício na 5ª Vara do Trabalho de Uberlândia/MG, pela sentença de f. 974/994, extinguiu sem julgamento do mérito os pedidos formulados nos itens IV e V da inicial e, no mérito, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em desfavor da ASSOCIAÇÃO SALGADO DE OLIVEIRA DE EDUCAÇÃO E CULTURA, para condenar a ré ao cumprimento das

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obrigações de fazer e não-fazer relacionadas no dispositivo de f. 993/ 994. A ré interpõe o recurso ordinário de f. 995/1.017. Suscita a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho e, no mérito, insurge-se contra as determinações impostas na sentença, sob pena de multa diária, de efetuar o pagamento antecipado da remuneração e abono de férias; de não modificar o registro da jornada de trabalho dos empregados e de solicitar e sugerir a redução da carga horária dos professores. Comprova o recolhimento das custas processuais à f. 1.018. O autor maneja o recurso ordinário de f. 1.029/1.048. Não se conforma com a extinção do processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa, quanto aos pedidos formulados nos itens IV e V da inicial. Pretende que a reclamada seja também obrigada a não coagir seus empregados a assinar termo de redução da carga horária e que seja deferido o pedido de indenização por dano moral coletivo. Contra-razões pelo reclamante (f. 1.049/1.062) e pela reclamada (f. 1.063/1.072). É o relatório. VOTO Juízo de admissibilidade Satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos. Registre-se que não houve condenação em pecúnia, motivo pelo qual não se exige o depósito recursal. Juízo de mérito Examino, em conjunto, os dois

recursos, quanto à questão da legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da presente ação. Recursos ordinários das partes Ilegitimidade ativa A MM. Juíza a qua acolheu, parcialmente, a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho e extinguiu, sem resolução do mérito, os pedidos formulados nos itens IV (“a fazer o pagamento dos salários dos seus trabalhadores de acordo com a titulação para a qual foi contratado e informada ao Ministério da Educação, sob pena de multa de R$1.000,00 (um mil reais), por pagamento feito a cada trabalhador em desacordo com esta cláusula”) e V (“a pagar a todos os professores que tiveram seus contratos de trabalho parcialmente rescindidos “a pedido” as verbas rescisórias que lhes são de direito, por dispensa sem justa causa [...], sob pena de multa de R$100,00 (cem reais) por dia de atraso, a favor do empregado”) da inicial. Afastou, no entanto, a preliminar em questão, quanto aos pedidos de condenação da reclamada a efetuar o pagamento antecipado da remuneração e abono de férias de seus empregados (item I, f. 19); a não modificar o registro da jornada de trabalho dos empregados (item II, f. 19); a não coagir, solicitar e sugerir a redução da carga horária dos professores, tudo sob pena de multa diária (item III, f. 19) e a pagar indenização por dano moral coletivo (item VI, f. 19). A ré, inconformada com tal decisão, alega que o Ministério Público também é parte ilegítima para formular os pedidos contidos nos itens I, II, III e

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VI da inicial, ante a ausência de previsão legal para a “defesa de interesses e direitos individuais disponíveis, ou mesmo à defesa, [...] de direitos individuais indisponíveis”. Argumenta que “os direitos individuais hom*ogêneos não perdem, por serem hom*ogêneos, as características da individualidade e da disponibilidade” e que o autor não comprovou que as supostas ilegalidades a ele imputadas “tenham violado direito garantido por preceito constitucional”. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, insurge-se contra o acolhimento da preliminar em relação aos pleitos contidos nos itens IV e V da inicial. Afirma que “o pedido contido no item IV não se reveste de caráter reparatório, eis que se projeta para o futuro, cujos beneficiados são todos os trabalhadores que trabalham ou que venham a trabalhar para a requerida” e que sua legitimidade se estende aos direitos individuais hom*ogêneos, devendo ser examinado o pedido contido no item V da exordial. Cabe examinar, inicialmente, a legitimação do Ministério Público do Trabalho para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais hom*ogêneos. A questão é polêmica e ainda não há um posicionamento uníssono na doutrina e na jurisprudência, embora haja um direcionamento no sentido de reconhecer ao Ministério Público do Trabalho legitimação que lhe assegure a possibilidade de, efetivamente, defender os interesses sociais dos trabalhadores, o que mantém relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que sejam direitos ou interesses individuais hom*ogêneos. Segundo o inciso III do artigo 83 da Lei Complementar n. 75/93, compete

ao Ministério Público do Trabalho “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos” (grifos acrescidos) Tal dispositivo legal não pode ser interpretado isoladamente, sem o cotejo com as demais disposições legais e constitucionais relativas à matéria. De acordo com o inciso III do art. 129 da CF/88, dentre as funções institucionais do Ministério Público encontra-se a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifos acrescidos). De fato, a norma constitucional não menciona os direitos individuais hom*ogêneos. Contudo, não se pode olvidar de que tal expressão (“direitos individuais hom*ogêneos”) surgiu no direito pátrio após a Constituição Federal de 1988, com a vigência da Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor - que, no art. 81, definiu o que são direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais hom*ogêneos. Além disso, segundo o inciso IX do art. 129 da CF/88, compete ao Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, [...]”. E, a teor do caput do art. 127 da CF/88, “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (grifos acrescidos). Também é importante mencionar que a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), no art. 21, estabelece que se aplicam “à defesa dos direitos e

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interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”. Nesse passo, não há como afastar a conclusão de que se insere na função jurisdicional do Ministério Público a defesa de direitos individuais hom*ogêneos de natureza indisponível. Veja-se, a propósito, a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, in Manual do processo de conhecimento, 2. ed., 2001, Ed. Revista dos Tribunais, p. 761: [...] O Ministério Público também é legitimado para as ações atinentes a direitos individuais hom*ogêneos, por expressa previsão do Código de Defesa do Consumidor (art. 82, I) e autorização de sua lei específica (no âmbito federal, art. 6º, XII, da Lei Complementar 75/93). Poderia alguém supor como inconstitucionais essas previsões de lei, por transbordarem os limites fixados na norma constitucional antes apontada (art. 129, III, da CF). Não se deve olvidar, todavia, de que a própria Constituição Federal permite a ampliação, por lei, da competência do Ministério Público, ao estabelecer, em seu art. 129, IX, que também é atribuição desse órgão “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. Ora, indubitavelmente, a defesa de interesses individuais hom*ogêneos, porque

dizem com a proteção da ordem jurídica (art. 127 da CF), é atribuição harmônica com a finalidade do Ministério Público. Não há, portanto, razão para negar-se a este órgão a legitimidade para a propositura de ações coletivas para a tutela de interesses individuais hom*ogêneos. A única ressalva que merece ser feita alude à relevância social do interesse individual hom*ogêneo a ser defendido pelo Ministério Público. De fato, para que se justifique a intervenção do Ministério Público na defesa de interesses individuais (ainda que hom*ogêneos), é necessário que estes se caracterizem como interesses sociais ou individuais indisponíveis (art. 127 da CF). Não é, assim, qualquer direito individual (ainda que pertencente a várias pessoas) que admite a tutela por via de ação coletiva proposta pelo Ministério Público, mas apenas aqueles caracterizados por sua relevância social ou por seu caráter indisponível. Nesse sentido, a decisão do Superior Tribunal de Justiça a seguir transcrita: Ação civil pública. Legitimidade do Ministério Público. Locação predial urbana. Inexistência de relação de consumo. 1. De acordo com precedente da Corte Especial, o Ministério Público está legitimado para defender direitos individuais hom*ogêneos que tenham repercussão no interesse público.

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2. A Lei n. 8.078/90 - Cód. de Defesa do Consumidor - não se aplica às locações de imóveis urbanos, regidas pela Lei n. 8.245/91. Jurisprudência da 5ª e 6ª Turmas. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 590802/RS; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2004/0032616-1, Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, DJ de 14.08.06, p. 340)

individuais hom*ogêneos, cumpre assinalar, mais uma vez, que não é qualquer direito, ainda que do interesse de vários indivíduos, que viabiliza a tutela por meio de ação civil pública proposta pelo Ministério Público, mas, tão-somente, aqueles revestidos de relevância social ou de natureza indisponível. Nesse sentido, a Súmula n. 7 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo:

Tal orientação também há de ser seguida em relação ao Ministério Público do Trabalho, mesmo porque, segundo o § 1º do art. 127 da CF/88, o Ministério Público é uma instituição una e indivisível. Outrossim, o art. 84 da Lei Complementar n. 75/93 determina que “Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, [...]” e, na alínea “d” do inciso VII do art. 6º do Capítulo II dessa Lei, consta competir ao Ministério Público da União promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de “outros interesses individuais indisponíveis, hom*ogêneos, sociais, difusos e coletivos” (grifos acrescidos). Com efeito, quando o inciso III do art. 83 da Lei Complementar n. 75/ 93 dispõe que compete ao MPT “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”, está se referindo aos direitos coletivos em sentido amplo, que abrangem os direitos ou interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais hom*ogêneos. Não obstante a legitimidade do MPT para a defesa de direitos

O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais hom*ogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária. Pontue-se que a edição da Súmula encontra suporte nos seguintes fundamentos: Fundamento - legitimação que o Código do Consumidor confere ao Ministério Público para a defesa de interesses e direitos individuais hom*ogêneos há de

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ser vista dentro da destinação institucional do Ministério Público, que sempre deve agir em defesa de interesses indisponíveis ou de interesses que, pela sua natureza ou abrangência, atinjam a sociedade como um todo (PT. N. 15.939/91). Em três modalidades principais de interesses e direitos individuais hom*ogêneos mostrase presente o pressuposto de relevância social, previsto no art. 127, da Constituição Federal. Primeiro, quando a conduta do infrator afetar direitos ou garantias constitucionais, hipótese em que a legitimação decorre da natureza e relevância jurídicas do bem jurídico afetado (dignidade da pessoa humana, saúde, segurança, educação, etc.). Neste caso, a relevância social está fundada em ratio substantiva. Segundo, quando o número de lesados impossibilitar, dificultar ou inviabilizar a tutela dos interesses e direitos afetados (v.g., danos massificados); aqui, estamos diante de relevância social decorrente de ratio quantitativa. Terceiro, quando, pela via da defesa de interesses e direitos individuais hom*ogêneos, o que pretende o Ministério Público é zelar pelo respeito à ordem jurídica em vigor, levando aos tribunais violações que, de outra parte, dificilmente a eles chegariam, o que poderia, em conseqüência, desacreditar o ordenamento econômico, social ou tributário. Temos, aí, relevância social alicerçada em ratio pragmatica (PT 39.727/02) - (alterada a redação anterior).

Nesse passo, não merece reparo a decisão primeva quanto ao reconhecimento da ilegitimidade do MPT em relação aos pedidos vindicados nos itens IV e V da inicial. Registre-se que, no item IV do pedido inicial (f. 19), requer o autor que a ré seja condenada a “fazer o pagamento dos salários dos seus trabalhadores de acordo com a titulação para a qual foi contratado e informada ao Ministério da Educação, sob pena de multa de R$1.000,00 (um mil reais), por pagamento feito a cada trabalhador em desacordo com esta cláusula”. Embora o MPT vise, com esse pleito, evitar que os pagamentos futuros aos professores sejam realizados sem se considerar suas titulações (graduados, mestres e doutores), o pedido não se reveste de relevância social, ainda que se considere o grupo de professores envolvidos, na medida em que sequer há norma expressa a regular a questão. Quanto ao pleito contido no item V do pedido da exordial (f. 19), de condenação da ré “a pagar a todos os professores que tiveram seus contratos de trabalho parcialmente rescindidos “a pedido” as verbas rescisórias que lhes são de direito, por dispensa sem justa causa [...]”, também deve ser mantida a sentença, que extinguiu o processo, sem resolução do mérito (inciso IV do art. 267 do CPC). Verifica-se que os beneficiários do direito são perfeitamente individualizáveis, e que a tutela ressarcitória pretendida está no plano dos direitos disponíveis dos beneficiários, na medida em que cabe a cada um deles avaliar se, em seu caso, o pedido de redução da carga horária é legítimo ou não. Além disso, os empregados que sofreram a lesão encontram-se em situações

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particulares, uma vez que as horas-aula reduzidas não são em número igual para todos. Nesta hipótese, além de o direito não se encontrar dentre aqueles de natureza indisponível pelos lesados, também não se pode dizer que detenha a característica da hom*ogeneidade. Isto porque a hom*ogeneidade refere-se à pouca capacidade das características pessoais dos envolvidos influírem no resultado. Ou seja, se um fato ou ato tem repercussão distinta, em função das características pessoais dos envolvidos na situação conflituosa, como no caso em apreço, não há hom*ogeneidade, o que afasta a possibilidade de se pretender a reparação da lesão dele decorrente, por meio de ação civil pública. Por outro lado, não há dúvida de que, em relação às pretensões deduzidas nos itens I a III da inicial, o MPT atua na defesa de interesse coletivo, sendo indubitável que se discutem direitos sociais constitucionalmente garantidos e indisponíveis, haja vista que a Magna Carta assegura o direito às férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (inciso XVII do artigo 7º da CF/88), a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal (inciso XVI do art. 7º da CF/88); a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (inciso VI do art. 7º da CF/88), além de reconhecer o valor das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI do art. 7º da CF/88). O pleito de indenização por danos morais coletivos (item VI da inicial), por sua vez, está relacionado à violação de tais direitos. É de se notar que os pedidos do MPT de que seja ordenado à ré efetuar

o pagamento antecipado da remuneração e abono de férias de seus empregados, não modificar o registro da jornada de trabalho dos empregados e não coagir, solicitar e sugerir a redução da carga horária dos professores, tudo sob pena de multa diária, visam, exatamente, resguardar os direitos sociais acima citados, mesmo porque a ação civil pública representa, também, no âmbito da Justiça do Trabalho, um instrumento de proteção do ordenamento jurídico como um todo, já que defende, nos termos da lei, o interesse coletivo decorrente dos direitos constitucionais assegurados aos trabalhadores. Ressalve-se, aliás, que a preservação da ordem jurídica encontrase diretamente inserida no interesse social. Assim, rejeito a alegação da ré de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho em relação aos pedidos relacionados nos itens I, II, III e VI da inicial e nego provimento ao apelo do Ministério Público quanto ao acolhimento na sentença da preliminar em questão, em relação aos pedidos contidos nos itens IV e V da exordial. Recurso da ré Do pagamento antecipado da remuneração e abono de férias Afirma a ré que há prova nos autos de que a situação ocorrida em 2005, de não pagamento das férias antes de sua fruição pelos empregados, já se regularizou, e que a inicial “sequer acusa irregularidade na antecipação do pagamento das férias de 2006”. Argumenta, ainda, que o atraso no pagamento das férias não tem a dimensão que o autor pretendeu lhe imprimir, prevendo a lei apenas a multa

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administrativa de que trata o art. 153 da CLT. Alega que a decisão de primeiro grau negou vigência ao art. 818 da CLT e ao inciso I do art. 333 do CPC, além de contrariar, frontalmente, o art. 153 da CLT e os incisos II e XLV do art. 5º da CF/88. Sem razão, contudo. Como exposto no tópico anterior, as férias são um direito social do trabalhador (inciso XVII do art. 7º da CF/ 88), e visam propiciar a reposição de suas energias, mediante descanso e lazer. Em razão disso, prevê a Carta Maior a remuneração das férias com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, e o art. 145 da CLT estabelece que esse pagamento, assim como o do abono das férias, deverá ser efetuado até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período. Tal providência, determinada em lei, objetiva que o laborista tenha, realmente, condições de escolher a forma de melhor usufruir o descanso anual, para que possa retornar ao trabalho com disposição e energia suficientes para a prestação dos serviços. De fato, não alegou o autor, na inicial, que a ré também efetuou em atraso o pagamento das férias de 2006. Contudo, a ré não nega que esse fato ocorreu quanto às férias do ano de 2005, tendo sido autuada em razão de 392 (trezentos e noventa e dois) professores estarem gozando férias no mês de janeiro de 2005, sem o recebimento antecipado da respectiva remuneração, nos termos legais, conforme auto de infração de f. 58. Observa-se, ainda, que a testemunha Marcos Vieira de Oliveira, fiscal do trabalho que investigou os fatos denunciados à Delegacia Regional do Trabalho, afirmou que, “no dia 27.01.05, as férias ainda não tinham sido pagas”

e que “na oportunidade a reclamada se defendeu afirmando que o não pagamento das férias decorria de dificuldades financeiras” (f. 973). Outrossim, cabe registrar a observação contida na sentença de que “em diversos processos que tramitam pelas Varas do Trabalho desta cidade contra a requerida tem sido corrente a denúncia do pagamento das férias + 1/3 com atraso” (f. 986). Com efeito, constatada a irregularidade, nada obsta a intervenção ministerial, pleiteando tutela inibitória, com o fim de evitar futuras violações ao art. 145 da CLT, ainda que no ano de 2006 isso não tenha ocorrido. Além disso, o fato de a CLT prever multa por infração ao referido dispositivo legal, conforme art. 153 da CLT, também não impede a tutela preventiva almejada pelo autor. Ante o exposto, não há que se falar em violação aos dispositivos legais e constitucionais invocados, devendo ser mantida a decisão primeva, quanto à determinação para que a reclamada “efetue o pagamento da remuneração e/ou do abono de férias, mediante recibo, até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período de gozo, nos termos do art. 145 da CLT, sob pena de multa de R$1.000,00 (um mil reais) por trabalhador que gozar as férias sem o respectivo pagamento, a cada constatação, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis à Justiça do Trabalho”. Nego provimento. Do controle da jornada de trabalho Afirma a recorrente que os documentos de f. 62/67 não comprovam a acusação de que os registros de ponto

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dos professores eram alterados, na medida em que “não retratam a realidade de um Centro Universitário que, conforme consta da própria inicial, tem cerca de 430 (quatrocentos e trinta) professores”. Argumenta que a amostragem utilizada pelo autor “não alcançou sequer 1/10 (um décimo) dos docentes e dos horários por eles cumpridos”; que os dois depoimentos transcritos na inicial de ex-professores expressam situações individuais, são unilaterais e foram colhidos em procedimento investigatório, de natureza administrativa. Acrescenta que “o controle de freqüência dos Professores é feito com o necessário rigor exigido pelas atividades docentes e de forma com elas compatível”. Não lhe assiste razão. Segundo a inicial, a ré “não efetua a consignação dos horários de trabalho efetivamente praticados pelos seus empregados”. Tal acusação restou evidenciada pela prova coligida aos autos. Consta no auto de infração de f. 60 que “DURANTE AUDITORIA TRABALHISTA EMPREENDIDA NA REFERIDA INSTITUIÇÃO FOI CONSTATADO PELA FISCALIZAÇÃO QUE O CONTROLE DE JORNADA ‘PONTO’ NÃO TRADUZ EM VÁRIOS CASOS A JORNADA EFETIVAMENTE PRATICADA PELOS EMPREGADOS.” Relatou-se, ainda, que “A REFERIDA CONSTATAÇÃO SE DEU ATRAVÉS DE AVERIGUAÇÃO IN LOCO JUNTO AO RELÓGIO DE PONTO DOS PROFESSORES DA INSTITUIÇÃO, NA OPORTUNIDADE FOI VERIFICADO O HORÁRIO DA MARCAÇÃO DE CADA EMPREGADO, SENDO TAL AMOSTRAGEM MAIS TARDE CONFRONTADA COM OS RELATÓRIOS ‘FOLHA DE PONTO’ DISPONIBILIZADOS PELO

EMPREGADOR. ATRAVÉS DA COMPARAÇÃO FOI CONSTATADA A DIFERENÇA DE HORÁRIOS QUE SOMENTE SE EXPLICA PELA MANIPULAÇÃO DOS MESMOS ANTES DA PRODUÇÃO DOS RELATÓRIOS DE PONTO”. O fiscal do trabalho, no referido auto de infração, relatou, ainda, o caso específico de seis empregados, como o de “ELIZABETH DOS SANTOS MORAIS DE CARVALHO QUE PASSOU O CARTÃO DE PONTO DE ENTRADA ÀS 12:59 HORAS, SENDO CONSIGNADO NA FOLHA DE PONTO 13:15 HORA”. Juntou os documentos de f. 62/67. Registre-se que o documento lavrado pelo fiscal do trabalho possui fé pública e que a ré não apresentou provas a elidirem a presunção que lhe é desfavorável. Pelo contrário. O preposto da ré, em depoimento prestado perante a Procuradoria do Trabalho, na investigação administrativa, afirmou que não sabia “informar se o horário que os professores passam o cartão de ponto é o que efetivamente é registrado” (f. 43). Além disso, o fiscal do trabalho Marcos Vieira de Oliveira, ouvido como testemunha neste processo, esclareceu que durante dois dias, 23.02 e 24.02.05, esteve na reclamada acompanhando o registro feito pelos professores em um scanner, por meio do crachá que porta cada um deles; que na reclamada há registro de jornada de trabalho feito de forma separada pelo pessoal administrativo e professores; que nas duas oportunidades observou e anotou o horário registrado pelo professor, bem como o nome do professor que

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fez o registro; que fez tal acompanhamento nos dois dias com vários professores; que posteriormente requereu à reclamada que imprimisse o espelho do ponto dos professores cujos nomes havia anotado, correspondente aos dias acima mencionados, e verificou que os horários constantes dos espelhos que lhe foram entregues não guardavam consonância com aqueles anotados anteriormente pelo depoente; que chegou a apurar divergência de até 15 minutos; que houve, por exemplo, situação de registro de 18:46h, conforme apurou nos dias acima mencionados, sendo que, quando da impressão do espelho, constava registro às 19 horas; que presume que a alteração teria ocorrido para constar do controle de jornada o horário que o professor efetivamente começaria a ministrar as aulas [...]. (f. 972) Impende ressaltar que se considera serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador (art. 4º da CLT) e que a apuração da irregularidade por amostragem não afasta o seu valor probante, mormente não tendo a ré produzido qualquer prova em seu favor. Assim, irrepreensível a decisão objurgada quanto à determinação de que a ré consigne em registro mecânico, manual ou eletrônico os horários de entrada, saída e períodos de descanso efetivamente praticados pelos seus empregados, nos termos do art.

74, § 2º, da CLT, sob pena de multa de R$1.000,00 (um mil reais) por trabalhador prejudicado, a cada constatação, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis à Justiça do Trabalho. Nego provimento. Recurso das partes Examino, em conjunto, os recursos quanto à questão da redução da carga horária. Da redução da carga horária A ré não se conforma com a determinação de se abster de solicitar ou sugerir, diretamente ou por meio de terceiros, que seus empregados peçam redução de carga horária, sob pena de multa. Afirma que “não estava legalmente impedida de reduzir a carga horária dos docentes, em decorrência da redução do número de matrículas”, mesmo que sem o consentimento deles, pois não reduziu o valor da hora-aula, mas, sim, o número de aulas lecionadas. Sustenta que “há prova nos autos, colhida no Processo Investigatório, que não permite nenhuma ilação de que a ré tenha agido ilicitamente”. O Ministério Público do Trabalho pretende, por seu turno, que seja incluída na condenação a obrigação da ré de não coagir seus empregados a assinar pedido de redução da carga horária. Razão ampara o autor. Foram juntadas aos autos dezenas de pedidos de redução de carga horária pelos professores da ré (f. 96/921).

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Não se nega que seja um direito da empregadora a redução do número de aulas dos docentes, em razão de dificuldades financeiras e diminuição do número de alunos matriculados. Contudo, esse direito, conforme normas coletivas da categoria, está condicionado à hom*ologação pelo sindicato e ao pagamento de indenização correspondente “à remuneração mensal que seria devida pela carga horária diminuída, multiplicada pelo número de anos que tiverem sido os de duração das aulas objeto da redução, até o limite de quatro anos, além de férias e décimo terceiro salário proporcionais, incidentes sobre a mesma remuneração mensal, objeto da redução” (Cláusula Vinte, §§ 1º, 2º e 3º, ACTs 2003/2004/2005). Com o pedido de redução assinado pelo professor essa indenização deixa de ser devida, conforme parágrafo oitavo, da Cláusula Vinte, do citado acordo coletivo (f. 79). Logo, o pedido de redução de carga horária de dezenas de professores deixa claro que a ré agiu de forma ilícita, coagindo seus empregados a assinarem tal requerimento. Registre-se que o próprio representante da empresa, em depoimento prestado perante a Procuradoria Regional do Trabalho, afirmou que a iniciativa da redução do número de aulas foi da própria UNITRI (f. 43). Declarou, ainda, que “a redução de carga horária dos professores foi em razão da necessidade de redução do custo e do número de professores, haja vista a redução do número de alunos”. Cumpre assinalar que a coação, vício de consentimento, capaz de afastar a validade do negócio jurídico, conforme art. 151 do CC/02, pode ser tanto física quanto moral.

Coação moral, conforme definição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, in Novo curso de direito civil, Parte Geral, v. I, Ed. Saraiva, 3. ed., 2003, “é aquela que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada”. Acrescentam, ainda, que “Nesta hipótese, a vontade do coagido não está completamente neutralizada, mas, sim, embaraçada, turbada, viciada pela ameaça que lhe é dirigida pelo coator.” In casu, os professores, por certo, sentiram-se ameaçados de desemprego, caso não acolhessem o “pedido” de assinatura do requerimento de redução de carga horária, já que muitos foram demitidos (depoimento do preposto, f. 43). Portanto, reprovável a conduta da ré, devendo não apenas se abster de solicitar ou sugerir a redução de carga horária de seus professores, como determinado na sentença, mas também de coagi-los nesse sentido. Assim, nego provimento ao recurso da ré e provejo o apelo do MPT, para incluir na condenação a obrigação de a ré se abster de coagir, diretamente ou por meio de terceiros, seus empregados a pedirem redução de carga horária, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por ato que caracterizar descumprimento desta determinação, a cada empregado, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis aos créditos trabalhistas. Recurso do MPT Indenização por dano moral coletivo O Ministério Público do Trabalho

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pretende a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$500.000,00, ou outro valor que se considere justo. Segundo a doutrina, a idéia e o reconhecimento do dano moral coletivo (lato sensu), bem como a necessidade de sua reparação, constituem mais uma evolução nos contínuos desdobramentos do sistema da responsabilidade civil, significando a ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros. (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo, LTr, 2004, p. 136) Da obra citada, extrai-se a definição de João Carlos Teixeira ao dano moral coletivo como

Nessa linha de pensamento, a doutrina não tem resistido ao reconhecimento do dano moral coletivo, consolidando-se a idéia da possibilidade de violação ao patrimônio moral da sociedade que, do mesmo modo que o do indivíduo, deve ser respeitado. Porém, para a aferição respectiva, devem ser examinadas as particularidades de cada caso. Na hipótese em apreço, embora constatadas irregularidades cometidas pela ré, como o não pagamento no prazo legal das férias e abono, a alteração do horário de trabalho registrado pelos seus empregados e a coação para a assinatura do pedido de redução de carga horária, não se pode extrair daí a existência de um sentimento coletivo de indignação, de desagrado e de vergonha capaz de ferir a “moral” da coletividade inserida nesse contexto. Para a configuração do dano moral coletivo, o ilícito e seus efeitos devem ser de tal monta que a repulsa social seja imediata e extrapole aquela relativa ao descumprimento pelo agente de determinadas normas de conduta trabalhista. Assim sendo, nego provimento ao recurso, no aspecto. CONCLUSÃO

a injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhes sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sofrimento psicofísico. (p. 140/141)

Conheço dos recursos ordinários interpostos pelas partes; no mérito, em relação ao apelo da ré, rejeito a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho quanto aos pedidos relacionados nos itens I, II, III e VI da inicial e nego-lhe provimento; ao recurso do autor, dou-lhe parcial provimento para incluir na condenação a obrigação de a ré se abster de coagir, diretamente ou por meio de terceiros, seus empregados a pedirem redução de carga horária, sob pena de multa de

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R$10.000,00 (dez mil reais) por ato que caracterizar descumprimento desta determinação, a cada empregado, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis aos créditos trabalhistas. Acresço em R$3.000,00 o valor condenatório, com custas de mais R$60,00 (sessenta reais). Fundamentos pelos quais, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Oitava Turma, em, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer dos recursos ordinários interpostos pelas partes; no mérito, sem divergência, em relação ao apelo da ré, em rejeitar a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho quanto aos pedidos relacionados nos itens I, II, III e VI da inicial e em negarlhe provimento; ao recurso do autor, unanimemente, em dar-lhe parcial provimento para incluir na condenação a obrigação de a ré se abster de coagir, diretamente ou por meio de terceiros, seus empregados a pedirem redução de carga horária, sob pena de multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por ato que caracterizar descumprimento desta determinação, a cada empregado, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis aos créditos trabalhistas; em acrescer em R$3.000,00 (três mil reais) o valor condenatório, com custas de mais R$60,00 (sessenta reais). Belo Horizonte, 20 de setembro de 2006. DENISE ALVES HORTA Relatora

TRT-01287-2005-104-03-00-5-RO Publ. no “MG” de 08.12.2006 RECORRENTES: SADIA S.A. (1) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (2) RECORRIDOS: OS MESMOS EMENTA: AÇÃO CIVIL TRABALHISTA PÚBLICA SOCIEDADE DE CONSUMO DIREITOS METAINDIVIDUAIS (DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E DIREITOS INDIVIDUAIS hom*oGÊNEOS) CONFLITO EM MASSA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A sociedade moderna edificou-se sobre a liberdade, a produção, o consumo e o lucro. A pósmodernidade luta para inserir o homem neste quarteto, isto é, nestes quatro fios com os quais se teceu o véu do desenvolvimento econômico global. Produção em massa, consumo em massa, trabalho em massa, lesão em massa, tudo isso a desafiar um tipo processo civil para a massa, concentrando o que está pulverizado, e que, em última análise, nada mais é do que um processo em que se procura tutelar direitos metaindividuais, também denominados de coletivos em sentido amplo, transindividuais, supraindividuais, globais, e tantos outros epítetos, mas todos com a marca indelével da lesão em massa, que é o seu núcleo, a sua alma, a sua essência, ou o seu diferencial. O Ministério Público obteve inquestionável e ampla legitimidade para

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ajuizar ação civil-trabalhista pública com o inciso III do art. 129 da Constituição Federal, com o Código de Defesa do Consumidor e com a Lei Complementar n. 75/93, embora não necessitasse de tantos dispositivos expressos. O sistema romano-germânico possui esta característica: somente o que está positivado claramente, sem nenhuma dúvida, sem a mínima obscuridade é facilmente aceito, sem grandes debates, a respeito dos quais algumas vezes se perde o verdadeiro propósito do legislador. Embora o tradicional espectro da ação civil pública tenha sido, por algum tempo, a tutela ressarcitória, a cada dia vem ganhando mais foco a tutela inibitória, consubstanciada em obrigação de não fazer, cumulada com astreinte, e com a nítida vantagem de prevenir grande número de lesões, que poderiam gerar centenas de ações individuais singulares. Inúmeras são as vantagens da ação civil pública: a) concentração em uma só relação processual de um feixe de interesses metaindividuais; b) unidade de jurisdição; c) unidecisão; d) redução de custos; e) celeridade; f) prevenção de lesão coletiva; g) prevenção de lesão social; h) repressão de demandas individuais; i) dessubjetivação dos empregados favorecidos; j) inibição de retaliação. Por trás do estresse individual, próprio da sociedade informacional, existe o estresse social, no qual

estão inseridos diretamente os membros de determinado grupo, categoria ou mesmo classe interligados entre si por um vínculo jurídico base, que podem muito bem ter seus interesses resguardados por um processo de tutela coletiva, sem nenhum prejuízo econômico para a empresa, que vai ajustar a sua conduta a determinado ideal de conduta de seus empregados. Na perspectiva puramente jurídica, também não se vislumbra neste tipo de processo nenhum arranhão ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, avultando, sim, em contrapartida benefícios para toda a sociedade. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, interposto de decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia, em que figuram, como recorrentes, SADIA S.A. e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e, como recorridos, OS MESMOS. RELATÓRIO O Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia, através da sentença de f. 1.365-1.367, proferida pelo Ex.mo Juiz SÉRGIO ALEXANDRE RESENDE NUNES, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados na ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de SADIA S.A., condenando esta a não exigir dos seus empregados jornada extraordinária superior a duas horas diárias, a não exigir trabalho dos mesmos durante o intervalo mínimo de 11 horas entre duas jornadas de

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trabalho consecutivas e a conceder descanso semanal remunerado de 24 horas, sob pena de multa no valor de um mil reais por empregado prejudicado, cada vez que for constatado o descumprimento destas determinações, excetuadas as hipóteses de necessidade imperiosa, devidamente comprovada. Os embargos de declaração apresentados pela reclamada (f. 1.3721.378) foram julgados improcedentes através da r. decisão de f. 1.379-1.380. Inconformada, a ré apresentou recurso ordinário (f. 1.381-1.428), argüindo a nulidade do julgado, por negativa de prestação jurisdicional, por violação do princípio constitucional da reserva legal, por violação ao princípio do devido processo legal, por violação do artigo 460 do CPC e por cerceamento de defesa, além da preliminar de carência da ação, por ilegitimidade ativa ad causam e por impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, atacou a condenação imposta, afirmando, em síntese, que as irregularidades apontadas na petição inicial ocorreram de forma esporádica, a título de exceção, sendo decorrentes de força maior, porque atua no ramo de alimentação, cujo objeto social é a criação, produção, abate, processamento e industrialização de produtos de origem animal. Requer, se prevalecer o entendimento adotado na origem, o afastamento da penalidade prevista no julgado ou a sua redução, com delimitação temporal. Guia de custas e do depósito recursal às f. 1.429-1.430. Contra-razões do autor às f. 1.434-1.450. Às f. 1.451-1.452, o demandante apresentou embargos de declaração, que foram julgados procedentes através da r. decisão de f. 1.453-1.454.

O autor também apresentou recurso ordinário (f. 1.455-1.459), almejando o deferimento da indenização por danos morais coletivos, ao argumento de que a conduta empresária é lesiva aos trabalhadores, produzindo danos à saúde e segurança, afetando toda coletividade de trabalhadores, assim como a própria sociedade, na medida em que violada a ordem social. Às f. 1.464-1.471, a ré aditou o recurso ordinário, requerendo a modificação da r. decisão que julgou os embargos de declaração apresentados pelo autor, a fim de que, havendo necessidade imperiosa prevista no artigo 61 da CLT, seja permitido o trabalho nas três situações previstas na r. sentença de primeiro grau. Contra-razões ao recurso do autor às f. 1.479-1.491 e do aditamento do recurso da reclamada às f. 1.4931.496. Dispensada a manifestação da d. Procuradoria Regional do Trabalho, conforme Ato Regimental n. 13/2000 e Provimento n. 1/2005, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. É o relatório. VOTO Juízo de admissibilidade Conheço de ambos os recursos, inclusive do aditamento realizado pela ré, porque preenchidos os requisitos legais de admissibilidade. Juízo de mérito Recurso da reclamada Analiso em conjunto o recurso ordinário interposto pela reclamada e seu aditamento.

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Preliminar de nulidade Por diversos fundamentos, a reclamada argúi a nulidade da r. sentença de primeiro grau, mas nenhum deles se presta ao fim almejado. Não houve a alegada negativa de prestação jurisdicional, pois a v. sentença de f. 1.365/1.367 e as decisões dos embargos de declaração de f. 1.379/1.380 estão devidamente fundamentadas, preenchendo os requisitos do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal e do artigo 832 da CLT. Ainda que o julgado recorrido não tivesse enfrentado todas as questões formuladas pela recorrente, o que não é o caso, falta fundamento para a decretação de nulidade, pois o recurso interposto permite o reexame de toda matéria afeta à lide, ceifando qualquer possibilidade de prejuízo, sem o que não se anulam os atos processuais, nos termos do artigo 795 da CLT. De outro lado, também não ocorreu violação do princípio constitucional da reserva legal, pelo fato de não haver previsão legal para a multa especificada na decisão, porque a inexistência de suporte legal para a condenação não acarreta a nulidade da decisão, mas, se for o caso, a sua reforma. Ademais, o Direito não se esgota na lei. Outras, inúmeras e incontáveis são as fontes formais de Direito à disposição do intérprete. Descabe, outrossim, cogitar de ofensa ao princípio do devido processo legal, pois a r. decisão de primeiro grau é exeqüível e não viola os artigos 460 e 461 do CPC, não tendo muito menos invadido a esfera de competência do Ministério do Trabalho ou cerceado o livre acesso da recorrente às vias administrativas e judiciais.

Não há ilegalidade na multa prevista no julgado, não sendo o caso de se fixar prazo para o cumprimento da obrigação imposta, porque a conduta imposta é omissiva, ou seja, obrigação de não fazer, incidindo a punição apenas se a ré descumprir as determinações previstas na r. sentença de primeiro grau. A multa tem efeito de garantia de eficácia do comando judicial, daí por que inaplicáveis as regras previstas na CLT para a autuação por parte do Ministério do Trabalho. A tutela inibitória vem sendo utilizada em larga escala, não estando mais a jurisdição presa à acanhada tutela reparatória, nem sempre hábil à efetividade das decisões judiciais. O fato de a r. decisão recorrida ressalvar a aplicação do artigo 61 da CLT não torna o provimento inexeqüível, sendo irrelevante que preveja obrigação perpétua ou enquanto vigorar as disposições que prevêem o limite máximo de horas extras diárias, o intervalo entre jornada de 11 horas e o descanso semanal, pois o fim perseguido pelo autor através da presente ação civil pública é a efetividade do ordenamento jurídico, nos aspectos mencionados, satisfazendo essa pretensão o julgado recorrido. De igual modo, também não houve cerceamento de defesa, por falta de oitiva do autor e da prova testemunhal destinadas a demonstrar que as irregularidades decorreram de necessidade imperiosa, força maior e serviços inadiáveis. A prova requerida é inútil, porque houve prova documental bastante, sendo certo, ainda, que todos os fatos mencionados pela reclamada em sua defesa e no recurso são previsíveis e não justificam a extensão reiterada da jornada

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de trabalho, além dos limites legais, com o sacrifício dos intervalos para descanso, conforme devidamente demonstrado nos documentos de f. 779-788. Além do mais, a v. sentença ressalva a aplicação do artigo 61 da CLT, quando houver prova da situação prevista neste dispositivo, o que permite à ré, caso o autor demande a incidência da multa por descumprimento do julgado, provar, em cada caso concreto, que, a partir do trânsito em julgado, está atuando de acordo com os preceitos legais. Rejeito. Preliminar de carência de ação - Ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido A recorrente sustenta, em síntese, que o autor não tem legitimidade para propor a presente ação, ainda mais pleiteando indenização por dano coletivo e multa a favor da União. Sustenta que deve ser aplicado o inciso IV do artigo 129 da Constituição Federal. Afirma que também não há o pressuposto do interesse social relevante ou interesse coletivo, não incidindo a regra prevista no inciso III do artigo 83 da LC n. 75/93. Acrescenta que não há interesses indivisíveis e hom*ogêneos, o que acarreta a impossibilidade jurídica do pedido, pois a tutela buscada pelo autor é de direitos nitidamente individuais e heterogêneos, abrangendo um pequeno número de pessoas e não uma coletividade. Rejeita-se. As disposições do inciso III do artigo 83 da Lei Complementar n. 75/93 conferem legitimidade ativa ad causam ao autor, não havendo também impossibilidade jurídica do pedido formulado.

A ação interposta visa adequar o comportamento da ré ao ordenamento jurídico, cuja efetividade é de interesse público, ou seja, de toda sociedade, porque, no Estado Democrático de Direito, a lei representa o interesse público, sendo certo, ainda, que as normas pretensamente infringidas pela ré acarretam conseqüências para toda sociedade, não apenas para os trabalhadores envolvidos, bastando lembrar que foram instituídas em benefício dos trabalhadores, visando, precipuamente, a proteção à saúde, cujo Estado tem o dever de zelar. Portanto, a ação visa tutelar interesse coletivo, indivisível e hom*ogêneo, não havendo carência de ação pelos fundamentos alegados, sem nenhuma violação ao artigo 81 da Lei n. 8.078/90. De resto, a impossibilidade jurídica do pedido é verificada à luz de regra expressa proibitória, o que não é definitivamente o caso dos autos. Rejeito. Da condenação imposta A recorrente insiste que as irregularidades apontadas pelo autor estão justificadas pelo artigo 61 da CLT. Afirma, em síntese, que os fatos ocorreram de forma esporádica, a título de exceção, sendo decorrentes de força maior, porque atua no ramo de alimentação, cujo objeto social é a criação, produção, abate, processamento e industrialização de produtos de origem animal. Acrescenta que sua produção é de grande escala, contando com estrutura modernizada, algumas até com implementações mecanizadas que, se por algum motivo for avariada, necessita de imediata intervenção de mão-de-obra especializada, como mecânicos,

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soldadores, pedreiros, e outros, cuja convocação se deu, portanto, em caráter excepcional e extraordinário, para se evitar a perda dos alimentos perecíveis, o que levaria a prejuízo de grande monta. Assevera que tais equipamentos não permitem o funcionamento de outros em caráter de reserva e que, apesar de haver manutenção constante, é possível a ocorrência de defeitos, tais como excesso de frio ou calor pela parada de ventiladores ou do sistema de aquecimento; vendaval com destelhamento; incêndios, falta de água ou de energia, etc. Afirma que foram esporádicas as infrações, tanto que encontradas foram onze ocorrências de excesso à jornada suplementar máxima, em 100 cartões de ponto analisados. No que concerne ao intervalo de 11 horas entre jornadas, foram apontadas oito ocorrências, inexistindo irregularidade quanto aos repousos semanais, porque os empregados trabalham em regime de escala autorizada em acordo coletivo, de seis dias de trabalho, com dois dias de folga, sendo o primeiro dia folga compensada e o segundo, o dia de repouso. Requer, caso prevaleça entendimento diverso, que a multa seja afastada ou reduzida, devendo ser aplicado o artigo 61, para todas as determinações constantes no julgado e limitada a condenação ao prazo de dois anos. Razão não lhe assiste. Os fatos delineados pela recorrente não constituem força maior, de modo a atrair a aplicação do artigo 61 da CLT e permitir, de forma reiterada e constante, o labor além do limite máximo de dez horas diárias, sem o intervalo de 11 horas entre jornadas e sem o descanso semanal remunerado, a cada seis dias trabalhados.

Saliento que o artigo 61 da CLT aplica-se, apenas, em relação ao limite máximo de horas extras diárias, por expressa previsão desta norma. Os problemas operacionais mencionados pela recorrente não amparam o inconformismo lançado no recurso, pois ela deve providenciar medidas que evitem a sobrecarga individual de seus trabalhadores, mantendo, por exemplo, equipe plantão, com empregados suficientes, para dar cabo aos consertos que se fizerem necessários durante o processo produtivo. O demonstrativo apresentado pelo autor às f. 783-794, referente ao período de 16.04.04 a 15.01.2005, revela que houve trabalho, em todos esses meses, por mais de duas horas extras diárias, muitas vezes superior a 5 horas, assinalando, ainda, o desrespeito ao intervalo de 11 horas entre jornadas. Portanto, fica patente que os fatos que ensejaram a sobrejornada excessiva eram comuns ou pelo menos previsíveis. Assim, apesar de a reclamada atuar com produtos perecíveis, isto não basta para legitimar as infrações praticadas. Quanto ao repouso semanal remunerado, o autor demonstrou que havia empregados que trabalhavam mais de seis dias consecutivos sem a concessão do descanso semanal, conforme análise das f. 779-782. As normas coletivas não amparam a conduta da ré neste aspecto, pois prevêem a compensação de jornada dentro da semana, sendo certo que o labor no regime de escala exige dois dias de folga, a cada seis dias trabalhados (f. 1.237 e 1.250). Relativamente à multa aplicada, não é cabível o seu afastamento ou a sua

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redução, sendo certo que a mesma visa a resguardar a eficácia do provimento judicial deferido, somente incidindo se a ré descumprir as obrigações impostas. Desta forma, não se aplica o artigo 75 da CLT ou a Portaria n. 290/97 do Ministério do Trabalho para a sua fixação, não havendo cogitar em ofensa ao inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, a teor do § 4º do artigo 461 do CPC. Também não é cabível a limitação temporal da condenação, pois a reclamada em momento algum pode ser autorizada a atuar contra o ordenamento jurídico. Nego provimento. Recurso do Ministério Público do Trabalho Recorre o autor para que seja deferido seu pedido de indenização por dano coletivo, alegando, em síntese, que a conduta da recorrida foi lesiva aos trabalhadores, produzindo danos à saúde e segurança, produzindo dano moral coletivo. Requer o deferimento de indenização correspondente a R$500.000,00. Sem razão. Embora a conduta da ré seja contrária ao ordenamento jurídico, atentando contra normas que visam a resguardar a saúde do trabalhador e seu bem-estar social, não foi provado o denominado “dano moral coletivo”. O desrespeito à norma que veda o trabalho extra além do limite de duas horas diárias, ao intervalo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho e do descanso semanal, por si só, não configura o alegado dano moral coletivo. Uma coisa é o comportamento contrário ao Direito, outra é o resultado que dele emerge. Se houve resultado danoso à coletividade, o autor não cuidou de

demonstrá-lo, cabendo-lhe estes ônus. Data venia, e com o todo o respeito ao douto Ministério Público Federal do Trabalho, cujas atuações nesta esfera devem ser louvadas, não há como se presumir a ocorrência do dano. Nego provimento. Isto posto, conheço do recurso ordinário e do aditamento apresentado pela reclamada, rejeito as preliminares de nulidade e de carência de ação, por ilegitimidade ativa ad causam e por impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, nego-lhe provimento. Conheço do recurso interposto pelo autor e, no mérito, nego-lhe provimento. Mantenho o valor atribuído à condenação. Fundamentos pelos quais, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário e do aditamento apresentado pela reclamada; sem divergência, rejeitou as preliminares de nulidade e de carência de ação, por ilegitimidade ativa ad causam e por impossibilidade jurídica do pedido; no mérito, por maioria de votos, negou-lhe provimento, vencido, parcialmente, o Ex. mo Juiz Revisor, que limitava a aplicação da multa no limite temporal de 5 anos; sem divergência, conheceu do recurso do autor; no mérito, unanimemente, negou-lhe provimento. Mantido o valor atribuído à condenação. Belo Horizonte, 22 de novembro de 2006. LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT Relator

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TRT-00328-2006-145-03-00-2-RO Publ. no “MG” de 21.09.2006 RECORRENTE: NAEL PEREIRA DOS SANTOS RECORRIDO: MUNICÍPIO DE BOTUMIRIM EMENTA: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONTRATO NULO ACIDENTE - ILÍCITO CIVIL DANOS MORAIS. O escopo da Súmula n. 363 do TST é resguardar a moralidade administrativa, impondo à Administração o dever de remunerar os serviços que, ainda que de forma irregular, beneficiaram-na diretamente. Contudo, não se pode perder de vista que o referido verbete traz limites às obrigações de cunho especificamente trabalhista, diante de eventual nulidade da contratação, não comportando uma leitura tão restritiva a ponto de alijar inclusive obrigações oriundas de ilícito civil praticado pelo contratante no curso da prestação laboral. Assim, se comprovados os requisitos do artigo 186 do Código Civil, impõe-se a reparação pelos danos morais e materiais causados ao obreiro. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, decide-se: RELATÓRIO O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros, pela decisão de f. 33/ 39, julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente sofrido.

O reclamante recorre às f. 45/48, pugnando pela reforma da decisão originária com base, sobretudo, na revelia do reclamado. Contra-razões às f. 53/54. Parecer ministerial à f. 58, pela retificação da autuação, conhecimento e desprovimento do recurso, com base na Súmula n. 363 do TST. Procurações às f. 07 e 55. É o relatório. VOTO Admissibilidade Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Preliminarmente Determino a retificação da autuação para constar como recurso ordinário, e não agravo de petição, o apelo interposto pelo reclamante. Mérito Pretende o reclamante a reforma da sentença para que lhe seja deferida a indenização de R$123.800,00, a título de danos morais e materiais, pelo acidente retratado à f. 08. Suscita a responsabilidade objetiva do Município (f. 04) e sua revelia, argumentando que a ignorância da lei (contratação irregular) não elide a ilicitude do fato. Cediço que a contratação nula pela Administração não enseja a formação do vínculo de emprego e seus corolários legais. Ocorre que, para impedir o enriquecimento sem causa dos entes públicos que se beneficiam dessa modalidade de prestação de serviços, a Súmula n. 363 do TST impingiu-lhe conseqüências

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específicas, quais sejam, o pagamento dos salários e o recolhimento do FGTS. Contudo, o referido verbete traça limites às obrigações de cunho especificamente trabalhista, não comportando uma interpretação tão restritiva a ponto de alijar até mesmo as obrigações oriundas de ilícito civil praticado pelo contratante no curso da prestação laboral, como é o caso da reparação por danos morais e materiais. Mesmo porque seu escopo é justamente resguardar a moralidade administrativa. Tanto é assim que o TST garantiu, inclusive, o recolhimento da contribuição previdenciária de funcionário não concursado que teve o contrato anulado (RR 61172/2002). Neste diapasão, não há negar a responsabilidade do tomador de serviços pelos danos oriundos de acidente ocorrido em razão da prestação laboral. Neste sentido vem se firmando a jurisprudência deste Regional, confira-se: Ao contrário do alegado, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, no caso de comprovada a culpa da empresa reclamada, não vai de encontro à Súmula 363 do TST. [...] A súmula, como já ressaltado anteriormente, visa resguardar a moralidade administrativa em sua inteireza. O administrador, é claro, não pode se locupletar de sua própria torpeza, pretendendo que os contratos por ele realizados fora da forma estabelecida o isentassem do dever de proceder ao pagamento correspondente ao tempo trabalhado e da obrigação de zelar pela segurança do trabalhador que se encontra a

seu serviço. O princípio da moralidade administrativa requer que o administrador, ainda que não tenha observado os procedimentos devidos à contratação válida, não seja incentivado a abusar da prática constitucionalmente vedada, buscando ver-se livre de suas obrigações salariais ou de garantir a segurança mínima àquele que lhe presta serviços. Nessa esteira, não há razão para se negar ao trabalhador o direito a ser indenizado pelo ato ilícito praticado pelo beneficiário dos serviços, no curso do contrato. (01703-2005-011-03-00-5-RO, publicado em 28.04.2006, Rel. Juiz Marcus Moura Ferreira) Vale esclarecer que não se trata da responsabilidade contratual prevista no inciso XXVIII do art. 7º da CR/88. Até porque inexiste, in casu, um contrato de emprego válido. Mas não se pode negar que há uma relação fática em que uma das partes se beneficiou dos serviços prestados pela outra, não lhe garantindo, sequer, condições de segurança ao labor, o que restou incontroverso ante a confissão ficta aplicada à reclamada. Veja-se, inclusive, que a definição legal de “acidente do trabalho” (art. 19 da Lei n. 8.213/91) não se restringe aos infortúnios decorrentes da relação de emprego, considerando-o todo aquele que “ocorre pelo exercício do trabalho”. Assim, não obstante a nulidade da contratação, remanesce a responsabilidade extracontratual da Administração Pública, nos termos do art. 927 c/c art. 186, ambos do Código Civil brasileiro. Logo, para amparar o pedido indenizatório nesse caso, basta a comprovação dos requisitos

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essenciais dessa forma de obrigação, quais sejam: o erro de conduta do agente, revelado por um comportamento contrário ao direito, a ofensa a um bem jurídico específico do postulante e, por fim, a relação de causalidade entre a conduta antijurídica e o dano causado. O fundamento da pretendida reparação é a prática do ato ilícito - não fornecimento e treinamento adequado acerca dos EPIs e demais condições de segurança à prestação de serviços do obreiro. Aliás, a ilicitude surgiu já no ato da contratação ao arrepio da norma constitucional. Neste diapasão e considerando os danos comprovados na CAT de f. 08, bem como a confissão ficta quanto à culpa e à responsabilidade do ente público, que não contestou a alegação de que “o requerente não recebeu nenhum treinamento especial para fazer o serviço que fazia e as condições de trabalho eram precárias, sem segurança, sem EPI e sem nenhum conhecimento técnico ou orientador em explosivos” (f. 02), impõe-se o provimento do apelo obreiro. Todavia, é bom esclarecer que a pena de confissão ficta não é aplicada de forma absoluta, suplantando a distribuição do onus probandi entre as partes. Assim, permaneceu com o reclamante o encargo de comprovar a gravidade dos danos alegados e a redução da incapacidade laborativa (f. 04), para efeitos de arbitramento do quantum reparatório. E o único elemento carreado aos autos com esta finalidade é a CAT de f. 08. Logo, o provimento há de ser proporcional aos danos ali documentados (ferimentos na face, perda de dentes e amputação do quinto dedo esquerdo), bem como à remuneração informada às f. 09/10 (entre R$237,64 e R$318,17).

Neste contexto, provejo o recurso para condenar o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, que fixo em R$15.000,00. CONCLUSÃO Conheço do recurso interposto pelo reclamante. Preliminarmente, determino a retificação da autuação para constar como recurso ordinário, e não agravo de petição, o apelo. No mérito, dou-lhe provimento para condenar o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, ora fixada em R$15.000,00 (quinze mil reais). Custas pelo reclamado, no importe de R$300,00 (trezentos reais). Fundamentos pelos quais, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Oitava Turma, preliminarmente, determinou a retificação da autuação para constar como recurso ordinário, e não agravo de petição, o apelo; à unanimidade, conheceu do recurso interposto pelo reclamante; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para condenar o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, ora fixada em R$15.000,00 (quinze mil reais); custas pelo reclamado, no importe de R$300,00 (trezentos reais). Belo Horizonte, 25 de outubro de 2006. HERIBERTO DE CASTRO Relator

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TRT-00365-2005-068-03-00-5-RO Publ. no “MG” de 18.11.2006 RECORRENTES: TRANSTASSI LTDA. (1) ELIZEU DA SILVEIRA RODRIGUES (2) SHELL BRASIL LTDA. (3) TRANSCARDOSO LTDA. (4) MANDEL TRANSPORTES LTDA. (5) RECORRIDOS: OS MESMOS EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - MOTORISTA DE CAMINHÃO-TANQUE COMBUSTÍVEL AQUECIDO A 150 GRAUS CENTÍGRADOS VAZAMENTO SOBRE O CORPO DO TRABALHADOR RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS TRANSPORTADORAS E DA PRODUTORA E DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO - LEI DO PETRÓLEO REGULAMENTO DO TRANSPORTE DE PRODUTOS PERIGOSOS - DECRETO N. 96.044/88 - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. Empresa que explora petróleo nas bacias sedimentares brasileiras e distribui seus derivados responde solidariamente com as respectivas transportadoras e com os destinatários, seja pela rigorosa legislação que rege a espécie, seja pela função social do contrato. Pela concreção que lhe têm dado os doutos, observa-se que a função social do contrato tem até maior aplicação no Direito do Trabalho do que no próprio Direito Civil. Demonstra-se isso pela história de ambos os ramos do direito. Aquele se

desprendeu deste, à medida que normas sociais específicas tornaram-se necessárias. O direito do trabalho é, assim, originariamente, a parte social do direito civil. Se assim é, somando-se a isso a gama contratual moderna tendente a prejudicar os direitos dos trabalhadores, com terceirizações, quarteirizações, cooperativismos meramente formais, fugas da tipologia do contrato de emprego, o direito do trabalho é o terreno mais fértil para a frutificação da função social do contrato. Na espécie dos autos, as sucessivas contratações e subcontratações de transportadoras, com a participação da fornecedora, para a consecução do trabalho de apenas uma pessoa, o motorista, não sofrem qualquer cisão para fins de exclusão da responsabilidade de qualquer dos partícipes da cadeia contratual iniciada na distribuidora de derivados de petróleo. Ao trabalho uno, às responsabilidades unas do motorista corresponde a responsabilidade também una de todos os beneficiários de seu labor, mormente as transportadoras e a distribuidora, em relação às quais as normas legais não deixam qualquer dúvida acerca da responsabilidade solidária. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário em que figuram, como recorrentes, TRANSTASSI LTDA. (1), ELIZEU DA SILVEIRA RODRIGUES (2), SHELL

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BRASIL LTDA. (3), TRANSCARDOSO LTDA. (4) E MANDEL TRANSPORTES LTDA. (5) e, como recorridos, AS MESMAS PARTES. I - RELATÓRIO O Juízo da Vara do Trabalho de Muriaé-MG, em sentença da lavra do Ex. mo Juiz Marcelo Paes Menezes, julgou procedente em parte a pretensão deduzida em juízo (f. 1264/1273, 7º volume dos autos). Recurso ordinário da reclamada Transtassi em que argúi a sua ilegitimidade passiva ad causam; no mérito, requer o reconhecimento de que a responsabilidade por dano moral é somente objetiva, não se aplicando o artigo 927 do CCb no particular, mas, sim, o inciso XXVIII do artigo 7º da CF; inaplicabilidade do artigo 2º da CLT, no caso concreto; exclusão de sua responsabilidade solidária e da pensão mensal (f. 1274/1288). Embargos de declaração opostos pelas reclamadas Shell Brasil Ltda. (por fax, f. 1290/1295, com os originais juntados às f. 1301/1306) e Transcardoso (f. 1296/1299), julgados parcialmente procedentes às f. 1318/ 1320. Recurso ordinário do reclamante postulando a majoração da indenização por danos morais; que o índice de 15% (quinze por cento) relativo à pensão mensal seja apurado sobre o valor total da remuneração; que as despesas médicas sejam apuradas por estimativa/ arbitramento; inclusão na condenação do custeio dos banhos de mar; honorários advocatícios (f. 1307/1316). Recurso ordinário da Shell Brasil Ltda. em que argúi a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria; preliminar de ilegitimidade passiva ad causam;

preliminar de nulidade da sentença recorrida por extra petita; preliminar de nulidade do julgamento recorrido em face de cerceio de defesa e de negativa de tutela jurisdicional; no mérito, requer seja a pretensão de auferimento de indenização por dano moral apurada de forma subjetiva (inciso XXVIII do artigo 7º da Carta Magna); reconhecimento da ausência de nexo causal; despesas com internação e cirurgias podem ser suportadas pela Previdência Social; fixação do valor da indenização em salários mínimos ofende o inciso IV do artigo 7º da Constituição da República (f. 1325/1365). Recurso ordinário da reclamada Transcardoso em que suscita a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam; no mérito, postula seja a indenização por dano moral apurada segundo a teoria subjetiva (inciso XXVIII do artigo 7º da Carta Federal; exclusão de sua responsabilidade solidária; abatimento do quantum arbitrado a título de condenação dos valores auferidos pelo autor (duas indenizações pagas pelas empresas); não houve comprovação de despesas hospitalares; o plano de saúde e cirurgias podem ser suportados pelo SUS; apuração da indenização por dano moral nos termos do artigo 477 da CLT; exclusão do índice de 15% (quinze por cento) incidente sobre o valor da pensão mensal (f. 1369/ 1390). Recurso ordinário da reclamada Mandel em que argúi, em sede de preliminar, a nulidade da sentença recorrida por cerceio de defesa; não cabe apuração da indenização por dano moral na forma da teoria objetiva; exclusão da pensão mensal ou, na hipótese de sua confirmação, seja admitido o decote do valor a ser suportado pelo autor, a ser recolhido à Previdência Social; não há necessidade

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de tratamento cirúrgico; não foi colacionada prova acerca da realização de despesas com internações hospitalares; à míngua de dolo ou culpa, pugna pela exclusão da indenização por dano moral ou a sua apuração nos termos do artigo 477 da CLT; deferimento do abatimento do valor já levantado a título de seguro de vida; alteração da data de incidência dos juros de mora (f. 1394/1434). Razões de contrariedade recíprocas às f. 1441/1458, pelo reclamante; f. 1460/1463, pela ré Transtassi; f. 1464/1480, pela reclamada Mandel; f. 1481/1489, pela Shell (onde argúi a preliminar de deserção) e f. 1508/1512, pela ré Transcardoso. Os autos permaneceram guardados em uma gaveta da secretaria da vara trabalhista de origem no interstício compreendido entre 20.04.2006 e 12.06.2006 (certidão, f. 1504). O MPT não emitiu parecer nestes autos. É o relatório. II - VOTO 1 - Admissibilidade As partes estavam cientes da data da publicação da sentença, nos termos da Súmula n. 197 do Colendo TST, qual seja, o dia 16.12.2005, sextafeira (termo de audiência de f. 1250 c/c sentença, f. 1273), data em que se deu efetivamente a juntada do julgamento aos autos (vejam-se f. 1263-verso e 1264). O recurso ordinário da empresa Transtassi, f. 1274/1288, foi protocolado na data de 12.01.2006, quinta-feira (f. 1274). Portanto, antes do início do recesso forense, transcorreu

unicamente um dia do prazo legal para a interposição de recurso ordinário, especificamente o dia 19.12.2005, segunda-feira. Outrossim, o recesso forense vigorou de 20.12.2005, terça-feira, a 06.01.2006, sexta-feira (Lei n. 5.010/66, conforme Resolução Administrativa n. 130, de 21.10.2005, DJMG de 26.10.2005) e, em seguida, foi prorrogado a pedido da OAB/MG de 07.01.2006 a 13.01.2006, período em que a prática de atos processuais se encontrava suspensa (Resolução Administrativa n. 126 de 21.10.2005, DJMG de 26.10.2005). Desse modo, é próprio e tempestivo o recurso ordinário manejado pela ré Transtassi. Sem falar também, em reforço ao raciocínio aqui exposto, que a sua interposição antecedeu à interposição e ao julgamento dos embargos declaratórios opostos pelas reclamadas Shell e Transcardoso. O comprovante de quitação das custas processuais e do recolhimento do depósito recursal encontram-se às f. 1275 e 1289 dos autos, respectivamente. O recurso ordinário do reclamante é próprio e tempestivo (considerando, tal como exposto em relação ao recurso da Transtassi, a data da publicação da sentença, cientes as partes nos termos da Súmula n. 197 do TST; o recesso forense; a interposição do apelo em 19.01.2006, quinta-feira, f. 1307, que antecedeu o julgamento dos embargos de declaração opostos pelas empresas Transcardoso e Shell). Rejeito a preliminar de deserção eriçada pela ré Shell Brasil Ltda. (contra-razões, f. 1482). Irrelevante o indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita (Lei n. 1.060/50, formulado na petição inicial, f. 31) na sentença (f. 1272), porquanto o autor não é sucumbente. Não está, assim, obrigado ao

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recolhimento de custas processuais como pressuposto de admissibilidade de seu recurso. O recurso ordinário da empresa Shell Brasil Ltda. é próprio e tempestivo (ciente da data da publicação da decisão dos embargos de declaração na imprensa oficial, 31.01.2006, terça-feira, certidão de f. 1320-verso c/c recurso, protocolo datado de 06.02.2006, segunda-feira, f. 1325). As guias DARF e GFIP foram colacionadas às f. 1366/ 1367. O recurso ordinário da reclamada Transcardoso é próprio e tempestivo (ciente da data da publicação da decisão dos embargos de declaração na imprensa oficial, 31.01.2006, terça-feira, certidão de f. 1320-verso c/c recurso, protocolo datado de 07.02.2006, terça-feira, f. 1369). As guias DARF e GFIP foram colacionadas às f. 1391/1393. O recurso ordinário da reclamada Mandel é próprio e tempestivo (ciente da data da publicação da decisão dos embargos de declaração na imprensa oficial, 31.01.2006, terça-feira, certidão de f. 1320-verso c/c recurso, protocolo datado de 08.02.2006, quarta-feira, f. 1394). As guias DARF e GFIP foram colacionadas às f. 1435/1437. Não conheço das contra-razões da empresa Transcardoso, porque intempestivas. Pelo despacho de f. 1504 dos autos, restou determinado o cumprimento imediato do despacho anterior de f. 1495 (abertura de prazo em favor da empresa Transcardoso para a apresentação de razões de contrariedade), com a publicação na imprensa oficial do dia 22.06.2006, quinta-feira, certidão de f. 1504-verso, infra. A petição, contudo, só foi protocolada em 04.07.2006, terça-feira, f. 1508.

As partes encontram-se regularmente representadas nestes autos (procuração de f. 240 e substabelecimento de f. 241 pelo reclamante; instrumento de mandato de f. 900 e 900-verso; substabelecimento de f. 901, 901-verso e 902 pela reclamada Shell; procurações de f. 903/905 pela ré Mandel; instrumento de mandato de f. 906 pela empresa Transcardoso; procuração de f. 907 e substabelecimento de f. 1503 pela reclamada Transtassi). A atual denominação social da reclamada Shell é Shell Brasil Ltda. e não Shell Brasil S.A. como consta da capa dos autos (vejam-se recurso ordinário, f. 1325; carta de preposição, f. 899; instrumento de mandato e substabelecimentos de f. 900, 900verso, 901, 901-verso e 902; e, sobretudo, defesa, f. 255). Determino à DSCPDF de 2ª Instância (Subsec. de Dist. de Feitos de 2ª Instância), assim como à Secretaria da Egrégia 4ª Turma que procedam à retificação do nome da reclamada Shell na capa dos autos, fazendo constar Shell Brasil Ltda. Em face da simetria dos temas tratados nos recursos, o exame dos apelos se dará de forma conjunta. 2 - Preliminares 2.1 Preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria Rejeição Argúi a empresa Shell a preliminar em epígrafe ao argumento de não ser empregadora do autor, não se tratando, portanto, de hipótese de ação movida pelo empregado em face do empregador (recurso, f. 1336/1338).

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Ora, de acordo com o inciso VI do artigo 114 da CF/88 (redação dada pela Emenda Constitucional n. 45, de 31.12.2004), compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: “VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.” O Pleno do Excelso STF, alterando o entendimento adotado anteriormente no julgamento do RE 438.639-9, ocorrido em 09.03.2005, decidiu, de forma unânime, no conflito negativo de competência n. 7.204-1/MG, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, suscitado pelo Colendo TST em face do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, na data de 29.06.2005, pondo um ponto final à controvérsia, que cabe a esta Especializada julgar as causas relativas a acidentes do trabalho, quando o empregado pretende a reparação do dano em face do empregador. O autor, ex-empregado da empresa Mandel Transportes Ltda., postula o pagamento da indenização por dano moral em face de sua exempregadora e também em face das demais pessoas jurídicas mencionadas na inicial, em decorrência de suas condutas culposas no sinistro (vejamse f. 02/05 e 09/10). A controvérsia envolve empregado e empregador, decorre da relação de trabalho, emergindo daí a competência da Justiça do Trabalho para o exame e desate da questão, na esteira do inciso VI do art. 114 da CF/88 e da supracitada decisão do Excelso STF c/c Súmula n. 392 do Colendo TST. Se a argüente tem ou não legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, é outra situação jurídica, que será apreciada como meritum causae. Rejeito.

2.2 Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam As reclamadas reiteram em seus apelos a prefacial de ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda (empresa Transtassi, apelo, f. 1285/ 1287; empresa Shell Brasil Ltda., recurso, f. 1339/1340 e 1363; reclamada Transcardoso, apelo, f. 1369/1371). Malgrado as alegações desenvolvidas em grau recursal, o único meio pelo qual o autor poderia vir a obter a devida tutela jurisdicional seria através do ajuizamento da presente ação. Se as empresas reclamadas têm responsabilidade solidária, subsidiária ou nenhuma obrigação no caso concreto, quanto às pleiteadas indenizações dos danos morais e materiais, tal questão será apreciada em sede própria, o meritum causae. Portanto, como decidido em primeiro grau, f. 1266, configura-se a pertinência subjetiva das rés em relação à lide veiculada na petição inicial. Rejeito. 2.3 - Preliminar de nulidade da decisão recorrida por cerceio de defesa cumulada com negativa de tutela jurisdicional A reclamada Shell argúi a preliminar em epígrafe (recurso, f. 1351/ 1355) em razão dos argumentos em seguida expostos em apertada síntese. O juiz, em ofensa ao inciso LV do artigo 5º da CF, indeferiu o requerimento de realização de perícia técnica de engenharia mecânica, essencial ao desate da questão, com o escopo de apurar se a viatura acidentada atendia ou não às normas de segurança (inclusive para fins de transporte de óleo combustível). No entanto, na sentença (f. 1266) concluíra

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pela inexistência de prova de negligência por parte do reclamante no que diz respeito ao travamento da tampa da carreta. Segundo a recorrente, teria também havido ofensa ao inciso LV do artigo 5º da CF, com o indeferimento da realização de perícia técnica de trânsito, que tinha por objetivo apurar a eventual responsabilidade/culpa do reclamante no acidente (por exemplo, se o reclamante utilizava ou não o cinto de segurança no momento do sinistro, etc.). Na mesma linha de raciocínio, a empresa Mandel (vide preliminar de cerceio de defesa, f. 1396/1401). Na audiência inaugural (termo, f. 253), determinou-se a realização apenas de perícia médica. O exame da oportunidade/conveniência de realização de outras perícias técnicas seria decidido após a juntada do laudo médico aos autos. Na audiência de instrução (termo, f. 1247), diante da reiteração dos requerimentos de novas perícias, o d. juízo a quo indeferiu a dilação probatória pretendida, de forma fundamentada, nos seguintes termos: A 1ª ré e 2ª reiteraram os termos de requerimentos anteriores, no sentido de realização de perícia para averiguar se o autor utilizava cinto de segurança quando da ocorrência do acidente, bem assim outras questões relacionadas ao mesmo fato. Indefiro a perícia referenciada acima. Com efeito, após muitos meses do acidente, é óbvio que é impossível averiguar se o autor utilizava ou não cinto de segurança, de modo que tem incidência, no caso presente, o artigo 420, inciso III,

CPC, ou seja, a verificação é impraticável. Ademais, provavelmente o veículo acidentado sofreu reparos necessários à continuidade da operação, o que também torna impraticável a verificação solicitada. Em primeiro lugar, fique claro que, ao revés do aludido pela reclamada Shell no seu apelo, a decisão que indeferiu o pedido de prova pericial restou devidamente fundamentada. Ademais, o magistrado, conforme os arts. 765 da CLT e 130 do CPC, tem o dever de indeferir a produção de prova desnecessária ao deslinde da controvérsia. Ao contrário dos argumentos das rés, o d. juízo a quo deu concreção ao inciso III do parágrafo único do art. 420 do CPC, verbis: Art. 420. [...] Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando: [...] III - a verificação for impraticável. Do exame da petição inicial (f. 07, n. 6) extrai-se como data do acidente o dia 08.07.2003. No mesmo sentido os embargos declaratórios (f. 1318). As fotos do sinistro constam de f. 569/570 (3º volume dos autos). A audiência inaugural ocorreu na data de 27.07.2005 (termo, f. 252) quando se deduziu pela primeira vez o pedido de realização de perícia técnica. Com efeito, passados mais de dois anos do acidente, mostrava-se realmente impraticável apurar-se, via perícia, se o autor utilizava ou não o cinto de segurança no momento do acidente. Destarte, a decisão que indeferiu a realização de prova pericial para tal fim reveste-se de legalidade, razoabilidade

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e proporcionalidade. Inocorrência de ofensa ao inciso LV do artigo 5º da Carta Magna. Tal matéria já havia sido enfrentada nos embargos de declaração (f. 1319), igualmente de forma motivada. Ressalte-se que em nenhum ponto dos recursos desconstituíram as rés o raciocínio desenvolvido na r. sentença, que se baseia também no fato de que o veículo acidentado já teria sido submetido ao necessário conserto mecânico e devolvido à atividade, o que corrobora a inutilidade da prova técnica e a impraticabilidade da verificação pretendida. A certeza da correção dessa argumentação alberga-se na prova emprestada (depoimento prestado pela testemunha Gilson Cesar Nogueira, termo de f. 1253, afeto aos autos 003122004-068-03-00-3, juntado aos presentes autos a pedido das reclamadas Shell e Mandel, termo, f. 1248), a saber:

impossibilidade de apuração pela prova pericial, cumpre não se olvidar de um fato que afasta o eventual não-uso do cinto do iter, do nexo entre o acidente e as lesões no autor, que as sofreu exatamente pela entrada de óleo na cabine. Portanto, o uso do cinto, mantendo-o preso na cabine, não o livraria das lesões. Evidencia-se, pois, o acerto da decisão diante da inutilidade da diligência, constatada a partir do raciocínio preciso acerca da impossibilidade de apuração, via perícia, tanto da utilização ou não do cinto segurança quanto das condições do veículo, já reparado e em funcionamento. Mesmo porque uma perícia no veículo dois anos após o acidente não teria o condão de afastar alteração no estado de fato. Não haveria certeza alguma do que eventualmente fosse apurado na pretendida perícia. Rejeito.

...o depoente já trabalhou com a carreta mencionada, inclusive recentemente, considerando que houve a recuperação da carreta.

2.4 - Preliminar de nulidade da decisão recorrida em razão de pronunciamento judicial extra petita

Cumpre acrescentar que a prova emprestada produzida pelas próprias reclamadas Shell e Mandel tornou completamente desnecessária a realização de perícia para se aferirem as condições de segurança da carreta dirigida pelo autor. Dentre as contundentes declarações contidas na prova emprestada, produzida, repita-se, pelas próprias rés supracitadas, observa-se, além de outras também importantes e excludentes da necessidade de prova pericial, a seguinte: “...o tanque de combustível não era dotado de válvula de segurança...” (f. 1253). Quanto ao uso ou não do cinto de segurança, além da

No recurso, item n. 4.3.1 (f. 1342/ 1344), argumenta a recorrente Shell que o órgão judicante teria criado uma nova causa de pedir (a recorrente seria responsável pelo adimplemento dos direitos reconhecidos em prol do autor por ser a fornecedora do produto transportado quando do acidente). Na realidade, prossegue a recorrente, como denota a inicial (f. 23, n. II, causa de pedir), a causa de pedir apontada pelo autor consiste na responsabilidade derivada da contratação de empresas inadequadas ao transporte de óleo combustível. Alega lesão aos artigos 128 e 460 do CPC. A presente prefacial tem consonância com a tese defendida na defesa (f. 264/265).

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No escólio de Délio Maranhão e João de Lima Teixeira Filho: A sentença deve ser proferida dentro dos limites do pedido e da contestação. Se não o fizer, o julgamento será ultra, extra ou citra petita, isto é, além, fora ou aquém do pedido. Em tais casos, a decisão será nula, sendo que, se houver julgado ultra petita, naquilo em que exceder do pedido. (SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas e TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de direito do trabalho, LTr, v. 2, p. 1374) In casu, na análise da inicial, observa-se a dedução de pedido de responsabilização solidária das reclamadas (no caso específico da Shell, em razão de sua imprudência e negligência, f. 10, n. 11) com supedâneo no artigo 186 do Código Civil (f. 17, n. II, 19), pelo transporte de carga perigosa em veículo inadequado (f. 23). Ao contrário das alegações da recorrente, o fato “fornecimento pela Shell dos produtos transportados” consta da petição inicial e é incontroverso nos autos. Se a responsabilidade da argüente, quanto aos direitos reconhecidos em favor do autor, pode ou não ser fixada com apoio no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor ou em outro diploma legal, é matéria de mérito e será oportunamente enfrentada. Por ora, cumpre asseverar que a sentença guerreada não se funda exclusivamente no fato de ser a Shell a produtora/fornecedora do óleo combustível, mas também no fato da

preponderante participação dela no transporte do combustível, ditando instruções e regras, manifestando a sua aprovação para o transporte (inclusive, quanto ao veículo acidentado, o que teria configurado, segundo o autor, conduta negligente ou imprudente). Acrescente-se que a petição inicial perfilha a tese da responsabilidade solidária, ainda que por dispositivo legal diferente, o que é irrelevante, bastandolhe dar os fatos, que não se invalidam pela equivocada capitulação legal. Logo, não há que se falar em sentença fora do pedido. Em arremate, impõe-se dizer que, se o julgador, quando da entrega da tutela jurisdicional, entendeu não ser o caso de responsabilidade solidária das rés com supedâneo no artigo 186 do CCb, mas no artigo 942 do mesmo Diploma Legal (sentença, f. 1269/1270), tal raciocínio, além de lógico, nada tem de ilegal ou de antijurídico. Como é cediço, cabe à parte narrar o fato e ao juiz dizer o direito: narra mihi factum, dabo tibi jus. Mais à frente, no item n. 4.7.1 (f. 1360), assevera a recorrente ter o reclamante deduzido na inicial (f. 24, “a”) o pleito de auferimento de uma indenização compensatória decorrente de uma eventual perda de renda mensal (considerando os valores percebidos da Previdência Social). No entanto, sem que providenciasse a juntada de prova documental hábil a atestar a alegada perda de renda, foi deferida em primeiro grau uma indenização por dano material jamais requerida (qual seja, uma pensão mensal de um salário mínimo, com o acréscimo anual de 15%). Alega, portanto, ofensa aos artigos 128 e 460 do CPC, bem como ao inciso IV do artigo 7º da Constituição da República também no tocante a essa indenização compensatória.

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Na inicial (f. 24, “a” e “b”) alegou o reclamante ter sofrido em razão do acidente um achatamento salarial (na ativa, auferia R$908,56 mensais; com o benefício previdenciário auxíliodoença, passou a receber a importância de R$656,00 por mês). A aludida redução se projetará em relação ao autor e sua família por mais quarenta e cinco anos (considerando o tempo de vida provável do reclamante, conforme as estatísticas do IBGE). E, prossegue o autor na petição inicial, em razão do acidente, não terá meios de progressão funcional, o que refletirá em sua renda anual à base de 15% (quinze por cento). Portanto, resta induvidosa a formulação de pedido da indenização material ora vergastada. Veja-se inicial, f. 27, n. 23. Como se vê, ao contrário dos argumentos da recorrente, a indenização deferida na origem, de natureza material, guarda relação direta com a causa de pedir e pedido (sentença, f. 1270, antepenúltimo parágrafo) mesmo que, equivocadamente, em sede de decisão de embargos de declaração, tenha-se afirmado o contrário (f. 1318, in fine c/c f. 1319, primeiro parágrafo). Outrossim, ainda que não tenha sido alegada extrapolação do pedido quanto à idade-limite de auferimento da pensão mensal pelo autor, diga-se, en passant, que a limitação adotada na sentença foi até favorável. O reclamante nasceu em 20.07.1972 (vejam-se os documentos de f. 44). Hoje, no Brasil, em algumas regiões, v.g., o Sul e o Sudeste do país, a expectativa de vida até ultrapassa o limite de sessenta e cinco anos de idade, adotado como parâmetro na inicial, chegando a 69/70 anos. Houve produção, por outro lado, de prova da alegada redução salarial (veja-se o laudo pericial médico, f. 1008, resposta ao quesito n. 06 - formulado

pela própria argüente Shell, f. 1007). O montante percebido a título de aposentadoria por invalidez é até inferior àquele percebido como auxílio-doença, que embasa a inicial, qual seja, R$564,14. A sua aposentadoria por invalidez foi concedida pelo INSS na data de 22.10.2004 (documento de f. 1047). Descabe, assim, falar em julgamento fora do pedido no presente tópico. Finalmente, nos itens n. 4.7.3 (f. 1361) e 4.7.4 (f. 1362), ao argumento de que o autor teria pedido um plano de saúde adequado (f. 24/25, letra “d”), argumenta a ré Shell ter o julgamento a quo ofendido os artigos 128, 459 e 460 do CPC, ao deferir o custeio pelas reclamadas de todas as despesas com tratamentos médicos, internações, laboratórios e remédios, exclusivamente em instituições particulares, com a exclusão do SUS, tratando-se de condenação ilíquida. E se não bastasse, prossegue a recorrente, o custeio de cirurgias (não recomendadas pelo próprio perito nomeado pelo juiz e sequer mencionadas na inicial, onde se buscou a sua apuração em liquidação de sentença) configura também hipótese de condenação ilíquida. Com efeito, a pretensão deduzida na inicial não é líquida: f. 24 e 25, “d”, “e” e “f”. Os gastos e as despesas não se encontram limitados. Na sentença (f. 1270/1271), devidamente complementada em sede de decisão de embargos declaratórios (f. 1320), embora tenha sido deferida a pretensão, houve uma limitação, no que se refere às despesas hospitalares, ao montante de R$160,00, nos três primeiros meses seguidos ao acidente e ao valor de R$600,00 nos subseqüentes até a data de ajuizamento da presente ação. E, quanto às demais despesas, limitou-se o ressarcimento

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àquelas que guardassem relação com o acidente sofrido. Ainda que o pleito inicial não seja líquido, tal fato pouca importância tem no caso concreto. A uma, porque não se trata de ação sujeita ao rito sumaríssimo e, a duas, a sentença tem de ser clara, ainda que ilíquida, uma vez que o quantum a ser pago em favor do autor da causa pode ser perfeitamente apurado em sede de liquidação de sentença. Mantenho a sentença, pois se está diante de uma situação de fato continuativa. Não se pode exigir que a parte ajuíze nova ação em todo momento que comprar um medicamento. O parágrafo único do artigo 459 do CPC giza: Artigo 459 [...] Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida. A sentença deferiu tão-somente o que foi postulado na inicial, nada mais (vide f. 24/25, “c” a “e”). Nesse sentido, sentença, f. 1270, dois últimos parágrafos c/c f. 1271, dois primeiros parágrafos, devidamente complementada pela decisão dos embargos de declaração (f. 1320). Não houve sentença fora do pedido, porém, ilíquida. O quantum debeatur será apurado oportunamente, em liquidação de sentença, como igualmente requerido na petição inicial (f. 27, n. 23). Além do mais, no pertinente ao parágrafo único do artigo 459 do CPC, a iniciativa de alegação de seu eventual desrespeito tem que partir do reclamante e não da reclamada, como na espécie, faltando à última interesse processual para tanto.

A jurisprudência emanada do Colendo STJ corrobora o entendimento ora sufragado, in verbis: Não se deve decretar nulidade da sentença na hipótese contemplada no CPC 459, parágrafo único, haja vista que tal pronunciamento contribuiria para retardar a prestação jurisdicional, contrariando o princípio da celeridade, principal objetivo da norma. Ademais, somente o autor poderia argüir eventual nulidade, de conteúdo relativo. (JSTJ 52/184 - No mesmo sentido: STJ, 4ª Turma, REsp 145246-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 18.08.1998, v.u., DJU 03.11.1998, p. 149 in NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante, Editora Revista dos Tribunais, 9ª edição, atualizada até 01.03.2006, p. 583, item n. 4, casuística) Segundo a jurisprudência desta Corte, não estando o juiz convencido da procedência da extensão do pedido certo formulado pelo autor, pode reconhecer-lhe o direito, remetendo as partes para a liquidação. Interesse recursal em argüir a nulidade da decisão restrito ao demandante. (STJ, 4ª Turma, REsp 162.194SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 07.12.99, não conheceram, v.u., DJU 20.03.00, p. 76) ... in NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil e legislação processual em vigor,

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Editora Saraiva, 35. edição, p. 473, nota n. 12. Nas ações de indenização por ato ilícito, quando não se conhece o quantum debeatur, admite-se o pedido genérico (v. art. 286-II, especialmente nota 6ª). Todavia, ainda que o autor formule pedido certo, pode o juiz proferir sentença ilíquida: “Nas ações de indenização por ato ilícito, o valor estipulado na inicial, como estimativa da indenização pleiteada, necessariamente, não constitui certeza do quantum a ressarcir, vez que a obrigação do réu, causador do dano, é de valor abstrato, que depende, quase sempre, de estimativas e de arbitramento judicial. Montante da indenização há de ser apurado mediante liquidação de sentença.” (STJ, 3ª Turma, REsp 136.588RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, ... DJU 01.06.98, p. 85)... in NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil e legislação processual em vigor, Editora Saraiva, 35. edição, p. 473, nota n. 10, o destaque está no original. Rejeito. 3 - Mérito 3.1 - Do acidente - Da indenização por dano moral e por dano material - Responsabilidades Antes de se adentrar propriamente o exame da controvérsia devolvida a esta Corte revisora,

impõem-se alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, o acidente. Na leitura da inicial (f. 04, n. 01 c/c f. 07, n. 06), toma-se ciência da data do sinistro: 08.07.2003, enquanto o boletim de ocorrência da Polícia Rodoviária (f. 50/ 51) aponta o dia 07.07.2003. Pequena discrepância, insuficiente para alterar as decorrentes conclusões jurídicas. Na referida data conduzia o reclamante um veículo tipo carreta, transportando óleo combustível 7A, à temperatura de 150 graus centígrados. Em determinado momento da viagem, ao tentar desviar de dois veículos que vinham em sentido contrário da pista, um tentando ultrapassar o outro, com o intuito de evitar um choque frontal, direcionou o autor o seu caminhão para o acostamento da pista. Todavia, em razão da existência de defeitos na estrada (não especificados na inicial), o caminhão veio a tombar, acarretando o rompimento da tampa da válvula de carregamento do tanque reboque e, em conseqüência, o derramamento do óleo que, ao invadir a cabine onde se encontrava o motorista, causou-lhe as lesões que culminaram com sua aposentadoria por invalidez. O boletim de ocorrência da Polícia Rodoviária Federal (f. 50/51) segue na mesma toada, indicando também, como sobredito, ter o acidente ocorrido em 07.07.2003 e não em 08.07.2003. Foram igualmente identificados a marca e o modelo do caminhão conduzido pelo reclamante, qual seja, um caminhão da marca Scania, modelo T124, como consta do boletim de ocorrência. Ou um Scania modelo T34, conforme depoimento da testemunha Márcio Soares Macedo, termo, f. 1249. A rodovia onde ocorreu o sinistro é a BR-116, no município de Sapucaia-RJ. Nenhuma testemunha presenciou o acidente.

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As fotos relativas ao acidente podem ser vistas às f. 569/570 (3º volume dos autos). Em segundo lugar, o dano. Da análise do documento de número 10, trazido às f. 236/239, infere-se, pelo exame das fotografias, a extensão das lesões mencionadas, inclusive, no laudo pericial (f. 1004). Tanto é verdade que o dano existe, com o acarretamento da incapacidade laborativa, que o autor veio a ser aposentado pela Previdência Social. Nesse sentido: laudo pericial médico, f. 1008, resposta ao quesito n. 06; documento de f. 1047. Quanto à extensão do dano, reporto-me à r. sentença recorrida. Em terceiro lugar, o nexo de causalidade. Em que pese a afirmação do louvado, contrariamente à do INSS, no sentido de não se encontrar o reclamante incapacitado para o trabalho, não obstante a constatação de seqüelas (laudo, f. 1005, resposta aos quesitos n. 1 e 2, formulados pela ré Mandel; laudo, f. 1008, resposta ao quesito n. 07, apresentado pela ré Shell; laudo, f. 1010, respostas aos quesitos ns. 1 a 5 apresentados pelo autor; laudo, f. 1013, resposta ao quesito n. 09, formulado pela reclamada Transcardoso), a concessão pela Previdência Social da aposentadoria por invalidez na data de 22.10.2004 (f. 1047), em data anterior à entrega do laudo em juízo (f. 1003, protocolo datado de 17.10.2005), constitui forte elemento probatório quanto à incapacidade do autor. Se a perícia médica do INSS constatou a existência de nexo causal, ponto final. Nada mais há a ser discutido a esse aspecto nos autos. Essa é a linha de entendimento que prevalece na Egrégia 4ª Turma deste Tribunal. Ressalva-se o entendimento deste Relator. É que, a

meu ver, data venia, tanto o laudo pericial negativo do INSS quanto o positivo podem ser amplamente discutidos em ação trabalhista, na qual o juiz pode, nas razões de decidir, desconsiderar a presunção relativa decorrente do laudo da autarquia e adotar aquela que deflui do laudo pericial produzido em juízo. Precedentes da Egrégia 4ª Turma: EMENTA: DANO MORAL PERÍCIA MÉDICA DO INSS NEXO CAUSAL. Se o empregado foi aposentado por invalidez em decorrência de doença ocupacional (acidente do trabalho), a questão não pode mais ser discutida na Justiça do Trabalho, sendo inaceitável a conclusão do laudo pericial que nega o nexo causal entre a doença e prestação de serviços. Sem a verificação desse, não teria sido possível ao autor se aposentar junto à Previdência Social. (TRT-RO-0293-2005-056-03-006-RO, Juiz Relator: Júlio Bernardo do Carmo; Juiz Revisor: Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello; DJMG 18.03.2006) EMENTA: DANO MORAL DECORRENTE DE DOENÇA PROFISSIONAL. Independe de prova a existência do dano moral decorrente de acidente do trabalho ou de doença profissional que acarreta a aposentadoria do empregado por invalidez. Quanto à verificação da existência do nexo entre a doença e a atividade exercida pelo empregado na empresa, a perícia médica

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realizada pelo INSS deve prevalecer sobre aquela realizada por perito nomeado pelo juiz. Provando-se ato culposo praticado pelo empregador que contribuiu, efetivamente, para que o empregado viesse a ser acometido pela doença ocupacional, deve ele pagar-lhe indenização pelo dano moral verificado. (TRT-RO-19705/00; Juiz Relator: Luiz Otávio Linhares Renault; Juiz Revisor: Júlio Bernardo do Carmo, MG. 27.01.01, p. 17) Na mesma toada: TRT-RO-7315/00, Relator Juiz Luiz Otávio Linhares Renault, 4ª Turma., MG. 21.10.00; TRTRO-13985/02, 4ª Turma, Rel. Juiz Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, etc. De qualquer sorte, os demais elementos dos autos confirmam o laudo do INSS. Os danos acarretados ao autor são muito graves, como se vê na síntese a que procedeu o d. julgador de primeiro grau. O nexo causal é evidente, pelo vazamento sobre o autor do óleo a 150 graus centígrados, por não ter o tanque a válvula de segurança, conforme a prova emprestada produzida pelas próprias rés Shell e Mandel (f. 1253). De outro lado, com a invalidez decretada pelo INSS, o reclamante encontra-se excluído do mercado de trabalho. Se trabalhar, perde a aposentadoria. A invalidez decretada o exclui do mercado de trabalho. Destarte, resta configurado o dano material, independentemente do laudo judicial contrário quanto à incapacidade. O dano moral decorre das terríveis dores suportadas pelo autor e das deformidades físicas, conforme corretamente apontado na r. sentença.

Em quarto lugar, a impertinência da apuração da culpa exclusiva ou concorrente do reclamante no acidente (como, por exemplo, a superada questão do uso ou não do cinto de segurança pelo autor quando do acidente), assim como do exame do veículo para saber se ele era adequado ou não ao transporte do óleo combustível, nos termos com que se apreciou a preliminar n. 2.2, onde a questão foi esgotada, em face da aplicabilidade do inciso III do artigo 420 do CPC. Era impossível a apuração em prova pericial, e a prova oral não socorre as reclamadas. Esta, aliás, demonstra cabalmente que o tanque era desprovido de válvula de segurança e exatamente por ali, pelo local da tampa, onde devia ser instalada a válvula, vazou o óleo, que atingiu o corpo do autor. Simile modo, no que se refere à apuração de eventual responsabilidade do Estado ou da concessionária da rodovia na ocorrência do sinistro, em razão do “péssimo estado de conservação da rodovia BR-116”. Somente as pessoas físicas e jurídicas que gravitam em torno do contrato de trabalho ou celebram contratos dos quais decorre o contrato de trabalho sujeitam-se à jurisdição da Justiça do Trabalho. Não é o caso do Estado, que é estranho ao contrato de trabalho subjacente. Não que o Estado seja adrede excluído de qualquer responsabilidade e sim que essa controvérsia residual estaria à margem do âmbito de competência da Justiça do Trabalho, como se infere do exame do artigo 114 da CF. Destarte, é possível ação regressiva em face do ente estatal e/ou da concessionária, no caso a Concer (f. 1416, penúltimo parágrafo). Porém, em outro ramo do Poder Judiciário, conforme acórdãos citados

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pela ré Mandel (apelo, f. 1416). Ademais, a conduta ilícita imediatamente causadora do dano, o transporte em tanque inadequado de óleo a 150 graus centígrados são estranhos ao Estado e à concessão da rodovia. Passo agora ao exame das questões devolvidas à instância ad quem. É de bom alvitre apurar desde logo qual a responsabilidade a ser imputada a cada uma das reclamadas no caso concreto. Na inicial (f. 04, n. 01) narrou o autor ter a reclamada Shell contratado a reclamada Transtassi para realizar o transporte do óleo combustível por ela fornecido. Referida empresa, por sua vez, subcontratou a empresa Transcardoso para tal mister que, logo após, subcontratou a empregadora do reclamante, a ré Mandel. A CTPS aponta a data da admissão na empresa Mandel como sendo o dia 01.06.2003 (f. 37). O documento de número 08 dos autos (comunicação datada de 16.01.1998, remetida pela empresa INPA - Indústria de Embalagens Santana S/A à Shell Brasil, f. 381/382) comunica a contratação pela INPA da empresa transportadora de combustíveis Transrenato Ltda., para o transporte dos combustíveis fornecidos pela distribuidora Shell. Conforme item n. 02 do referido documento, a responsabilidade da Shell termina no momento em que o caminhão da transportadora deixar as suas dependências. Outrossim, a Transrenato, como emerge do item n. 03, tinha ciência de que devia manter os seus veículos sempre dentro dos padrões de segurança exigidos pelas leis, normas e regulamentos, podendo a Shell se recusar a carregar o veículo na hipótese de risco à segurança.

Do exame do protocolo de compromisso para a prestação de serviços de transporte de derivados de petróleo (documento n. 09, datado de 21.01.1998, f. 384/389) celebrado pela INPA com a empresa transportadora Transrenato, extrai-se que o transporte dos derivados de petróleo seria realizado na conformidade das instruções e regulamentos emanados da Shell (item n. 01) e eram retirados nos locais onde a produtora Shell definia ou autorizava (item n. 03). O item n. 02, “d”, f. 390, deixa claro que era a Shell quem indicava a transportadora a ser escolhida. Note-se o documento de f. 402/ 404, elaborado pela empresa Shell e remetido ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro-RJ, datado de 01.08.2003 (relativo ao inquérito civil público que visava à apuração de eventual dano ambiental relativo ao acidente noticiado na inicial, no KM 34 da rodovia Rio-Bahia, no município de Sapucaia, f. 397). Tal documento, subscrito pela Shell, noticia ter a INPA contratado para o transporte do óleo combustível a empresa Transrenato, que, por sua vez, subcontratou a transportadora Transcardoso, proprietária do veículo acidentado (e conduzido pelo reclamante). A Shell celebrou com a empresa Transtassi, na data de 25.09.1987 (f. 464), um contrato de prestação de serviços de transporte rodoviário, a granel, de derivados líquidos de petróleo e álcool (f. 452, cláusula primeira). Pelo que reza esse contrato, a Shell tinha o poder de determinar a substituição dos carros-tanques incompatíveis ou impróprios para a execução do serviço (f. 454, “i”). Era a Shell quem igualmente estabelecia as regras para o carregamento, transporte e descarga de produtos (f. 454, “d”). Definia também

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os critérios dos exames clínicos e psicológicos a que seriam submetidos os motoristas a serem contratados pelas empresas transportadoras. Ainda, segundo o contrato citado, podia, imiscuindo-se nos contratos de trabalho de empregados das transportadoras, impor a imediata suspensão dos motoristas destas (f. 455, “o” e “s”). Embora a Transtassi não se inclua no pool entre as transportadoras e a empregadora do reclamante, seu contrato com a Shell evidencia as regras vigentes para os demais contratos da Shell com as outras transportadoras. O documento de f. 446/449, datado de 07.10.2003, trata de termo de ajuste ao contrato de prestação de serviços de transporte firmado pelas rés Transtassi e Shell, tendo ocorrido a resilição contratual em 15.01.2004, f. 450, o que é reforçado pela comunicação enviada pela Shell à Transtassi em 16.12.2003, f. 450. Como se vê, a Shell comanda as cadeias contratuais cujo objeto é o transporte de combustível no território nacional. As cadeias contratuais variam. No caso dos autos, a cadeia contratual era a seguinte: Shell, Transrenato, Transcardoso, Mandel e INPA. Esta e a Transrenato não constam no pólo passivo da ação. Em se tratando de pretensão de responsabilidade solidária, não há necessidade de todos os responsáveis constarem como réus, podendo o credor cobrar de todos, de um ou de parte dos devedores. Passemos à análise das provas e das normas aplicáveis para aferição da responsabilidade das rés. A prova oral trouxe à baila o fato de que o Sr. Adir, sócio da Transcardoso (que contratou a Mandel, empregadora do reclamante, e integrante do mesmo grupo econômico; o Sr. Adir era também sócio da empresa Mandel, conforme

prova testemunhal), prestava serviços à empresa Transtassi (depoimento da testemunha Márcio Soares Macedo, termo, f. 1249, ouvida a rogo das rés). Vale dizer, a empregadora do reclamante prestava serviços para a Transcardoso, que prestava serviços para a Transtassi, que prestava serviços para a Shell. Essa cadeia de serviços correspondia ao trabalho de cada motorista. O serviço era um só: transportar o combustível do estabelecimento da Shell até o adquirente. Todas essas empresas celebravam contratos entre si, os quais versavam sobre o trabalho do motoristaempregado da última contratada. Todavia, deixe-se bem claro desde logo que, no acidente que vitimou o autor, a empresa Transtassi não teve nenhuma culpa nem participação no evento. Quem comprou o inflamável da Shell foi a empresa INPA que, para fins de transporte, contratou a empresa Transrenato que, por sua vez, subcontratou as reclamadas Transcardoso e Mandel. Veja-se o depoimento da testemunha apresentada pelas rés: que o depoente trabalha para Transtassi desde 1978; referida empresa explora o transporte rodoviário de cargas; a ré transporta inclusive combustíveis para uso industrial; Adir, sócio da Mandel, prestava serviços à Transtassi; ... a Transcardoso não prestou serviços à Transtassi; o depoente ouviu dizer que a Shell rompeu contrato com a Transrenato, em virtude do acidente noticiado na inicial, esclarecendo que Adir, sócio da Mandel, prestou (...omissis) à Transrenato; Transtassi começou a

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transportar combustíveis para a INPA após o acidente descrito na inicial... (testemunha empresária Amir Xavier Martins, termo, f. 1249) A testemunha empresária Rafael Ribeiro Campos (prova emprestada, termo, f. 1254/1255) declarou que Transcardoso e Mandel apanharam em subcontratação o transporte de combustível da Transrenato; o depoente acha que Mandel e Transcardoso são do mesmo grupo econômico ou a mesma empresa, mas não tem certeza... Esclarecedor o depoimento da testemunha Gilson Cesar Nogueira (prova emprestada, termo, f. 1253, carreada aos autos a pedido das reclamadas Shell e Mandel, termo, f. 1248). Veja-se que o aproveitamento da prova emprestada se deu a requerimento das reclamadas Shell e Mandel. Se as reclamadas requereram a juntada de cópia do depoimento, obviamente anuíram com o seu inteiro teor. Digna de nota a firme declaração de que o tanque não era dotado de válvula de segurança. Porque oportuno, transcrevo o depoimento, verbis: ...o depoente já trabalhou com a carreta mencionada, inclusive recentemente, considerando que houve a recuperação da carreta; ...o tanque de combustível não era dotado de válvula de segurança; ... o depoente tem quase certeza que a carreta que o autor trabalhava no dia do acidente contém seis parafusos no lacre de entrada do combustível; normalmente a

carreta para transporte de combustível tem um dispositivo que não permite a violação da tampa do reservatório em caso de tombamento, dispositivo que a carreta com a qual trabalhava o autor não tinha; a carreta hoje continua sem o dispositivo antitombamento, embora tendo passado pelo check-list da Shell; embora seja exigido o dispositivo antes mencionado para transporte de combustível para a Samarco, a carreta, como disse antes, continua sem o referido dispositivo... A testemunha Rafael Ribeiro Campos, ouvida a rogo da Shell, empregado desta e ocupante do cargo de Consultor de Negócios Industriais desde o mês de julho de 2002, malgrado sua declaração final de que a sua empregadora não permitiria o transporte de combustível em veículo não apropriado, não se pode olvidar de que afirmou também o seguinte, verbis: “...não tem certeza, mas acha que o veículo no qual houve o acidente com o autor fora vistoriado pela Shell” (termo, f. 1254/1255). Portanto, emerge do conjunto probatório o seguinte: a contratação da empresa Transrenato (e não da empresa Transtassi) pela empresa INPA de Pirapetinga-MG, visando ao transporte dos produtos fabricados pela empresa Shell. No desempenho de seu mister, a Transrenato subcontratou as empresas Mandel (empregadora do autor) e Transcardoso (proprietária do veículo acidentado), integrantes, as duas últimas empresas, do mesmo grupo econômico (§ 2º do artigo 2º da CLT) como emergiu da prova testemunhal. Tal fato foi confessado pela ré Shell (comunicação remetida ao

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parquet do Estado do Rio de Janeiro, f. 402/404) e pela empresa INPA (comunicação enviada à Shell, f. 405/ 406) que não integra a lide. Após o acidente com o reclamante, a empresa INPA rompeu o contrato com a Transrenato (que também não se encontra incluída no pólo passivo da demanda) e celebrou contrato com a reclamada Transtassi, com o mesmo objeto daquele pactuado antecedentemente com a ré Transrenato. O controle da Shell sobre as transportadoras, seus empregados, veículos é total, a exemplo do que demonstra o contrato com a Transtassi. Como visto em linhas transatas acerca da cadeia de contratos comumente celebrados a partir da Shell, esta exerce o comando sobre todos os contratos celebrados para a entrega final de seu produto. O papel da empresa Transtassi neste feito, conforme inicial (f. 05, n. 03) foi o da realização do treinamento do reclamante para o transporte de inflamáveis (v.g., óleo combustível), a pedido da empregadora Mandel e, em seguida, de efetuar o seu credenciamento junto à reclamada Shell. Daí a existência da carteira de f. 44 dos autos (que deve ser analisada frente-e-verso, isto é, de um lado consta o nome da Transtassi, de outro, o motivo pelo qual ela ali figura, qual seja, a sua participação no treinamento do autor para o transporte rodoviário de produtos perigosos, o que deu origem à emissão do certificado de participação). O autor não prestou serviços em seu favor nem ela foi contratada pela empresa INPA para o transporte do óleo, mas, sim, a empresa Transrenato, que, por sua vez, subcontratou as reclamadas Transcardoso e Mandel. Sabe-se, ainda, que, na época do acidente, a empresa

Transtassi não fazia a rota que o autor cumpria (depoimento testemunha empresária Amir Xavier Martins, termo, f. 1249/1250). É incontroverso que o reclamante, no dia do acidente, fazia o transporte de combustível da Shell para a INPA de Pirapetinga-MG (depoimento da testemunha Gilson Cesar Nogueira, primo do reclamante e que já dirigiu, antes e após o sinistro, o veículo Scania, prova emprestada, termo, f. 1253). Lembre-se de que o depoimento do primo do reclamante fora aproveitado a pedido das rés Mandel e Shell (conforme termo de audiência de f. 1248). Logo, irrefutável por elas. A culpa da empregadora, a empresa Mandel, emerge cristalina. Conforme as declarações da testemunha Gilson Cesar Nogueira, prova apresentada pelas mencionadas rés (f. 1253), a empregadora permitiu que o autor conduzisse veículo desprovido do dispositivo que impediria o vazamento do óleo quente (150 graus centígrados). A falta desse dispositivo (válvula de segurança) restou demonstrada pela prova produzida pelas rés Shell e Mandel. A inexistência de tal válvula no tanque acarretou o vazamento do óleo e sua penetração na cabine, atingindo o autor gravemente. E, o que é pior, mesmo após o grave acidente e os reparos posteriores, o caminhão continua em operação sem a válvula de segurança, conforme a prova produzida pelas próprias rés mencionadas. Outra conduta culposa da empregadora consistiu na falta de treinamento específico, ao argumento de o autor ter participado de treinamento na empresa Transtassi (depoimento do seu representante legal, Sr. Adir, prova emprestada, termo de f. 1251 c/c sentença, f. 1267, quarto parágrafo). O treinamento da Transtassi visava ao transporte de outro tipo de

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combustível (o do óleo combustível 7A, que a Shell vendia para uma outra cliente, a empresa Samarco Mineração, com sede em Anchieta-ES, ao passo que o autor transportava óleo combustível quente, elevado à temperatura de 150ºC, denominado A4, mais grosso que o anterior, usado pela empresa INPA, como emerge do recurso ordinário da Transtassi, f. 1282; comunicação remetida pela Shell ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, f. 403. É clarividente que o transporte de combustível a tal temperatura exige treinamento específico. O autor admitiu já ter realizado o transporte dos dois tipos de óleo combustível (inicial, f. 05, n. 02) que, evidentemente, exigia treinamento específico. De qualquer sorte, o treinamento específico pressupõe a adoção dos mecanismos de segurança, inclusive a citada válvula. Não instalada no veículo, tornar-se-ia inócuo qualquer cuidado técnico do motorista. E aqui vale ressaltar que, mesmo que o autor não usasse o cinto de segurança, não se excluiria a culpa exclusiva das rés, pois o não-uso do cinto (não provado pelas rés) não tem pertinência com os danos por ele sofridos, causados pelo fato de o óleo quente ter vazado e atingido o autor na cabine. Vejam-se as fotos do acidente e das lesões sofridas pelo reclamante (f. 569/570 e 236/239, respectivamente). Configurada, pois, a culpa in vigilando da empregadora. Do mesmo modo, tem-se por caracterizada a culpa in vigilando da empresa Transcardoso, integrante do mesmo grupo da empregadora do autor, a empresa Mandel, e proprietária do veículo acidentado, fatos incontroversos. Quanto à Shell, na execução dos contratos de venda e transporte dos

combustíveis, mostrava-se ciente de suas responsabilidades, pois não basta vender óleo combustível aquecido a 150º centígrados e colocar em qualquer caminhão que estacione em seu pátio. Tanto é assim que assumia a obrigação de fiscalizar os caminhões e até punir os empregados das transportadoras. (f. 381/382, item n. 03; f. 384/390, itens ns. 01, 02 e 03; f. 454/455, letras “d”, “i”, “o” e “s”). Com efeito, a Shell exercia, exerce e deve exercer mesmo o controle absoluto sobre as empresas transportadoras e seus empregados, no tocante ao transporte de seus produtos. Não se concebe atualmente que a empresa se limite a cumprir formalmente a sua parte nos contratos que celebra. É mister que se monitorem os reflexos dos seus contratos na sociedade, mormente aqueles incidentes sobre os contratos interligados às suas atividades. É nesse contexto que a Shell, nos limites das normas legais vigentes, fiscaliza e dita as regras para a segurança no transporte dos produtos que distribui. Afinal, após a fase de exploração, a distribuidora de combustíveis é a gênese da cadeia distribuidora, passando pelas transportadoras, pelo comércio varejista, até o consumidor final. In casu, a Shell tem responsabilidade direta, na medida em que deixou de cumprir a sua função social nos contratos de exploração de petróleo e distribuição de seus derivados. A empresa que recebe do Estado a concessão para exploração de petróleo tem como uma de suas funções sociais velar pela segurança no transporte dos respectivos produtos. A Shell, na hipótese vertente, mostrou-se negligente, na medida em que agiu de modo irresponsável ao acondicionar

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óleo combustível com temperatura de 150ºC em veículo cujo tanque era desprovido de válvula de segurança, conforme a prova emprestada produzida, inclusive, a seu pedido (f. 1253). É fato público e notório que a Shell é uma das empresas privadas que exploram petróleo nas bacias sedimentares brasileiras, procedendo, inclusive, à distribuição de seus derivados. Os contratos de concessão celebrados entre a União e a Shell seguem, evidentemente, as normas inscritas no art. 177 da Constituição Federal e na Lei do Petróleo (Lei n. 9.478/97). Como é cediço, procede-se a uma licitação seguida da outorga da concessão à empresa vencedora, mediante contrato administrativo. O teor do contrato é conhecido pelos licitantes, pois todo edital contém a sua minuta. As cláusulas do contrato de exploração de petróleo devem observar os princípios e as cláusulas essenciais estabelecidos pela lei. A Lei do Petróleo, além das cláusulas essenciais elencadas nos incisos do art. 43, prescreve o seguinte no art. 44, I e V, verbis: Art. 44. O contrato estabelecerá que o concessionário estará obrigado a: I - adotar, em todas as suas operações, as medidas necessárias para a conservação dos reservatórios e de outros recursos naturais, para a segurança das pessoas e dos equipamentos e para a proteção do meio ambiente; [...] V - responsabilizar-se civilmente pelos atos de seus prepostos e indenizar todos e quaisquer danos decorrentes das atividades

de exploração, desenvolvimento e produção contratadas, devendo ressarcir à ANP ou à União os ônus que venham a suportar em conseqüência de eventuais demandas motivadas por atos de responsabilidade do concessionário. (grifei) A Shell não é apenas distribuidora de derivados de petróleo, mas uma concessionária de atividades que constituem monopólio da União (art. 176 da CF). Suas responsabilidades são muito grandes, independentemente da função social exigível na generalidade dos contratos. Vale dizer, além da função social geral, a empresa à qual se outorga a exploração de petróleo deve velar pela otimização de seus trabalhos, sem se descurar jamais dos fundamentos e princípios da República Federativa do Brasil. Seus misteres devem guiar-se pela tábua de valores esculpida na Constituição. Pelo que, além de implementar a função social na celebração e execução de seus contratos, deve, ao lado de seus objetivos econômicos, cumprir o princípio da função social da propriedade e o fundamento da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 170 e inciso III do art. 1º da Constituição, respectivamente). Como decorrência do contrato de exploração, o petróleo extraído passa a ser de propriedade da concessionária. É o que dispõe o art. 26 da citada Lei do Petróleo, verbis: Art. 26. A concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco,

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conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais correspondentes. (grifei) Nesse contexto, é inaceitável que uma empresa particular, exercendo atividade de monopólio estatal e obtendo bens próprios do Estado, utilize-os de maneira irresponsável. Afasta-se da função social da propriedade e do contrato, bem como do fundamento republicano da dignidade da pessoa humana a empresa concessionária que, de modo irresponsável, extrai o petróleo e distribui seus derivados, carregando caminhões-tanques desprovidos de dispositivos de segurança. Na hipótese vertente, o descaso foi maior ainda, pois se tratava de óleo combustível quente (150ºC) acondicionado em tanque inadequado, que, diante do vazamento, invadiu a cabine e atingiu gravemente o motorista, levando-o à invalidez decretada pelo INSS. Na perspectiva da responsabilização da concessionária das atividades de exploração de petróleo, diante da função social que deve permear as situações jurídicas de proprietários e contratantes, vê-se que a Shell falhou. Negligenciou. Malgrado suas intenções de fiscalizar as condições de cada veículo transportador de seus perigosos produtos, sua conduta omissiva, in casu, ensejou graves danos físicos ao autor. Veja-se que, na cadeia distribuidora, permitiu, desencadeou uma série de contratações e subcontratações para o fim de levar derivado do petróleo ao consumidor

final, deixando de verificar as condições do tanque em que despejou seu produto. Aqui se deve lembrar que, se a Constituição permite a concessão daquelas atividades estatais, também imputa responsabilidades aos concessionários. Além das mencionadas acima, destaco, ainda, a do inciso I do § 2º do art. 177 da Carta Magna, verbis: A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional. Não basta, pois, encher caminhões-tanques em sua porta e deixá-los trafegar pelo país afora, com produtos inflamáveis, perigosos, sem um mínimo de segurança. Aliás, independentemente das responsabilidades inerentes à concessão, na engendrada cadeia de transportadores desencadeada pela (ou na) Shell, não há possibilidade de cisão das responsabilidades. Nesse diapasão, sobreleva o Decreto n. 96.044/88, que trata do transporte de produtos perigosos. Note-se que esse Decreto, que regulamenta uma parte do Decreto-lei n. 2.063/83, diante da simbiose entre o fornecedor de produtos perigosos e o respectivo transportador, trata da unicidade de suas responsabilidades: Art. 32. O contratante do transporte deverá exigir do transportador o uso de veículo e equipamento em boas condições operacionais e adequados para a carga a ser transportada, cabendo ao expedidor, antes de cada viagem, avaliar as condições de segurança.

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Art. 33. Quando o transportador não os possuir, deverá o contratante fornecer os equipamentos necessários às situações de emergência, acidente ou avaria, com as devidas instruções do expedidor para sua utilização.

treinar o pessoal empregado nas atividades referidas neste artigo. § 2º Nas operações de carga e descarga, cuidados especiais serão adotados, especialmente quanto à amarração da carga, a fim de evitar danos, avarias ou acidentes.

Art. 34. O expedidor é responsável pelo acondicionamento do produto a ser transportado, de acordo com as especificações do fabricante.

SEÇÃO III - Do Transportador (artigos 38 a 40)

Art. 35. No carregamento de produtos perigosos o expedidor adotará todas as precauções relativas à preservação dos mesmos, especialmente quanto à compatibilidade entre si (Art. 7º). Art. 36. O expedidor exigirá do transportador o emprego dos rótulos de risco e painéis de segurança correspondentes aos produtos a serem transportados, conforme disposto no Art. 2º. Parágrafo único. O expedidor entregará ao transportador os produtos perigosos fracionados devidamente rotulados, etiquetados e marcados, bem assim os rótulos de risco e os painéis de segurança para uso nos veículos, informando ao condutor as características dos produtos a serem transportados. Art. 37. São de responsabilidade: I - do expedidor, as operações de carga; II - do destinatário, as operações de descarga. § 1º Ao expedidor e ao destinatário cumpre orientar e

Art. 38. Constituem deveres e obrigações do transportador: I - dar adequada manutenção e utilização aos veículos e equipamentos; II - fazer vistoriar as condições de funcionamento e segurança do veículo e equipamento, de acordo com a natureza da carga a ser transportada, na periodicidade regulamentar; III - fazer acompanhar, para ressalva das responsabilidades pelo transporte, as operações executadas pelo expedidor ou destinatário de carga, descarga e transbordo, adotando as cautelas necessárias para prevenir riscos à saúde e integridade física de seus prepostos e ao meio ambiente; IV - transportar produtos a granel de acordo com o especificado no “Certificado de Capacitação para o Transporte de Produtos Perigosos a Granel” (art. 22, I); V - requerer o “Certificado de Capacitação para o Transporte de Produtos Perigosos a Granel”, quando for o caso, e exigir do expedidor os documentos de que tratam os itens II e III do art. 22; VI - providenciar para que o veículo porte o conjunto de equipamentos necessários às

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situações de emergência, acidente ou avaria (art. 35), assegurando-se do seu bom funcionamento; VII - instruir o pessoal envolvido na operação de transporte quanto à correta utilização dos equipamentos necessários às situações de emergência, acidente ou avaria, conforme as instruções do expedidor; VIII - zelar pela adequada qualificação profissional do pessoal envolvido na operação de transporte, proporcionandolhe treinamento específico, exames de saúde periódicos e condições de trabalho conforme preceitos de higiene, medicina e segurança do trabalho; IX - fornecer a seus prepostos os trajes e equipamentos de segurança no trabalho, de acordo com as normas expedidas pelo Ministério do Trabalho, zelando para que sejam utilizados nas operações de transporte, carga, descarga e transbordo; X - providenciar a correta utilização, nos veículos e equipamentos, dos rótulos de risco e painéis de segurança adequados aos produtos transportados; XI - realizar as operações de transbordo observando os procedimentos e utilizando os equipamentos recomendados pelo expedidor ou fabricante do produto; XII - assegurar-se de que o serviço de acompanhamento técnico especializado preenche os requisitos deste Regulamento e das instruções específicas existentes (art. 23);

XIII - dar orientação quanto à correta estivagem da carga no veículo, sempre que, por acordo com o expedidor, seja coresponsável pelas operações de carregamento e descarregamento. Parágrafo único. Se o transportador receber a carga lacrada ou for impedido, pelo expedidor ou destinatário, de acompanhar carga e descarga, ficará desonerado da responsabilidade por acidente ou avaria decorrentes do mau acondicionamento da carga. Art. 39. Quando o transporte for realizado por transportador comercial autônomo, os deveres e obrigações a que se referem os itens VI a IX do artigo anterior constituem responsabilidade de quem o tiver contratado. Art. 40. O transportador é solidariamente responsável com o expedidor na hipótese de receber, para transporte, produtos cuja embalagem apresente sinais de violação, deterioração, mau estado de conservação ou de qualquer forma infrinja o preceituado neste Regulamento e demais normas ou instruções aplicáveis. Diante da redação de tais dispositivos do Regulamento do transporte de produtos perigosos, não há nem mesmo dispositivos que se possam sublinhar. Todos os dispositivos transcritos revelam o grau de responsabilidade do fornecedor, ou seja, do expedidor, do remetente, da carga perigosa. As responsabilidades do fornecedor e do transportador

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amalgamam-se solidariamente. Cada artigo, cada inciso, cada parágrafo do Regulamento evidencia que o transporte de produtos perigosos é atividade una, pela qual se responsabilizam todos os sujeitos envolvidos. O Decreto mencionado não deixa dúvida quanto ao fato e à responsabilidade tanto do transportador quanto do remetente. Poder-se-ia argumentar que decreto não pode estabelecer responsabilidades. Mas não se pode negar que o Decreto n. 96.044/98 regulamenta o transporte de produtos perigosos previsto no Decretolei n. 2.063/83. Mesmo que se argumentasse pela absorção da matéria tratada no Decreto-lei por leis subseqüentes, o Decreto-lei em questão restou inteiramente recepcionado pelo Código Nacional de Trânsito, harmonizando-se plenamente com a nova ordem jurídica do trânsito. Ainda que assim não fosse, seria mister concluir que o Decreto n. 96.044/98 vai ao encontro do então recém-editado Código, à medida que visa a maior segurança para as pessoas, responsabilizando solidariamente aqueles que se beneficiam direta e indiretamente com o transporte de produtos perigosos. Não se trata, pois, de regulamento autônomo. Portanto, no tocante às obrigações do transportador e do expedidor, as exigências são válidas, ou seja, as empresas transportadora e expedidora têm mesmo que cumprir aqueles deveres legais impostos pelo Regulamento do Decretolei n. 2.063/83. Se a expedidora, a Shell, acondicionou seu perigoso produto em caminhão-tanque desprovido da válvula de segurança, sem o mínimo de preocupação exigido; se, em decorrência da condição insegura do veículo, demonstrada em prova emprestada produzida pela Shell e outra

ré, o autor veio a sofrer graves ferimentos ocasionados pela invasão do óleo quente na cabine, configura-se a responsabilidade solidária entre as transportadoras e a reclamada Shell, por força do disposto no art. 942 do Código Civil: Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. (grifei) Por todos os ângulos pelos quais se analisa a questão, pelos diversos dispositivos legais e constitucionais citados, a responsabilidade da Shell se agiganta a cada momento em que se lêem as normas aplicáveis à espécie. Nosso direito positivo não deixa dúvida quanto a isso. É interessante que tais normas, mesmo anteriores ao Código Civil de 2002, positivam, no particular, o princípio da função social do contrato, que só veio a ser instituído legalmente pelo novo Código. Como dito alhures, independentemente das normas positivadas em nosso sistema, a cláusula geral aberta da função social do contrato é plenamente aplicável ao direito e ao contrato de trabalho, bem assim aos contratos que geram reflexos nas relações de trabalho e que em torno delas gravitam. Na concepção moderna do Direito Civil-Constitucional, capitaneada entre nós por GUSTAVO TEPEDINO, dentre outros renomados civilistas, a

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função social do contrato deve ser assim entendida, segundo o citado jurista em A PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL, 2. ed., p. XXII: o dever imposto aos contratantes de atender - ao lado dos próprios interesses individuais perseguidos pelo regulamento contratual - a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por eles atingidos. Tais interesses dizem respeito, dentre outros, aos consumidores, à livre concorrência, ao meio ambiente, às relações de trabalho... (grifei) CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em uma de suas manifestações sobre a função social do contrato, nas suas INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL, v. III, 3. ed., p. 16, assevera: ...é um princípio moderno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor aos demais, antes pelo contrário vem desafiá-los e em certas situações impedir que prevaleçam diante do interesse social maior. Pela concreção que lhe têm dado os doutos, observa-se que a função social do contrato tem até maior aplicação no Direito do Trabalho do que no próprio Direito Civil. Demonstra-se

isso pela história de ambos os ramos do direito. Aquele se desprendeu deste, à medida que normas sociais específicas tornaram-se necessárias. O Direito do Trabalho é, assim, originariamente, a parte social do direito civil. Se assim é, somando-se a isso a gama contratual moderna tendente a prejudicar os direitos dos trabalhadores, com terceirizações, quarteirizações, cooperativismos meramente formais, fugas da tipologia do contrato de emprego, o direito do trabalho é o terreno mais fértil para a frutificação da função social do contrato. Na espécie dos autos, as sucessivas contratações e subcontratações de transportadoras, com a participação da fornecedora, para a consecução do trabalho de apenas uma pessoa, o motorista, não sofrem qualquer cisão para fins de exclusão da responsabilidade de qualquer dos partícipes da cadeia contratual iniciada na Shell. Ao trabalho uno, às responsabilidades unas do motorista, corresponde a responsabilidade também una de todos os beneficiários de seu labor, mormente as transportadoras e a Shell, em relação às quais as normas legais acima transcritas não deixam qualquer dúvida. Neste ponto da apreciação do meritum causae, confirma-se o acerto da rejeição da preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho. Diante da responsabilidade solidária entre a concessionária/distribuidora Shell e as transportadoras participantes da cadeia contratual tendente a levar o derivado de petróleo até a empresa consumidora, é intuitivo que a mesma Justiça, o mesmo juiz, decida a questão. O fato de a Shell não ser empregadora ou não ter contratado os serviços do autor não exclui sua responsabilização neste feito. Se as normas positivas e o

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princípio da função social do contrato amalgamam responsabilidades, criando a responsabilidade solidária, seria inviável, irracional que se julgasse a responsabilidade solidária em Justiças diferentes, sem prejuízo de o credor poder optar entre um e outro devedor ou por todos. Lembremos aqui as hipóteses de terceirização, quarteirização, subempreitadas, donos de obra, em que os tomadores não são empregadores, mas respondem pelos créditos dos trabalhadores na Justiça do Trabalho no mesmo processo, ao lado do empregador, solidária ou subsidiariamente. A Shell responde não como empregadora, mas em decorrência das normas e princípios que a tornam responsável solidária com as transportadoras. E essas normas aplicáveis não se adstringem àquelas previstas em típicas leis trabalhistas, mesmo porque a matéria veiculada na litiscontestação não se insere entre aquelas originariamente trabalhistas. A matéria passou a ser trabalhista e a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, mas as pessoas responsáveis solidariamente podem responder tanto com base em uma lei trabalhista quanto com base em qualquer outra lei do nosso vasto direito positivo. In casu, o art. 942 do Código Civil, o Decreto n. 96.044/98, as normas e princípios constitucionais, bem assim o princípio da função social do contrato. Aliás, a CLT, artigo 8º, com força atrativa, integra ao Direito do Trabalho as normas do direito comum. Não poderia ser diferente, pois, como é curial, o direito não se constitui de um amontoado de compartimentos estanques. Em relação à empresa Transtassi, do exame dos autos emerge a certeza de que ela não teve nenhuma participação no acidente e muito menos

culpa. Como a análise das referidas questões se deu em sede de mérito, impõe-se a extinção do processo com resolução de mérito em relação à empresa Transtassi (inciso I do artigo 269 do CPC) julgando improcedente a pretensão inicial, razão pela qual fica excluída da sentença a sua condenação solidária quanto ao pagamento dos direitos reconhecidos em favor do autor. No tocante às transportadoras e à Shell, ainda que não houvesse culpa, a responsabilidade das rés remanescentes não haveria de ser excluída. Comungo do entendimento sufragado na r. sentença (f. 1267) no sentido de que a responsabilidade das empresas Mandel, Transcardoso e Shell no acidente decorre do imanente perigo dos serviços a que se submeteu o autor, qual seja, o perigosíssimo transporte de inflamáveis aquecidos a 150 graus centígrados. Incidência do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, in verbis: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. A jurisprudência deste Egrégio Tribunal corrobora o raciocínio supra: ATIVIDADE DE RISCO RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O parágrafo único do artigo 927 do CCb adota a teoria do risco pelo exercício de atividade periculosa, consagrando o princípio da responsabilidade objetiva. Nesta hipótese, a obrigação de reparar

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o dano surge do simples exercício da atividade que o agente desenvolve no interesse e sob o controle do empregador, não havendo que se verificar a existência de culpa, bastando a ocorrência daquele e o nexo de causalidade com a atividade de risco. Cumpre observar que o artigo 2º da CLT estabelece que o empregador assume os riscos da sua atividade econômica. Logo, a ele incumbe resguardar a integridade física e moral dos seus empregados, garantindolhes segurança no exercício do trabalho, sob pena de responder pelos danos morais e materiais sofridos. Tem-se que a função de gerente comercial de agência bancária é atividade de risco, enquadrando-se no disposto no parágrafo único do artigo 927 do CCb. Isto, porque os serviços bancários são intrinsecamente periculosos, uma vez que os profissionais que laboram nesta área estão, constantemente, em contato com vultosas quantias de dinheiro, o que os torna alvo de bandidos, com freqüência. (TRT 3ª R Terceira Turma 009422005-089-03-00-0 RO - Rel. Juiz Bolívar Viégas Peixoto - DJMG 01.07.2006, p. 4) Outrossim, não merece reparo o fundamento exposto na r. sentença relativo à incidência do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. É cediço que o direito não é um amontoado de compartimentos estanques. Nada impede que se aplique o CDC na seara trabalhista. Incidência dos arts. 8º e 769 da CLT. Aliás, isso tem sido feito com freqüência, como no caso da responsabilização dos sócios e outros

institutos do CDC. É verdade que, na hipótese vertente, não há necessidade de se aplicar a responsabilidade objetiva, porque configurada tranqüilamente a culpa. Todavia, não se trata de julgamento de relação de consumo e sim de mera aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, seja por analogia, seja pela subsunção da norma ao caso concreto por força dos arts. 8º e 769 da CLT. É que não há relação de consumo entre o autor e a Shell. Pode haver tal relação jurídica entre a adquirente do produto (INPA) e a fornecedora (Shell). Mas essa relação não é objeto de julgamento neste feito. O que aqui se julga é o litígio decorrente do acidente do trabalho, aplicando-se ao caso concreto as normas e princípios acerca das responsabilidades, que, por acaso, alcançam também a fornecedora do produto, porque integrante da cadeia contratual geradora do contrato de trabalho do reclamante e porque a legislação a coloca como responsável solidária. Já se viu linhas atrás que a responsabilidade é objetiva em decorrência do trabalho perigoso inerente às atividades das empresas, mas, ainda que assim não fosse, as conclusões seriam as mesmas, pois a culpa é manifesta. Nesse contexto, o artigo 12 do CDC é apenas mais um dispositivo legal que se soma ao artigo 927 do Código Civil, pelo que sua incidência ou não seria indiferente. Entretanto, o CDC também se aplica à hipótese dos autos, exatamente pela função social do contrato, cláusula geral não excluída das relações de consumo. Com efeito, os contratos de consumo e suas cláusulas mínimas, inclusive a responsabilidade do fornecedor do produto e do serviço (no caso, o acondicionamento e transporte

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em tanque inadequado) não se limitam às partes formais do contrato, irradiando seus efeitos aos terceiros envolvidos no fornecimento do produto e na prestação do serviço. Seria ilógico e antijurídico, diante da quebra do relativismo contratual decorrente da função social e da solidariedade, que apenas o consumidor se beneficiasse da responsabilidade do produto ou do serviço, excluindo-se aqueles que participassem efetivamente do fornecimento ou da prestação. A função social do contrato não se coaduna com saltos de responsabilidade na cadeia do produto e do serviço. Vale dizer, do estabelecimento do fornecedor até o consumidor, o produto, dentro da relação de consumo, percorre um longo caminho; aos danos que o produto acarreta no seio da relação de consumo, ou seja, no trajeto e no consumo propriamente dito, aplicam-se as normas protetivas do CDC tanto ao consumidor quanto a terceiros. É a função social também do contrato de consumo. Repito, todavia, que, independentemente do CDC, a responsabilidade da Shell é inafastável pelos outros fundamentos já expostos. Já em relação à indenização pela impossibilidade de progressão na profissão, tal impossibilidade reflete na sua remuneração total e não apenas na pensão mensal deferida na r. sentença. Neste ponto, peço vênia ao eminente prolator da r. sentença para deferir 15% de indenização sobre a soma do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez e da pensão mensal deferida, observando-se o mesmo período adotado na r. sentença. Quanto ao dano moral, configurado no caso concreto, como bem exposto na sentença (f. 1271), entendo ter razão o autor ao buscar a majoração do quantum arbitrado a esse

título. Mas não no montante estimado no recurso (f. 1310), R$4.000.000,00 (quatro milhões de reais). A prova emprestada (juntada aos autos pelas empresas Shell e Mandel) deixa claro que a empregadora, a proprietária do veículo e a produtora da carga continuam praticando a mesma conduta ilícita. Prosseguem com o desrespeito às leis, mormente ao Regulamento do transporte de produtos perigosos, à medida que ainda usam a mesma carreta sem a instalação do mecanismo que impede o vazamento do óleo transportado. Destarte, continuam as rés negando valor ao maior bem jurídico tutelado, a vida humana, às vidas humanas por onde trafega o multicitado caminhão-tanque. O critério de fixação da indenização em questão, ao revés do perseguido pelas recorrentes, não guarda relação com a multa prevista no artigo 477 da CLT. O valor deve mitigar a dor sofrida. Dar algum conforto ao lesado em contraposição à lesão de sua integridade psicofísica. É de se considerar que a indenização por danos morais deve ter também caráter pedagógico e deve levar em conta o porte dos réus e a condição social do autor, de molde a não constituir fonte desproporcional de enriquecimento da parte autora e de empobrecimento da parte ré. Com esse desiderato, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando a culpa grave das rés e as graves lesões ocasionadas no autor, conforme documentos já mencionados, que culminaram com sua invalidez decretada pelo INSS, majoro o valor da indenização por danos morais para R$200.000,00 (duzentos mil reais). Julgo razoável esse valor, na esteira dos princípios da razoabilidade e da

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proporcionalidade, à vista das graves lesões sofridas, das terríveis dores acarretadas pelo óleo a 150 graus centígrados no corpo do autor, da deformidade no braço (bem descrita no laudo), da culpa grave das rés, do caráter pedagógico, que seria nulo diante do grande porte da Shell, maior responsável pelos danos, e diante do comando que exercia e deveria exercer no transporte de seus produtos, como restou sobejamente demonstrado. Mantenho também a sentença no ponto em que condenou as reclamadas ao pagamento das despesas de internação hospitalar e aquelas decorrentes de tratamento médico, gastos com medicamentos e internações hospitalares, assim como exames clínicos e laboratoriais e cirurgia nos exatos termos da decisão recorrida (sentença, f. 1270/1271 c/c embargos de declaração, f. 1320), independentemente de possibilidade de custeio pela Previdência Social ou SUS, porque a condenação imposta fez menção a tratamentos particulares e não pela rede pública (f. 1319) até o efetivo restabelecimento, conforme se apurar em execução. Não obstante as graves lesões sofridas, mantenho a sentença no que se refere ao indeferimento do pleito de custeio de banhos de mar pelas reclamadas em favor do autor, nos termos da fundamentação esposada à f. 1271. Pelas graves lesões sofridas deferiram-se pensão mensal e indenização por danos morais, além de indenização pelas despesas médicas. Julgo objetivamente suficiente. Há de se compreender que, quanto aos danos e às dores sofridas, não há valor em dinheiro que os apague. Dentro dos princípios jurídicos regentes da espécie, a

questão restou bem solucionada com a ampliação da indenização por danos morais para R$200.000,00 (duzentos mil reais). Incabível o pedido de compensação do valor recebido a título de seguro de vida (vejam-se documentos de f. 539, 560/568; laudo, f. 1008, n. 06) com o da condenação imposta na origem e ora majorada, porque distintos e inconfundíveis, na esteira do decidido em primeiro grau (f. 1271/1272). O pedido de honorários advocatícios formulado pelo reclamante em seu apelo (f. 1315/ 1316) representa inovação em grau recursal, não podendo ser apreciado por esta Casa Revisora, sob pena de supressão de instância. Aliás, observando-se os limites da lide, à míngua de pedido na inicial, não tinha mesmo o órgão judicante de origem como enfrentar e dirimir a questão. Como se observa na inicial (f. 31), houve dedução de pedido de deferimento de assistência judiciária gratuita, nada mais. E essa matéria foi objeto de decisão (f. 1272). Tendo em vista que a matéria é polêmica na Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios devem ser pleiteados, não podendo ser deferidos de ofício, para que não se suprima sua apreciação em primeira instância. III - CONCLUSÃO Conheço do recurso ordinário das reclamadas. Rejeito as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria; de nulidade da decisão recorrida por cerceio de defesa e por negativa de tutela jurisdicional; de nulidade da decisão recorrida por julgamento extra petita; de ilegitimidade passiva ad

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causam das reclamadas e de deserção do recurso ordinário do autor. No mérito, dou provimento parcial apenas ao recurso da reclamada Transtassi para, em relação a ela, julgar improcedente o pedido, negando provimento aos recursos das reclamadas Shell, Transcardoso e Mandel. Conheço do recurso ordinário do reclamante. No mérito, dou-lhe provimento parcial para majorar o valor da condenação pela indenização por danos morais para R$200.000,00 (duzentos mil reais); determinar a incidência da indenização de 15% (quinze por cento) sobre o valor total de sua remuneração, ou seja, sobre o benefício previdenciário somado à pensão mensal deferida. Mantenho, quanto ao mais, os comandos da sentença de primeiro grau. Arbitro a condenação nesta instância em R$400.000,00, com custas adicionais de R$8.000,00, pelas reclamadas. Determino à DSCPDF de 2ª Instância (Subsec. de Dist. de Feitos de 2ª Instância) assim como à Secretaria da Egrégia 4ª Turma que procedam à retificação do nome da reclamada Shell na capa dos autos, fazendo constar Shell Brasil Ltda. Fundamentos pelos quais, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, primeiramente, determinou à DSCPDF de 2ª Instância (Subsec. de Dist. de Feitos de 2ª Instância) assim como à Secretaria da Egrégia 4ª Turma que procedam à retificação do nome da reclamada Shell na capa dos autos, fazendo constar Shell Brasil Ltda.; unanimemente, conheceu do recurso das reclamadas; sem divergência, rejeitou as preliminares de

incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria; de nulidade da decisão recorrida por cerceio de defesa e por negativa de tutela jurisdicional; de nulidade da decisão recorrida por julgamento extra petita; de ilegitimidade passiva ad causam das reclamadas e de deserção do recurso ordinário do autor; no mérito, unanimemente, deu provimento parcial apenas ao recurso da reclamada Transtassi para, em relação a ela, julgar improcedente o pedido, negando provimento aos recursos das reclamadas Shell, Transcardoso e Mandel; sem divergência, conheceu do recurso ordinário do reclamante; no mérito, unanimemente, deu-lhe provimento parcial para majorar o valor da condenação pela indenização por danos morais para R$200.000,00 (duzentos mil reais); determinar a incidência da indenização de 15% (quinze por cento) sobre o valor total de sua remuneração, ou seja, sobre o benefício previdenciário somado à pensão mensal deferida. Mantidos, quanto ao mais, os comandos da sentença de primeiro grau. A Eg. Turma arbitrou a condenação nesta instância em R$400.000,00, com custas adicionais de R$8.000,00, pelas reclamadas. Belo Horizonte, 08 de novembro de 2006. JÚLIO BERNARDO DO CARMO Relator

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TRT-00166-2005-135-03-00-4-RO Publ. no “MG” de 14.12.2006 RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL RECORRIDOS: EDMAR CARLOS DA COSTA (1) USIVAL - USINA SIDERÚRGICA VALADARES LTDA. (2) MARCUS VINÍCIUS GONZAGA SILVA (3) EMENTA: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO - LEI N. 5.584, DE 1970 - SEM QUE SEJA PRESTADA PELO SINDICATO, APENAS ISENÇÃO DE CUSTAS. Quando o legislador trabalhista endereça à organização sindical da correspondente categoria profissional a prestação da assistência judiciária, propiciando-lhe arrecadar valores, ao tempo em que a ela comina solidariedade quanto a despesas processuais, no exercício do direito de escolha pela parte, quanto a patrocínio particular de defesa de seus interesses, em sede de justiça gratuita, apenas cabe o deferimento de isenção de custas, não a alforria quanto a honorários periciais, até porque o técnico que atue como auxiliar do juízo presta serviços, que necessariamente devem ser retribuídos, donde não se inserir no ideal de justiça a concessão de gratuidade a um trabalhador, exigindo, com isto, que outro trabalhador preste serviços gratuitos. A previsão do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República não revoga a

legislação ordinária que disponha acerca da assistência judiciária gratuita, o que implica a recepção da Lei n. 5.584/1970 e a exaustiva exigência dela ser prestada pelo sindicato profissional. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, interpostos contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares em que figuram, como recorrente, União Federal e, como recorridos, Edmar Carlos da Costa, USIVAL - Usina Siderúrgica Valadares Ltda. e Marcus Vinícius Gonzaga Silva, como a seguir se expõe: RELATÓRIO O MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, pela r. sentença de f. 134/137, acrescida da decisão de embargos de declaração de f. 143/144, cujos relatórios adoto e a este incorporo, julgou improcedentes os pedidos iniciais, condenando a União Federal no pagamento dos honorários periciais. Tardiamente intimada da decisão, depois de julgado o recurso interposto pelo reclamante, a União Federal opõe recurso ordinário às f. 179/ 218, insurgindo-se contra a condenação no pagamento dos honorários periciais, invocando o Provimento n. 04/2006 deste Regional e sustentando que inexiste responsabilidade da União quanto aos honorários periciais. Pede provimento. Contra-razões às f. 225/228. Parecer da douta Procuradoria do Trabalho às f. 231/232 pelo conhecimento e desprovimento do apelo. É o relatório.

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VOTO 1. Admissibilidade Conheço do recurso ordinário, eis que a União Federal não foi intimada da decisão de primeiro grau, conforme despacho de f. 176. Sanado o defeito com a competente intimação, foi aviado o recurso a tempo e modo com representação regular. 2. Mérito O que sobe ao exame deste Tribunal diz respeito com a imputação à União Federal para responder pelos honorários da perícia médica realizada, arbitrados em R$800,00 (f. 136), condenação fundada na responsabilidade dela diante do deferimento da justiça gratuita. O i. juiz sentenciante entendeu que, pelo benefício de gratuidade deferido ao reclamante, devem os honorários periciais ser suportados pela União Federal. É certo que a Constituição da República de 1988, em seu art. 5º, incluiu o inciso LXXIV, estatuindo que: o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Acerca deste dispositivo, o Supremo Tribunal Federal, com a autoridade que lhe é dada pelo art. 102 da Carta Magna, a de Corte Constitucional a quem cabe o jus dicere na Norma Fundamental e do nela contido, tem proclamado que tal norma não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei n. 1.060, de 1950, aos necessitados, certo

que, para obtenção desta, basta a declaração, feita pelo próprio interessado, de que a sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. (RE 205.746 - 1 - RS, 2ª Turma, RT 740/233 - no mesmo sentido RE 207.382 - 2 - RS, RE 204.305 - 2, RE 205.00 - RS, da 1ª Turma) No RE 205.029 - 6 - RS, a Eg. 2ª Turma da Corte Suprema, voltando a reafirmar o entendimento de que a previsão do art. 5º da CF não revoga a da assistência judiciária gratuita da Lei n. 1.060/1950, ementou: Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais, dentro do espírito da CF, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça (CF, art. 5º, XXXV). Alia-se a isto a afirmação daquele Tribunal de que: O dever de assistência judiciária pelo Estado não se exaure com o previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição, razão por que o reconhecimento, no caso, da responsabilidade dele pelo pagamento à recorrida pelo exercício da curadoria especial, a que alude o art. 9º, II, do CPC, não viola o disposto no referido dispositivo constitucional, por não se estar exigindo do Estado mais que a Carta Magna lhe impõe. (RE 223.043 - 1 - SP, RT 789/ 161) Importa reter que “o dever de assistência judiciária pelo Estado não se exaure com o previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição”. Portanto, não

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há revogação de normas ordinárias acerca de justiça gratuita e assistência judiciária pelo inciso LXXIV do art. 5º da Carta Magna. Significa que este dispositivo não é absoluto, e não implica que apenas o Estado deva prestar a assistência gratuita. Significa dizer que o Estado pode, validamente, delegar a assistência judiciária gratuita, e exatamente isto está subsistentemente feito pela Lei n. 5.584/1970 no âmbito da Justiça do Trabalho. O art. 14 da Lei n. 5.584/1970 estatui: Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador. O legislador ordinário cuidou de ainda incluir na Lei n. 5.584/1970 o art. 17, prevendo:

a fonte de recursos para o custeio da assistência judiciária, cometendo honorários pagos pelo vencido em proveito do Sindicato assistente (art. 16), e na hipótese dela ser prestada por Promotores ou Defensores Públicos, a verba destina-se ao Tesouro do respectivo Estado (parágrafo único do art. 17). Assim, até que outra norma legal disponha diferentemente, a assistência judiciária na Justiça do Trabalho há de ser prestada apenas pela organização sindical da categoria profissional. Aliás, acerca da recepção pela Constituição da República do cometimento da assistência judiciária, na Justiça do Trabalho, pautado pela Lei n. 5.584/1970, a 2ª Turma deste Regional já a afirmou, quando do julgamento do RO-21.513/99 (DJ 11.10.2000), secundando a seguinte tese: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PELO SINDICATO PROFISSIONAL. A Constituição Federal de 1988 recepcionou a assistência judiciária cometida à Entidade Sindical Profissional pela Lei 5.584/70, não havendo qualquer incompatibilidade com a previsão do inciso LXXIV do art. 5º da Carta Magna, à concorrente instrumentação de ser prestada (art. 22, XIII) e de caber à organização sindical a defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da Categoria (art. 8º, III).

Quando, nas respectivas comarcas, não houver Juntas de Conciliação e Julgamento (leiase Varas do Trabalho) ou não existir Sindicato da categoria profissional do trabalhador, é atribuído aos Promotores Públicos ou Defensores Públicos o encargo de prestar a assistência judiciária prevista nesta Lei”, não sem dispor que “A assistência judiciária, nos termos da presente lei, será prestada ao trabalhador ainda que não seja associado do respectivo Sindicato. (art. 18)

Permito-me reproduzir os correspondentes fundamentos que apresentei, como razão decisória do caso vertente:

Deve-se anotar que a norma legal em referência ainda estabeleceu

Com o advento da Lei 5.584/70, a assistência judiciária,

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no processo do trabalho, alcançou a Entidade Sindical Profissional como a habilitada à sua prestação, dando-lhe o legislador fonte de recursos para bancá-la. A superveniência da Constituição Federal de 1988, dispondo ser atribuição do Estado prestar a assistência judiciária, d.v., não trouxe a revogação daquela norma infraconstitucional, pois que tem o quilate de consentir, a partir do Estado, a atribuição concorrente e ou suplementar de ser efetivada dita assistência judiciária. A cláusula contida no inciso LXXIV do art. 5º da Carta Magna (o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos) não tem o sentido de restrita atribuição funcional, mas de cometer dar cumprimento à efetividade da assistência jurídica. Trata-se de “Estado”, na visão do conjunto dos poderes políticos de uma nação, o que mais se faz agudo com o art. 22, inciso XIII, da mesma Constituição, prevendo a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre “assistência jurídica e defensoria pública”. Isto significa que aqueles dois primeiros Entes em apreço são talhados às providências de dar efetividade aquele cânon da prestação da assistência jurídica, certo que ao Primeiro incumbe a Defensoria Pública do Distrito Federal (art. 21, XIV).

No âmbito de sua competência a União editou a Lei 5.584/70, atribuindo ao Sindicato Profissional da Categoria do interessado prestar-lhe a assistência judiciária, conferindo-lhe fonte de custeio. Como se constata, esta norma em nada se incompatibiliza com a novel ordem constitucional, pelo que recepcionada pela Constituição superveniente, na medida em que é esta a que comanda, sem atuação funcional privativa, a realização daquela assistência, o que se comporta ao figurino de cometimento da legislação ordinária. Aliás, não se deve perder de vista a previsão do inciso III do art. 8º da Constituição Federal, no sentido de atribuir à Entidade Sindical a defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da Categoria, o que induvidosamente alcança, apreendendo a máxima recepção da Lei 5.584/70, no aspecto do que se aprecia. No caso dos autos o reclamante não é assistido pelo Sindicato, estando o patrocínio da sua defesa atribuído a advogado particular, nos termos do instrumento de mandato outorgado pelo ora recorrido (f. 14). Dessa forma, o que se tem é, data venia, a inviabilidade de se isentar o pagamento de honorários periciais cometendo o respectivo pagamento à União Federal. Nesse tema a Egrégia 2ª Turma já adotou tal entendimento, sendo exemplo a decisão proferida na sessão de 13.03.2001, no julgamento do ROPS670/01 (DJ 20.03.2001), pelo que

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apresento, transcrevendo, a pertinente fundamentação, que aplico decisoriamente à espécie: Tenho sustentado que a assistência judiciária na Justiça do Trabalho é cometida ao Ente Sindical Profissional, e quando não é este o caso concreto como nesta espécie -, a isenção dirige-se exclusivamente às custas. Há que se ter em mente que assistência judiciária é gênero, e justiça gratuita, espécie, esta última com significado de isenção de pagamento de preparo necessário do processo. Àquela corresponde o próprio patrocínio da causa, com alcance desta que é isencional. Diante da Lei 5.584/70 ter comandado a assistência judiciária ao Sindicato da Categoria Profissional, propósito que me leva a reiterar que quando tal é concretizado em autos de processo a parte assistida não responde por encargo algum, pois por este se faz responsável o Assistente, que em nível de custas é comandado como solidário. Quando o patrocínio da causa é de advogado particular, não se deve falar em assistência judiciária, mas, com a prova da necessidade, conferir-se a isenção do recolhimento das custas - como entendo, e sustento, para o que me permito bem delinear a distinção que faço com a transcrição de igual entendimento que se contém como tese jurídica no ED-5.532/98, alusivo ao RO-24.781/97:

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA SINDICAL E GRATUIDADE DE DESPESA PROCESSUAL - INVIABILIDADE DESTA - O Sindicato Profissional que presta assistência judiciária é responsável pelas despesas processuais a cargo daquele que é seu assistido, exegese fulcrada na interpretação sistemática do sistema jurídico pátrio. A exegese do § 7º do art. 789 da CLT conduz ao entendimento de que a assistência do Ente Sindical capta a responsabilidade solidária deste em face das despesas processuais, o que é óbice ao acolhimento daquela. Aliás, não teria outro sentido a norma que impõe a responsabilidade solidária da Entidade Sindical que presta a assistência no feito, como aqui ocorre, o que capta a lembrança do princípio de que a lei não tem e não utiliza palavras ou expressões estéreis ou inúteis. É dizer que o deferimento da gratuidade tem o suposto de a parte não ter como arrecadar valor pecuniário para pagar uma despesa do processo, que é da sua responsabilidade. Diferente disto é a parte estar judiciariamente

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assistida e, por isto, não se poder conferir a isenção do pagamento dos honorários periciais. A distinção se avulta na verificação de que já não se cuida de presumir incapacidade financeira do demandante porque seu assistente judiciário recebe o comando legal de, além do patrocínio da causa, o de responder solidariamente pelas despesas processuais que caibam ao assistido, de modo que lhe corresponde a capacitação de responder pelo custo do trabalho de profissional, prestado em função de um pedido deduzido no feito patrocinado. Em situações que tais, aludir-se à gratuidade de justiça é sofismar com a principiologia em que se assenta a moldura da isenção de encargo processual por miserabilidade. É subtrair a ordem de solidariedade que a lei prescreve expressamente, importando em arrostarse a interpretação sistemática que conduz a que se aprecie um instituto jurídico segundo as variáveis dispostas nas diversas normas, formando um todo intelectivo que não pode, mínimo que seja, ser desviado.

Como a lei consolidada prescreve a solidariedade do Sindicato Profissional que presta a assistência judiciária, é questão de intelecção da quadra normativa infraconstitucional a conclusiva de estar afastada a gratuidade de despesas processuais trabalhistas a empregado necessitado porque aquele que o assiste é o que deve suportar com estas. A finalidade do conteúdo daquela assistência é excluir a incapacidade financeira como frustradora do direito de agir pelo temor do necessitado ainda ter de arcar com as despesas conseqüentes da sua sucumbência, e a partir da normação atributiva ao Ente Sindical Profissional daquele munus, sendo-lhe propiciado recursos, não se concede a isenção àquele porque é encargo deste, sob a veste da solidariedade, suportá-las. É juridicamente impossível abandonar-se a sistematização do Direito Positivo para, com olvido dessa e alegação excludente daquela outra norma, enveredar-se em caminho de busca de resultado favorável ao interesse do litigante, porque a premissa de tal procedimento é tisnada na sua própria mácula basilar. O conjunto de leis

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é harmônico e abrangente, de sorte que a interpretação que se possa dar a uma, ou a algumas, jamais pode levar à desautorização ou infirmação de outra(s), à irmanação delas àquela tessitura e fonte autorizativa de todas as normas, a Constituição. Credenciado o Ente Sindical Profissional a prestar assistência judiciária a membro da respectiva Categoria, diante do que a norma legal autoriza a atribuição de honorários advocatícios por tal assistência, vendose que também a lei comete a responsabilidade solidária do mesmo Ente Sindical por despesas processuais em processo em que ele seja o assistente judiciário, a inteireza do SISTEMA JURÍDICO, pautada pela interpretação sistemática, importa em que não se deve conceder a gratuidade ao Reclamante judiciariamente assistido pelo seu Sindicato Profissional, porque este é que tem de responder pelos encargos processuais da sucumbência. Assim não fosse, estar-se-ia diante de f o r m i d á v e l irresponsabilização, credenciando patrocínios inconseqüentes, despidos de qualquer risco, quando

os riscos da demanda não podem ser alforriados. Gratuidade de justiça, em casos assim, comportam a responsabilidade da Entidade Sindical assistente, precisamente porque, ainda assim, o necessitado estará desobrigado de despesas que comprometam sua sobrevivência. Ininteligível seria o instituto que resguarda o acesso ao Judiciário aos necessitados, quando a individualidade é superada para aportar-se em Entidade que a própria lei atribui, validamente, a responsabilidade pelas despesas processuais, a teor do § 7º do art. 789 da CLT, e em face de quem, em havendo sucesso na demanda, a mesma lei leia-se, direito positivo credencia outorga de verba honorária.” Em vista disto, estaria em ser possível o deferimento da justiça gratuita quanto às custas. Na realidade, quando o legislador trabalhista endereça à organização sindical da categoria profissional correspondente a prestação da assistência judiciária, propiciando-lhe arrecadar valores, ao tempo em que a ela comina solidariedade quanto a despesas processuais, o exercício do direito de escolha pela parte, quanto a patrocínio particular de defesa de seus interesses, em sede de justiça gratuita, apenas cabe o deferimento de isenção de

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custas. Não a alforria quanto a honorários periciais, até porque o técnico que atue como auxiliar do juízo presta serviços, que necessariamente devem ser retribuídos, donde não se inserir no ideal de justiça a concessão de gratuidade a um trabalhador, exigindo, com isto, que outro trabalhador preste serviços gratuitos. A previsão do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República não revogou a legislação ordinária que dispõe acerca da assistência judiciária gratuita, o que implica a recepção da Lei n. 5.584/1970 e a exaustiva exigência dela ser prestada pelo sindicato profissional. Acresço a todos estes fundamentos um outro mais. A Lei n. 11.100, de 25 de janeiro de 2005, publicada no DOU de 26 de janeiro de 2005, que aprovou o Orçamento da União para aquele exercício, destinou recursos para conta própria, denominada “Programa de Trabalho Assistência Jurídica a Pessoas Carentes”, justamente para cobrir despesas de honorários periciais, para as situações em que comprovado que o assistido, pobre, não pode atender no curso do processo, ainda que parcialmente, os honorários fixados pelo juiz. Entendo, portanto, que a União Federal já arca com os valores, dentro das possibilidades dos recursos destinados a esta conta, que se comporta dentro do orçamento público, aprovado anualmente, lembre-se, pelo que sua condenação afigura-se absolutamente desnecessária. Neste sentido foi editado o Provimento n. 01/2005, substituído pelo Provimento n. 04, de 25 de maio de 2006, aprovado pela Resolução Administrativa n. 84/2006 (DJMG de 01.06.06).

Se o montante ordenado para a Conta Programa é insuficiente para quitação da integralidade dos valores estipulados em sentença, a questão ultrapassa a atuação judicial do magistrado, impelindo a atuação política das entidades da sociedade civil diretamente interessadas no assunto, no sentido de instar a ampliação dos recursos inscritos no Orçamento da União para a Conta Programa. Atuação privativa do Poder Legislativo que não a delegou ao Poder Judiciário. Nestes termos, dou provimento ao apelo, para excluir da sentença a cominação imposta à União Federal quanto ao pagamento de honorários periciais, que devem ser debitados à Conta Programa na forma discriminada no Provimento n. 04/2006 deste Regional. 3. Conclusão Ante o exposto, conheço do recurso ordinário, e, no mérito, dou provimento ao apelo da União Federal para excluir da sentença a cominação que lhe foi imposta quanto ao pagamento de honorários periciais, que devem ser debitados à Conta Programa na forma discriminada no Provimento n. 04/2006 deste Regional. Motivos pelos quais, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão da sua Sexta Turma, hoje realizada, analisou o presente processo e preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, deu provimento ao apelo da União Federal para excluir da sentença a cominação que lhe foi imposta quanto ao pagamento de honorários periciais, que devem ser debitados à Conta Programa

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na forma discriminada no Provimento n. 04/2006 deste Regional. Belo Horizonte, 04 de dezembro de 2006. ANTÔNIO FERNANDO GUIMARÃES Relator

TRT- 00391-2006-105-03-00-0-RO Publ. no “MG” de 21.09.2006 RECORRENTES: 1 - FEDERAÇÃO DO COMÉRCIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 2-JOSÉALENCARGOMESDASILVA COMÉRCIO, PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS S.A. RECORRIDOS: OS MESMOS E SINDICATO DASEMPRESASDECONSULTORIA, ASSESSORAMENTO, PERÍCIAS, INFORMAÇÕES, PESQUISAS E EMPRESAS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS NO ESTADO DE MINAS GERAIS - SESCON/MG E SINDICATO DO COMÉRCIO ATACADISTA DE TECIDOS, VESTUÁRIO E ARMARINHO DE BELO HORIZONTE EMENTA: CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - ENQUADRAMENTO. Ao sindicato cumpre protrair representatividade às empresas que realmente nela se contenham, cuidando para não invadir representação de outros sindicatos, como corolário também do enquadramento naturalmente decorrente. O ato constitutivo do sindicato autor não inclui representatividade da categoria econômica das holdings. Estas não compõem categoria econômica das empresas e organizações

individuais de serviços contábeis, consultoria, assessoramento, perícias, informações e pesquisas no Estado de Minas Gerais. Expressa previsão no quadro de atividades e profissões a que alude o artigo 577 da CLT. Legislação infraconstitucional recepcionada pela Carta Política vigente. Segmento patronal que é refratário à contribuição sindical perquirida por defecção atribuída à representação. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário, oriundos da 26ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, MG, em que figuram, como recorrentes, Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais e José Alencar Gomes da Silva Comércio, Participações e Empreendimentos S.A., e, como recorridos, os mesmos e Sindicato das Empresas de Consultoria, Assessoramento, Perícias, Informações, Pesquisas e Empresas de Serviços Contábeis no Estado de Minas Gerais - SESCON/MG e Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinho de Belo Horizonte, como a seguir se expõe: RELATÓRIO O MM. Juízo da 26ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, através da r. sentença de f. 608-620, rejeitou as preliminares de incompetência em razão da matéria, de não cabimento da denunciação da lide, de inépcia da petição inicial e prevenção de outro juízo por conexão, e julgou os pedidos formulados procedentes, para condenar José Alencar Gomes da Silva Comércio, Participações e Empreendimentos S.A. a pagar contribuições sindicais

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referentes ao ano de 1995, com a multa prevista no artigo 600 da CLT, bem como as dos anos de 1998 a 2001, nos termos do artigo 76 do CPC, ao Sindicato das Empresas de Consultoria, Assessoramento, Perícias, Informações, Pesquisas e Empresas de Serviços Contábeis no Estado de Minas Gerais - SESCON/MG. Apreciando a denunciação da lide, condenou a Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais juntamente com o Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinho de Belo Horizonte a ressarcir à denunciante, José Alencar Gomes da Silva Comércio, Participações e Empreendimentos S.A., as contribuições sindicais indevidamente recebidas, cabendo à Federação devolver aquelas atinentes ao ano de 1995 e ao sindicato aquelas referentes aos anos de 1998 a 2001. A empresa reclamada foi instada a arcar com os honorários advocatícios em prol do sindicato autor, no percentual de 15% sobre o valor da condenação, e também com as custas processuais de R$1.600,00, calculadas sobre R$80.000,00, valor arbitrado à condenação. Os denunciados da lide reembolsarão à denunciante parte do valor das custas processuais, calculadas à base de 2% sobre os valores que deverão ressarcir à mesma, a título de contribuições sindicais indevidamente recebidas, definidas em R$100,00 pela Federação, arbitrado em R$5.000,00 o valor da condenação a ela imposta e em R$400,00 pelo sindicato, arbitrado em R$20.000,00 o valor da condenação a ele imposta. Opostos embargos de declaração pela empresa José Alencar Gomes da Silva Comércio, Participações e Empreendimentos S.A. (f. 623-626), que foram conhecidos e julgados improcedentes (f. 627-629).

Recurso ordinário pela Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais às f. 630-634, alegando violação dos incisos I e IV do artigo 8º da Constituição da República ao desconsiderar o enquadramento sindical pela Confederação Nacional do Comércio - CNC em relação ao SESCON/MG, no que promoveu interferência direta na mesma estrutura sindical. Ressaltou que o estatuto da Federação prevê, de forma clara e textual, a representação das empresas holding. A consultoria e o assessoramento mencionados no estatuto do SESCON/MG limitam-se à área contábil. Comprovado o preparo das custas processuais e depósito recursal (f. 635-636). Contra-razões às f. 639-652. Recorreu igualmente José Alencar Gomes da Silva Comércio, Participações e Empreendimentos S.A. (f. 653-637). Suscitou nulidades do julgado lacunoso e insuficientemente fundamentado, homiziando-se o enfrento da questão prescricional de eventual débito no exercício 1995 (artigo 174 do CTN), tampouco das provas postuladas com vistas à demonstração por laudo técnico, evidenciando cerceio do direito de defesa, e da absurda multa que revela verdadeiro confisco. No mérito, em síntese, ressalta seu objeto social, que é comércio, importação e exportação de fios e tecidos e a participação em outras sociedades como acionista, cotista ou associada. A empresa holding não pertence à categoria econômica representada pelo sindicato recorrido, pois constituído para fins de estudo, coordenação e representação legal da categoria econômica das empresas e organizações individuais de serviços contábeis, consultoria, assessoramento,

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perícias, informações e pesquisas no Estado de Minas Gerais. Nada relacionado com o comércio, a importação e a exportação de fios e tecidos e a participação em outras sociedades ou mesmo holding de participações societárias, ainda porque não está adstrita apenas à participação em outras empresas, essa participação é apenas um de seus objetivos, mas não há exclusividade quanto a esse tema, além do que não possui a administração das sociedades de que participa como acionista ou como cotista, devendo ser tomado do artigo 579 da CLT. Reitera o reconhecimento da ilegitimidade da cobrança proposta. Eventualmente, retoma a questão da multa excessiva configurando confisco, propondo o cancelamento ou arbitramento em patamar razoável, em razão de ter feito os recolhimentos dos exercícios 1995/ 2001 às entidades sindicais, por força de regular enquadramento, feito por quem de direito. Quanto à absolvição das denunciadas à lide no pagamento de honorários advocatícios, alentou que o pedido foi expresso na defesa. A denunciação da lide da federação e do sindicato pela cobrança e recebimento das contribuições sindicais só foi deferida depois da apresentação da defesa e somente formalizada após o julgamento definitivo do agravo de instrumento manifestado pelo SESCON pelo Egrégio Tribunal de Justiça - TJMG, podendo mesmo ser aplicada a Súmula n. 256 do STF. Depósito recursal e pagamento das custas processuais comprovados (f. 674-675). Contra-razões do SESCON/MG às f. 676-692. Dispensado o parecer consubstanciado do Ministério Público do Trabalho. É o relatório.

VOTO 1. Admissibilidade Preenchidos os pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao poder de recorrer), e os demais extrínsecos (tempestividade, preparo das custas processuais, depósito recursal e regularidade formal), conheço dos recursos. 2. Mérito 2.1. Nulidades da sentença Argüição pela empresa demandada 2.1.1. Paga inexata prestação jurisdicional Cerceamento de defesa

da -

Alegou a empresa recorrente terse aviado na sede declaratória com o fim de aclarar pontos essenciais da lide, com isso, obtendo prestação jurisdicional completa. Tais pontos podem ser arrolados em suma: cobrança de contribuições (tributos em sentido amplo) desapercebida de inscrição e lançamento em desatenção ao CTN; prescrição do crédito tributário relativo ao exercício de 1995; não identificação dos valores cobrados a título de contribuição sindical relativa a cada exercício, tampouco as necessárias indicações quanto ao cálculo dos juros moratórios e ao absurdo da multa aplicada, revelando confisco; julgamento sem permitir-lhe a prova dos fatos através de perícia técnica em evidente cerceio do direito de defesa; reconhecimento da sucumbência dos denunciados à lide a devolver importâncias recebidas indevidamente a título de contribuições

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sindicais patronais sem a condenação delas na verba de patrocínio à consideração de julgamento extra petita. Primeiramente, o art. 136 do CPC permite a passagem dos autos ao substituto na eventualidade de um simples afastamento do titular. Não há, portanto, razão para o retrocesso representado pela tese de que o princípio da identidade física do juiz, em especial se a cronologia já não nos deixa ver o concurso da atuação da representação classista na perfectibilização do julgado, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 24/99, que a extinguiu. Conseqüentemente, aplico as Súmulas n. 136 do TST e n. 222 do Excelso STF. Encerrada a instrução processual com aquiescência das partes (f. 606), que declararam não terem mais provas a produzir, não prospera a argüição de cerceio do direito de defesa. Os motivos que deram azo à convicção foram expostos com percuciência pelo MM. Juízo a quo, como revela a r. sentença de f. 608-620, que não acolheu as teses deduzidas pela empresa, condenando-a, devendo ser lembrado que o juiz não está adstrito a julgar a questão de acordo com o pleiteado, mas com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. Os embargos de declaração de f. 627-629 não admitiram ao mérito o item terceiro dos declaratórios opostos, ou a constituição de crédito tributário, muito menos a questão prescricional e exame da verba de patrocínio (item sétimo), eis que não apontada qualquer omissão, desafiando o meio conducente

de pronto. Portanto, não conhecidos dos declaratórios quanto aos itens 3, 4 e 7. O mérito deles não constatou omissividades (valores exigidos a título de contribuição sindical e de multa, caracterizando confisco - item quinto dos embargos). Houve condenação no pagamento dos valores do espelho de f. 62, tendo sido apontados, portanto. Importa, contudo, que o d. juízo de origem não deixou de oferecer sua prestação; apenas refutou algumas pretensões da defesa com base nos elementos dos autos, concluindo de forma diversa da pretendida. A partir daí, trago à lembrança que o juízo não está adstrito aos fundamentos das partes para decidir o tema trazido à apreciação, podendo ter as suas próprias razões que, uma vez expostas, solvem a controvérsia. Não importa que as partes entendam diversamente do decidido, porque, se isto lhes é possível aduzir, hão de fazê-lo em recurso próprio, não no leito da via estreita dos embargos de declaração. Os embargos introduziram discussão incompatível com a ratio decisória, em alguns pontos novidadeira. Assim, os questionamentos não poderiam mesmo obter resposta, mormente em sede dos declaratórios, que têm a finalidade específica de esclarecer o julgado, afastando eventuais obscuridades ou contradições, ou complementá-lo, caso omisso em algum ponto sobre o qual devesse se pronunciar. É a dicção do artigo 535 do CPC. Quer isso significar a inaptidão dos embargos para que a empresa pudesse fazer valer a sua pretensão, frontalmente contrastante com o entendimento declinado, não se firmando a alegada violação de postulados constitucionais ou de dispositivos de lei.

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Ademais, incide, em tais hipóteses, a regra insculpida no art. 515, do Código de Processo Civil, segundo a qual o recurso devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, sendo objeto de apreciação e julgamento todas as questões no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Reverenciados os artigos 93, inciso XI, e 5º, inciso LV, da Carta Magna, 832 e 794 da CLT, mais 458 e 535 do CPC. Argüição injustificada. 2.2. Contribuições assistenciais A partir desta epígrafe, examinarei em conjunto ambos os recursos. 2.2.1. A quem se devem pagar as contribuições sindicais? A suma dos recursos converge para violação dos incisos I e IV do artigo 8º da Constituição da República, pois que abolida interferência do Estado na estrutura sindical e a r. sentença a quo, desconsiderando o enquadramento sindical determinado pela CNC em relação ao SESCON/MG, negou vigência ao Texto Constitucional. A quadra sindical deve ser feita pela atividade preponderante da empresa. O envolvimento da holding, com participação em outras sociedades, não se assemelha às atividades desenvolvidas pelas empresas de assessoramento. Caso de ilegitimidade representativa pelo sindicato autor para o recebimento das contribuições almejadas. “O Direito é uma ciência especulativa quanto ao modo de saber, e prática quanto ao fim, porque o Direito é para ser aplicado aos fatos

particulares e contingentes da vida”, ensinara João Mendes, citado por Cândido de Oliveira Filho, in Direito teórico e direito prático. Os princípios da Carta, sobre os quais repousam essência e parâmetros fundantes, que direcionam o sistema ordenado, verdadeiro sistema de normas fundamentais positivadas, exalta Canotilho: os princípios constitucionais são, assim, o cerne da Constituição, onde reside a sua identidade, a sua alma (Fundamentos da Constituição). Acerca do valor dos princípios constitucionais, preleciona a e. Professora Cármen Lúcia Antunes Rocha (in Princípios constitucionais da administração pública): Os princípios constitucionais são predeterminantes do regramento jurídico. As decisões políticas e jurídicas contidas no ordenamento constitucional obedecem a diretrizes compreendidas na principiologia informadora do sistema de Direito estabelecido pela sociedade organizada em Estado. Os princípios constitucionais têm uma função positiva e outra negativa. A sua função positiva consiste em afirmar a diretriz e o conteúdo dos subprincípios e do regramento jurídico que se põe à observância dos membros da sociedade estatal. Conteúdo de todas as regulações jurídicas, os princípios constitucionais consistem em ponto de partida e ponto de chegada de todas as interpretações das normas, meta do sistema posto. Então, o conteúdo de toda norma que o

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forma deve com eles se identificar, afirmando-se a sua validade pela sua coerência e compatibilidade com eles. A função negativa dos princípios constitucionais consiste em rejeitar a introdução no sistema normativo de qualquer conteúdo que se contraponha ou se incompatibilize com o quanto neles é estabelecido. No primeiro caso, tem-se a imperiosidade da inclusão, expressa ou implícita, na ordem normativa do conteúdo principiológico constitucional, de tal modo que se lhe assegure concretude e ampliação do universo ao qual se aplique e se lhe dê cumprimento. Na segunda função, tem-se a imposição da exclusão, no sistema jurídico, de conteúdo que se contraponha aos princípios acolhidos constitucionalmente. A hoje Ministra do Supremo Tribunal Federal ainda leciona a objetividade dos princípios constitucionais que impede que seja permitida a seus aplicadores a opção livre de sentidos a serem deles extraídos num determinado momento da vigência do sistema jurídico. A dinâmica do entendimento sobre o seu postulado não se embaraça ou se confunde com indefinição de significados que se pretenda ver nele. Até porque, se o Direito como sistema posto à vigência em determinada sociedade estatal não for uno, perde a possibilidade de ser impositivo e sancionatório; perde-se a sua coercibilidade. A possibilidade de objetivar o seu conteúdo e assegurar a sua concretização é que garante a eficiência e a efetividade social e jurídica do sistema normativo. A objetividade não afasta também a existência de conteúdos próprios plasmados

constitucionalmente em conceitos indeterminados em sua expressão, pois a objetividade dos princípios constitucionais exclui, por evidente, qualquer traço de subjetividade, por terem eles conteúdo próprio e identidade singular revelados na interpretação e na aplicação que a prática constitucional impõe. Daí, pontificar que os princípios positivam, de conseguinte, as diretrizes segundo as quais se interpreta todo o Texto Constitucional e se busca o entendimento do contexto no qual a Constituição vive e para a solução dos conflitos na qual ela se impõe, para, incensuravelmente, destacar: ...o predicado da aderência que caracteriza os princípios constitucionais impossibilita que qualquer regulamentação jurídica ou qualquer comportamento institucional do Estado ou individual dos membros da sociedade política excepcionemse das diretrizes vinculantes neles traçadas. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS MARCAM O SISTEMA JURÍDICO DE UM ESTADO, demonstram-se em cada norma que nele se introduza, apresentam-se esclarecendo o modelo básico adotado como Direito e ostentam o ideário social e a ideologia jurídica a realçar o conteúdo e a forma de Justiça concretamente buscada. Com isto, permitindo-me o aforismo - “Saber as leis é conhecerlhes, não as palavras, mas a força e o poder”, ou sentido e alcance respectivos, volto a mostrar a maior das essências, enfatizando que se defronta com ESTADO FEDERATIVO, e este é

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Auxilia-me nessa busca interpretativa a conclusão do preclaro Carlos Maximiliano, em sua obra clássica (Hermenêutica e aplicação do direito):

Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço. Confronta-se a prescrição positiva com outra de que proveio, ou que da mesma dimanaram; verifica-se o nexo entre a regra e a exceção, entre o geral e o particular, e deste modo se obtêm esclarecimentos preciosos. O preceito, assim submetido a exame, longe de perder a própria individualidade, adquire realce maior, talvez inesperado. Com esse trabalho de síntese é melhor compreendido. O hermeneuta eleva o olhar, dos casos especiais para os princípios dirigentes a que eles se acham submetidos; indaga se, obedecendo a uma, não viola outra; inquire das conseqüências possíveis de cada exegese isolada.

Não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos.

Lembra-me também: “já não se admitia em Roma que o juiz decidisse tendo em mira apenas uma parte da lei; cumpria examinar a norma em conjunto”, apresentando o brocardo: “é contra Direito julgar ou emitir parecer, tendo diante dos olhos, ao invés da lei em conjunto, só uma parte da mesma”. Por isto, a ratio legis tem acerto memorável, porque efetivamente o Direito que circula o caso também pede auxílio ao e. Süssekind, ao doutrinar consagrada pela Excelsa Suprema Corte, acerca da recepção dos artigos 511 e 570 da CLT pela Constituição Federal de 1988: “são, não somente compatíveis com o Estatuto Fundamental, mas necessárias ao funcionamento do sistema sindical por ele adotado”.

conformação básica à apreciação de disposição infraconstitucional. Interpretar a lei é determinar-lhe o verdadeiro sentido. Interpretar é apreender a mens legis, o conteúdo espiritual da norma, seja para fixar-lhe corretamente o sentido, seja para determinar-lhe o respectivo campo de incidência. (MONTEIRO, Washington de Barros. Da interpretação das leis. Rev. Faculdade de Direito da USP, v. 57) Interpretar a lei é revelar o pensamento que anima suas palavras. (BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria geral do direito civil)

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Estando asseguradas pelo art. 8º da Constituição da República a liberdade sindical e a constituição de novos sindicatos, independem de prévio pronunciamento estatal a criação e o enquadramento sindical, podendo as categorias profissionais ou econômicas criar entidade que, pelo princípio da especificidade, atenda aos interesses coletivos, em face do qual, dentro de uma interpretação lógico-sistemática, é inadmissível a utilização de regramento de base para definir quem deve receber as contribuições sindicais, advindo da doutrina da permanência ou princípio da recepção, que inúmeros artigos da CLT, dentre os quais os que se referem à organização sindical, foram recepcionados pela Lei Maior, no que tange aos dispositivos que não se lhe oponham. Assim, e agora com o disposto no inciso II do art. 8º da Carta Magna, já posso assentir o recolhimento da contribuição assistencial volvido à entidade de representação sindical da categoria econômica em que a empresa se enquadrar e, mesmo se endereçada a entidade errônea, tal circunstância não constitui motivo, juridicamente válido, para eximir-se da ação pelo sindicato representativo ex lege, tendo em vista que, no presente estágio do direito brasileiro, são de ordem pública as normas que regem o enquadramento sindical, em face do modelo. O Direito Coletivo do Trabalho dispõe que a organização dos trabalhadores e a respectiva representação sindical são feitas por categorias. Não pode o empregador determinar o enquadramento profissional e sindical, eis que não se cuida de ato voluntário, mas legal. Em termos de liberdade sindical, Bueno Magano (Direito coletivo do trabalho, São Paulo: LTr) define “o direito

dos trabalhadores e empregadores de não sofrerem interferências nem dos poderes públicos nem uns em relação aos outros, no processo de se organizarem, bem como o de promoverem interesses próprios ou dos grupos a que pertençam”, tendo presente aquele direito à organização sem interferências já vertido, assinalando na seqüência ser a liberdade sindical vista em duas faces, a positiva (constituição, adesão, participação), e a negativa (direito de não-adesão e o de desligamento), e Mascaro Nascimento (Direito sindical, São Paulo: Saraiva) envolve a forma conceitual destinada “a determinar o conteúdo da liberdade sindical e as suas manifestações, bem como as garantias que devem ser estabelecidas para que, sem limitações que resultem em sua aniquilação, os sindicatos possam cumprir os seus objetivos maiores.” Dentre isso sobressai a magnitude da deliberação da assembléia para fortalecer a própria pessoa jurídica categoria, que é o sindicato, para atingir seu fim, no que ninguém pode validamente interferir, ou de alguma forma contrapor-se ou arrostar, menos ainda pretender ter direito de alcançar ou de frustrar, aspecto que traz a potencialidade da prática anti-sindical que o Direito pátrio não admite, e este, em linhas gerais, tem a ver com abuso de direito, figura que exalta antijuridicidade como veículo incapaz de surtir os próprios resultados, infirmando os objetivados. Diversos são os aspectos que envolvem a liberdade sindical (e aqui novo princípio: o da liberdade sindical). Entre eles, podem ser citados os atinentes à liberdade de associação, à liberdade de organização, à liberdade de administração, à liberdade de exercício de funções e à liberdade de

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filiação e desfiliação. Contudo, diante da amplitude do tema, à luz da Convenção n. 87 da OIT, vem-me detido olhar às controvertidas questões centradas na liberdade de associação sindical no ordenamento jurídico brasileiro, isto é, a fundação de organismos sindicais, a pluralidade e a unicidade sindical, a categoria representada, o enquadramento sindical prévio, a base territorial e o sistema confederativo. Do preâmbulo da Constituição da OIT colho existirem “...condições de trabalho que envolvem tamanho grau de injustiça, miséria e privações ... que o descontentamento causado constitui uma ameaça à paz e à harmonia universais...; urge que se melhorem essas condições, por exemplo, no que concerne ... ao reconhecimento ... do princípio de liberdade sindical...”. A Declaração de Filadélfia de 1944 assentou que a liberdade de expressão e de associação é essencial à continuidade do progresso. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) proclamou que todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses (art. 23, n. 4). O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL (BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Direito sindical - análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT: proposta de inserção da comissão de empresa. São Paulo: LTr, 2000) preconizam a adoção da liberdade sindical, especialmente quanto à liberdade de trabalhadores e empregadores fundarem os sindicatos segundo os próprios interesses. No direito brasileiro, mais é próxima e adstrita ao acaso a Constituição da República de 1988 (art. 8º), estabelecendo ser livre a associação

profissional ou sindical. Aos trabalhadores interessados se confere o direito ilimitado de instituir um regime de pluralidade de associações profissionais, ainda que na mesma base territorial de representação, como, aliás, já se admitia na legislação anterior à vigente Carta (CLT, art. 519), quando se conferia a investidura sindical à associação profissional mais representativa. Idêntico direito não se atribui aos trabalhadores e empregadores, na constituição de associações sindicais, visto que a Constituição em vigor, afastando a perniciosa exigência de autorização do Estado para a fundação de sindicato e proibindo a interferência e a intervenção do poder público na organização sindical (inciso I do art. 8º), inegavelmente impôs limites à liberdade sindical (inciso II do art. 8º), entre os quais, a unicidade, a sindicalização por categoria e, ainda, a base territorial mínima. Unicidade sindical “é a proibição, por lei, da existência de mais de um sindicato na mesma base de atuação” e a Constituição vigorante, embora consagre a livre associação, impõe-lhe a unicidade sindical (inciso II do art. 8º), quando prescreve ser vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. Viável, pois, a voluntária criação de múltiplas associações, representativas da mesma profissão, ainda que na mesma base de atuação, porque a regra da unicidade está restrita aos organismos sindicais. No entanto, o art. 8º da Lex Legum não estabelece uma liberdade absoluta como disposição limitadora, já que impõe a unicidade sindical, a sindicalização por categoria e a observância da base territorial mínima no seu inciso II, não se podendo olvidar

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da recepção do conceito de categoria e dos critérios informadores do seu reconhecimento (identidade, similaridade e conexidade) lançados na CLT (artigo 511, §§ 1º, 2º, 3º e 4º). O interesse individual se generaliza entre os exercentes da mesma profissão ou atividade econômica, de modo a criar-se, entre eles, um vínculo de solidariedade. Esse vínculo forma a categoria e, assim, formalmente, a categoria existe quando existem, entre seus integrantes, interesses idênticos, similares ou conexos, pois, em verdade, esses interesses, embora se somem, constituem algo diverso deles mesmos: o interesse coletivo, ou seja, o “interesse categorial”, que, esse sim, como dizia Carnelutti, “não é soma, mas série, série infinita e fonte da solidariedade que está no fundo da categoria, sem a qual esta não poderia existir”. Inspirado no conceito de categoria encontra-se o enquadramento sindical estabelecido previamente pela CLT (artigos 570 e 577), sobre o qual surgiram, após a promulgação da Constituição da República de 1988, vários posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais: a) insubsistência do enquadramento sindical; b) recepção do enquadramento apenas como enumeração facultativa ou exemplificativa, ou apenas como modelo; c) implícita recepção do enquadramento pela Constituição incoativa, ao manter a sindicalização por categoria. Livre a constituição de sindicatos, princípio mater igualmente insculpido na Constituição, respeitadas a unicidade, a sindicalização por categoria e a base territorial, não se pode admitir a subsistência de normas infraconstitucionais que instituam delineamentos que, de fato, negam a liberdade assegurada superiormente.

Entretanto, o Plenário do STF, ao apreciar o RMS 21.305/DF, tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 29.11.1991, p. 17.326, considerou recepcionados os dispositivos da CLT que cuidam do enquadramento sindical. Aliás, no MS 21.305, o Plenário dessa Colenda Corte bem precisou a matéria constitucional que se encerra no art. 8º da Carta, afirmando que a escolha possível de ser feita é unicamente da base territorial. Não, e nunca, de categoria, porque esta é una e indivisa, do que advém que não cabe aos particulares, segundo os seus próprios interesses, pretender restringi-la ou ampliá-la. E ementou o STF que “a organização sindical pressupõe a representação de categoria econômica ou profissional”, e que “a definição atribuída aos trabalhadores e empregadores diz respeito à base territorial do sindicato artigo 8º, inciso II, da Constituição Federal e não à categoria em si”. Vinculação sindical, reafirmo, não é alvo de vontade ou escolha e, sim, decorrência de enquadramento, que é automático: a atividade da empresa/ empregadora retrata sua inserção numa dada categoria econômica e substantifica sua vinculação à entidade sindical que a representa. Quadra que é apreendida pelo art. 577 da CLT e seu quadro anexo. O enquadramento a que alude essa norma era feito pela Comissão de Enquadramento Sindical, órgão ligado ao Ministério do Trabalho. Dessa forma, foram criadas várias categorias econômicas e profissionais de prestadores de serviços dentro da Confederação Nacional de Comércio. Em virtude das modificações introduzidas pela Carta Magna, essa Comissão foi extinta. Entretanto, o enquadramento sobrevive. O art. 577 da CLT e seu quadro anexo devem ser interpretados conforme os

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novos princípios constitucionais. O quadro das confederações ainda é usado para fins de estipulação das categorias profissional e econômica, podendo ser visualizados às f. 76-78 destaques na quadra sindical proposta na exordial, conforme Resoluções do Ministério do Trabalho publicadas no DOU, ou mesmo através das Resoluções de f. 82-83. Entrementes, a norma debatida não prejudica o sistema sindical brasileiro. Antes, auxilia-o. Não está, portanto, em confronto com os princípios sindicais insculpidos na Constituição de 1988 (autonomia, liberdade e unicidade sindical), restando, portanto, recepcionada. Ao sindicato cumpre protrair sua representatividade às empresas que realmente nela se contenham, cuidando para não invadir representação de outros sindicatos, como corolário também do enquadramento naturalmente decorrente e é tranqüilo que a empresa demandada originalmente faz expressa menção ao controle e participação. Todavia, diante da prova disponibilizada neste processo, o sindicato autor não tem incluso em seu ato constitutivo representatividade da categoria econômica das holdings. Estas não compõem categoria econômica das empresas e organizações individuais de serviços contábeis, consultoria, assessoramento, perícias, informações e pesquisas no Estado de Minas Gerais. Cumpre-lhe, a propósito, a representação da categoria econômica das empresas e organizações individuais de serviços contábeis, consultoria, assessoramento, perícias, informações e pesquisas (v. f. 22). Já o estatuto do Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos, Vestuário e Armarinho de Belo Horizonte abrange as categorias econômicas atuantes no comércio atacadista de tecidos, vestuário e armarinho (f. 466).

Subsumindo o fato à norma agora definida, o estatuto social da empresa recorrente define objeto societário de comércio, importação e exportação de fios e tecidos e a participação em outras sociedades como acionista, cotista ou associada (artigo 3º - f. 120 c/c o espelho de f. 66). A agregação de holding é o ponto máximo da vexata quaestio. Retomo o ideário, mantido, da quadra sindical definida e defluida no quadrante econômico preponderante da empresa, para onde migram contribuições obrigatórias recolhidas à entidade sindical patronal na forma dos artigos 511 e seu § 1º, 570, 577 e 581 da CLT, fazendo valer a atuação sindical em sua compleição mais pura gremial. As Resoluções supradestacadas, oriundas da extinta Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho, não me convencem de que a representatividade das holdings é afeita ao sindicato autor, eis que não vislumbro identidade, similaridade ou conexidade da categoria econômica entre ambos. Então, o SESCON/MG não teria como representar as duas categorias econômicas distintas da empresa recorrente, já que se volta às empresas de serviços contábeis e empresas de assessoramento, perícias, informações e pesquisas, inconfundíveis, pelo menos, com empresas controladoras. São as empresas de contabilidade que se encontram sob a representação do sindicato das empresas de assessoramento, perícias, informações e pesquisas e empresas que têm como escopo prestação de serviços de contabilidade e escritório em geral (assessoramento). Equívoco conceber, portanto, que administradores de empresas voltadas à administração de outras empresas - clara menção à designação

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de holdings ou desenvolvimento de orientação e coordenação de várias empresas - acomodam-se confortável e unicamente no âmbito legitimante representativo do sindicato autor. Justo nessa dicotomia se centra a clara assunção de objeto social complexo da empresa recorrente de comércio atacadista de tecidos e controle de participações societárias. Distintas, como se nota nos elementos dos autos, atividades que não se imbricam a despontar o objetivo final de cada qual (§ 1º do artigo 581 da CLT), onde não se recomenda a preponderância sobre a atividade. Caso de união circunstancial ao comando de uma só empresa. Assim, somente na hipótese de inexistência de sindicato que responda à categoria em foco, permite-se a destinação creditícia à federação correspondente (artigo 591 ibidem). Explico melhor: houve recebimento de contribuição sindical sobre a atividade de comércio atacadista de tecidos destinada ao correlato sindicato (denunciado); sobre a atividade de gestão de participações societárias, no que envolve a holding, a contribuição fora, antes, ofertada à Federação do Comércio, estando perfeitamente preparadas contribuições, conforme informam as peças de f. 110113. Não se envolve aqui a correlata conclusão de atividade típica de perícia e assessoramento contábil e administrador de empresas holding não se acopla nem ao primeiro, tampouco ao terceiro grupo da CNC (quadro anexo ao artigo 577 da CLT), pondo-se à margem da representação do sindicato autor, sendo certo que as empresas de assessoramento referidas no estatuto do SESCON/MG são outras, mas não as atuantes na atividade de controle acionário, político e de coordenação de

outras empresas, isto sem se descurar a ampla conjunção com o viés contábil. Esse o punctum saliens, lugar onde a lide toma relevância a identificar e pontificar a entidade representativa original para o destaque da atividade econômica holding, com grêmio próprio a que dá cobro as peças de f. 304-376. Representando, ainda, já que sobrestado o pedido, inclusão de representatividade às empresas holding requerido pelo SESCON/MG, categorias econômicas de empresas de serviços contábeis, assessoramento, perícias, informações e pesquisas, não detém legitimidade para receber contribuições sindicais cuja origem seja nas empresas que centralizam controle das empresas subsidiárias sem produção de bens, porque, como fiz certo na primeira parte dos fundamentos supra, somente se pode cobrar de categorias que representa, sendo defeso, à cogência dessa contribuição, enquadramento por similitude. A documentação de aporte a que me referi ao real destinatário do importe arrecadado, objeto desta ação, referenda a maturidade do processo para o provimento de fundo sem a mais mínima deficiência pejorativa a quaisquer das partes, rematando de vez, se é que ficou pendente, a intenção nulificante do provimento a quo. Posto isso, provejo, para absolver as recorrentes da condenação imposta na Instância a qua. Ônus processuais revertidos. 2.2.2. Questões prejudicadas com o provimento dado A substituição do julgado a quo, com o decreto da improcedência do pedido inicial, fez prejudicar o prosseguimento do estado das seguintes questões: constituição irregular do

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crédito tributário com possibilidade de projeção de ausência de pressuposto processual e de uma das condições da ação, prescrição do artigo 174 do CTN quanto à alegada dívida no exercício de 1995, identificação dos valores cobrados a título de contribuição sindical relativos a cada exercício, necessárias indicações nos cálculos dos juros moratórios e abusiva multa, revelando confisco.

título de contribuição sindical relativos a cada exercício, necessárias indicações nos cálculos dos juros moratórios e abusiva multa, revelando confisco. A litisdenunciação foi neutralizada e a questão dos respectivos honorários advocatícios, assumindo a denunciante as custas processuais dela decorrentes. Motivos pelos quais,

2.2.3. Denunciação da lide A improcedência mantida neutraliza a necessidade-utilidade da litisdenunciação, na lente do inciso III do artigo 70 do CPC, pelo resultado dado à ação principal. Na denunciação da lide, descaracterizada a resistência das denunciadas pela denunciação, aceitando-a e se colocando como litisconsorte da empresa reclamada, inclusive auxiliando-a, descabe a condenação em honorários advocatícios pela lide secundária, prejudicando o exame das razões recursais de f. 672-673. Das custas processuais se encarregará a denunciante. 3. Conclusão Conheço dos recursos; rejeito as argüições de nulidades da sentença; no mérito, dou-lhes provimento parcial, para absolver as recorrentes da condenação imposta na origem, invertidos os ônus da sucumbência, restando prejudicado o exame das seguintes questões: constituição irregular do crédito tributário com possibilidade de projeção de ausência de pressuposto processual e de uma das condições da ação, prescrição do artigo 174 do CTN quanto à alegada dívida no exercício de 1995, identificação dos valores cobrados a

ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Sexta Turma, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer dos recursos; sem divergência, em rejeitar as argüições de nulidades da sentença e, no mérito, em dar-lhes provimento parcial, para absolver as recorrentes da condenação imposta na origem, invertidos os ônus da sucumbência, restando prejudicado o exame das seguintes questões: constituição irregular do crédito tributário com possibilidade de projeção de ausência de pressuposto processual e de uma das condições da ação, prescrição do artigo 174 do CTN quanto à alegada dívida no exercício de 1995, identificação dos valores cobrados a título de contribuição sindical relativos a cada exercício, necessárias indicações nos cálculos dos juros moratórios e abusiva multa, revelando confisco. A litisdenunciação foi neutralizada e a questão dos respectivos honorários advocatícios, assumindo a denunciante as custas processuais dela decorrentes. Belo Horizonte, 11 de setembro de 2006. EMÍLIA FACCHINI Relatora

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TRT-01459-2005-134-03-00-2-RO Publ. no “MG” de 15.12.2006 RECORRENTES: COOPERBRÁS COOPERATIVA BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL LTDA. (1) DANIELA LEIBNITZ RESENDE (2) BANCO TRIÂNGULO S.A. (3) LM CONSULTORIA EM CALL CENTER E DESENVOLVIMENTO COMERCIAL LTDA. (4) RECORRIDOS: OS MESMOS E (1) PERTENÇA COOPERATIVA DE SERVIÇOS LTDA. (2) EMENTA: COOPERATIVA DE TRABALHO - VEDAÇÃO INSERTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 442 DA CLT RELAÇÃO DE EMPREGO. O parágrafo único do artigo 442 consolidado veda a formação de vínculo de emprego entre a cooperativa de qualquer ramo de atividade e seu associado. Este dispositivo, no entanto, só é aplicável se identificadas as características inerentes ao cooperativismo previstas nos artigos 3º e 4º da Lei n. 5.764/71, in verbis: “Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”; “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos

associados...” (grifo inexistente na Lei). Se, ao revés, encontram-se presentes os pressupostos dos arts. 2º e 3º da CLT, a saber, prestação de serviços com onerosidade, pessoalidade, nãoeventualidade e subordinação jurídica, está-se diante de um vínculo empregatício. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, DECIDE-SE: RELATÓRIO O MM. Juiz Fernando Sollero Caiaffa, através da r. sentença de f. 541/ 549, complementada na decisão de embargos declaratórios de f. 564/565, reconheceu o vínculo empregatício narrado na inicial, determinando os pagamentos que entendeu consectários. A cooperativa reclamada recorre às f. 567/577, pedindo, em preliminar, pelo aproveitamento do preparo recursal da reclamada LM Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda. No mérito, insiste na validade da prestação de serviços da reclamante na qualidade de cooperada. A reclamante recorre às f. 578/ 588, rogando por: justiça gratuita; diferenças salariais por isonomia aos bancários; multas normativas; reembolso por descontos efetuados a título de faltas em licenças médicas e quota-parte de subsídio da cooperativa. O banco reclamado recorre às f. 592/606, argüindo, em preliminar, inépcia da inicial, considerando-se que a autora narra a existência do vínculo empregatício com mais de uma reclamada. No mérito, nega a terceirização de atividade-fim, buscando

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pela manutenção da prestação laborativa nos moldes estabelecidos pelas partes. A seguir, afirma a condição de demissionária da reclamante e sustenta serem indevidas as parcelas de: multa do art. 477 da CLT, horas extras e reflexos, ticket-refeição, auxíliocesta-alimentação, vale-transporte, e participação nos lucros e resultados. A reclamada LM Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda. recorre às f. 609/624, também insistindo na validade da cooperativa de trabalho, e contestando a condenação ao pagamento da multa do art. 477 da CLT e das horas extras. Contra-razões pelo Banco Triângulo S/A e pela reclamante, às f. 626/630 e 631/646, com argüição, por esta, da deserção dos recursos da COOPERBRÁS e LM Consultoria Ltda.; por aquela, de litigância de má-fé pela autora. Dispensado o parecer escrito do d. Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 82 do Regimento Interno deste Regional. É o relatório.

(v. f. 609). O depósito recursal por si devido encontra-se retratado à f. 625. A situação da COOPERBRÁS, contudo, é outra. A ré busca pelo “aproveitamento” também do depósito recursal efetuado pela Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda. Mas, conforme se extrai das razões recursais de f. 610/621, esta reclamada pugna pela sua absolvição, “decretando-se a inexistência de vínculo empregatício desta com a recorrente” (f. 619), o que impede o compartilhamento requerido, exatamente nos termos do item III da Súmula n. 128 do TST, invocada pela cooperativa em seu apelo; veja-se: “Havendo condenação solidária de duas ou mais empresas, o depósito recursal efetuado por uma delas aproveita as demais, quando a empresa que efetuou o depósito não pleiteia sua exclusão da lide” (grifei). Nesse sentido já julgou esta Eg. Primeira Turma, nos autos da reclamatória 00495-2006-043-03-00-2 RO, tendo como relator o Ex.mo Juiz Manuel Cândido Rodrigues, quanto ao mesmo pedido da cooperativa reclamada:

VOTO Admissibilidade - Preliminar de deserção dos recursos das reclamadas, argüida pela reclamante em contra-razões O banco reclamado providenciou o regular recolhimento das custas processuais, f. 607, o que é o bastante uma única vez, já que o valor reverterá, como devido, aos cofres estatais. Logo, não há que se cogitar de deserção do apelo interposto pela Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda., que se “aproveitou” apenas do depósito das custas processuais feito por outro reclamado

Acolho a preliminar argüida pela reclamante recorrida, em contrarazões, e não conheço do recurso interposto pela primeira reclamada, por deserto. A obrigatoriedade do depósito da quantia da condenação, imposto pelo § 1º do artigo 899 da CLT, visa a assegurar a satisfação da futura execução da sentença condenatória, ainda que de forma parcial. Tratando-se de litisconsórcio passivo simples, o princípio da independência dos litisconsortes impõe que cada um dos réus efetue o depósito, sob pena de

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ser frustrada a garantia da execução, caso permaneça na relação processual apenas a ré que não o efetivou. Ou seja, opostos os interesses dos litisconsortes, como se dessume das respectivas peças contestatórias, cada qual deve efetuar o depósito para fins de recurso. No caso em tela, a segunda reclamada pretende a sua absolvição, quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício reconhecido com a reclamante, formulando o seguinte requerimento: “[...] requer seja dado provimento ao presente recurso, para modificar a r. sentença e absolver a recorrente da condenação imposta pelo MM. Juízo a quo, quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, no período em que a recorrida prestava serviços como cooperativada, e, em conseqüência, determinando a exclusão de todas as parcelas advindas da presente condenação” grifos nossos (f. 440). Portanto, como se percebe, a segunda reclamada pretende, na verdade, sua exclusão da lide, com a absolvição relativamente às parcelas deferidas à obreira. Nos termos do item III da Súmula n. 128 do C. TST, “III - Havendo condenação solidária de duas ou mais empresas, o depósito recursal efetuado por uma delas aproveita as demais, quando a empresa que efetuou o depósito não pleiteia sua exclusão da lide.”

O referido verbete resta inaplicável, in casu, por não se tratar de condenação solidária já que a primeira reclamada responde apenas de forma subsidiária -, bem como pela pretensão da segunda reclamada, em se ver absolvida da condenação imposta. Desse modo, em caso de eventual sucesso na sua pretensão, o depósito recursal lhe será devolvido, restando ausente qualquer garantia do juízo, beneficiando a primeira reclamada, que não efetuou o depósito exigido por lei. Nesse sentido, traz-se à colação o seguinte aresto: “Sendo opostos e distintos os interesses dos litisconsortes passivos, não há como dispensar a exigência do depósito recursal e custas processuais de cada um dos recorrentes, eis que o recolhimento constitui pressuposto objetivo no processo do trabalho. Essa é a exegese que se extrai dos artigos 48 e 509 do CPC e 899 da CLT” (TRT 15ª R - Proc. 2376/00 - Ac. 32700/01 - Rel. Juiz Luiz Antônio Lazarim - DOESP 06.08.2001). A regra impõe que, não sendo convergentes os objetivos dos litisconsortes, cada qual deverá efetuar o depósito da condenação. Desse modo, não conheço do recurso interposto pela primeira reclamada, por deserto. A COOPERBRÁS tampouco pode aproveitar-se do depósito recursal efetuado pelo Banco Triângulo S/A, f. 607, porque também este reclamado pugna pela sua absolvição, nos termos exarados à f. 602:

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nos exatos termos do contrato havido entre o terceiro e quarto reclamados todas as eventuais obrigações trabalhistas são de responsabilidade exclusiva desta, não havendo como recair sobre o terceiro qualquer eventual responsabilidade.

de emprego, nos termos dispostos nos artigos 2º e 3º da CLT, entre a reclamante e as reclamadas, em especial a tomadora do serviço, comumente denominada beneficiária da fraude cometida (f. 09, com destaque acrescido).

Assim sendo, encontra-se deserto e não merece ser conhecido o recurso interposto às f. 567/577. Os outros três apelos ordinários foram subscritos por advogados devidamente constituídos nos autos (procurações às f. 80, 86, e 99); observou-se o prazo legal (v. f. 565verso, 578, 592, e 609); e, como dito, há recolhimento de custas e depósito recursal, aproveitando às duas reclamadas recorrentes que remanesceram (f. 607 e 625). Presentes os pressupostos de lei, estes recursos merecem conhecimento. Inverto a ordem de apreciação, pela boa processualística, considerando-se que as reclamadas, em seus recursos, contestam exatamente a existência de vínculo empregatício entre as partes. Aprecioos conjuntamente em sede de mérito, pela identidade de matéria.

Todavia, uma leitura de toda sua inicial permite concluir que o foco de sua pretensão é o Banco Triângulo, conforme se extrai dos seguintes trechos:

Preliminar de inépcia - Pedido de reconhecimento simultâneo de vínculo empregatício com mais de uma reclamada - Argüição do Banco Triângulo S/A De fato, a reclamante não se guiou pela melhor técnica ao declinar sua pretensão, aventando um vínculo empregatício “múltiplo”: Diante desta realidade se constata a existência de relação

ininterruptamente, no período de junho/04 a junho/05, trabalhou exclusivamente prestando serviços para o Banco Triângulo S/A (quarta reclamada), como operadora de telemarketing, sob as ordens e subordinação de seus funcionários (f. 04); a reclamante, na realidade, estavam [sic] subordinadas diretamente ao Banco Triângulo S/A (quarta reclamada) (f. 09); exercia atividade-fim da empresa, ou seja, era operadora de telemarketing/habilitadora de serviços do Banco Triângulo S/A, vendendo serviços bancários (Multi-fácil), auxiliando os clientes desta instituição bancária quanto às dúvidas no manuseio dos sistemas implantados nos estabelecimentos conveniados, bem como atendimento em geral a clientes (receptivo), da quarta reclamada (f. 10). E, ao construir seu rol de pedidos, a autora pôs fim a dúvidas: seja o vínculo de emprego reconhecido diretamente com a quarta reclamada e em qualquer

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caso a condenação solidária de todas as reclamadas; requer, desde já, o reconhecimento da fraude cometida por todas as reclamadas, em conjunto, independentemente de suas denominações, nos termos que dispõe o artigo 9º da CLT, para ser reconhecido o vínculo empregatício de todo o período contratual diretamente com o Banco Triângulo S/A, ora quarta reclamada, uma vez que trabalhou somente para ela, sendo a beneficiada direta do serviço prestado pela reclamante, com as devidas anotações em CTPS, respondendo as demais reclamadas solidariamente pelo pagamento dos direitos trabalhistas da reclamante, requerendo-se, também, a nulidade dos contratos de trabalho mantidos com as outras reclamadas (f. 25). O banco recorrente defendeu-se claramente desta busca de caracterização do vínculo empregatício consigo, nos termos de f. 426/452, rechaçando, a todo tempo, a narrada terceirização de atividades-fim. Portanto, não se há cogitar de inépcia; seja porque a reclamante acabou por externar sua real pretensão, seja porque o banco reclamado logrou decifrá-la (lançando por terra a tese de afronta ao contraditório). Rejeito. MÉRITO Exame conjunto dos recursos do Banco Triângulo S/A e da LM Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda.

Do vínculo empregatício Cooperativa de trabalho A cooperativa constitui uma sociedade civil, destinada ao desenvolvimento de determinada atividade econômica, caracterizando-se pela total autonomia de seus membros, tendo por meta principal a melhoria das condições financeiras e profissionais de seus participantes. Também não visa lucro e os ganhos são igualmente repartidos de forma proporcional aos esforços despendidos, sendo as tarefas igualmente distribuídas entre seus associados (Lei n. 5.764/71). Como modalidade anômala de exercício de atividade econômica, atua mediante maior liberdade de negociação, valorização do trabalho e autonomia do trabalhador. Portanto, não se presta a atender interesses de terceiros, tampouco tem por objetivo único fornecer mão-de-obra para fins de terceirização, sob pena de desvirtuamento das suas atividades. A propósito, a oferta da força de trabalho constitui mero instrumento para viabilizar o fundamento essencial da cooperativa: a prestação direta de serviços a seus próprios integrantes. Esta circunstância traduz o princípio da dupla qualidade: a pessoa filiada se encontra, simultaneamente, como cooperado e cliente, auferindo vantagens dessa duplicidade de situações. Nesta perspectiva, atua de forma mais organizada e eficaz, objetivando o aprimoramento profissional e a ampliação do mercado de trabalho. Assim sendo, o cooperado torna-se o beneficiário central dos serviços prestados pela cooperativa, potencializando, assim, o labor. Ao lado deste princípio, há o da retribuição pessoal diferenciada, segundo o qual, ainda que somente em termos de

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potencial, o cooperado deve perceber retribuição pessoal ou vantagens superiores a serem auferidas caso atuassem isoladamente no mercado de trabalho, sem o sistema de cooperativa. Por isto mesmo, o parágrafo único do artigo 442 consolidado veda a formação de vínculo de emprego entre a cooperativa de qualquer ramo de atividade e seu associado. Este dispositivo, no entanto, só é aplicável se identificadas as características inerentes ao cooperativismo previstas nos artigos 3º e 4º da Lei n. 5.764/71, in verbis: Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro; Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados... (grifo inexistente na Lei). Se, ao revés, encontram-se presentes os pressupostos dos arts. 2º e 3º da CLT, a saber, prestação de serviços com onerosidade, pessoalidade, não-eventualidade e subordinação jurídica, está-se diante de um vínculo empregatício. Este posicionamento visa impedir que a terceirização de serviços (permitida na legislação reguladora da organização das cooperativas) possibilite fraude à lei trabalhista, simulando autêntico contrato de trabalho.

Tanto é assim, que a própria OIT, na Recomendação 193, sobre a Promoção das Cooperativas, manifesta esta preocupação, ao dispor ser papel dos governos, em suas políticas nacionais, zelar para que não se possam criar ou utilizar cooperativas para escapar da legislação do trabalho ou que sirvam para estabelecer relações de trabalho encobertas, e lutar contra as pseudocooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação do trabalho se aplique em todas as empresas. No presente feito, é incontroverso que a reclamante, conforme contrato de prestação de serviço acostado às f. 414/422 e 453/ 461, dedicou-se à prestação de serviços de telemarketing ativo e passivo pela contratada, para a contratante, consistente no atendimento e relacionamento com clientes (reclamações, sugestões, elogios, críticas, informações, etc.), venda ativa e receptiva de produtos e serviços da contratante, reativação de clientes, prospecção de novos clientes e pesquisas de mercado, através de Central Telefônica composta de equipe qualificada (f. 414 e 453). Ora, tais serviços inserem-se, sem sombra de dúvidas, na dinâmica empresarial do Banco Triângulo, resultando na famigerada terceirização de atividades-fim, vedada pela Súmula n. 331 do TST, seu item I.

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Não se trata de meros serviços de telemarketing. O foco era a clientela do banco, com esclarecimentos a seus problemas e oferta de outros serviços da instituição bancária. Salta aos olhos, portanto, que se tratou de terceirização de atividade-fim. Pior: a terceirização foi arregimentada junto à empresa prestadora de serviços, LM Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda., que, por sua vez, foi buscar nas cooperativas-reclamadas o manancial de mão-de-obra de que necessitava para atender à demanda do tomador dos serviços. Mas, como dito, as cooperativas de trabalho não se prestam a este papel. A autora prestou serviços em benefício do Banco Triângulo, inserida no seu processo produtivo, de forma ininterrupta, durante todo o período em que permaneceu “associada” à cooperativa, sem modificação no modus faciendi do trabalho, tampouco substituída em suas funções. Além do mais, sujeitava-se à fiscalização direta do seu trabalho durante a prestação de serviços como “cooperada”, recebendo ordens e sendo fiscalizada pela gestora da cooperativa, instruída, obviamente, por prepostas da empresa LM Consultoria e do Banco Triângulo (a quem interessava os resultados da prestação de serviços). É o que emana da prova oral: que o depoente trabalhou como cooperado das duas primeiras reclamadas; que prestou serviços para a terceira reclamada; que esta prestava serviços para o quarto reclamado; que o depoente trabalhava dentro do estabelecimento da terceira reclamada; que o local de

trabalho foi em Uberlândia; que não houve solução de continuidade na prestação de serviços quando o depoente saiu da primeira reclamada e passou para a segunda reclamada; que conhece a reclamante; que o depoente fazia funções de gestão e coordenação na terceira reclamada; que a reclamante era operadora de telemarketing; [...] que os únicos clientes da terceira reclamada eram o quarto reclamado e outra empresa do seu grupo econômico - Maurício Martins Pedrosa Júnior, f. 536. que trabalhou para LM Consultoria, prestando serviços ao Banco Triângulo, no período de outubro de 2003 a fevereiro de 2006; que a reclamante entrou para o banco em junho de 2004, na função de atendimento de clientes; que nessa função atendia os clientes, analisava a conta, fazia transferência de valores, verificava a aplicação financeira, indicava para empréstimo; que ficava subordinada a uma gestora da COOPERBRÁS, de nome Márcia, também da LM na pessoa de Maurício, de quem recebia orientação e Abadia do Tribanco que também passava alguma orientação, que também ia lá de vez em quando; que também recebia e-mails de Abadia e de Marcos Soavino, ambos do Tribanco; que trabalhava na Rua Prata, em um prédio da LM, onde tinha projeto do Tribanco e da CTBC; que depoente e reclamante trabalhavam só no Projeto

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Tribanco; que tinha acesso à conta corrente do cliente Tribanco, através do sistema, inclusive fazia operações para os clientes; [...] que recebiam salário fixo e no caso de faltas era descontado, inclusive em treinamentos; que recebiam através de depósito no UNIBANCO; que reclamante e depoente recebiam salário fixo; [...] que recebia em média 03 a 04 e-mails por dia do Tribanco; que não recebia nada além de salário fixo; [...] que a fiscalização da jornada era feita através da gestora; [...] que no 1º mês que trabalhou foi dentro do Tribanco, que depois foi transferida para o prédio da Rua Prata; [...] que a reclamante fez um treinamento dentro do banco por uns 30 dias; [...] que Multifácil é um sistema que transforma o estabelecimento como correspondente bancário; que a reclamante também trabalhava com esse sistema - Thais Candida Vasconcelos, f. 538/ 539. que a reclamante primeiro trabalhou na Central de Atendimento da LM, prestando serviços para o Tribanco; que depois para a central de atendimento Multifácil - Ivy Cristina Sousa Oliveira, f. 539. que trabalhou na Pertença e COOPERBRÁS em atendimento de telemarketing; que trabalhou na Rua Prata na empresa LM Consultoria; que o serviço era atendimento a clientes Tribanco; que ajudava a solucionar problemas dos

clientes através do “0800”; que não tinha acesso à conta corrente do cliente; que a reclamante também era atendente de telemarketing; [...] que recebia e-mails da gestora Márcia, apenas; que recebia ordens e era orientada pela gestora; que o pessoal da LM passava a orientação para a gestora e esta para a depoente; que na época trabalhavam no local umas 40 pessoas; que todas eram atendentes e trabalhavam atendendo o cliente do Tribanco; que se tivesse alguma dúvida no trabalho recorria à gestora; que era a gestora quem controlava o horário da depoente; [...] que o problema que se referiu para ajudar os clientes era como, por exemplo, utilizar cartão “Supercompra”, informar a respeito de repasse (maquineta de boletos de concessionário) Cynthia Xavier Carneiro, f. 539/ 540. Excetuado o pagamento pelos serviços prestados, plano de saúde e odontológico, e seguro de vida (v. f. 298/ 342), não há qualquer retribuição material ou de outra natureza que demonstre ter sido a obreira destinatária dos serviços da cooperativa. Tampouco atendido ao princípio da retribuição pessoal diferenciada, pois configurado que a associação à cooperativa não proporcionou à autora nada mais do que um lugar para prestação de serviços. Via de conseqüência, presentes os pressupostos fático-jurídicos da pessoalidade, onerosidade, nãoeventualidade e subordinação, caracterizada está a relação de emprego. Afastada, portanto, a

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aplicação à hipótese vertente da regra exceptiva do parágrafo único do artigo 442 da CLT, atraindo, por sua vez, a incidência do preceito contido no artigo 9º da CLT, em virtude da contratação fraudulenta. Assim, nula a intermediação efetivada, em face da evidente lesão a direitos básicos da trabalhadora, que ficou impedida de ter acesso às verbas decorrentes do vínculo de emprego, como férias, 13º salário, aviso prévio, FGTS, direitos previdenciários, dentre outros. Vislumbra-se que o contrato de prestação de serviços celebrado pelas reclamadas teve por objetivo adquirir mão-de-obra barata, não-cumprir a legislação trabalhista e previdenciária, prejudicar a autora economicamente. O princípio do contrato realidade fundamenta o reconhecimento da relação de emprego mantida entre o banco e a reclamante, com responsabilidade solidária das demais reclamadas, tendo em vista o aspecto meramente formal desenvolvido pela cooperativa interposta, estando presentes todos os elementos fáticos definidos nos artigos 2º e 3º da CLT. Até novembro deste ano, esta Eg. Primeira Turma teve oportunidade de apreciar a situação da COOPERBRÁS nada menos que 10 vezes. Em todas sobrepujou a existência de vínculo empregatício sob a falsa roupagem do cooperativismo. Trazem-se à colação os dois últimos julgamentos proferidos por este Colegiado, ambos tendo como Relator o Ex.mo Juiz Manuel Cândido Rodrigues (RO-00495-2006-043-03-00-2 e RO01278-2005-043-03-00-9): A recorrente sustenta que a reclamante era associada de cooperativa regularmente constituída, atendendo aos

princípios do cooperativismo, assim como não se encontrem preenchidos os requisitos do artigo 3º da CLT, invocando o artigo 442, parágrafo único, da CLT. Afirma não exercer qualquer subordinação em face da autora, a quem não procedia pagamentos, estando, assim, ausente o requisito da onerosidade. Não lhe assiste razão, data venia. O cooperativismo surgido no século passado, como meio de organização, produção e trabalho alternativo aos existentes à época -, fundase na idéia do esforço comum e da ajuda mútua. Logo, a cooperativa é a união, sem o objetivo do lucro, de esforços coordenados destinados a um fim econômico em benefício de seus integrantes. Nos termos do artigo 3º da Lei n. 5.764/71, “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” A cooperativa pressupõe o princípio da dupla qualidade: o associado é simultaneamente sócio e usuário da organização, exigindo-se, ainda, alguns elementos norteadores, tais como: adesão voluntária; autonomia do cooperado, sujeito apenas às orientações gerais do estatuto e aquelas específicas

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dos diretores; objetivo comum ligado pela solidariedade; autogestão; continuidade e integralidade da cooperativa e de seu capital social. Há, portanto, uma razão plausível para a redação do artigo 442, parágrafo único, da CLT: na cooperativa típica, não é possível existir relação de emprego entre os sócios, já que essas duas relações se excluem. Enquanto a cooperativa baseia-se na affectio societatis, com mútua colaboração entre os associados, na relação de emprego prevalece a subordinação jurídica o que é incompatível com o cooperativismo, já que, nesse caso, os sócios são os próprios donos do negócio. Assim, o parágrafo único do artigo 442 da CLT, de forma redundante, estabelece a ausência de relação de emprego entre a sociedade e seus associados, qualquer que seja a espécie de sociedade cooperativada. A norma jurídica cria, portanto, presunção relativa da ausência de uma relação de emprego, em face das características próprias de uma sociedade cooperativa. “Na verdade, não se trata de uma excludente legal absoluta, mas de simples presunção relativa de ausência de vínculo de emprego, caso exista efetiva relação cooperativista envolvendo o trabalhador lato sensu.” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 329)

Em julgado proferido pela 5ª Turma deste Egrégio Tribunal Regional, o Ex. mo Juiz José Roberto Freire Pimenta assim afirma: “Bem por isso é que se deve cuidar para que a terceirização de serviços permitida na legislação que orienta a organização das cooperativas não venha fraudar a lei trabalhista, acobertando simulação de um autêntico contrato de trabalho. Tanto é assim que a OIT, em sua Recomendação de n. 193, dispôs ser papel dos governos, em suas políticas nacionais, ‘velar para que não se possam criar ou utilizar cooperativas para escapar da legislação do trabalho ou que sirvam para estabelecer relações de trabalho encobertas, e lutar contra as pseudocooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores, velando para que a legislação do trabalho se aplique em todas as empresas’. Dessa forma, cumpre ao julgador investigar se a contratação teve por objeto o serviço ou a pessoa do cooperado, perquirindo acerca da existência de um contrato de trabalho, tendo sempre em conta que a simples contratação do serviço implicaria, necessariamente, a variabilidade dos seus prestadores, de modo a afastar o elemento fáticojurídico da pessoalidade existente no contrato de emprego.” (RO-00942-2005-11003-00-0, Publ. MG. 13.12.2005, p. 20).

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Portanto, torna-se imperiosa a análise da forma pela qual se deu a prestação de serviços, afastando-se a aplicação da presunção estabelecida no artigo 442, parágrafo único, da CLT, aos casos em que a terceirização de serviços se dá de forma abusiva ou fraudulenta. [...] Conforme se verifica da prova produzida, a autora estava submetida a controle de horário, obedecendo às ordens emanadas de prepostos da recorrente, em cuja sede realizava suas atividades. Resta evidenciada a perpetração de fraude à legislação trabalhista, reputando-se nula a pactuação, nos termos do artigo 9º da CLT. Por oportuno, traz-se à colação o ensinamento doutrinário: “Ou seja: a lei favoreceu o cooperativismo, ofertando-lhe a presunção de ausência de vínculo empregatício; mas não lhe conferiu um instrumental para obrar fraudes trabalhistas. Por isso, comprovado que o envoltório cooperativista não atende às finalidades e princípios inerentes ao cooperativismo (princípio da dupla qualidade e princípio da retribuição pessoal diferenciada, por exemplo), fixando, ao revés, vínculo caracterizado por todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, esta deverá ser reconhecida, afastando-se a simulação perpetrada.” (DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 329)

Neste mesmo sentido, vem à baila o seguinte entendimento jurisprudencial: “Cooperativa. Relação de Emprego. Ao usar a expressão: ‘qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa’, a lei não está afirmando: ‘qualquer que seja o modo pelo qual o trabalho é executado’. O que a lei quer dizer é exatamente o que está nela escrito, ou seja, que não importa o ramo da cooperativa. Mas é preciso que se trate, realmente, de cooperativa não só no plano formal, mas especialmente no mundo real. Ou seja: que o contrato se execute na linha horizontal, como acontece em toda sociedade, e não na linha vertical, como no contrato de trabalho. Em outras palavras, é preciso que haja obra em comum (co-operari) e não trabalho sob a dependência do outro (subordinare).” (TRT - 3ª R - RO 19.675/95 - 4ª T. - Rel. Juiz Márcio Túlio Viana - Publ. “MG” 08.05.1996) “EMENTA: COOPERATIVA. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DEOBRA. VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS. Em razão do princípio da dupla qualidade, não se concebe a existência de cooperativa que coloque à disposição de terceiros a força de trabalho de seus associados. Significa que não pode ser locadora de mão-de-obra, ou não pode intermediar mão-de-obra. Diante dessa impossibilidade, o vínculo de emprego forma-se

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com a tomadora dos serviços, a teor da Súmula n. 331, item I, do Colendo TST.” [...] Não se resigna a terceira reclamada com a r. sentença que reconheceu, como de emprego, a relação jurídica que existiu entre ela e a reclamante. Alega que jamais foi sua empregada. Ao contrário, era ela, de fato, associada de cooperativas idôneas, com as quais firmou contratos de prestação de serviços. Clama pela sua reforma. Não lhe assiste razão, data venia. De plano, ratifica-se, hic et nunc, a asserção da r. sentença de que se está diante de uma fraude. É que, a teor do artigo 4º da Lei n. 5.764/71, o objetivo social da cooperativa é prestar serviços aos associados, ou seja, o filiado é cooperado e ao mesmo tempo cliente (princípio da dupla qualidade). Isso significa que não se concebe a existência de cooperativa que coloque à disposição de terceiros a força de trabalho de seus associados. Noutras palavras, não se admite a existência de cooperativa locadora de mão-deobra ou que a arregimenta para terceiros. No caso em jogo, não foi observado o princípio da dupla qualidade, já que as cooperativas não prestaram serviços à reclamante. Ao contrário, esta, por meio delas, prestou serviços para a terceira

reclamada. Via de conseqüência, restou configurada verdadeira merchandising ou intermediação de mão-de-obra, atividade vedada à cooperativa. Sobre o aludido princípio, vale a pena a transposição, para este subitem, da lição do eminente Prof. Mauricio Godinho Delgado, in Curso de direito do trabalho, LTr, abril de 2002, p. 323, que consolida sobremaneira o pensar aqui exposto: O princípio da dupla qualidade informa que a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo as vantagens dessa duplicidade de situações. Isso significa que, para tal princípio, é necessário haver efetiva prestação de serviços pela Cooperativa diretamente ao associado e não somente a terceiros. Essa prestação direta de serviços aos associados/ cooperados é, aliás, conduta que resulta imperativamente da própria Lei de Cooperativa (art. 6º, I, Lei n. 5.764/71). Já acerca do disposto no parágrafo único do artigo 442 da CLT, é importante salientar que ele não pode afastar a existência de vínculo de emprego, quando este está presente, sob pena de entrar em chaça ou em testilha com a Constituição do Brasil. Noutras palavras, não exclui da proteção do Direito do Trabalho o cooperado que trabalha nas mesmas condições de outro empregado qualquer, porque, se

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assim o for, estará sendo ferido o princípio da isonomia. Escoliando a norma citada, ensina o ilustre Professor Rodrigo de Lacerda Carelli, na sua obra Cooperativas de mãode-obra - Manual contra a fraude, LTr, 2002, p. 21, que: ...expressamente rejeita a Organização Internacional do Trabalho a utilização das cooperativas de trabalho como substitutivo do trabalho subordinado legalmente protegido, por meio da intermediação da mão-de-obra, devendo os Estados Nacionais garantir a obstaculização da fraude. Verifica-se, portanto, que não há como se servir da cooperativa como fornecedora de trabalhadores, já que essa é a forma em que se daria a fraude aos direitos trabalhistas. Desta forma, qualquer interpretação do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho que tente retirar a qualidade de empregado de quem realmente o é deverá ter sido uma tentativa de fraude, impedida pelo art. 9º da mesma lei. E esta é a única interpretação constitucional possível. De fato, senão vejamos. A Constituição Cidadã de 1988, em seu art. 1º, inclui entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil: “IV. os valores sociais do trabalho”. Ora, a princípio não se teria constitucional uma forma de trabalho que negasse todo o valor social do trabalho, não

tendo garantia nenhuma de direitos sociais. Seria a negação do princípio fundamental da Federação, o que não se pode aceitar. Além disso, no seu art. 7º da mesma Constituição Federal, vem afirmando que: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, em seguida, listando os direitos. Ora, não está dito “empregados”, e sim trabalhadores genericamente, que obviamente incluem os cooperados. Não se pode negar a característica de trabalhadores urbanos ou rurais aos cooperados. Assim, qualquer interpretação que retire aos cooperados trabalhadores os direitos previstos na Constituição, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, é inegavelmente inconstitucional. Desta forma, não há interpretação constitucionalmente correta que retire dos cooperados trabalhadores os direitos trabalhistas assegurados na legislação constitucional e infraconstitucional, por ordem da própria lei maior. (sic) Mais adiante (f. 168), preleciona o juslaborista que: O cooperativismo não substitui o trabalho subordinado. E o cooperativismo só é alternativa ao trabalho subordinado quando for agregado o trabalho com a produção. O trabalho cooperado

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não é substitutivo ao trabalho subordinado quando a subordinação permanece. Isso é fraude, precarização do trabalho humano em benefício de ganhos individuais de empregadores. (sic) Na mesma esteira, o ensinamento do ilustre Prof. Mauricio Godinho Delgado, obra citada, p. 424: [...] não se fixa na CLT, entretanto, presunção legal de caráter absoluto mas simples presunção relativa de ausência de vínculo de emprego. O objetivo da regra teria sido o de retirar do rol empregatício relações próprias às cooperativas - desde que não comprovada a roupagem ou utilização meramente simulatória de tal figura jurídica. [...] Em decorrência, comprovado que o envoltório cooperativista não lida com profissionais efetivamente autônomos, desatende, ainda, às finalidades e princípios imanentes ao cooperativismo (princípio da dupla qualidade e princípio da retribuição pessoal diferenciada, por exemplo), fixando, por fim, vínculo caracterizado por todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, não há como evitar-se o reconhecimento desta relação empregatícia, afastando-se a simulação perpetrada. Por fim, em palestra, transcrita na obra Cooperativas

de trabalho, sob a coordenação dos insignes Professores Ives Gandra da Silva Martins Filho e Miguel Salaberry Filho, LTr, março de 2004, p. 86, o ilustre Dr. Raimundo Simão de Mello, Procurador Regional do Trabalho da 15ª Região, discorrendo sobre o previsto no artigo 442 da CLT, assim se pronunciou: ...logo que aprovada aquela alteração, surgiu uma orientação patronal rural, incentivando a criação de cooperativas de mão-de-obra, consubstanciada no seguinte: a) não existência de problemas trabalhistas; b) supressão de vínculo empregatício; c) inexistência de fiscalização trabalhista; d) desobrigação das responsabilidades trabalhistas e sociais, etc. Eis, como se vê, a possibilidade perigosa de fraudes e de desvirtuamento das normas trabalhistas e do verdadeiro cooperativismo, que com o tempo foi concretizada, como comprovam os inúmeros julgados trabalhistas. O que na maioria dos casos se vê é a criação de cooperativas de direito, mas não de fato, por “testas de ferro”, pagos por empresas e empreendimentos, com o objetivo de diminuir os custos trabalhistas e baratear a mão-de-obra, mediante apropriação indébita e maldosa da idéia cooperativista. Por conseguinte, a celebração de contratos de prestação de serviços com as cooperativas teve por escopo,

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sem sombra de dúvida, adquirir mão-de-obra barata, fugir do cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária e dar prejuízo econômico à autora, data venia. Tudo isso faz atrair a incidência do artigo 9º da CLT. Assinale-se que a existência do indigitado pacto não torna legítima a contratação da mão-de-obra, se a realidade fática traz à tona a presença da simulação, data venia. Segundo o ensinamento do Mestre Plá Rodriguez, o contrato de trabalho é contrato realidade. Os fatos preponderam sobre os documentos, ou seja, vale o que ocorre no mundo fático, independentemente da vestimenta formal do ajuste celebrado. Hodiernamente, proliferase a criação de cooperativas de trabalho, incentivada por empresas, com o fim de fraudar a legislação trabalhista, já que têm empregados a custo módico, sem necessidade de cumprir obrigações trabalhistas e sem o mínimo encargo social, repetese. Evidentemente, não desempenham qualquer finalidade social. Sobre o tema, ensina o ilustre Prof. Jorge Luiz Souto Maior, no seu trabalho intitulado Cooperativas de trabalho, Revista LTr 60-08-1062/1063, que: As cooperativas de produção (ou mesmo de “trabalho”), agasalhadas por nosso sistema jurídico, pressupõem que os instrumentos da produção

estejam na posse dos cooperados, além de terem estes total disponibilidade quanto ao produto do seu trabalho. Ou seja, várias pessoas podem unir esforços para, com o trabalho conjunto e sem fins lucrativos, suprirem uma necessidade que lhes era comum (construção de moradias, por exemplo). O trabalho e o resultado desse trabalho executado são usufruídos pelos cooperados e não por terceiros. Não há, por assim dizer, a possibilidade de comercialização desse trabalho, pois do contrário estar-se-ia diante de uma sociedade comercial como outra qualquer, não de uma cooperativa. Neste sentido, “cooperativas de trabalho” em que o resultado do trabalho é utilizado por terceiro (construção de casas para uma construtora, colheita de laranja para citricultores, colheita de lixo para um Município e prestação de serviços médicos para empresas de saúde ou um Município, por exemplo) não são propriamente cooperativas. (grifos adesivos) [...] As cooperativas, portanto, apesar de terem evidentes objetivos empresariais, pois visam à melhoria das condições de vida dos seus associados, não podem ser constituídas com o único propósito de colocar mãode-obra a serviço de outrem. O trabalho humano, no nosso atual ordenamento jurídico, é protegido pelas regras trabalhistas e não há métodos intermediários juridicamente

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possíveis para regular o trabalho não eventual, remunerado e subordinado de uma pessoa por outra. A prestação de trabalho nestas condições caracteriza a relação de emprego junto ao tomador de tais serviços... (os grifos não estão no original) Da mesma maneira, pensa o insigne Juiz do Trabalho Luiz Carlos Cândido Martins Sotero da Silva em trabalho intitulado As cooperativas de trabalho no meio rural, Suplemento Trabalhista, LTr, n. 126, 1995, p. 804: Com efeito, conforme claramente define o artigo 4º da Lei n. 5.764/71, a finalidade da cooperativa é prestar serviços aos associados ou em regime de reciprocidade. Visa o bem comum dos sócios-cooperados. Nesse passo, a cooperativa que deixar, por qualquer razão, de cumprir essa finalidade, simplesmente arregimentando-os para a prestação de serviços a terceiros, numa nítida locação da mão-deobra como se mercadorias ou bens de serviços fossem, divorcia-se flagrantemente da sua própria razão de existir. Haverá aí uma verdadeira intermediação ilícita de mão-de-obra entre a cooperativa e o tomador de serviço, afrontando o artigo 9º, da Lei n. 5.764/71, como também o parágrafo único, do artigo 442, o artigo 9º e o artigo 444, todos da CLT. Igualmente, a jurisprudência não destoa da doutrina. Veja-se, então:

COOPERATIVA. COOPERADO. FRAUDE. A discussão que envolve cooperativa-cooperado, para ornar essa típica situação veiculada pela legislação, seria condizente à hipótese da Cooperativa se restringir a aproximar seu associado do tomador dos serviços.”O disposto no artigo 9º da Lei n. 5.764/71 pressupõe relação jurídica de mero associado, quando a Cooperativa se restringe a aproximar o associado daquele tomador dos serviços, a fim de que os mesmos celebrem contrato de emprego. Não passa pelo crivo do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho procedimento da Cooperativa que implique colocar à disposição de terceiros força de trabalho, mediante remuneração do prestador de serviços a título de mera participação” (Min. Marco Aurélio). Cooperativa realmente funciona como tal quando intermediária entre os associados e aqueles que desejassem contar com a força de trabalho. Efetivando contratos com estes últimos e colocando a força de trabalho daqueles que seriam os associados à disposição dos tomadores, efetuando pagamentos aos prestadores dos serviços, essa hipótese discrepa do ordenamento jurídico vigente, de vez que encerra locação de serviços estranha à Lei n. 6.019/ 74, chegando à marchandagem que o Direito do Trabalho repudia. O art. 7º da Lei n. 5.764/71 é incisivo: caracteriza-se a cooperativa pela prestação direta de serviços aos associados e,

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não, pela prestação de serviços dos associados, o que consubstancia distinção fundamental. (Ac. do TRT da 3ª Região, RO1187/02, Rel. Juiz Ricardo Antônio Mohallem, publ. no “Minas Gerais” de 12.04.2002)

serve de escusa à retenção das verbas finais do trabalhador. Afinal, o ajuste sobrevivia no plano fático sob a égide celetista. É devida, portanto, a multa do art. 477 da CLT, nos termos da Súmula n. 12 deste Regional, que acato por disciplina judiciária:

Nota-se que a reclamante nunca foi cooperada, mas cooperou, isto sim, com o aumento do lucro das cooperativas e da terceira reclamada, data venia. Igualmente, jamais foi trabalhadora autônoma. Diante desse longo arrazoado, é incontrastável que a reclamante era empregada da terceira reclamada, máxime, porque esta se beneficiou, com exclusividade, da força de seu trabalho.

RELAÇÃO DE EMPREGO C O N T R O V E R T I D A . APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º DA CLT. Mesmo havendo séria controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício e sendo este reconhecido apenas em juízo, aplica-se ao empregador a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias.

Isto posto, mantenho a sentença.

A prova testemunhal avaliza por completo a condenação, narrando a dobra de turnos e o trabalho aos sábados fora do contexto ordinário; vejase:

Da rescisão contratual Aqui assiste inteira razão aos recorrentes, d.v. O documento de f. 38, redigido pela própria reclamante e por ela juntado com a inicial, revela que foi sua a iniciativa pela rescisão contratual. Logo, não lhe são devidas as parcelas de aviso prévio e multa fundiária, tampouco os benefícios de levantamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e segurodesemprego. Provido, nesses termos. Da multa do art. 477 da CLT O reconhecimento do vínculo empregatício somente em juízo não

Desprovido. Das horas extras e reflexos

que trabalhavam de 08 as 14 horas e, às vezes, estendiam de 14 as 20 horas, no caso de faltas de operadores; que isto ocorria em média duas vezes por semana; que uma ou duas vezes por mês tinha um treinamento aos sábados no horário de 08 as 14 horas; que o treinamento às vezes era de pessoas do banco (Abadia e Marcos Soavino) Thais Candida Vasconcelos, f. 538. Pouco importa tratar-se de depoimento único. O encargo

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processual da prova encontra-se plenamente atendido, nos termos do art. 818 da CLT e inciso I do art. 333 do CPC. Não há que se cogitar de limitação da condenação ao que sobejar das 44 horas semanais, uma vez que a jornada ordinária, incontroversa (v. recurso, f. 604), é de seis horas diárias. O que a tal extrapola é extraordinário e merece a respectiva contraprestação. Por fim, fica rechaçada a alegada acessoriedade do pedido de pagamento pelo trabalho prestado aos sábados ao reconhecimento da isonomia funcional com os bancários. Este pedido condicional refere-se apenas aos reflexos da condenação de horas extras, sobre os sábados, conforme se infere da inicial à f. 17. Nada há a prover, portanto. Dos benefícios previstos nas normas coletivas dos bancários Reconhecido o vínculo empregatício diretamente com o Banco Triângulo, a reclamante tem inequívoco direito aos benefícios previstos nas normas coletivas que passam a albergá-la. Desprovido. Recurso da reclamante Da justiça gratuita O § 1º do art. 14 da Lei n. 5.584/70 diz que a assistência judiciária é assegurada ao trabalhador que demonstra que sua situação econômica não lhe permite demandar sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. Nos termos da Lei n. 7.115/83 a declaração destinada a fazer prova de pobreza, quando firmada pelo próprio interessado, presume-se verdadeira. Esta documentação consta dos autos à f. 25.

Assim sendo, muito embora de fato inócua a concessão do benefício, uma vez que a sucumbência é das reclamadas, defiro o pedido. Provido. Da salarial

isonomia/equiparação

Na inicial, a reclamante rogou pela isonomia salarial com o quadro funcional do Banco Triângulo, genericamente (v. f. 14/17). Mas aditou seu pedido na audiência inaugural, consoante se infere à f. 105: a reclamante requer o aditamento da inicial para indicar como paradigma ao pedido de equiparação a funcionária da quarta reclamada de nome Larissa de Cássia Medeiros. Assim se estabeleceram os limites da lide: equiparação salarial a modelo indicada. O pedido, então, sucumbiu à falta de prova, já que não há nos autos um elemento sequer apontando para a identidade funcional com a paradigma, ônus que cabia à reclamante, nos termos do art. 818 da CLT, inciso I do art. 333 do CPC. O retorno à inicial, feito em razões de recurso, com invocação a um suposto PCS do Banco Triângulo e também aos pisos salariais estabelecidos em CCT, agora fogem às fronteiras da reclamatória, estabelecidas pela própria reclamante ao reformular sua pretensão. Nego provimento. Das multas normativas O julgador a quo indeferiu o

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pedido porque a submissão ao normativo coletivo dos bancários foi determinada somente em juízo (f. 548). Discordo, d.v. O mesmo raciocínio que serve de amparo à condenação ao pagamento da multa do art. 477 da CLT deve aqui vir à baila: o ajuste sobrevivia no plano fático, como relação de emprego junto ao banco reclamado. A displicência do empregador de fato não é escusa válida à inobservância dos preceitos normativos que regulamentam as relações de emprego que se firmam sob sua égide. Provimento que se dá, para acrescer à condenação multas normativas, uma por cada instrumento violado, em conformidade com o item I da Súmula n. 384 do TST:

Esta, “Desc. Diversos”, foi efetuada no mês de março/05 (f. 36), e a autora correlacionou-a aos atestados médicos de f. 38/39, emitidos pelo SUS, que de fato referem-se a afastamentos ocorridos no mês de março/05. Nos termos do § 3º do art. 60 da Lei n. 8.213/ 91, “Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral.” Os reclamados não contestam a lidimidade dos afastamentos, é bom ressaltar. Assim sendo, dá-se provimento para acrescer à condenação reembolso por descontos indevidos, realizados sob as rubricas “Capital” e “Desc. Diversos”, apuráveis junto aos recibos de pagamento acostados às f. 36/37.

MULTA PREVISTA EM VÁRIOS I N S T R U M E N T O S NORMATIVOS. CUMULAÇÃO DE AÇÕES. O descumprimento de qualquer cláusula constante de instrumentos normativos diversos não submete o empregado a ajuizar várias ações, pleiteando em cada uma o pagamento da multa referente ao descumprimento de obrigações previstas nas cláusulas respectivas.

Da litigância de má-fé, argüida em contra-razões pelo Banco Triângulo S/A Não se extrai das razões recursais da reclamante qualquer tese inovadora. Os argumentos por ela trazidos foram, em algum momento, levantados nos autos. Assim sendo, não há que se cogitar de litigância de máfé. Rejeito. Fundamentos pelos quais,

Do reembolso por descontos indevidos D.v., novamente assiste razão à reclamante. Os recibos salariais de f. 36/37 demonstram os narrados descontos, sob as rubricas “Capital” e “Desc. Diversos”. Aquela se refere à quotaparte do “associado cooperado”, condição descaracterizada à autora em juízo.

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, à unanimidade, acolheu a preliminar argüida de ofício pela Ex.ma Juíza Relatora e não conheceu do recurso da Cooperativa Brasileira Multiprofissisonal Ltda. COOPERBRÁS, por deserto, mas conheceu dos recursos do Banco Triângulo S/A, da LM Consultoria em Call Center e Desenvolvimento Comercial Ltda., e da

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reclamante; sem divergência, rejeitou a preliminar de inépcia da inicial, argüida pelo Banco Triângulo S/A; no mérito, por maioria de votos, deu provimento parcial ao recurso das reclamadas para excluir da condenação as parcelas de aviso prévio e multa fundiária, e os benefícios de levantamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e segurodesemprego, vencido parcialmente o Ex.mo Juiz Revisor; sem divergência, deu provimento parcial ao recurso da reclamante para deferir-lhe o benefício da justiça gratuita e para acrescer à condenação multas normativas, uma por cada instrumento violado, em conformidade com o item I da Súmula n. 384 do TST, e reembolso por descontos indevidos, realizados sob as rubricas “Capital” e “Desc. Diversos”, apuráveis junto aos recibos de pagamento acostados às f. 36/37. Mantido o valor arbitrado à condenação, porque compatível. Belo Horizonte, 11 de dezembro de 2006. DEOCLECIA AMORELLI DIAS Relatora TRT-00227-2005-129-03-00-1-RO Publ. no “MG” de 08.07.2006 RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECORRIDOS: MARCOS MOREIRA MAGLIONI E OUTRO EMENTA: TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO - DANO MORAL COLETIVO. Dadas as condições degradantes em que se encontravam os trabalhadores, restaram

violados os direitos humanos, violação essa que o Brasil comprometeu-se a reprimir em decorrência de tratados internacionais. RELATÓRIO Ao relatório de f. 242/243, acrescento que a sentença da 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, proferida pelo Ex.mo Juiz Edmar Souza Salgado, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados na presente ação civil pública, condenando os réus solidariamente a pagarem a quantia de R$200.000,00, a título de indenização por danos morais, devidamente corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador; pagarem a todos os seus empregados a remuneração pactuada, respeitado o salário mínimo legal e a porcentagem salarial mínima a ser paga em pecúnia, bem assim o percentual máximo previsto para o salário in natura; promoverem a efetiva anotação na CTPS dos empregados, devendo conter todos os registros previstos no art. 29, caput e § 1º, da CLT; respeitarem a jornada máxima prevista constitucionalmente de 8 horas diárias, bem como o intervalo intrajornada de 1 hora para descanso e refeição, o intervalo interjornada de no mínimo 11 horas consecutivas e o repouso semanal remunerado de 24 horas consecutivas; absterem-se de fornecer aos empregados bebidas alcoólicas, como contraprestação laboral, e substâncias entorpecentes, a qualquer título; absterem-se de reter os pertences dos empregados. Mantida a liminar (f. 72), reduzindo o seu valor para R$500,00. Juros e correção monetária na forma da lei e em harmonia com as

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Súmulas n. 200 e 381 do TST. Determinada a expedição de ofício à DRT e ao INSS. O Ministério Público do Trabalho recorre (f. 264/275), aduzindo que restou plenamente demonstrada nos autos a existência de trabalho em condições análogas à de escravo. Sustenta, ainda, que não deveria ter sido reduzida a multa por descumprimento das obrigações de R$1.000,00 para R$500,00, como entendeu o d. juízo a quo. Requer, pois, seja restabelecido o valor anteriormente fixado. FUNDAMENTOS Admissibilidade Conheço do recurso, por presentes os pressupostos de admissibilidade. Mérito O Ministério Público do Trabalho ajuizou a presente ação civil pública buscando a defesa coletiva de interesses individuais hom*ogêneos. Alegou, para tanto, que as condições de trabalho na Fazenda “Água Preta”, de propriedade dos reclamados, eram análogas à de escravo. Requereu a condenação dos reclamados ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer elencadas às f. 21/22, sob pena de aplicação de multa por infração e por trabalhador, bem como a condenação do demandado ao pagamento de R$500.000,00, a título de reparação por dano moral coletivo aos direitos difusos dos trabalhadores. Os reclamados contestaram o feito, negando a existência de trabalho em condições análogas à de escravo. Requereram, ainda, a suspensão da

presente ação até o julgamento da ação criminal versando sobre o mesmo assunto. O juízo a quo, embora tenha entendido que não houve a caracterização de trabalho escravo, reconheceu a situação degradante a que foram submetidos os empregados dos reclamados, condenando-os à indenização por danos morais no importe de R$200.000,00, corrigidos monetariamente até o efetivo recolhimento em favor do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Entendeu, ainda, por reduzir o valor da multa diária fixada na concessão da liminar (f. 72) para R$500,00. Contra tal decisão, insurge-se o Ministério Público do Trabalho, asseverando haver restado provado o trabalho em condições degradantes, análogas à de escravo, requerendo, assim, a majoração da indenização por danos morais, bem como a multa diária de R$1.000,00 fixada na concessão da liminar. Passo, pois, ao exame do apelo. Primeiramente, cumpre registrar que o “trabalho escravo” foi banido deste País há mais de um século, pela edição da Lei Áurea em 13.05.1888. Entretanto, hoje ainda permanece o aviltamento das condições de trabalho, em que o empregado é submetido a situações degradantes de labor, em ofensa à ordem social consagrada no Texto Constitucional e aos direitos assegurados pela Legislação do Trabalho. Essa situação degradante de trabalho é modernamente concebida como “trabalho em condições análogas à de escravo”, em violação à organização do trabalho, e configura-se infração penal descrita nos tipos legais dos arts. 149, 132, parágrafo único, 203 e 207 do Código Penal. Para a sua caracterização

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não é necessário o cerceio da liberdade de locomoção do trabalhador, mediante o aprisionamento deste no local de trabalho. Basta a configuração da falta de condução, da dependência econômica, da carência de alimentação e de instalações hidrosanitárias adequadas, do aliciamento de mão-deobra, dentre outros. Em segundo prisma, os reclamados em sua contestação refutam de forma genérica a existência de trabalho em condições análogas à de escravo, enfatizando que, por tratarse de pequena propriedade, não havia necessidade de muitos empregados, mas apenas dos que efetivamente foram registrados (apenas 4 empregados, segundo informações prestadas em depoimento pessoal do 2º reclamado, à f. 180. Informou, ainda, que, em época de safra, havia apenas a contratação de meeiros e, portanto, sem necessidade de registro). Sustentou que não havia qualquer constrangimento ao direito de locomoção dos trabalhadores. Há que se ressaltar que os reclamados não lograram êxito em demonstrar os fatos alegados, sendo forçoso concluir pela existência do vínculo empregatício entre os reclamados e os substituídos. Quanto ao trabalho em condições análogas à de escravo, da análise do conjunto probatório dos autos, ao contrário do entendimento adotado na origem, constata-se a existência dos seus elementos caracterizadores. Consta dos documentos colacionados com a inicial (f. 23/48) a denúncia sobre possível existência de trabalho escravo na Fazenda “Água Preta”, de propriedade dos Srs. José Pedro Maglioni Ribeiro e Marcos Moreira Maglioni, tendo sido relatado que,

mediante ameaças, violência, engano, era suprimido aos empregados o pagamento do salário prometido, quando da contratação, a qual era feita apenas verbalmente, sem nenhuma regularização ou anotação em CTPS. O “salário” era fornecido na forma de gêneros alimentícios e aguardente. Mais ainda, se os empregados se lesionassem, tinham de trabalhar, sob pena de não receberem a comida, tendo o administrador pago em dinheiro apenas a importância de R$5,00 ou R$10,00, por semana, quantia que não respeita o mínimo legal de 30% do salário mínimo, que deve ser pago em pecúnia. Na ocasião em que os empregados chegavam a cobrar a remuneração prometida, os denunciados os ameaçavam de violência e morte, situação que demonstra o total estado de sujeição. De servidão, em que se encontravam os empregados da fazenda em relação aos denunciados, dependendo destes quanto à alimentação e moradia, diante da retenção de seus salários, e ameaçados ao cobrar deles seus direitos. Diante da insatisfação dos empregados em não receber suas remunerações com regularidade, e do desejo de abandono do emprego, o denunciado Marcos também ameaçava de morte seus empregados e de se apropriar dos bens daqueles que deixassem a fazenda. (denúncia do Ministério Público estadual, à f. 47)

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Tais fatos descritos na denúncia do parquet estadual foram corroborados, no meu entender, pelos depoimentos prestados nesta Especializada (f. 181/182), notadamente o depoimento de Alessandra Silvério Martins, in verbis: que viveu maritalmente com o 1º recdo. por cerca de um ano e 3 meses, tendo se separado há cerca de 1 ano e pouco; que o 1º recdo. chegou a agredir um funcionário de nome Lázaro que tinha ido “pedir pinga”; que havia funcionários que trabalhavam praticamente em troca de comida, como o Sr. Juliano, sendo que o 1º recdo. dava apenas R$45,00 nos finais de semana; sendo que o dinheiro era utilizado para “comprar cachaça nos bares próximos”; que já presenciou o 1º recdo. dando maconha para o Sr. Juliano, Mauro Lúcio de Oliveira; que presenciava os funcionários indo solicitar dinheiro; que o 1º recdo. lhes dava, muitas vezes, a pedido da depoente, pequenos valores como R$5,00; que somente presenciou pagamentos picados; que o 1º recdo. fornecia alimento em pequena quantidade, sendo que os funcionários vinham pedindo por mais e muitas vezes o 1º recdo. negava... (depoimento à f. 181, destaques acrescidos ao original). As testemunhas trazidas pelos reclamados não lograram desconstituir as provas documentais, dentre elas os depoimentos prestados perante a autoridade policial (cópias, f. 23/35) e, tampouco, anularam o depoimento da

testemunha do autor. Isso porque, em que pese ambas as testemunhas patronais haverem afirmado que os reclamados forneciam adequadas condições de trabalho a seus trabalhadores, foram unânimes em afirmar que não havia o registro de seu contrato em CTPS e sequer souberam informar acerca do salário efetivamente percebido. Assim, percebe-se das provas testemunhais e documentais dos autos que, de fato, foram apuradas irregularidades na fazenda dos reclamados. Irregularidades estas que ainda não foram sanadas, diga-se de passagem. Em julgamento de caso semelhante (Processo 00245-2004-81110-00-3-RO, publicado no DOU em 18.03.2005), a Juíza Heloisa Pinto Marques, da 2ª Turma do TRT da 10ª Região, destacou a brilhante explanação da conferencista doutora Raquel Elias Ferreira da Dodge, na 1ª Jornada de Debates sobre Trabalho Escravo, em 24 e 25 de setembro de 2002, in verbis: “...a escravidão não foi eliminada, foi mascarada por novos nomes, métodos e experiências. Se a escravidão não mais existisse ou tivesse presença episódica no mundo, a Assembléia Geral da ONU não teria reafirmado, no último dia 2 de dezembro, o dia internacional para a abolição da escravidão...” “...O Brasil tem ordem social definida pela liberdade e dignidade da pessoa humana e tem ordem econômica fundada em utilização de mão-deobra remunerada. A prática de formas contemporâneas de escravidão atenta contra todos os princípios formadores da nação brasileira. Malgrados os esforços

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já feitos, ainda existe escravidão no Brasil. O assunto exige tratamento prioritário e ênfase constante. A prática é disseminada no território nacional em região urbana e em região rural. Ela nos desonra, nos indigna e exige atuação permanente que previna sua ocorrência, puna seus praticantes, liberte os explorados e sobretudo esclareça a população, fortalecendo uma cultura de respeito à dignidade da pessoa humana...” “...os compromissos internacionais que o Brasil assumiu e os compromissos constitucionais estão fundados na igualdade, na liberdade e na dignidade da pessoa humana e fundamentam a ordem social como na defesa dos direitos sociais, dentre os quais a remuneração digna do trabalho e o livre exercício ou profissão. A escravidão, em todas as suas formas, ofende valores constitucionais e avilta a humanidade. Não atinge apenas direitos sociais, mas todos os direitos humanos; por isso, a União não pode concentrar sua atuação ao restrito âmbito das relações de trabalho e emprego, mas deve abranger todas as formas de escravidão e sobretudo promover o resgate de todos os direitos e da dignidade da pessoa vitimada...” (f. 125/142). Podemos destacar, ainda, o voto do Juiz José Ribamar O. Lima Júnior, por meio do RO 00073/2002, 10ª Região, 2ª Turma, processo proveniente também da Vara de Araguaína/TO, que, ao se manifestar sobre o trabalho análogo ao trabalho escravo, consigna:

DANO MORAL. TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO. Além da justa reparação do dano moral requerida, bem como da procedência das verbas rescisórias trabalhistas reivindicadas em conseqüência do aludido dano, também justificador da extinção das relações empregatícias, torna-se impostergável um indispensável e inadiável “Basta” à intolerável e nefasta ofensa social e retorno urgente à decência das relações humanas de trabalho. Torna-se, portanto, urgente a extirpação desse cancro do trabalho forçado análogo à de escravo que infeccionou as relações normais de trabalho, sob condições repulsivas da prestação de serviços tão à reputação do cidadão brasileiro com negativa imagem do país, perante o mundo civilizado. Assim, dadas as situações degradantes em que se encontravam os trabalhadores da Fazenda “Água Preta”, restaram violados os direitos humanos, violação esta que o Brasil comprometeuse a reprimir em decorrência de tratados internacionais, restando evidenciadas a aliciação de trabalhadores e a redução destes a condições análogas à de escravo, mediante a dependência econômica detalhada acima (não pagamento de salários, mas labor em troca de casa e comida apenas). Reconhece-se, portanto, a existência de dano moral coletivo por violação a direitos metaindividuais, motivo pelo qual se mantém a condenação dos reclamados, majorando, todavia, o valor da indenização para R$400.000,00 a ser

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revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85 e parágrafo único do art. 100 do CDC, Lei n. 8.078/90. Quanto às demais obrigações de fazer e não fazer impostas pelo juízo de origem, mantém-se a r. sentença recorrida (f. 250). O não cumprimento dessas obrigações de fazer e não fazer pelo reclamado importará em cominação de multa por infração e por trabalhador, no valor de R$1.000,00, a ser revertido em favor do FAT. Esclareça-se, por oportuno, que não há bis in idem na cominação da multa acima exposta com aquelas eventualmente aplicadas pelo procedimento administrativo do Ministério Público do Trabalho, justamente porque esta primeira sanção decorreu de ato já praticado, enquanto a cominação da multa em debate darse-á pelo descumprimento das obrigações detalhadas nestes autos, as quais os recorridos deverão observar. Provimento conferido nestes termos. CONCLUSÃO O TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO, por sua Terceira Turma, à unanimidade, conheceu do recurso e, no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para, declarando a existência de trabalho em condições análogas à de escravos, majorar o valor da indenização por danos morais, fixando-a em R$400.000,00 a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/85 e parágrafo único do art. 100 do CDC, Lei n. 8.078/90 e, ainda, estabelecer o valor da multa por infração e por trabalhador, no valor de R$1.000,00, a ser revertido em favor do FAT; em conseqüência, condeno os

reclamados ao pagamento de custas no valor de R$8.000,00, calculadas sobre R$400.0000,00, valor dado à causa e ora utilizado para os devidos fins. Belo Horizonte, 28 de junho de 2006. MARIA LÚCIA CARDOSO DE MAGALHÃES Relatora

TRT-00741-2006-109-03-00-3-RO Publ. no “MG” de 16.12.2006 RECORRENTES: (1) CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. (2) ADRIANO GOMES SOARES DA SILVA RECORRIDOS: (1) OS MESMOS EMENTA: DANOS MORAIS ACUSAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA DE SUPERMERCADO IMPUTADA AO EMPREGADO - OMISSÃO DO EMPREGADOR. Deve responder por reparação de danos morais sofridos pelo trabalhador o supermercado que se omite diante do fato de ser esse seu empregado processado e condenado criminalmente pela prática de crime tipificado no caput do artigo 67 da Lei n. 8.078/90 (“Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”) que deveria ser atribuído à empresa, fornecedora do produto. A conduta omissiva da empresa deixou recair sobre o seu empregado os riscos do empreendimento econômico,

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violando o comando legal incurso no artigo 2º da CLT, estando aí demonstrado o ato ilícito, pronto a ensejar a reparação pretendida. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recursos ordinários, decide-se: RELATÓRIO A MM. Juíza do Trabalho Silene Cunha de Oliveira, em exercício na 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, pela r. decisão de f. 86/90, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados na reclamação ajuizada por ADRIANO GOMES SOARES DA SILVA contra CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA., condenando esta a pagar àquele indenização por danos morais fixada no valor de R$3.000,00. Inconformada, a reclamada interpôs recurso ordinário às f. 91/98, invocando, como prejudicial de mérito, a eficácia liberatória autorizada na Súmula n. 330 do Colendo TST, ao argumento de que inexiste qualquer ressalva no instrumento de rescisão firmado pelo reclamante. No mérito propriamente dito, insurge-se contra a condenação de reparar danos morais alegados pelo reclamante, sustentando a inexistência dos próprios danos e, na eventualidade, de qualquer culpa sua no evento denunciado. Depósito prévio e preparo das custas do recurso foram juntados às f. 99/100. O reclamante interpôs recurso ordinário adesivo às f. 105/108, pretendendo a majoração do valor da reparação dos danos morais arbitrado em primeiro grau, dizendo-o manifestamente irrisório, insuficiente

para atender à finalidade da reparação, além de não ter considerado a gravidade da lesão, o grau de culpa da reclamada, o prejuízo que lhe foi impingido e o caráter punitivo e pedagógico da reparação, pugnando pela reforma da r. sentença a fim de se fixar como termo inicial da incidência de juros e correção monetária a data da distribuição da reclamatória. Contra-razões reciprocamente apresentadas às f. 102/104 e 109/115. É o relatório. VOTO Juízo de admissibilidade dos recursos Conheço do recurso ordinário da reclamada e do recurso ordinário adesivo do reclamante, porque atendidos todos os pressupostos objetivos e subjetivos para sua admissibilidade. Juízo de mérito dos recursos Eficácia liberatória da Súmula n. 330 do TST argüida no recurso da reclamada A reclamada pretende ver aplicada à hipótese deste processo a eficácia liberatória que entende contida na Súmula n. 330 do Colendo TST. Sem razão. Isso porque continua inadmissível a renúncia genérica e indiscriminada de direitos trabalhistas quando da rescisão do contrato de trabalho, nos claros termos da parte final do § 2º do artigo 477 da CLT. E a Súmula n. 330 do TST não alterou este princípio básico. Nela se proclama que a quitação dada pelo trabalhador ao receber suas verbas

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rescisórias, desde que devidamente assistido por sua entidade sindical, libera o empregador da obrigação em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e específica ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas, não abrangendo a quitação de verbas não consignadas no recibo de quitação, sendo que, em relação aos direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação só é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação. É o que deflui do item I dessa Súmula de jurisprudência, verbis: I - A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo. Assim, os direitos trabalhistas não discriminados no recibo rescisório não são alcançados por pretensa quitação, apenas porque naquele ato o reclamante nada ressalvou a respeito. Este o entendimento adotado por este Egrégio Regional, conforme ementa a seguir: SÚMULA 330/TST - QUITAÇÃO. Nos termos da Súmula 330 do TST, a quitação passada pelo empregado ao empregador, com assistência de entidade sindical da categoria profissional, tem eficácia liberatória apenas em relação às parcelas expressamente consignadas nos recibos, dentro do limite dos valores efetivamente pagos. Dessa forma, a eficácia liberatória se refere apenas aos

valores consignados no TRCT, não havendo impedimento para que o reclamante pleiteie valores restantes que entender devidos, ainda que em complemento dos títulos discriminados no TRCT. (00936-2005-013-03-00-3- RO, 1ª T., Rel. Juiz Mauricio José Godinho Delgado, DJMG de 07.04.06) Rejeito. Matéria comum a ambos os recursos Reparação de danos morais A pretensão veio calcada em reparação de danos morais impingidos pela reclamada ao reclamante em decorrência do contrato de trabalho, sendo incontroversos os seguintes fatos que dão origem ao pedido: O reclamante era coordenador de operações da loja CHAMPION, unidade de Santa Luzia/MG da reclamada. Não exercia funções de gerente da loja ou mesmo de departamento, não tendo sido tampouco designado pela reclamada para, em nome da empresa, tratar com os seus clientes, já que havia “coordenadores plantonistas” especialmente designados para essa finalidade. No dia 08.10.2004, um cliente dessa loja, ao adquirir produtos do supermercado, exigiu do caixa, no ato da compra, um desconto que teria sido anunciado em propaganda veiculada pela ré. Na ausência dos gerentes ou dos coordenadores plantonistas, o reclamante foi chamado para resolver o impasse, e informou ao cliente, apresentando-lhe a propaganda questionada, que os produtos não estavam incluídos na promoção, sem lograr convencer este último, contudo.

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A polícia militar foi então acionada pelo consumidor, tendo-se lavrado o boletim de ocorrência de f. 55/56. Remetido o expediente para a Justiça Criminal, o Ministério Público Estadual, atuando no Juizado Especial Criminal de Santa Luzia/MG, resolveu oferecer denúncia contra o reclamante, acusando-o de ter sido ele, no episódio acontecido no dia 08.10.2004, o autor do crime tipificado no caput do artigo 67 da Lei n. 8.078/90 (sic, f.11/13), qual seja, o de “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”. O reclamante foi então citado como acusado da prática de crime (f. 10) e passou a responder por processo criminal, figurando como autor do crime de propaganda enganosa. Comparecendo em juízo, acompanhado de advogado patrocinado pela reclamada, aceitou proposta de transação penal apresentada pelo Promotor de Justiça, e, devidamente assistido por esse advogado da ré, assumiu a condição de autor do fato delituoso, sofrendo, em conseqüência, a aplicação imediata de pena restritiva de direito consistente em prestação pecuniária, mediante doação de duas cestas básicas que deveriam ser entregues em local designado pelo i. Promotor de Justiça. Realizada a transação penal, o reclamante, figurando como autor do crime, reitere-se, foi advertido pelo MM. Juiz de Direito que a transação não importaria reincidência e inscrição no rol dos culpados, mas era registrada “apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos” (f. 13). Estes fatos narrados são tão absurdos que desafiam qualquer compreensão menos razoável do que seja direito e justo no contexto da nossa ordem jurídica, social e econômica.

Um simples passar de olhos pela lei, sem exigir nenhum esforço exegético, induz que o tipo penal inscrito no artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor, no qual o autor foi incurso, incrimina por “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva” o fornecedor do produto, o veículo de publicidade ou o publicitário responsável, mas nunca, jamais, um empregado daquele fornecedor que estivesse no estrito cumprimento de ordens de seu patrão, em benefício de cuja atividade econômica, aliás, entrega sua força de trabalho para receber um salário que lhe vai garantir o sustento próprio e de sua família. Se a reclamada, benevolente, designou advogado seu para defender os interesses de seu empregado (que na verdade também lhe servia ali como um “testa-de-ferro”), não se pode aceitar, razoavelmente, que nenhuma providência processual haja sido requerida para se colocar no pólo passivo da ação criminal aquela que deveria figurar ali como ré, que é a reclamada, de forma que ela pudesse formular perante aquele Juízo Criminal os argumentos de defesa que em vão foram deduzidos nesta reclamação trabalhista, de que um ou outro produto era vendido na padaria ou na salsicharia, ou que o produto que o cliente pretendia comprar não estava anunciado em promoção no cartaz da loja ... e discutir lá a questão levantada aqui conforme a qual não se teria cometido o crime denunciado. Mas a ré preferiu omitir-se, nada obstante se considerasse culpada, já que assentiu em “patrocinar” o advogado para defender o reclamante e as cestas básicas que couberam a este último como pena restritiva, permitindo que um seu simples

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empregado suportasse os riscos do seu gigantesco empreendimento econômico, contrariando o comando legal incurso no artigo 2º da CLT. E foi essa omissão da reclamada que fez desencadear toda a seqüência de enganos cometidos na lamentável ação criminal promovida contra o reclamante, na medida em que, tivesse a ré assumido a sua responsabilidade, decerto que o autor não teria experimentado o sentimento de indignação e de injustiça, os dissabores e o constrangimento de comparecer perante um Juízo Criminal para responder pela prática de um crime que seguramente não foi cometido por ele. Está aí demonstrado, portanto, o ato ilícito praticado pela reclamada, pronto a ensejar a reparação pelos evidentes e inegáveis prejuízos suportados pelo reclamante. A existência do ilícito demonstrado, às escâncaras, já se traduziria, por si só, em suporte para a busca indenizatória do dano moral, dada a subversão de valores aceitos pelo homem comum como o trabalho, a honestidade e o caráter que compõem a sua dignidade pessoal. E essa lesão se projeta objetivamente em forma de um sentimento de angústia, sofrimento, indignação. Já se sabe que a proteção à honra assegurada na Constituição Federal não consiste apenas no direito da pessoa de não ser lesada na sua consideração social. A proteção alcança, também, o direito da pessoa de não ser ofendida na sua dignidade, considerada esta em si mesma, estando, portanto, jungida à agressão de um valor subjetivo que vai redundar em sofrimento para a vítima, seja em função do que vai abstrair do ato ela mesma ou do que haverão de pensar os outros dela.

O dano moral, entendido como o sofrimento físico e mental, o sentimento de dor e desânimo, angústia, indignação e de menos-valia, conquanto intangível, não-mensurável por critérios objetivos, enseja uma reparação que dê à vítima o conforto e a esperança de ver mitigado o sofrimento, a humilhação que lhe é impingida e o sentimento de descrença, consistindo em justa medida que funcionará como lenitivo da angústia e da indignação suportadas pela vítima. Os danos sofridos pelo reclamante foram muitos: não bastasse a lesão à sua honra, a omissão da reclamada em permitir que ele, em nome da empresa, sofresse uma pena por crime que não cometeu, atingiu-lhe os valores subjetivos protegidos pela lei. Por isso, exige uma reparação mais justa do que a arbitrada em primeiro grau, data venia da MM. Juíza prolatora da sentença. A propósito desse tema, a doutrina do eminente jurista SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA: Onde houver dano ou prejuízo, a responsabilidade civil é chamada para fundamentar a pretensão de ressarcimento por parte daquele que sofreu as conseqüências do infortúnio. É, por isso, instrumento de manutenção da harmonia social, na medida em que socorre o que foi lesado, utilizando o patrimônio do causador do dano para restauração do equilíbrio rompido. Com isso, além de corrigir o desvio de conduta, amparando a vítima do prejuízo, serve para desestimular o violador potencial, o qual pode antever e até mensurar o peso da reposição que seu ato ou

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omissão poderá acarretar. (in Proteção jurídica à saúde do trabalhador, LTr, 4. ed., p. 233)

Nego provimento ao recurso da reclamada e dou provimento ao recurso adesivo do reclamante.

Quanto ao valor da indenização, JOÃO DE LIMA TEIXEIRA FILHO (in Revista LTr, v. 60, n. 09, setembro/1996, p. 1.171) estabelece parâmetros que devem ser observados pelo magistrado, quais sejam: a extensão do fato inquinado (número de pessoas atingidas, de assistentes ou de conhecedoras para efeito de repercussão); permanência temporal (se o sofrimento é efêmero, pode ser atenuado ou tende a se prolongar no tempo por razão plausível); intensidade (o ato ilícito foi venial ou grave, doloso ou culposo); antecedentes do agente (a reincidência do infrator deve agravar a reparação a ser prestada ao ofendido); situação econômica do ofensor e razoabilidade do valor. Isso colocado, penso que a conduta omissiva da reclamada deve lhe custar mais caro, redobrada vênia do r. entendimento de origem, ainda que com isso se pretenda impedir que a empresa reincida na prática de conduta tal e a fim de que o peso da sua injustificável omissão seja mensurado na mesma proporção em que se avalia a extensão dos danos causados ao reclamante. Considerando, portanto, os parâmetros acima transcritos, o poderio econômico da reclamada, que representa uma das maiores redes de supermercados do país, e o seu grau de culpa, bem assim a gravidade da lesão, com a subversão dos valores subjetivos do reclamante, elevo o valor da indenização por danos morais, que está a cargo da reclamada, para R$30.000,00, nos limites do pedido, eis que reputo esse quantum mais razoável para a finalidade pretendida.

Atualização monetária do quantum indenizatório pretendida no recurso do autor O d. juízo de origem determinou a incidência de juros e correção monetária a partir do quinto dia útil subseqüente ao trânsito em julgado da decisão (fundamentos de f. 89). Todavia, os juros moratórios são devidos a partir do ajuizamento da ação, nos termos da Súmula n. 200 do Colendo TST, também em se tratando de reparação de danos morais verificados no contrato de trabalho. A correção monetária é devida a partir da data do evento danoso, data maxima venia. Mas, nos limites do pedido do autor, incidirá sobre o quantum deferido apenas a partir do ajuizamento da ação. Provejo o recurso, também nesse particular aspecto. CONCLUSÃO Conheço do recurso ordinário da reclamada e do recurso ordinário adesivo do reclamante. No mérito, nego provimento ao recurso ordinário e provejo, em parte, o recurso adesivo, para elevar o valor da indenização pelos danos morais, que está a cargo da reclamada, para R$30.000,00, atualizáveis com juros de mora incidentes a partir do ajuizamento da ação sobre o capital corrigido a partir desta data. Elevo para R$30.000,00 o valor da condenação, com custas arbitradas em R$600,00, pela reclamada.

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Fundamentos pelos quais, O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quinta Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário da reclamada e do recurso ordinário adesivo do reclamante; no mérito, sem divergência, negou provimento ao recurso ordinário e deu provimento, em parte, ao recurso adesivo, para elevar o valor da indenização pelos danos morais que está a cargo da reclamada para R$30.000,00, atualizáveis com juros de mora incidentes a partir do ajuizamento da ação sobre o capital corrigido a partir desta data. Elevou para R$30.000,00 o valor da condenação, com custas arbitradas em R$600,00, pela reclamada. Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2006. FERNANDO LUIZ GONÇALVES RIOS NETO Relator

TRT-00483-2005-000-03-00-9-AR Publ. no “MG” de 28.07.2006 AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RÉUS: CARLOS ROBERTO ALVES (1) DORLINA RAMOS DOS SANTOS (2) LUIZ ANTÔNIO COSTA (3) EMENTA: COLUSÃO DAS PARTES FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL SIMULAÇÃO DE LIDE TRABALHISTA - RESCISÃO DAS SENTENÇAS hom*oLOGATÓRIAS DE

ACORDO - LITIGAÇÃO DE MÁFÉ. Tendo o executado fiscal, com seu irmão e pessoa simples de sua confiança, em conluio, simulado a ocorrência de relação empregatícia e forjado transações que ensejaram a hom*ologação de acordos cujas execuções alcançaram exatamente o valor de garantia oferecida no processo tributário, rescindemse as sentenças hom*ologatórias com fulcro no disposto no inciso III do art. 485 do CPC. O uso de artimanhas e alteração da verdade dos fatos caracteriza a má-fé processual e atrai seus consectários legais, porquanto não se pode permitir que o princípio do livre acesso ao Judiciário seja manejado para viabilizar o abuso do direito, pois essa é uma idéia antagônica ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. Vistos os autos, relatada e discutida a presente ação rescisória, DECIDE-SE: RELATÓRIO Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de Carlos Roberto Alves, Dorlina Ramos dos Santos e Luiz Antônio Costa, requerendo a desconstituição dos acordos firmados nos autos dos processos n. 02/02672/ 98 e 02/02819/98, que tramitam perante a 2ª Vara do Trabalho de Uberaba, colacionados aos presentes autos respectivamente às f. 40 e 88, sob o fundamento de terem sido celebrados com o intuito de fraudar a lei.

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Narrando os fatos, sustenta o autor ser parte legítima para ajuizar a presente ação rescisória, com amparo no artigo 487 do CPC. Aponta que recebeu ofício da Procuradoria Seccional da Fazenda, cientificando sobre acordo firmado entre os réus, em ações trabalhistas ajuizadas pelo primeiro e pelo segundo em desfavor do terceiro. Os acordos não foram cumpridos, acarretando uma elevação substancial em seu valor, visto que as partes previram multa de 100% por seu inadimplemento. A intenção das partes com a referida conduta era livrar uma fazenda do terceiro réu da execução fiscal a que estava vinculada. A ação foi proposta pela Fazenda Nacional, tendo recebido o n. 92.02.00229-0. Em 14 de maio de 1996, o terceiro réu requereu a substituição da fazenda por R$152.145,69 em dinheiro, o que lhe foi deferido. Em 15 de março de 1999, a 2ª Vara do Trabalho de Uberaba solicitou a reserva do valor de R$150.000,00 para a satisfação do crédito do segundo e terceiro réus em relação ao primeiro. Nos autos da execução fiscal, a Fazenda Nacional relatou inúmeras práticas fraudulentas adotadas pelo terceiro réu na condição de empresário, além da relação das ações propostas em seu desfavor perante a Justiça Federal. Neste contexto, o autor alicerça seu pleito desconstitutivo na 2ª parte do inciso III do artigo 485 do CPC, alínea “b” do inciso III do artigo 487 do CPC, parágrafo único do artigo 831 da CLT, artigo 836 da CLT e Súmula n. 259 do TST, requerendo, ainda, seja proferida nova decisão reconhecendo a improcedência dos pedidos formulados pelo primeiro e segundo réus ou, sucessivamente, sejam os processos extintos sem o julgamento de mérito, por falta de interesse processual.

Requer, ainda, a condenação dos réus ao pagamento de multa de 1% sobre o valor das ações trabalhistas em questão, por serem temerárias, além do pagamento de indenização fundada na utilização descabida do Poder Judiciário, em valor equivalente a 10% do valor mencionado. Atribuiu à causa o valor de R$150.000,00. Com a inicial vieram as certidões de trânsito em julgado das decisões que se pretende rescindir (f. 28/29) e os documentos (f. 31/424). Admitido o processamento da ação (f. 428). A segunda e o terceiro réus, apesar de citados (f. 436 e 514), deixaram transcorrer in albis o prazo para resposta. O primeiro réu, citado por oficial de justiça, apresentou a resposta de f. 456/476, acompanhada de procuração e declaração de pobreza. Impugnação do autor (f. 521/ 528). Sem outras provas a produzir, encerrou-se a instrução processual (f. 534). O autor apresentou razões finais. Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, na forma Regimental, por ser parte no feito. É o relatório. VOTO Admissibilidade A pretensão desconstitutiva se dirige a dois acordos celebrados entre os réus, o primeiro em 18.11.98 (f. 88) e o segundo em 09.12.98 (f. 40). Conforme previsto no artigo 495 do CPC, dispõe a parte de 02 anos, contados do trânsito em julgado da decisão, para propor ação que vise à sua desconstituição.

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O Ministério Público do Trabalho, autor da ação, sustenta ter sido cientificado em 25 de agosto de 2004, por meio de ofício enviado pela Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Uberaba, acerca da possível colusão entre as partes integrantes do acordo judicial. Aponta que o marco inicial do prazo de dois anos para o ajuizamento da ação rescisória em caso de colusão é o conhecimento da existência da suposta fraude, o que somente ocorreu na data mencionada. Quanto à ausência do exercício do contraditório pela segunda e terceiro réus, dispõe a Súmula n. 398 do TST que tal fato, em sede de ação rescisória, não resulta nos efeitos da revelia, tendo em vista não se admitir o desfazimento da coisa julgada por presunção de veracidade. Assim sendo, o silêncio da segunda e do terceiro réus em relação às alegações contidas na peça de ingresso, não obstante caracterizá-los como revéis, não acarreta as conseqüências pertinentes ao referido instituto. Admitida a ação rescisória (f. 428). Preliminarmente Inépcia da peça de ingresso Alega o primeiro réu que a peça exordial é inepta, uma vez que dos fatos narrados não decorre logicamente a conclusão. Argumenta que o ordenamento jurídico não veda a prestação de serviço entre parentes, sendo tal fato imprestável à aferição de fraude ou colusão para lesar terceiros. Sem razão. A narrativa constante da petição inicial é clara e se relaciona diretamente

com a conseqüência dela decorrente, conforme sustentado pelo autor. O fato de o réu não concordar que as assertivas apresentadas sejam suficientes para a caracterização da colusão não significa que tenha havido defeito na elaboração da petição inicial. Mister observar que o exercício do contraditório foi regular e não sofreu nenhuma restrição em razão da descrição dos fatos pelo autor, ou da conclusão que obteve. Rejeito. Prejudicial de mérito Decadência A defesa (f. 458/462) se atém à these de que o dies a quo do prazo decadencial seria o das realizações dos acordos trabalhistas que constituíram coisa julgada, na forma do art. 495 do CPC. Olvida-se, entretanto, de que é pacífica a questão na jurisprudência, consolidada no item VI da Súmula n. 100 do Col. TST: Na hipótese de colusão das partes, o prazo decadencial da ação rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público, que não interveio no processo principal, a partir do momento em que tem ciência da fraude. Ainda que se possa afirmar que não está o réu da ação rescisória sob o crivo do ônus da defesa especificada (art. 302 do CPC), dado o caráter público da pretensão desconstitutiva da coisa julgada (art. 491, in fine, do CPC), em réplica à defesa, ratifica o autor a informação de que, por meio do referido ofício da Procuradoria da Fazenda Pública Nacional em Uberaba, recebeu a notitia criminis (f. 521/524).

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Cumpre lembrar que atua o MPT como órgão público guardião da ordem jurídica (art. 127 da CR/88), daí decorrendo o fato de que o agente público que subscreve a exordial afirma com fé pública. Disso decorre a oficialidade da informação, que inclusive procede de outro órgão público, a Procuradoria da Fazenda Nacional. Tanto assim que a negativa de veracidade do documento implicaria incursão do agente nas penas do art. 299 do CP: falsidade ideológica de documento, tipificada pela inserção de declaração falsa com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Entendo, portanto, suficientemente segura a informação acerca da data da ciência dos fatos fraudulentos pelo Ministério Público do Trabalho. Proposta a presente ação em 22.04.2005, afasto a decadência alegada. Conluio - Fraude à execução fiscal A exordial da ação proposta por CARLOS ROBERTO ALVES contra seu irmão de criação LUIZ ANTÔNIO COSTA, em 15.10.98, noticia os seguintes fatos, inverossímeis à luz de todo o contexto probatório: que o primeiro teria sido empregado do segundo, tendo sido contratado para filmar animais, produzir e programar vídeos para exibições, mas “acabou fazendo mais toda e qualquer função na fazenda, sendo que ora era motorista de veículos para passear com visitantes, ora tratava de animais ou cuidava da chocadeira, sendo que chegou até mesmo a dirigir tratores para cultivo de lavoura” (f. 31/32). Recebia mensalmente 10 salários mínimos,

trabalhava de segunda a segunda, sem fruição de feriados ou dias santos, de 6h as 18h, com uma hora de intervalo, sem férias, sem recolhimento de FGTS, com 13º salários atrasados e sem recebimento de parcelas rescisórias. Atribui à causa o valor de R$210.872,16. Foi hom*ologado acordo no valor de R$60.000,00, com previsão de multa contratual de 100% (cem por cento) no caso de inadimplência (f. 40), o que ocorreu (f. 44/45), elevando o valor da execução para R$120.000,00. Intimado para indicar bens passíveis de penhora, informa o exeqüente a existência de “ativos financeiros de titularidade do reclamado, no valor de R$152.145,69, em 14.05.96, penhorados nos autos n. 92.02.00229-0, Vara da Justiça Federal local...” (f. 49). O MM. Juiz da execução oficiou o referido órgão da Justiça Federal para que reservasse o valor da execução, tendo em vista o privilégio do crédito (f. 51). Os advogados do empresário renunciaram ao mandato em maio de 1999, f. 59, data em que houve a penhora no rosto dos autos da execução fiscal (f. 64). No mês seguinte, o patrono do autor da reclamatória renunciou ao mandato (f. 74/75). Frustrada nova tentativa de conciliação em face do não comparecimento do executado à audiência (f. 76). Concomitantemente, em 05.11.98, DORLINA RAMOS DOS SANTOS também propôs ação trabalhista contra LUIZ ANTÔNIO COSTA, narrando ter trabalhado na mesma fazenda “Reserva Zebu Ecológica” desde 1990, na função de cozinheira, com salário mensal correspondente a três vezes o mínimo, com registro de doméstica, a despeito da atividade econômica desenvolvida na fazenda, com labor de segunda a segunda, sem folgas em dias santos e

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feriados, jornada de 6h30min as 18h, com uma hora de intervalo, nunca gozou férias, não houve recolhimento de FGTS, não houve pagamento nos últimos cinco anos de 13º salário, nem tampouco de verbas rescisórias. Atribuiu à causa o valor de R$52.137,19 (f. 82/ 84). Segue-se acordo no valor de R$15.000,00, com previsão de multa de 100% no caso de inadimplência (f. 88), o que elevou a execução para R$30.000,00 (f. 93/94). Seguiu-se idêntico procedimento ao da ação trabalhista anteriormente narrado, com penhora do respectivo valor nos autos da execução fiscal (Processo n. 92.02.00229-0, f. 100 e 112), infrutífera tentativa de conciliação e renúncia dos mandatos (f. 106/107 e 123). Não bastasse toda a “coincidência” de iter procedimental das duas execuções, contra um mesmo executado que não parece ter interesse em se defender (sequer alegou prescrição ou embargou a execução) e não responde aos chamados do juízo, a fragilidade dos acordos hom*ologados judicialmente se torna definitiva diante da prova produzida nos embargos à execução opostos pela União Federal nos autos da execução fiscal, de onde se extrai do depoimento da própria Dorlina Ramos “que nunca prestou serviços na Zebu Ecológica em Uberaba” (f. 148). A 2ª testemunha ouvida naquela assentada, porteiro da Zebu Ecológica de 1991 a 1998, informa que “na época em que trabalhou para a fábrica de botinas a empresa era Zebu Ecológica; [...] que chegou a conhecer empresas Zebu Promoções, Z Calçados, Zebu Jeans, sabendo que sempre o sócio de fato era o 7º embargado (1º réu na rescisória); que ao que sabe o 1º embargado é irmão de criação do 7º embargado; [...] que

nunca viu o 1º embargado efetivamente trabalhando na fábrica, embora às vezes ele ali se encontrasse; que o 1º embargado não exercia qualquer atividade; que o 1º embargado hoje trabalha cuidando da loja da fábrica; que acredita que esta loja seja do 7º embargado” (f. 150). O conluio e a fraude perpetrados ficam escancarados à luz da petição de f. 384/385, datada de maio de 1996, pela qual o executado das ações trabalhistas requer nos autos da execução fiscal a substituição da penhora sobre a fazenda por dinheiro, comprovando o depósito de R$152.145,69 (f. 186), posteriormente reservados para os companheiros de fraude, obviamente “testas de ferro” seus. Não restam dúvidas de que não merecem subsistência jurídica os acordos hom*ologados judicialmente, os quais perdem a eficácia de título executivo judicial por força do disposto no inciso III do art. 485 do CPC, aplicado nos termos do art. 836 da CLT. Pelo exposto, torno definitivos os efeitos da liminar que suspendeu a execução trabalhista, ante a presença de fumus boni iuris e periculum in mora já reconhecidos pela Ex.ma Juíza Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida no Processo Cautelar n. 00484-2005-000-03-00-3AC (f. 386/387), julgando procedente o pedido, para rescindir os acordos trabalhistas realizados nos processos n. 02/02672/98 (f. 40) e 02/02819/98 (f. 88) da então 2ª Junta de Conciliação e Julgamento de Uberaba. Em face do pedido constante na alínea “d” da f. 25 da exordial, em juízo rescisório, em face da comprovação da inexistência de vínculo empregatício, julgo improcedentes os pedidos formulados nas ações trabalhistas susomencionadas, isentando seus autores do pagamento das respectivas

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custas, fixadas respectivamente em R$4.217,00 e R$1.000,00, beneficiários que são da gratuidade da justiça. Litigação de má-fé Pleiteia o autor a condenação dos requeridos, solidariamente, ao pagamento de multa de 1% sobre valor das reclamações trabalhistas, além de indenização de 10%, fundada na utilização indevida do aparato judicial. Com razão. Restou fartamente comprovado o ânimo doloso do terceiro réu em frustrar a execução fiscal mediante a fraude trabalhista, para o que conquistou o apoio dos dois primeiros réus, que compareceram a juízo e deram contornos à simulação da lide, usando de artimanhas e alteração da verdade dos fatos, buscando o induzimento do juízo a erro. Não se pode permitir que o princípio do livre acesso ao Judiciário seja manejado para viabilizar o abuso do direito, pois essa é uma idéia antagônica ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O executado fiscal, com seu irmão e pessoa simples de sua confiança, em conluio, simularam a ocorrência de relação empregatícia e forjaram as transações que ensejaram os acordos, não quitados propositalmente para que o valor das execuções fosse dobrado e alcançasse exatamente o valor do depósito realizado perante a Justiça Federal em substituição de penhora sobre bem imóvel, valendo-se do privilégio do crédito trabalhista. Provocaram a constituição de título executivo judicial antijurídico, devendo todos ter suas condutas sumariamente repelidas pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o

abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo. Caracterizada sobremaneira a litigação de má-fé na forma dos incisos II, III e V do art. 17 do CPC, condeno solidariamente os réus ao pagamento de multa de 1% sobre o valor das causas apresentadas em juízo, R$3.772,00 (processos n. 02/02672/98 e 02/02819/98/2ª JCJ/Uberaba R$210.872,16 e R$50.000,00 respectivamente, f. 34 e 84), além da pretendida indenização por utilização indevida do aparato jurisdicional, arbitrada em 10% (dez por cento) sobre a mesma base de cálculo, R$26.087,00, ambas com supedâneo no art. 18 do CPC. CONCLUSÃO Admito a ação rescisória e rejeito a alegação de inépcia da exordial. No mérito, rejeito a decadência e julgo procedente o pedido, para rescindir, com fulcro no inciso III do art. 485 do CPC, os acordos hom*ologados pela 2ª JCJ de Uberaba nos processos n. 02/ 02672/98 e 02/02819/98 e, em juízo rescisório, julgar improcedentes os respectivos pedidos, isentando os autores do pagamento das custas, beneficiários da gratuidade da justiça. Por litigação de má-fé, condeno os réus, solidariamente, ao pagamento de multa e indenização, na forma do art. 18 do CPC, no valor total de R$29.859,00 (vinte e nove mil e oitocentos e cinqüenta e nove reais), valor que ora se atribui à condenação. Custas da presente demanda fixadas em R$600,00, pelos réus, isento o primeiro, a quem ficam concedidos os benefícios da gratuidade da justiça (declaração de miserabilidade jurídica, f. 478).

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Fundamentos pelos quais, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em julgamento proferido pela 2ª SESSÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS (2ª SDI), nesta data, por unanimidade, em admitir a ação rescisória, em rejeitar a preliminar de inépcia da petição inicial; no mérito, por maioria de votos, vencidos os Ex.mos Juízes Relator, Júlio Bernardo do Carmo, Emerson José Alves Lage e Milton Vasques Thibau de Almeida, em rejeitar a decadência e julgar procedente o pedido, para rescindir, com fulcro no inciso III do art. 485 do CPC, os acordos hom*ologados pela 2ª Vara do Trabalho de Uberaba nos processos n. 02/02672/98 e 02/02819/ 98 e, em juízo rescisório, julgar improcedentes os respectivos pedidos, isentando os autores do pagamento das custas, beneficiários da gratuidade da justiça. Ainda, por maioria, por litigação de má-fé, em condenar os réus, solidariamente, ao pagamento de multa e indenização, na forma do artigo 18 do CPC, no valor total de R$29.859,00 (vinte e nove mil e oitocentos e cinqüenta e nove reais), valor que ora se atribui à condenação, vencido o Ex.mo Juiz José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Custas da presente demanda fixadas em R$600,00, pelos réus, isento o primeiro, a quem ficam concedidos os benefícios da gratuidade da justiça (declaração de miserabilidade jurídica, f. 478). Belo Horizonte, 13 de julho de 2006. JOSÉ MIGUEL DE CAMPOS Presidente e Redator

TRT-00081-2006-029-03-00-7-RO Publ. no “MG” de 18.10.2006 RECORRENTE: MANOEL LEÔNCIO DA SILVA RECORRIDA: ARMAFERRO LTDA. EMENTA: PRESCRIÇÃO PRONÚNCIA DE OFÍCIO INAPLICABILIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO. A proteção ao hipossuficiente princípio basilar do Direito do Trabalho - tem por escopo atenuar, na esfera jurídica, a desigualdade socioeconômica e de poder existente, no plano fático da relação de emprego. Diante disso, pode-se afirmar que a norma do § 5º do artigo 219 do CPC é incompatível com tal princípio protetivo, visto que a pronúncia da prescrição, de ofício, pelo juiz do trabalho beneficiará, apenas, um dos sujeitos da relação empregatícia - no caso, o empregador inadimplente. Conclui-se, portanto, pela inaplicabilidade, no processo trabalhista, da nova regra do processo comum, em face de sua incompatibilidade com os princípios que informam o Direito do Trabalho - sob pena de comprometer-se a própria essência da função teleológica desse ramo jurídico especializado. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário interposto contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza do Trabalho da 1ª Vara do Trabalho de Contagem, em que figuram, como recorrente, MANOEL LEÔNCIO DA SILVA; e, como recorrida, ARMAFERRO LTDA.

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RELATÓRIO A MM. Juíza do Trabalho da 1ª Vara do Trabalho de Contagem, Drª Júnia Márcia Marra Turra, pela r. sentença de f. 80/84, cujo relatório adoto e a este incorporo, com fundamento no § 5º do artigo 219 do CPC (alterado pela Lei n. 11.280/06) reconheceu, de ofício, a prescrição, nos termos do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República e extinguiu o processo com resolução do mérito (CPC, artigo 269, IV). Recurso ordinário (f. 88/91), pelo reclamante, pleiteando o afastamento da prescrição pronunciada de ofício. A reclamada não apresentou contra-razões (certidão de f. 95). É o relatório, em síntese. VOTO 1. Juízo de admissibilidade Próprio e tempestivo, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 2. Juízo de mérito 2.1. Prescrição - Dano moral O reclamante não se conforma com a extinção do processo, com exame do mérito, em face da prescrição total declarada. Argumenta, para tanto, que é inaplicável a prescrição trabalhista, já que a responsabilidade civil por dano moral é instituto conceitualmente civilista. Data venia, entende-se equivocado o entendimento da d. julgadora de primeiro grau, que reconheceu, de ofício, a prescrição total, com amparo no § 5º do artigo 219 do CPC (com a nova redação dada pela Lei

n. 11.280/06) e extinguiu o processo, com julgamento do mérito, com suporte no inciso IV do artigo 269 do CPC. Inicialmente, cumpre ressaltar que este relator entende que a nova norma do direito processual comum, que dispõe que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição, não se aplica ao direito processual do trabalho. Com efeito, a aplicação subsidiária do processo civil ao processo do trabalho, autorizada pelo artigo 769 da CLT, deve observar os requisitos nele elencados, isto é, a existência de lacuna na legislação trabalhista e a compatibilidade com as normas trabalhistas. Considerando que o direito processual do trabalho é omisso quanto à matéria, resta caracterizada a lacuna - cabendo, desse modo, perquirir sobre a compatibilidade do pronunciamento, ex officio, da prescrição com o Direito do Trabalho. A prescrição, como se sabe, embora incida sobre o processo, é instituto de direito material. Outrossim, a proteção ao hipossuficiente - princípio basilar do Direito do Trabalho - tem por escopo atenuar, na esfera jurídica, a desigualdade socioeconômica e de poder existente, no plano fático da relação de emprego. Diante disso, pode-se afirmar que a norma do § 5º do artigo 219 do CPC é incompatível com tal princípio protetivo, visto que a pronúncia da prescrição, de ofício, pelo juiz do trabalho, beneficiará, apenas, um dos sujeitos da relação empregatícia - no caso, o empregador inadimplente. Conclui-se, portanto, pela inaplicabilidade, no processo trabalhista, da nova regra do processo comum, em face da incompatibilidade com os princípios que informam o Direito do Trabalho - sob pena de comprometer-

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se a própria essência da função teleológica desse ramo jurídico especializado. Corroborando a tese, aqui defendida, transcreve-se a lição do i. Professor Arion Sayão Romita: ...no processo do trabalho, em regra geral, as ações são propostas por empregados contra empregadores, ou seja, por pessoas que se situam na posição de credor e devedor respectivamente. A pronúncia da prescrição, no processo do trabalho, aproveita apenas ao empregador inadimplente. No confronto com a relação de direito civil, a relação trabalhista apresenta esta peculiaridade: a prescrição não beneficia um devedor de qualquer espécie, mas apenas um único tipo de devedor: o empregador. Não afeta o interesse de um sujeito de direito qualquer, mas de apenas um único sujeito de direito: o empregado. De acordo com o disposto no art. 7º da Constituição da República, os dispositivos ali elencados visam à melhoria da condição social dos trabalhadores. A pronúncia da prescrição de ofício pelo juiz do trabalho não se compatibiliza com o preceito acima invocado. Não se cogita de examinar a constitucionalidade do § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil - é óbvio - mesmo porque tal preceito não tem natureza trabalhista. O de que se trata é de fixar a sua

compatibilidade, ou não, com a norma constitucional. [...] Parece extreme de dúvida que a pronúncia de ofício da prescrição pelo juiz do trabalho não se insere entre as medidas tendentes a melhorar a posição social dos trabalhadores. Tal pronúncia, se ocorrente, beneficiará exclusivamente o empregador, no caso, devedor inadimplente, afetando direito do trabalhador em detrimento de sua condição social. Por incompatível com norma expressa de natureza trabalhista (Constituição, art. 7º, na parte que alude à melhoria de condição social dos trabalhadores), o art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil não pode ser aplicado ao processo trabalhista, já que, por força da subsidiariedade, tal aplicação só poderia verificar-se em caso de compatibilidade. (LTr Suplemento Trabalhista 100/ 06 - p. 421/423) Quanto ao prazo prescricional adotado pelo juízo sentenciante, para pronunciar, de ofício, a prescrição, cabe tecer as seguintes observações: Apesar da competência desta Justiça, para apreciar e julgar demanda que tem por objeto ressarcimento de dano moral e material, decorrente da relação jurídica de emprego (artigo 114 da Constituição da República), o direito material que se busca é de natureza civil. Portanto, obviamente, não se pleiteia crédito trabalhista - até porque a reparação é decorrente de responsabilidade extracontratual, jamais contratual (pois que encontra, no ilícito, sua causa geradora).

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Destarte, a reparação de danos, decorrentes de ato ilícito, portanto, apenas, é conexa ao contrato de trabalho - até porque é afeta aos direitos da personalidade, de natureza não patrimonial (enquanto que os direitos decorrentes do contrato de trabalho são, exclusivamente, de natureza patrimonial). Por conseguinte, data venia, não se pode falar em prescrição do direito de ação, em virtude do pacto laboral ter sido extinto há mais de dois anos. De fato, considerando-se que a indenização pleiteada tem natureza civil (reparação por danos morais e materiais), não há como se afastar as regras gerais da prescrição, previstas no Código Civil brasileiro. É princípio multissecular que ex facto oritur jus. Nesse aspecto, adota-se, integralmente, o entendimento esposado pelo Procurador do Trabalho Raimundo Simão de Mello, que assevera: Não obstante o brilho das teses que defendem a aplicação da prescrição trabalhista, como antes elencado, com o devido respeito, não nos convencemos da argumentação oferecida, baseada, fundamentalmente, no reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar os pedidos respectivos de reparação. É que a prescrição do direito de ação, com relação a algum direito, jamais pode ser fixada levandose em conta a competência do juízo para conhecer do pedido. Esta decorre, sim, da natureza da matéria discutida, independentemente do ramo do Judiciário que deva apreciar o litígio. [...] É certo que a

Constituição Federal, ao tratar da prescrição, fala em créditos resultantes da relação de trabalho. Porém, como é por demais evidente, a reparação do dano moral, mesmo praticado em face da relação de emprego, não constitui crédito trabalhista stricto sensu, mas sim de natureza civil, decorrente de ato ilícito que atinge a personalidade, a honra, a intimidade etc. da pessoa, ensejando, portanto, uma ação de natureza pessoal. Na verdade, nem de crédito propriamente se trata, quanto mais de crédito trabalhista; quando a Constituição tratou da prescrição no inciso XXIX do artigo 7º, cuidou, na verdade, de direito de crédito, destinado ao restabelecimento de um estado anterior, o que não ocorre com a reparação do dano moral, cuja natureza jurídica não é indenizatória no sentido de restauração do statu quo, mas reparatória/compensatória para o ofendido e punitiva/exemplar para o ofensor, para que este não volte mais a praticar atos molestadores dos direitos da personalidade. (Revista LTr 64-11/1372) Para reforçar esse entendimento, faz-se necessário transcrever a recente manifestação jurisprudencial: PRESCRIÇÃO. DANO MORAL. TRABALHISTA. 1. O prazo de prescrição do direito de ação de reparação por dano moral trabalhista é o previsto no Código Civil.

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2. À Justiça do Trabalho não se antepõe qualquer obstáculo para que aplique prazos prescricionais diversos dos previstos nas leis trabalhistas, podendo valer-se das normas do Código Civil e da legislação esparsa. 3. De outro lado, embora o dano moral trabalhista encontre matizes específicos no Direito do Trabalho, a indenização propriamente dita resulta de normas de Direito Civil, ostentando, portanto, natureza de crédito não-trabalhista. 4. Por fim, a prescrição é um instituto de direito material e, portanto, não há como olvidar a inarredável vinculação entre a sede normativa da pretensão de direito material e as normas que regem o respectivo prazo prescricional. [...] (TST-RR-1261-2003-202-04-400, 1ª Turma - Ministro Relator João Oreste Dalazen, publ. no DOU em 24.03.2006) Assim, deve prevalecer a prescrição estipulada, pela norma civil, de vez que é a correta, para a solução da questão em exame, pois, não se pode atrair a disposição legal, referente ao tema em litígio, apenas, em parte. Dispõe o artigo 769 da CLT in verbis: Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. Não existe compatibilidade entre a norma processual comum e aquela a que se submete esta Especializada.

A reparação de danos, sejam estes materiais ou morais, não constitui crédito trabalhista, ainda que decorrentes da relação de emprego. Ao contrário, tem natureza civil, decorrendo do ato ilícito perpetrado por alguém - no caso, o empregador -, atingindo o patrimônio ou a personalidade, a honra, a intimidade, etc. de uma outra pessoa (ensejando, portanto, uma ação de natureza pessoal). Não se trata de crédito, propriamente dito, muito menos de crédito trabalhista, não se aplicando a norma prescricional afeta a este último. Tanto que a reparação do dano moral pode dar-se de modo diverso do pagamento em pecúnia, como, por exemplo, com a publicação de nota de desagravo - que, indiscutivelmente, tem natureza reparatória. O direito de crédito surge quando há a existência de dois fatores: a) a incidência de norma jurídica; b) a obrigação de prestar a outrem. No contrato de trabalho, em razão da existência de uma relação jurídica, as partes estão obrigadas, por força do contrato, às prestações correspondentes. Os direitos à inviolabilidade da honra e à imagem não têm origem na esfera trabalhista, embora possam ser violados, em razão do contrato de trabalho. Tais direitos, embora imanentes às partes do contrato de trabalho, não se fundam no negócio jurídico que mantêm, mas na garantia individual elevada ao Texto Constitucional - ultrapassando, até mesmo, os limites do Código Civil. A norma contida no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República não pode ser aplicada à hipótese dos autos. A prescrição não é matéria de direito processual e tampouco se define pela competência do órgão jurisdicional. Trata-se, na

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verdade, de direito material, de modo que os prazos prescricionais são definidos de acordo com a natureza do direito pleiteado. A prescrição, para o caso, verificase a partir do momento em que nasce o direito de vindicar a reparação, quando surge o interesse de agir, em respeito ao princípio da actio nata. E este, como se sabe, é o da própria lesão do direito. No caso em tela, o acidente do trabalho ocorreu em 28.12.1995, e a ação foi ajuizada em 10.08.04, na Justiça Comum - que, declinando da competência, remeteu os presentes autos à Justiça do Trabalho em 23.06.2006. Constatado que, entre o ato danoso e a entrada em vigor do atual Código Civil, não havia transcorrido mais da metade do prazo estabelecido no Código revogado, o prazo prescricional a ser aplicado é aquele previsto no Estatuto Civil vigente, isto é, três anos. In casu, não há que se falar em prescrição, uma vez que a presente ação foi ajuizada em 10.08.04 - portanto, antes do triênio do inciso V do § 3º do artigo 206 do Código Civil (contado da sua entrada em vigor - janeiro/2003). Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para, afastando a prescrição total (decadência) pronunciada, de ofício, determinar o retorno dos autos à origem, para julgamento do restante do mérito, como se entender de direito. 3. Conclusão Isso posto, conheço do recurso. No mérito, dou-lhe provimento para, afastando a prescrição total pronunciada, de ofício (decadência), determinar o retorno dos autos à origem, para julgamento do restante do mérito, como se entender de direito. Inverte-se o ônus da sucumbência.

Fundamentos pelos quais, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer do recurso; no mérito, sem divergência, em dar-lhe provimento para, afastando a prescrição total pronunciada, de ofício (decadência), em determinar o retorno dos autos à origem, para julgamento do restante do mérito, como se entender de direito. Invertido o ônus da sucumbência. Belo Horizonte, 09 de outubro de 2006. MANUEL CÂNDIDO RODRIGUES Relator

TRT-00314-2006-129-03-00-0 - RECURSO ORDINÁRIO P. SUMARÍSSIMO Publ. no “MG” de 13.07.2006 RECORRENTE: MS METAIS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. RECORRIDO: RAIMUNDO MISSIE DA SILVA Vistos, etc. Trata-se de recurso ordinário interposto em reclamação sujeita ao rito sumaríssimo, dispensado, pois, o relatório. VOTO 1. Admissibilidade Preenchidos os pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer, e inexistência de fato impeditivo ou extintivo ao poder de recorrer) e extrínsecos (tempestividade,

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regularidade formal, e quitação das custas e depósito recursal), conheço do recurso. 2. Mérito 2.1. Proposta de emprego A sentença condenou a reclamada a pagar ao reclamante indenização equivalente ao valor de 12 salários mensais que lhe seria devido de acordo com a proposta de emprego não honrada. Inconformada, a reclamada alega que o reclamante não comprovou que se desligou do emprego anterior em razão da proposta que lhe fez; que ele próprio, após fazer exigências de melhores condições para aceitar a proposta, acabou por preferir trabalhar autonomamente; e que, de todo modo, não ficaram demonstrados os supostos prejuízos sofridos. Dispõe o Código Civil: Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou

simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. A reclamada não desmente a proposta (f. 17), assim como o preposto, em audiência, também não negou ter recebido a resposta do reclamante (f. 19/20), colocando-se à disposição para iniciar o trabalho (f. 37). A proposta foi enviada por e-mail à empresa em que o reclamante então trabalhava em 19.maio.2005. Trata-se, portanto, de proposta feita a pessoa ausente, sendo de se esperar um tempo razoável para que o reclamante a analisasse e se desligasse do emprego anterior. A anotação em sua CTPS mostra que o contrato de trabalho, então mantido, se rescindiu em 01.jun.2005 (f. 15) e a comunicação da aceitação do novo emprego foi em 03.jun.2005, sendo entregue à reclamada em 09.jun.2005 (f. 19/20). De 19.maio.2005 a 03.jun.2005 tem-se um tempo normal e razoável para que o reclamante aceitasse a proposta, ainda mais se for considerada a existência de feriado nesse ínterim. Não se pode ter como excessivo o prazo tomado pelo reclamante, nem imputarlhe a delonga por exigências de melhores condições, porque nada a respeito disso foi provado. Veja-se, outrossim, que o Código Civil também dispõe: Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos. Isso quer dizer que, mesmo que se supusesse serôdia a aceitação do

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emprego pelo reclamante, incumbia à reclamada avisá-lo imediatamente da insubsistência da proposta, do que não há prova de ter ocorrido. Ao contrário, há evidência de que o trabalho do reclamante foi aceito na reclamada, embora sem a formalização da relação de emprego, conforme se depreende do que disse aquele (f. 05 e 37) e a testemunha desta (f. 38). A obrigação decorrente da formulação da proposta, nos termos da lei, independe de ter ou não o reclamante se desligado do emprego anterior. E, além de as circunstâncias autorizarem a presunção de que isso se deu em função da nova proposta de emprego, essa conclusão foi também expressamente respaldada pela testemunha do reclamante: [...] que ficou sabendo pelo autor, que seu desligamento da empresa decorreu da proposta da ré; [...] que o autor deixou a empresa Clayh para trabalhar como empregado da ré. (f. 38) A última parte desse depoimento também afasta a alegação de que o reclamante desejava trabalhar como autônomo. Mesmo considerando que ele chegou a prestar serviços à reclamada sem a formalização de um contrato de trabalho, não há clareza sobre como isso ocorreu. É possível que apenas enquanto aguardava a concretização da proposta, como explicou em depoimento (f. 37). Nem pelo depoimento de sua testemunha a reclamada conseguiu convencer que o reclamante recusou ou modificou a proposta originalmente feita. Disse o depoente:

[...] que sabe que houve negociação entre o autor e a ré para trabalho; que não sabe o motivo pelo qual não vingou; que a empresa contratou serviços terceirizados e por esse motivo não precisou mais dos serviços do recte. [...] (f. 38). Enfim, sendo incontroversa a proposta, caberia à reclamada provar que ela apenas não se concretizou por culpa do reclamante, porém, essa prova não foi feita. Mantenho a sentença. 2.2. Valor da indenização Sucessivamente, a reclamada pede que se reduza a indenização fixada em R$10.800,00, ressaltando que o reclamante não permaneceu desempregado, e que o arbitramento deve ser feito com moderação, evitando o enriquecimento sem causa. As ponderações são razoáveis. Tanto mais porque a sentença deferiu indenização por danos morais e materiais (f. 74), enquanto o objeto do pedido contempla apenas os primeiros (f. 12). Outrossim, a meu ver, é mais correto avaliar a pretensão à luz da obrigação originalmente assumida pela reclamada, mediante a formalização da proposta, conforme o citado art. 427 do CCb. Não há como aquilatar com precisão o prejuízo sofrido pelo reclamante, embora seja inegável a perda decorrente da troca de um emprego por outro que não chegou a se concretizar. Por outro lado, a proposta não continha garantia de tempo mínimo de emprego, não sendo possível saber quanto tempo duraria o contrato de trabalho se tivesse sido celebrado entre

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as partes. Nessas circunstâncias, tenho por razoável tomar-se por parâmetro o tempo máximo garantido em lei ao desempregado, mediante o pagamento do seguro-desemprego, isto é, cinco meses. Em razão do exposto, reduzo a condenação ao correspondente a cinco vezes o valor do salário que fora prometido ao reclamante, resultando no total de R$4.500,00. Dou provimento parcial, nesses termos. 3. CONCLUSÃO Em razão do exposto, conheço do recurso, e, no mérito, dou-lhe provimento parcial para reduzir a indenização a R$4.500,00; reduzo o valor arbitrado à condenação para esse montante, com custas de R$90,00, pela reclamada. RICARDO ANTÔNIO MOHALLEM Relator

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EMENTÁRIO

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A AÇÃO Anulatória 1-

AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO - MULTA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA - EMPREGADOS SEM CTPS ANOTADA - FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES TEMPORÁRIOS. A Lei n. 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas, define de maneira clara e enxuta que tal espécie de contrato é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços. No Direito do Trabalho, a regra é a formação do vínculo diretamente com a empresa para a qual o empregado presta os seus serviços, integrando-se, dessa maneira, ao respectivo processo de produção de bens e/ou de serviços, mercê de um contrato por prazo indeterminado. Tratando-se o contrato de trabalho temporário de autêntica exceção, eis que a relação triangular, por intermédio da qual o prestador de serviços é empregado da empresa de trabalho temporário e não da empresa tomadora da mão-de-obra, os requisitos formais e materiais têm de ser rigorosamente respeitados. Assim, a empresa tomadora de serviço é obrigada a exibir ao agente de fiscalização o contrato firmado com a empresa fornecedora, do qual devem constar expressamente o motivo justificador da demanda e a forma de remuneração. Todavia, não é suficiente a simples menção do motivo da pactuação, devendo a mesma encontrar eco na dinâmica da empresa, e esse confronto só se torna possível, para o agente fiscal, pela análise de alguns fatores: a) a natureza da atividade empresarial; b) o lapso de tempo da utilização deste tipo anômalo de mão-de-obra; c) a ocorrência de substituição de pessoal; d) a existência de acréscimo extraordinário de demanda; e) a natureza dos serviços prestados pelos terceirizados perante a empresa tomadora. Tudo isso porque o trabalhador temporário é o terceiro, vale dizer, é aquele que gravita por um período previamente fixado no eixo produtivo; ele não é o segundo na relação justrabalhista base. Ele não está inserto; ele é incerto. Em síntese, ele não é empregado da empresa que possui a atividade produtiva, porém de uma empresa cuja atividade consiste única e exclusivamente no fornecimento da mão-de-obra e cujo lucro advém dessa atividade de gestão do trabalho alheio. Por outras palavras, o lucro advém da mais valia da mão-de-obra locada. De uma forma ou de outra, é uma forma de precarização do trabalho. É lícita, mas não deixa de ser precarizante, por isso que deve se enquadrar como luva ao modelo legal. Do ponto de vista jurídico, a obrigação de registro dos empregados, prevista no artigo 41 da CLT, é da real empregadora, isto é, da empresa materialmente visível e detentora dos meios da produção, com patrimônio constituído por seus corpóreos e incorpóreos. Assim, assumindo a autora essa condição de verdadeira empregadora, em face da fraude praticada na contratação de trabalhadores através da Lei n. 6.019/74, utilizada para suprir demanda normal, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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corrente de serviço e como método de seleção de mão-de-obra para uma eventual e futura contratação direta, é legítima a aplicação da multa prevista no artigo 47 da CLT. A fraude praticada atrai a aplicação do artigo 9º da CLT, que comina nulidade aos contratos formalizados com a empresa fornecedora de mão-de-obra, não podendo a empresa cliente e tomadora da mão-deobra eximir-se da punição, invocando efeitos normais de ato fraudulento do qual foi ativo partícipe. (00513-2005-143-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 21.11.06) 2-

AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - REGULARIDADE DA AUTUAÇÃO - DESPROVIMENTO. O poder discricionário para exercer a fiscalização é conferido pela Constituição da República, tendo o fiscal do MTE o poder-dever de examinar livros e documentos para apurar e esclarecer os fatos indispensáveis à correta aplicação da lei, exigindo o cumprimento das normas trabalhistas, mediante seu enquadramento na legislação pertinente. Não se pode olvidar de que incumbe ao auditor-fiscal do trabalho o poder-dever de cumprir e fazer cumprir as normas de tutela do trabalho humano na forma das instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sendo certo que gozam de presunção de veracidade as declarações apostas no auto de infração pelo referido servidor, dando origem a documento público, sendo, portanto, dotadas de fé pública, seja quanto à forma ou seu conteúdo, a teor do que dispõe o artigo 364 do CPC, podendo o sujeito passivo apresentar provas que as contestem. (00942-2006-103-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 08.11.06)

Civil pública 1-

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. Direitos coletivos são os transindividuais de natureza indivisível compostos por grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base, e o direito perquirido centra-se no ambiente do trabalho dos empregados, ex-empregados ou futuros empregados da requerida, particularizado em extrapolação ilegal das jornadas de trabalho, utilização da Justiça do Trabalho para hom*ologar rescisões contratuais, no que afeta grupo determinado de pessoas (todos os trabalhadores envolvidos com a empresa), como tal, indivisível (não se o identifica isoladamente) e vincula o empregador à comunidade profissional na mesma relação jurídicabase (contratação à mercê da Lei Trabalhista) e às normas de segurança do contrato de trabalho (Título II do Capítulo V da CLT). A hipótese traz a possibilidade de não cumprimento de comezinhas garantias sociais constitucionalmente asseguradas, concluindo-se, no assim proceder a empresa com quase todos os trabalhadores contratados, que assim procederá em eventuais contratações, mantendo conduta renitente com o ordenamento trabalhista, por isso, o argumento de que a ação civil pública Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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fora ajuizada apenas para satisfazer direitos individuais não se sustém, não se podendo fragmentar direitos aos quais o legislador conferiu, para os fins da tutela coletiva, o caráter de indivisibilidade. Há legitimidade constitucional e legal para o ajuizamento da ação civil pública trabalhista na defesa da coletividade em sentido amplo (potenciais empregados a serem contratados encorpando direito difuso) e da coletividade em sentido estrito (os que já lhe prestam serviços demarcando direito coletivo), sistemática do Código de Defesa do Consumidor (art. 81, parágrafo único, I e II, que deve ser tomado em cotejo com o inciso III do art. 129 da Constituição da República e art. 83 da Lei Complementar n. 75/93, dispondo expressamente acerca da competência do Órgão do Parquet para promover ação civil pública no âmbito da Justiça Especial do Trabalho). O caráter difuso do dano confere ao MPT legitimidade, caracterizada por lesões em massa com a indeterminação dos destinatários, reclamando o instituto tutelar perante o Judiciário, no caso, a ação civil pública prevista na Lei n. 7.347/85. (01466-2005-008-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães - Publ. “MG” 08.07.06) 2-

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO - AÇÕES QUE NÃO SE EXCLUEM. A ação civil pública, como meio para a defesa de interesses coletivos, serve de instrumento de proteção do ordenamento jurídico como um todo, não importando que a atuação do Ministério do Trabalho, por meio de suas delegacias regionais, possa, também, versar sobre a mesma questão básica, ou seja, o descumprimento de preceitos trabalhistas. A ação administrativa não exclui a apreciação da lesão pelo Poder Judiciário, através de ação civil pública, mas, na verdade, as ações se complementam, formando um sistema de proteção trabalhista. (01557-2005-047-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 07.10.06)

Declaratória 1-

AÇÃO DECLARATÓRIA - NATUREZA - OBJETIVO. Por meio das ações de natureza declaratória se busca a certeza onde há a incerteza. Procura-se a declaração de existência ou inexistência da relação jurídica. O exercício desse tipo de ação pressupõe incerteza a ser resolvida pela sentença. Mas, se não houver dúvida ou incerteza, descabe ação declaratória. E, no caso, a prova revelou que o autor teve amplo conhecimento do processo administrativo que resultou na configuração do débito com a empregadora, não se podendo, pois, cogitar de incerteza na hipótese. (00387-2006-146-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 16.12.06)

De cumprimento 1-

AÇÃO DE CUMPRIMENTO - DESISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO - SUBSISTÊNCIA. Declaração unilateral de vontade, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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como ato da parte, produz imediatamente a extinção de direitos processuais. Tratando-se de substituição processual, o substituído processual - titular do direito material postulado - tem a faculdade de, assumindo autonomamente a titularidade da ação, dela declinar, justo por não se ter como compeli-lo a assim permanecer se não o desejar. Não condiz com o mister substitutivo a inclusão de pedido individual inerente ao substituído processualmente, se este manifesta ponto de vista avesso à substituição, já que o sindicato não se sub-roga no direito substancial do integrante da categoria profissional. Desautorizado a agir como se membro da agremiação fora, o sindicato não mais pode exercer tal substituição. Aplicação da teoria da autonomia da vontade, que deve ser preservada, pena de se aviltar, de igual, a liberdade de ação. (00117-2006-099-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 28.09.06) 2-

AÇÃO DE CUMPRIMENTO - DESVIRTUAMENTO DOS OBJETIVOS ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. A ação de cumprimento deve ter por objeto qualquer cláusula estabelecida em sentença normativa, acordo ou convenção coletiva, a fim de tornar concretos os direitos negociados nos instrumentos normativos. Não informando o sindicato autor o direito que entende violado, sequer buscando a condenação do empregador na satisfação da obrigação assumida, resta caracterizado o abuso do direito de agir, porquanto fora dos limites da satisfação de interesse lícito, dos fins sociais pretendidos pela lei e, portanto, em flagrante excesso aos limites estabelecidos para o fim econômico ou moral do direito em discussão. Tal conduta é expressamente reprimida pelo Código Civil em vigor, cujo art. 187 dispõe, in verbis: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Caracterizado o abuso do direito pela lide temerária, reputa-se o sindicato litigante de má-fé, com aplicação das sanções processuais cabíveis no Processo do Trabalho (arts. 17 e 18 do CPC c/c art. 769 da CLT). (00149-2006-059-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 27.10.06)

3-

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL AÇÃO DE CUMPRIMENTO. Os honorários advocatícios em favor da entidade sindical são devidos tanto no caso de assistência quanto no de representação, através da figura da substituição processual (Lei n. 5.584/70). A interpretação extensiva é autorizada, porque se coaduna com o princípio constitucional da celeridade processual (CF/88, artigo 5º, inciso LXXVIII), estimula as ações conjuntas e se harmoniza com a hodierna tendência de se conferir maior efetividade dos direitos por meio da defesa coletiva (CF/88, artigo 8º, inciso III). (00103-2006-099-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 18.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS - AÇÃO DE CUMPRIMENTO. É pacífico o entendimento de que, no Processo do Trabalho, os honorários advocatícios são devidos, quando o empregado, vencedor na ação, é pobre, no sentido legal, e está assistido pela entidade sindical de sua categoria profissional (Lei n. 5.584/70 e Súmula n. 219). Este entendimento permanece válido, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (segundo inteligência consubstanciada na Súmula n. 329 do Colendo TST). Tem-se, ainda, que o sindicato, quando atua, como substituto processual, também faz jus aos honorários assistenciais, desde que vencedor na ação. Não há previsão legal, no Processo do Trabalho, contudo, para a condenação do sindicato reclamante, no pagamento de honorários assistenciais ao reclamado (quando não é vencedor na ação). (00108-2006-059-03-00-3 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 15.09.06) AÇÃO DE CUMPRIMENTO - HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS. A condenação em honorários advocatícios, regulada pela Lei n. 5.584/70, não previu a incidência dos mesmos em caso de substituição apenas porque o instituto só foi criado pelo legislador constituinte originário em 05.10.1988 (art. 8º, inciso III). Na interpretação das normas, deve o jurista zelar pelo caráter sistemático-teleológico, sempre com privilégio da lógica no momento de sua aplicação. Assim, se ao sindicato foi conferido, além da prerrogativa de prestar individualmente assistência, o poder de substituir a categoria por ele representada, evidente fazer jus ao recebimento dos honorários advocatícios, em ambas as hipóteses. Frise-se que a circunstância de o sindicato figurar no presente feito como autor não exclui da sua atuação a natureza assistencial amparada pela Lei n. 5.584/70, porque a entidade designa advogados para defender os interesses dos empregados pertencentes à categoria profissional por ele representada, isto é, exatamente aqueles aos quais a citada Lei se refere em seu artigo 15. (00902-2006-057-03-00-4 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 02.12.06) 4-

AÇÃO DE CUMPRIMENTO - LEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. A ação de cumprimento é o meio processual adequado para dar-se cumprimento aos preceitos decorrentes de sentença normativa, convenções e acordos coletivos quando não satisfeitos pelo empregador. Neste sentido, o TST já confirmou o entendimento de que realmente o inciso III do art. 8º da CRF/88 permite que os sindicatos possam atuar na defesa dos direitos e interesses dos integrantes da categoria que representam, sejam eles coletivos ou simplesmente individuais, sem qualquer restrição, ficando afastada a preliminar de ilegitimidade ativa do sindicato, que ajuizou ação de cumprimento objetivando um pronunciamento jurisdicional para impor ao réu a obrigação de dar cumprimento às cláusulas do instrumento normativo violadas, não se permitindo a rediscussão de matéria de fato e de direito já apreciada na sentença coletiva. (00172-2006-019-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 26.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. A preceituação do art. 6º do CPC é no sentido de que “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Exceção a esta regra geral se encontra no instituto da substituição processual, cuja abrangência, no âmbito trabalhista, vem sendo objeto de inúmeras discussões. Trata a substituição processual da possibilidade, no processo, de alguém postular, em nome próprio, um direito de outrem, como é o caso do sindicato de uma categoria que postula em seu próprio nome os direitos dos elementos daquela categoria, podendo o substituto agir independentemente de outorga de poderes. O art. 872 da CLT preceitua que, sendo “Celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão, seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título”. Neste caso, em lugar da execução, que é o caminho natural para se impor o cumprimento de qualquer decisão, o Processo do Trabalho tem esta figura, que é a ação de cumprimento. Não emerge da literalidade do parágrafo único do art. 872 da CLT o entendimento de que o sindicato está legitimado a substituir processualmente apenas os integrantes da categoria profissional que sejam seus associados. Em conclusão, a execução de uma sentença normativa se dá por meio da ação de cumprimento, não necessitando o sindicato de procuração dos substituídos para atuar como substituto processual da categoria profissional alcançada pela sentença normativa, de conformidade com a norma inscrita no inciso III do art. 8º da CRF/88. (00315-2006-089-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 19.12.06) 5-

AÇÃO DE CUMPRIMENTO - NATUREZA. A ação de cumprimento tem natureza executória e não se presta à reivindicação de direitos individuais do empregado, cumprindo não confundi-la com reclamação trabalhista plúrima. O não pagamento ou a não concessão de vale-alimentação, previsto em norma coletiva, tem-se como violação ao direito individual do empregado, o que torna a via processual eleita imprópria ao fim colimado. (00145-2006-059-03-00-1 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 02.11.06) AÇÃO DE CUMPRIMENTO. É certo que não se há confundir ação de cumprimento, de natureza executória, com reclamação trabalhista plúrima, caminho jurídico que oferece possibilidade de discussão das questões de fato e direito, próprias à seara de mérito do direito controvertido. Entretanto, não basta a simples alegação da existência de ajuste coletivo e de que o empregado pertence à categoria por ele alcançada. Há necessidade de prova que permita concluir pela aplicabilidade da norma convencional a cada empregado, especialmente ao se considerar o fato de que a ação de cumprimento envolve, normalmente, grande número de trabalhadores, impondo-se demonstrar a situação pessoal de cada um em relação à cláusula que se diz ultrajada. Assim é que as normas, para se terem por violadas, pressupõem narração, na inicial, da situação fática e do trabalhador específico, principalmente quando o benefício de que cuida a espécie não Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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se destina a todos os integrantes da categoria, mas de grupo individualizado de trabalhadores. Recurso a que se nega provimento. (00134-2006-059-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 08.12.06) 6-

AÇÃO DE CUMPRIMENTO - TAXA ASSISTENCIAL. A relevância que o Direito do Trabalho confere às negociações coletivas se acha confirmada a teor do disposto no inciso XXVI do art. 7º da CR/88, sendo que a alínea “e” do artigo 513 da CLT estabelece a possibilidade de os sindicatos convenentes imporem contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas e profissionais ou das profissões liberais representadas. A ação de cumprimento, portanto, é o meio adequado para se reivindicar direitos entendidos desrespeitados, decorrentes de convenções ou acordos coletivos de trabalho, ainda que entre sindicatos dos trabalhadores e empregador. A ação de cumprimento objetiva a execução do acordo ou convenção celebrados, configurando ilícito o questionamento pelo empregador de cláusula aderida por entidade representativa da categoria a que ele pertence, por indiscutível a posição do sindicato que atua em nome da categoria representada. (00208-2006-019-03-00-0 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Carlos Humberto Pinto Viana - Publ. “MG” 19.08.06)

Monitória 1-

AÇÃO MONITÓRIA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NATUREZA DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL REVELADA PELA PROVA. Reputa-se imprescindível à definição da competência material - se da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho - saber-se a natureza da relação obrigacional emanada da prova escrita em que se baseia o autor para a proposição de ação monitória. Esse entendimento, mesmo preteritamente à edição da Emenda Constitucional n. 45, de 08.12.2004, já predominava no Superior Tribunal de Justiça, a quem ainda incumbe, em seara cível, a uniformização jurisprudencial em matérias afetas à Justiça Comum e à Justiça Federal (inciso III, caput e alínea “c” do artigo 105 da Constituição da República) - suas decisões, não obstante a consabida não-subsunção dos órgãos judiciários trabalhistas aos posicionamentos, ainda que iterativos ou mesmo sedimentados, da referida Corte, consubstanciam potente balizador para a apreciação e o julgamento de questões congêneres por esta Especializada, merecendo ser sopesadas. Da posição do STJ o Tribunal Superior do Trabalho não discrepa, tendo, inclusive, com base no princípio da celeridade e da economia processual - hoje elevados ao patamar constitucional por meio do inciso LXXVIII do artigo 5º, acrescentado a este dispositivo pela EC n. 45/2004 -, albergado a conversão de ação monitória em reclamação trabalhista, mitigando, com isso, os rigores da processualística, na medida em que, de acordo com o inciso V do artigo 295 do CPC, aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho, a petição inicial não será indeferida quando a ação puder adaptar-se ao tipo de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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procedimento legal. Neste contexto jurídico, se o objeto da ação proposta é - à luz do artigo 1102-a e seguintes do CPC - o pagamento de soma em dinheiro, com base em prova escrita do crédito que o autor possui diante do devedor-réu, porém sem eficácia de título executivo, e a relação que existiu entre eles opõe, de um lado, no pólo ativo, o ex-empregado, e de outro, no pólo passivo, o ex-empregador, sendo, ademais e essencialmente, a pretensão deduzida diretamente relacionada, de acordo com a prova produzida nos autos, ao vínculo empregatício que existiu entre eles, a competência material é, inegavelmente, da Justiça do Trabalho. (00330-2006-056-03-00-7 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 02.12.06) 2-

AÇÃO MONITÓRIA - ART. 1.102-a DO CPC - GUIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - VALIDADE. O art. 1.102-a do CPC exige como única condição à propositura da ação monitória a existência de prova escrita sem eficácia de título executivo, não havendo, portanto, qualquer óbice à utilização de documentos formalizados unilateralmente pelo credor. Basta, portanto, a existência de um documento retratando a obrigação, de modo a gerar a convicção do juiz sobre o direito do credor. Recurso ordinário a que se dá provimento para determinar o retorno dos autos à origem para exame do mérito, como se entender de direito. (00730-2005-071-03-00-4 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 05.08.06) AÇÃO MONITÓRIA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - PROVA HÁBIL INEXISTÊNCIA. Por exigir princípio de prova material suficiente à demonstração do crédito, não pode prosperar, sob a força da ação monitória, o pedido de contribuição sindical que vem lastreado apenas na notificação, acompanhada do comprovante de recebimento de correspondência de cobrança e demonstrativo de débito, uma vez que os referidos documentos, por si sós, não evidenciam certeza e exigibilidade da obrigação, mesmo porque produzidos de forma unilateral e o fato de haver notificação não transmuda sua exegese para documento comum entre as partes. (02785-2005-131-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 19.07.06) AÇÃO MONITÓRIA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. A ação monitória traduz um procedimento de cognição sumária, cuja finalidade consiste em possibilitar ao credor, que possui prova escrita do débito sem força de título judicial, o reconhecimento desse crédito. A cobrança judicial da contribuição sindical a que alude o artigo 579 da CLT, em princípio, pode ser efetuada por meio da ação monitória. Mister, entretanto, que a parte interessada apresente os documentos que atestem a certeza da obrigação. Entre esses documentos, podem ser arrolados: a guia de recolhimento da contribuição sindical, com a devida individualização do contribuinte e o valor da dívida, além de outros dados pertinentes, na forma da Portaria n. 3.233/83 do MTE, acompanhados do demonstrativo detalhado do cálculo do valor devido. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Necessária, ainda, a demonstração de notificação do devedor, sem a qual os referidos documentos pecam pela unilateralidade e não demonstram a presença da relação jurídica entre supostos credor e devedor. (01185-2005-030-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 25.07.06) AÇÃO MONITÓRIA - GUIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - DOCUMENTO HÁBIL. A guia de recolhimento de contribuição sindical é documento hábil ao manejo da ação monitória, por revelar razoável certeza da obrigação, demonstrando a relação jurídica existente entre o sindicato e a empresa e denotando a existência do débito, desde que devidamente individualizado o contribuinte e o valor correspondente, além da necessária notificação ao devedor. (00243-2006-030-03-00-7 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 18.10.06) Rescisória 1-

AÇÃO RESCISÓRIA - ERRO DE FATO. O erro de fato, para efeitos de ação rescisória, ocorre quando a decisão rescindenda “...admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido” e mais, “... que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato” (inciso IX do artigo 485 e §§ do CPC). Tais pressupostos levam, na maioria das vezes, a uma evidente confusão entre o erro de fato e a mera má apreciação da prova, a qual não respalda a rescisão do julgado. De todo modo, imprescindível que não tenha havido pronunciamento judicial sobre o fato. Constatada a existência de entendimento firmado sobre a quaestio, ainda que não o melhor ou mais justo, afasta-se o erro de fato como fundamento do corte rescisório. Pedido improcedente. (00418-2006-000-03-00-4 AR - 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 01.12.06)

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AÇÃO RESCISÓRIA DE SENTENÇA NORMATIVA - POSSIBILIDADE. Há cabimento para a ação rescisória de sentença normativa, porque, antes de tudo, trata-se de sentença. O ato do juiz ao decidir um dissídio coletivo de interesse é sentença, a respeito da qual já foi notado constituir título judicial coletivo, cuja execução atípica se faz por outra ação de natureza individual. Por esta razão a legislação processual trabalhista determina a competência da Seção Especializada em Dissídios Coletivos dos Tribunais do Trabalho para julgar as ações rescisórias de suas sentenças normativas. (00971-2006-000-03-00-7 AR - Seção Especializada de Dissídios Coletivos - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 16.12.06)

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AÇÃO RESCISÓRIA - VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. A tese jurídica discutida no âmbito da ação rescisória, qual seja, a da suposta ofensa ao comando constitucional emergente do inciso XXIX do artigo 7º da Magna Carta, esvaziase diante da invocação de prescrição bienal extintiva gerada por mera Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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interpretação pretoriana e que sói ocorrer no curso do contrato de trabalho, quando o ato patronal vergastado corporifica típico ato uno do empregador, ao passo que o dispositivo constitucional tido por vulnerado reporta-se integralmente à prescrição bienal extintiva que tem como dies a quo a data da extinção do contrato de trabalho, ou, estando em curso este, a prescrição parciária qüinqüenal cujo marco de incidência é a data do ajuizamento da ação trabalhista, o que não guarda nenhuma relação temática com o tema da prescrição acoplada a ato único do empregador, o qual, diga-se de passagem, que, com a vigência da Constituição da República de 1988, passou de bienal a qüinqüenal, no curso do contrato de trabalho. Inteligência da Súmula n. 409 do TST. Ação rescisória conhecida e julgada improcedente. (00789-2006-000-03-00-6 AR - 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 01.12.06) AÇÃO RESCISÓRIA - VIOLAÇÃO. O inciso V do artigo 485 do CPC admite seja a sentença de mérito, transitada em julgado, rescindida, quando “violar literal disposição de lei”. A expressão “lei” é compreendida em seu sentido estrito, de norma de caráter geral e abstrata, emanada do poder competente. Pode ser de direito material ou processual. A ela não se equiparam as normas oriundas de convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, portaria do Poder Executivo, regulamento de empresa e súmula ou orientação jurisprudencial de tribunal. Quando o pedido de rescisão, fundado no inciso V do artigo 485 do CPC, aponta ofensa à Orientação Jurisprudencial do TST, ele não procede, consoante assentado na OJ n. 25 da SDI-II do TST. (00859-2006-000-03-00-6 AR - 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior Publ. “MG” 01.12.06) ACIDENTE DO TRABALHO 1-

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO - ACIDENTE DE TRAJETO - DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA - CULPA CONTRA A LEGALIDADE. Ao assumir o risco de transportar trabalhadores para o local da prestação de serviços, em lugar de difícil acesso não servido por transporte público regular (Súmula n. 90 do TST), o empregador arca com a obrigação de proporcionar segurança aos seus empregados, por meio da adoção de medidas relativas à adequada manutenção do veículo de transporte. Assim, se o transporte de trabalhadores é realizado em um veículo em péssimo estado de conservação e sem autorização do poder público, encontra-se caracterizada a culpa patronal contra a legalidade, por violação ao inciso II do artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro, que veda o transporte de passageiros em compartimento de carga, e ao parágrafo único do artigo 132 do Código Penal, no qual se encontra tipificado o crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem. (01292-2005-081-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 05.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ACIDENTE DO TRABALHO - COMPETÊNCIA RESIDUAL - MARCO DIVISOR - EC N. 45/04. O marco divisor para definir a competência material relativa às ações que tratam de indenização por danos material e moral decorrentes de acidente do trabalho é a data da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04. Consoante decisão proferida pelo Col. STF, no Conflito de Competência n. 7204/MG. Se há decisão de mérito proferida pela Justiça Comum, antes da citada EC n. 45/04, esse fato consolida a competência daquela Justiça, pela aplicação do princípio da competência residual, nela prosseguindo o curso da lide, até o trânsito em julgado e correspondente execução. Fora dessa hipótese, a competência passa a ser da Justiça do Trabalho, inclusive em relação às ações decididas na Justiça Comum, com data posterior à aludida EC n. 45/04, visto que, neste caso, tal decisão está eivada de nulidade, pela ótica da incompetência material. (01673-2000-027-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 02.12.06)

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DANO MORAL - INDENIZAÇÃO. O dano moral é o resultado da dor física e/ ou emocional suportada pelo indivíduo que sofre uma lesão corporal, ou de caráter psicológico, dores estas que podem, inclusive, ocorrer de forma simultânea. No contexto da atividade laborativa, a dor física é sempre a conseqüência de uma ou mais lesões corporais, causadas por um acidente do trabalho ou uma doença de gênese ocupacional, sendo que a dor psicológica pode decorrer dos demais efeitos daí desencadeados, quase sempre relacionados à incapacitação, temporária ou permanente, para o trabalho, às situações de desestabilidade no tocante à rotina e aos aspectos peculiares às atividades desenvolvidas, e, muitas vezes, às prejudiciais repercussões no meio social e familiar. Comprovado o dano moral em decorrência de doença de gênese ocupacional, é direito do empregado ser indenizado nos moldes do Direito Civil (CC, artigos 186 e 927) e, ainda mais especificamente, do que dispõe o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, cuja segunda parte aborda o problema da responsabilidade civil (subjetiva) do empregador, nos casos em que este incorrer em dolo ou culpa. (00238-2006-153-03-00-6 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 19.12.06) OFENSA AO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA DO TRABALHADOR PROVADA MEDIANTE PERÍCIA - DESNECESSIDADE DE PROVA DO DANO MORAL - CLÁUSULA GERAL DE TUTELA À PESSOA E AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE (INCISO III DO ART. 1º DA CR/88). Em se tratando dos chamados direitos de personalidade, que visam à tutela de bens jurídicos da pessoa tais como a vida, a integridade corpórea, a saúde, a honra, a imagem, a liberdade, a intimidade e a vida privada entre outros, a simples violação de um deles, por si só, já caracteriza o dano moral, no caso, a lesão a bem jurídico de natureza extrapatrimonial. Noutros termos, a prova da violação de quaisquer direitos de personalidade faz presumir o dano moral. E, no presente caso, há prova técnica - robusta e cabal - da moléstia ocupacional, que acarretou a incapacidade da obreira para Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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desempenho de suas funções na empresa. O dano moral caracteriza-se, sobretudo, pela violação de direito concernente à integridade física do indivíduo: o direito à saúde. A proteção expressamente assegurada aos bens jurídicos extrapatrimoniais discriminados, no inciso X do art. 5º da CR/ 88, não exclui a proteção decorrente das normas infraconstitucionais (Código Civil e legislação especial). Ademais, ao inscrever a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito, a Constituição (art. 1º, inciso III) consagrou cláusula geral de proteção à pessoa e aos direitos de personalidade, visando a coibir toda e qualquer forma de atentado ao ser humano. (01099-2005-070-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 19.12.06) 4-

ACIDENTE DO TRABALHO - DANO MORAL E MATERIAL. A reparação de dano fundada na responsabilidade civil subjetiva tem como requisitos a demonstração de uma conduta injurídica do agente, culposa ou dolosa, o nexo de causalidade entre esta e o prejuízo suportado por outrem. Demonstrado que o reclamante foi vítima de assalto quando saía para o trabalho a pé, vindo a sofrer o disparo de três tiros na cabeça pelos assaltantes, sem qualquer participação da reclamada ou de seus prepostos, não se há de falar em responsabilidade da empresa, com a conseqüente reparação de danos, fundada em culpa ou dolo, a despeito de o fato ser considerado acidente do trabalho para os fins previdenciários. A responsabilidade objetiva também não se vislumbra nessa hipótese. Recurso a que se nega provimento, mantendo-se a improcedência dos pedidos relacionados aos danos material e moral formulados. (00433-2006-026-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06) ACIDENTE DO TRABALHO - REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - INEXISTÊNCIA DE CULPA DO EMPREGADOR. No campo da responsabilidade objetiva, o simples fato de um acidente ocorrer no percurso do trabalho ou durante a jornada de trabalho enseja a caracterização do acidente do trabalho e a indenização, a cargo da Seguridade Social, dos prejuízos decorrentes do evento danoso. Mas não gera, por si só, o liame causal para fins de responsabilidade civil do empregador, de quem se poderá exigir indenização apenas quando um ato omissivo ou comissivo seu decorra de dolo ou culpa, em qualquer de suas modalidades. (00331-2006-043-03-00-5 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 22.07.06) ACIDENTE DO TRABALHO - TRAJETO - EQUIPARAÇÃO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS - LIMITES - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - IMPROCEDÊNCIA. Ainda que a lei previdenciária estenda o benefício securitário àquele trabalhador que se acidenta no trajeto para o trabalho ou quando no gozo de intervalo intrajornada, a equiparação há de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ser lida com restrição, apenas e tão-somente perante o INSS - “Equiparamse também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei” (art. 21 da Lei n. 8.213/91, com destaque acrescido). Em sede de responsabilidade civil reparatória, o exame é feito à luz dos arts. 186 e 927 do CCb, dispositivos legais que regem a espécie; assim, o empregador jamais responderá por infortúnios para os quais não concorreu, com dolo ou culpa ou por ofertar ambiente laboral “naturalmente” de risco. O sinistro que apanha o empregado no percurso ou no momento de sua pausa para refeição e descanso, fora do local de trabalho e longe da batuta empresarial, não gera qualquer obrigação de reparação para o empregador. (00257-2006-038-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 22.09.06) ACIDENTE DO TRABALHO - USO DE MÁQUINAS NA PRODUÇÃO OPERADOR INABILITADO - RESPONSABILIDADE PATRONAL. É dever do empregador capacitar os empregados para o uso e manipulação das máquinas da linha de produção, já que o equipamento otimiza os lucros e são seus os ônus do negócio - cf. caput do art. 2º da CLT. Sob o prisma da segurança no trabalho, a obrigação vem versada no inciso II do art. 157 da CLT: “Cabe às empresas: [...] instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”; nos §§ 1º e 3º do art. 19 da Lei n. 8.213/91: “A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”; “É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular”; e no preceito prevencionista genérico do inciso XXII do art. 7º da CF: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Especificamente quanto ao tema maquinário, há o § 1º do art. 10 da Convenção da OIT n. 119, promulgada no Brasil através do Decreto 1.255/94: “O empregador deverá tomar as medidas para pôr os trabalhadores ao corrente da legislação nacional relativa à proteção das máquinas e deverá informálos, de maneira apropriada, dos perigos provenientes da utilização das máquinas, assim como das precauções a serem tomadas”. Assim abalizado, com vigor, o encargo patronal, não há dúvidas acerca da responsabilidade reparatória exclusiva do empregador no acidente causado por máquina que vitima um trabalhador inabilitado à operação, nos termos do inciso XXVIII do art. 7º da CF c/c arts. 186 e 927, caput, do CCb. (00398-2006-096-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 01.12.06) ACIDENTE DO TRABALHO OCORRIDO, NO PERCURSO, ENTRE A RESIDÊNCIA E O LOCAL DO TRABALHO - VERDADE DOS FATOS ALTERADA, NA PETIÇÃO INICIAL - LITIGAÇÃO DE MÁ-FÉ. A lei previdenciária considera acidente do trabalho o sinistro que acomete o empregado, no trajeto, entre a sua residência e o local de trabalho, e viceRev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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versa, conferindo ao trabalhador o mesmo benefício conferido ao vitimado pelo acidente do trabalho, ocorrido, no exercício de suas atividades. Entretanto, há uma enorme distinção acerca das conseqüências jurídicas daí advindas já que, para efeitos de indenização, necessária se faz a demonstração da existência de culpa ou dolo. Se o autor altera a verdade dos fatos, afirmando que o acidente deu-se de modo distinto, para justificar a condenação da reclamada, reputa-se litigante de má-fé, nos termos do inciso II do artigo 17 do CPC, devendo arcar com as conseqüências jurídicas daí advindas. (00576-2006-018-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 29.09.06) RESPONSABILIDADE CIVIL - PENSÃO VITALÍCIA - INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. A pensão mensal e vitalícia é devida quando comprovada a redução parcial e permanente da capacidade laborativa do obreiro. De mais a mais, o art. 1.539 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, prevê uma pensão correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou a vítima ou da depreciação que sofreu, quando o defeito impossibilitar o exercício da profissão ou diminuir o valor do trabalho, sendo, afinal, prudente a determinação de formação de um capital garantidor do cumprimento da obrigação alimentar. (00935-2005-152-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 26.08.06) DOENÇA PROFISSIONAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS INCAPACIDADE LABORATIVA. O dano moral normalmente decorre de ação ou omissão culposa do agente, não justificadas pelo exercício regular de direito e que afetem valores íntimos ligados à personalidade humana, juridicamente protegidos. Exige-se da pessoa que sofre o infortúnio a comprovação inequívoca da presença concomitante dos elementos constitutivos, quais sejam: o dolo ou a culpa do agente, o nexo causal entre dano e a conduta antijurídica e o dano propriamente dito (CC, artigos 186, 927). O dano moral independe da existência do prejuízo material, sendo plenamente admissível o deferimento da indenização pelo prejuízo moral puro, quando provado o nexo de causalidade entre a doença profissional e a execução do contrato, em circunstâncias que fogem ao exercício regular do direito do empregador, pois patenteada está a dor moral vivida pela obreira. (01742-2005-153-03-00-2 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 19.07.06) 5-

ACIDENTE DO TRABALHO - DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES - REPARAÇÃO. A reparação de lucros cessantes decorrentes de acidente do trabalho é devida quando o trabalhador lesado se vê privado de exercer a sua profissão e, conseqüentemente, de auferir a renda correspondente, cumprindo ao empregador, culpado no evento, assumir a obrigação de indenizar pelo equivalente ao prejuízo sofrido. Busca-se, assim, assegurar ao empregado o mesmo rendimento que auferiria em atividade, ou seja, a reposição das efetivas perdas econômicas experimentadas com o acidente. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Impositivo, pois, que se considere, na apuração dos danos, eventuais parcelas pagas pela Previdência Social para cobertura do mesmo evento, sob pena de caracterizar-se o enriquecimento ilícito do trabalhador. (00468-2005-051-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.12.06) 6-

TRABALHADOR AUTÔNOMO - ACIDENTE DURANTE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO CONTRATANTE. No trabalho autônomo, o prestador, com organização própria, desenvolve a atividade sem subordinação e com ampla autonomia na prestação de serviço, não havendo ingerência pelo contratante. Logo, entende-se que o prestador de serviço autônomo se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as suas forças e condições, assumindo os riscos de seu labor, cumprindo-lhe entregá-lo feito ao contratante, não se podendo exigir deste as mesmas obrigações do empregador de fornecer e cobrar a utilização de EPIs, bem como a obrigação de indenizar o autônomo por acidentes ocorridos durante sua atividade, nos moldes previstos nos artigos 927 a 933 do Código Civil/2002, principalmente quando não há provas de que as ferramentas utilizadas pelo prestador eram de propriedade do reclamado, inviabilizando aferir a negligência deste. (01686-2005-053-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 16.09.06)

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ACIDENTE DO TRABALHO - ENCERRAMENTO DA ATIVIDADE NA UNIDADE INDUSTRIAL EM QUE TRABALHAVA O RECLAMANTE - REINTEGRAÇÃO. O encerramento das atividades na filial da empresa onde trabalhava o reclamante, motivado em rescisão do contrato de arrendamento do parque industrial, não é capaz de eximir a reclamada da obrigação de indenizar o período correspondente à estabilidade provisória acidentária. Sobreleva destacar que, na impossibilidade de reintegrar o trabalhador, em virtude da extinção da atividade empresarial, deve o empregador pagar-lhe indenização substitutiva, após a cessação do recebimento do benefício previdenciário, isto porque a finalidade maior insculpida no art. 118 da Lei n. 8.213/91 é, exatamente, a proteção do empregado acidentado, na volta ao trabalho. (01022-2006-057-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 19.12.06)

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ESTABILIDADE PROVISÓRIA DO ACIDENTADO - EXTINÇÃO DO ESTABELECIMENTO. A extinção do estabelecimento não atinge a estabilidade provisória do acidentado prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/91, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a do cipeiro (item II da Súmula n. 339 do TST) e com a do dirigente sindical (item IV da Súmula n. 369 do TST). Tratase de institutos jurídicos cujas finalidades são diferentes, sendo que a estabilidade em questão visa propiciar ao acidentado uma recuperação sob a garantia do recebimento da renda necessária à sua subsistência. Extinto o estabelecimento, essa garantia deve ser transformada em indenização. (01297-2006-152-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 08.11.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ACORDO JUDICIAL - QUITAÇÃO PELO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO - INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. Não se ignora que a quitação pelo extinto contrato de trabalho abrange todas as pretensões conhecidas no momento do ajuste, oriundas da relação de emprego e que a indenização por acidente do trabalho é um crédito resultante da relação trabalhista, ainda que atípico, porquanto proveniente de um ilícito trabalhista, a teor do disposto no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal. Todavia, até 2004 o entendimento predominante nos tribunais superiores indicava que a competência para julgamento das ações de indenização por acidente do trabalho era da Justiça Comum, porque se tratava de direito de natureza cível. Assim, se o acidentado, confiando no entendimento da cúpula do Poder Judiciário, ajuizava a ação de indenização perante a Justiça Comum, acreditando que o acordo judicial celebrado na Justiça do Trabalho não quitava os direitos advindos do acidente do trabalho, não poderia agora ser surpreendido, tãosomente pela mudança da competência. Portanto, em respeito ao valor maior da segurança jurídica, os efeitos da coisa julgada, no caso da quitação pelo extinto contrato de trabalho, devem ser considerados de forma restrita, abrangendo apenas os créditos trabalhistas típicos, não se revelando plausível a extensão dos seus efeitos à indenização por acidente do trabalho. (00388-2006-071-03-00-3 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 13.09.06)

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APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INDENIZAÇÃO DECORRENTE DA INCAPACITAÇÃO PARA O TRABALHO - PARCELAS COM NATUREZAS JURÍDICAS DISTINTAS - IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. A verba previdenciária auferida pelo obreiro a título de aposentadoria por invalidez decorre da sua condição de segurado obrigatório do INSS, independente da verificação de culpa de quem quer que seja. Entretanto, havendo culpa, o dever de indenizar surge para o autor da infração como mero corolário. Essa conclusão se agiganta na hipótese de o trabalhador se tornar incapaz para o trabalho, o que lhe retira a possibilidade de aumentar sua renda, seja por progressão e ascensão profissional, seja buscando alternativas paralelas para aumentar a renda familiar, fato muito comum na realidade brasileira atual. Assim, o valor a que tem direito o trabalhador em razão da indenização por ato ilícito provocado pela reclamada não se confunde e não pode ser compensado ou substituído com aquele por ele auferido a título previdenciário. O primeiro tem natureza reparatória e é devido pelo autor do dano. O segundo tem índole previdenciária e é devido por terceiro estranho à lide. (00689-2006-113-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 14.12.06) DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO - PENSÃO VITALÍCIA - BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - PARCELAS COMPATÍVEIS ENTRE SI. O benefício previdenciário visa proporcionar ao corpo social e a cada indivíduo a garantia da seguridade, sob o aspecto econômico. Já a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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pensão mensal vitalícia, a título de danos materiais, tem por objetivo garantir a manutenção do padrão de vida proporcionado pelo trabalho da vítima, daí não ser incompatível o deferimento de ambas as parcelas. (00703-2005-071-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 06.12.06) DANOS MATERIAIS - POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. O dano material não se compensa com benefício previdenciário percebido pela reclamante. É que o auxílio-doença tem por finalidade garantir a sobrevivência do trabalhador, sem contemplar qualquer tipo de indenização. Portanto, não promove a reparação dos prejuízos sofridos pela vítima do acidente, e, sendo assim, não substitui a obrigação do empregador reparar o dano resultante do acidente do trabalho ocorrido por sua culpa ou dolo. (00102-2006-075-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Publ. “MG” 13.09.06) INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ACIDENTE DO TRABALHO - CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POSSIBILIDADE. Os proventos recebidos mensalmente do INSS não excluem o direito da vítima à indenização pelos danos materiais e morais sofridos. A cumulação entre o seguro acidentário e a indenização por responsabilidade civil atribuída ao empregador encontra-se assegurada pela Constituição da República, que estabelece, no artigo 7º, inciso XXVIII, que a cobertura do seguro acidentário não exclui o cabimento de indenização, nos casos de dolo ou culpa do empregador. O artigo 121 da Lei n. 8.213/91 prevê que o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. Além dos fundamentos legais, a matéria também se encontra solucionada pelo STF por intermédio da Súmula n. 229. Ademais, esse entendimento está uniformemente pacificado na doutrina mais autorizada a respeito e na torrencial jurisprudência do STJ e dos Tribunais de Justiça dos Estados. Com efeito, o chamado seguro acidentário não oferece qualquer cobertura além da que já é concedida normalmente pela Previdência Social. O valor que o empregado recolhe, atualmente, a título de seguro de acidente do trabalho apenas financia os benefícios previdenciários em geral, aos quais qualquer trabalhador segurado tem direito, dentro da amplitude da seguridade social, para a qual também o empregado contribui com sua parte. Assim, não se recolhe, a rigor, seguro de acidente do trabalho, mas uma parcela adicional para financiar os benefícios previdenciários concedidos pelo INSS, dentre eles, aqueles decorrentes dos infortúnios do trabalho. O seguro de acidente do trabalho da Previdência Social não indeniza, no sentido técnico da palavra. Basta mencionar que os danos materiais, morais ou estéticos nem são cogitados na legislação previdenciária, o que torna o acidentado vítima de real prejuízo. O benefício de natureza alimentar, concedido pelo INSS, garante apenas um mínimo de subsistência, porém distante de atender ao princípio da restitutio in integrum, ou mesmo de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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assegurar a manutenção do padrão de vida que a vítima desfrutava antes do evento danoso, ainda mais que na maioria das vezes o acidentado passa a ter mais despesas com medicamentos, assistência médica em geral ou ajuda necessária de outra pessoa para os cuidados pessoais. (01966-2005-153-03-00-4 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 04.10.06) 11 -

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - DOENÇA PROFISSIONAL - PRESCRIÇÃO TRABALHISTA. A pretensão deduzida na inicial encontra fundamento no inciso XXVIII do art. 7º da Constituição da República, o qual preceitua ser direito dos trabalhadores, dentre outros, o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. Tal norma evidencia que a indenização ali prevista deita raízes no ordenamento justrabalhista, devendo sujeitar-se, por conseguinte, ao prazo prescricional previsto no inciso XXIX do mesmo artigo. Não se há de falar em aplicação de prazo estabelecido no Código Civil quando a matéria encontra-se especificamente regulamentada para os créditos trabalhistas, como é o caso da indenização decorrente de doença de origem profissional. Vale ressaltar que a aplicação dos dispositivos do Código Civil é, nos termos do art. 769 da CLT, subsidiária, ou seja, somente é possível na hipótese de lacuna na legislação própria do Direito do Trabalho, o que não se verifica no caso em tela. (00003-2006-036-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 30.09.06) AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO OU DOENÇA OCUPACIONAL - PRESCRIÇÃO. A prescrição a ser aplicada nas ações de reparação por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho ou de doença ocupacional deverá tomar como marco o princípio da actio nata, ou seja, a data em que o interessado teve ciência inequívoca da lesão à sua saúde ou integridade física em virtude do acidente do trabalho, conforme Súmula n. 278 do STJ. Logo, se o acidente do trabalho é anterior ao Código Civil de 2002, a prescrição é indiscutivelmente vintenária. Já, se o acidente do trabalho é posterior ao Código Civil de 2002, a prescrição será vintenária se tiver ocorrido mais da metade do tempo previsto para a incidência da prescrição anterior, ou seja, se, quando da lesão e ajuizamento da ação, já tiver transcorrido mais de dez anos do lapso temporal que fixava a prescrição anterior. Se inexistir a fluência de mais da metade do prazo previsto no regime civil anterior, a prescrição civil será a trienal, que é a prescrição genérica aplicável a toda e qualquer pretensão de reparação civil, onde se enquadram tranqüilamente as reparações por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. A regra de direito transitória que aqui se aplica tem previsão no artigo 2.028 do Código Civil em vigor. Esta interpretação só tem aplicação para os processos egressos da Justiça Comum ajuizados antes da edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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sem sentença de mérito proferida por aquela Justiça, haja vista que, sendo o processo ajuizado diretamente na Justiça do Trabalho, a prescrição aplicável é sempre a do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal. (01080-2005-069-03-00-8 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - SINISTRO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - PRESCRIÇÃO. Deve-se observar nas ações que versem sobre indenização decorrente de acidente do trabalho ocorrido na vigência do CCb de 1916, anteriormente à edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, para fins de fixação da prescrição, o prazo de vinte anos, na forma prevista no art. 177 do referido Código, em respeito ao princípio da segurança jurídica, e não aquele previsto para os créditos trabalhistas em geral. (00499-2004-034-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 19.07.06) INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - ACIDENTÁRIO PRESCRIÇÃO. A fixação da competência para conhecer e julgar as ações indenizatórias decorrentes de danos morais e materiais se dá em razão da matéria, e não do sujeito ofendido. Disto resulta que o fato de se tratar de litígio entre empregado e empregador não implica automática aplicação da prescrição trabalhista nas ações reparatórias de danos oriundos de infortúnio do trabalho. Durante longos anos a jurisprudência considerou que tais direitos classificavam-se como de natureza civil, por isto que tais pretensões tinham acolhida por aplicação subsidiária da norma prevista no art. 159 do CCb. A reconhecida natureza civil da pretensão determinou a fixação da competência em favor da Justiça Comum Estadual para o julgamento de tais ações até o advento da EC n. 45/2004 (que transferiu para a Justiça do Trabalho a competência para julgar ações com pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes de infortúnio do trabalho), cuja promulgação revela a prevalência da posição que reconhece a natureza trabalhista, e não civil dos direitos de reparação dos danos decorrentes de acidente do trabalho. O pressuposto da mudança das regras de competência firma-se no sentido de que se trata de direito decorrente da relação de trabalho determinante da especialização da competência. A EC n. 45/2004 constitui-se, portanto, em marco de uma nova concepção do legislador constituinte quanto à natureza trabalhista do direito à reparação por danos decorrentes do infortúnio do trabalho, o que, ipso facto, implica também mudança das regras de prescrição aplicáveis à espécie, para se adotar as regras da prescrição trabalhista e conferir coerência ao sistema. Diferentemente, no entanto, das regras de competência, de aplicação imediata, as regras de direito material não se aplicam de imediato para ferir o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. As regras de prescrição aplicáveis são aquelas vigentes na data da actio nata. Alterações nos prazos prescricionais posteriores à ocorrência desta (actio nata) não podem atingir os direitos dela oriundos, sob pena de inconstitucionalidade. Do contrário, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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seria tomar de surpresa a parte que, atenta aos prazos prescricionais primitivos, viesse abruptamente a sofrer o trancamento da exigibilidade de seu direito. Em exegese compatível com as mudanças operadas na competência relativa à reparação de danos decorrentes de infortúnio do trabalho, estabelece-se que a regra de prescrição aplicável é aquela vigente quando se verificou a actio nata, na data do infortúnio, ocorrido em 18.out.1997. Assim, a prescrição trabalhista, bienal ou qüinqüenal, somente é aplicável, conforme o caso, em relação a pedidos de reparação decorrentes de infortúnios ocorridos a partir da data da promulgação da EC n. 45/2004, sob pena de se admitir a penalização injustificada de titulares de direitos ainda não prescritos na data da alteração das regras de competência, sem que, para tanto, tenha concorrido de qualquer forma, quer seja por ação, quer seja por omissão. Ora, no âmbito da anterior competência da Justiça Comum, a prescrição aplicável era a vintenária, a que se referia o antigo art. 177 do CCb. Não obstante o pedido se alicerce em relação de trabalho, há que se preservar, no caso vertente, o prazo prescricional vigente na data em que ocorreu o acidente. (00272-2006-080-03-00-5 RO - 3ª T. - Red. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 19.08.06) PRESCRIÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO AJUIZADA NA JUSTIÇA COMUM - MODIFICAÇÃO NA COMPETÊNCIA - APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. Conquanto o pedido de indenização por danos morais e materiais vir calcado em acidente do trabalho sofrido pelo empregado, o que atrai a competência desta Especializada para julgamento do feito, há que se considerar que, na data do ajuizamento do feito em apreço perante a Justiça Comum, não estava o autor da ação obrigado a observar outro prazo além daquele previsto no antigo Código Civil, que era de vinte anos. O fato de ter ocorrido modificação na competência não atrai alteração do prazo prescricional em relação às ações já ajuizadas em outra esfera jurisdicional, como na presente ação. Caso contrário, estaríamos retroagindo prazo prescricional relativo às ações trabalhistas, quando não se aplicava à época outro prazo senão aquele estabelecido na Lei Civil. (01266-2005-027-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 22.07.06) PRESCRIÇÃO - ACIDENTE DO TRABALHO - EC N. 45/2004 - PROCESSOS EM ANDAMENTO. Nas indenizações por acidente do trabalho, o prazo prescricional previsto no inciso XXIX do art. 7º da Constituição da República deve ser adotado para as ações ajuizadas após a Emenda Constitucional n. 45, aplicando-se o prazo do Direito Civil para as ações propostas antes da vigência da citada Emenda. É certo que a indenização por acidente do trabalho é um crédito resultante da relação de emprego, ainda que atípico, porquanto proveniente de um ilícito trabalhista, a teor do disposto no inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, que estabelece: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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sua condição social: [...] XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. Todavia, até 2004, o entendimento predominante nos tribunais superiores indicava que a competência para julgamento das ações de indenização por acidente do trabalho era da Justiça Comum. Assim, se o acidentado, confiando no entendimento da cúpula do Poder Judiciário, considerava o prazo prescricional mais elastecido do Código Civil para o ajuizamento da ação perante a Justiça Comum, não poderia agora ser surpreendido, tão-somente pela mudança da competência, com a extinção quase automática da sua pretensão. Não se encontra presente o pressuposto consagrado no vetusto brocardo jurídico: dormientibus non succurrit jus. O inesperado dessa decisão, que acolhe a prescrição aplicável aos créditos trabalhistas nos processos iniciados antes da Emenda n. 45/2004, contraria frontalmente os valores da estabilidade e segurança jurídica, deixando o acidentado com a impressão de ter sido novamente vítima, mas desta vez de uma armadilha jurídica. Por conseguinte, a aplicação da prescrição ao caso concreto deve ser realizada com cautela, em respeito ao valor maior da segurança jurídica, especialmente para os processos em andamento no advento da Emenda n. 45, sob pena de surpreender a parte com a extinção automática do seu direito. Em síntese, deve-se adotar o prazo prescricional previsto no Código Civil para as ações propostas antes da entrada em vigor da EC n. 45/2004 e o prazo previsto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal, para as ações ajuizadas após a vigência da citada Emenda Constitucional. (00205-2006-060-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 08.11.06) PRESCRIÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - REGRA APLICÁVEL. Em ação trabalhista, proposta perante esta Justiça Especial, versando sobre pedido de dano moral decorrente da relação de trabalho, possíveis créditos indenizatórios daí advindos submetem-se às regras e princípios próprios do Direito do Trabalho. Nesta interpretação, inclui-se o prazo prescricional de dois anos a partir da extinção do pacto laboral para o ajuizamento de reclamatória, observado o qüinqüênio que antecede a sua propositura (Constituição da República, art. 7º, inciso XXIX). Isto porque, as indenizações por dano patrimonial, moral ou estético oriundo de doença profissional/ocupacional ou acidente do trabalho possuem efeitos próprios e conexos do contrato de trabalho, porquanto derivadas do liame empregatício, independentemente do Direito que rege as parcelas (no caso, Direito Civil). (00190-2006-005-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 20.10.06) 12 -

ACIDENTE DO TRABALHO - REPARAÇÃO CIVIL E BENEFÍCIO DO INSS CUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE. A reparação de natureza civil decorre de ato ilícito patronal, que, por ação ou omissão, concorreu para o evento do acidente, com dolo ou culpa, descumprindo seus deveres legais de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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segurança, higiene e prevenção de riscos. A cobertura acidentária pelo INSS não depende da caracterização de culpa, pois está fundamentada na teoria da responsabilidade objetiva, como parte do sistema de seguridade social, para o qual trabalhador e empregador contribuem. Nisso, uma se distancia da outra, sendo perfeitamente possível a cumulação da pensão mensal a ser paga pelo empregador com o benefício pago pelo INSS. (01046-2005-049-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 01.11.06) 13 -

ACIDENTE DO TRABALHO - RESPONSABILIZAÇÃO DO EMPREGADOR - DESVIO DE FUNÇÃO. Incorre na prática de ato lesivo à integridade física de seu empregado e, por conseqüência, sujeita-se ao dever de indenizá-lo pelos danos sofridos o empregador que pratica em sua empresa o desvio de função, como modo de impedir que o trabalhador fique ocioso, e o que é pior, sem submetê-lo ao devido treinamento para execução das tarefas para as quais fora desviado, tampouco providenciando a devida fiscalização para que sejam observadas as normas de segurança no local de trabalho. (01084-2005-029-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 08.11.06)

ACORDO 1-

ACORDO JUDICIAL - ATRASO NO PAGAMENTO DA PRIMEIRA PARCELA - APLICAÇÃO DE MULTA. Muito embora não se olvide de que a transação implica a solução da lide, com força de coisa julgada, e que, em regra, a vontade das partes ali firmada e hom*ologada pelo juiz da causa não pode ser rediscutida, com novo pronunciamento jurisdicional sobre as condições avençadas, não se pode perder de vista que tem ela - a transação - natureza contratual, consoante encampado pelo novo Código Civil (art. 840 e seguintes): as partes acordam direitos e obrigações e estipulam cláusula penal, como típico de qualquer negócio jurídico. Nada impede, portanto e entretanto, que, se, no curso da execução desse contrato, surge evento imprevisível, capaz de tornar a obrigação excessiva e manifestadamente onerosa para a parte, possa ela pedir a revisão contratual, conforme também está previsto nos artigos 478 e 480 do Código Civil. Nesta ordem de idéias, é de se concluir que não fere a Ordem Constitucional a decisão que indefere a aplicação de multa, ainda que prevista contratualmente (transação hom*ologada em juízo), se é possível verificar, com solar clareza, que o atraso de um único dia na quitação da primeira parcela do acordo não desencadeou grandes prejuízos para o autor e que o valor da multa, cujo percentual foi de 50%, importa em montante elevado, valor este muito oneroso para a empresa - ainda mais se se considerar o seu pequeno porte. A previsão de multa, em percentual elevado, pelo atraso no pagamento dos valores constantes do acordo, trata-se de uma garantia que se dá ao reclamante, que, de alguma forma, vê-se diante da possibilidade da completa inadimplência do devedor e de uma eventual execução forçada, além, por óbvio, de forçar o devedor a manter a pontualidade no pagamento. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Entretanto, se se trata de mora insignificante no pagamento da primeira parcela, como ocorreu no caso em apreço - atraso de um único dia - não se pode aventar de lesão grave ao obreiro, mas implica condição extremamente gravosa para a executada, o que é repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio. O fato de a empresa ser devedora não é razão bastante para justificar a deflagração, contra ela, de atos executivos capazes de lhe onerar gravosamente, o que não se coaduna com o verdadeiro escopo da execução, enquanto método estatal destinado a obter o eficaz e pleno atendimento de um crédito. Essa preocupação legislativa, aliás, pode ser detectada no art. 620 do texto processual, a teor do qual, quando a execução puder ser promovida por diversos meios, “o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Note-se que a norma não encerra mera faculdade do juiz, correspondendo, isto sim, a um comando imperativo (“mandará que se faça”), do qual, por princípio, ele não pode afastar-se. A própria Constituição da República manifesta uma nítida consciência a respeito da necessidade de o devedor não ser confundido com um criminoso, ao enunciar o princípio de que inexistirá prisão civil por dívida - tirante os casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel (art. 5º, LXVII). Por estas razões, há de se manter incólume a r. decisão hostilizada que, de forma escorreita, rejeitou o pedido obreiro. (00186-2006-017-03-40-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) 2-

ACORDO JUDICIAL - COISA JULGADA. A teor do que determina o parágrafo único do art. 831 da CLT, “... o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas”. Por outro lado, é vedado ao órgão julgador conhecer de questão já decidida (art. 836 da CLT). O texto da lei é muito claro e não deixa margem para dúvida: uma vez hom*ologado o ajuste firmado nos autos da reclamação trabalhista ajuizada, as partes somente poderão desconstituílo através de ação rescisória, conforme preceitua a Súmula n. 259 do TST. (00276-1997-114-03-00-4 AP - 7ª T. - Red. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 18.07.06)

3-

ACORDO - MULTA - PRAZO - QUITAÇÃO. O prazo que se estipula no termo de conciliação, para que a parte denuncie o inadimplemento da obrigação, sob pena de no silêncio presumir a sua quitação, produz os mesmos efeitos da decadência. Assim, extinta a obrigação, ainda que revelado, porém depois do termo assinalado, que ela não foi cumprida a tempo e modo. (00481-2006-077-03-00-6 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 19.12.06)

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ACORDO - MULTA MORATÓRIA. O que foi livremente pactuado deve ser fielmente cumprido. Acordo é decisão irrecorrível, na dicção do parágrafo único do art. 831 da CLT, não podendo ser alterado em fase de execução. Estipulada multa diária para o caso de mora na entrega da CTPS e das guias de seguro-desemprego, quando da celebração do acordo, tal Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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penalidade deve incidir, até mesmo como forma de desestimular o inadimplemento da obrigação de fazer, em descumprimento às determinações judiciais. Há de ser observada, contudo, a limitação para a cláusula penal, preconizada no artigo 412 do Código Civil e Orientação Jurisprudencial n. 54 da SDI-I do TST. (00052-2005-044-03-00-7 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.10.06) 5-

AGRAVO DE PETIÇÃO - ACORDO JUDICIAL - ESTIPULAÇÃO DE PAGAMENTO MENSAL DE PARCELAS - VENCIMENTO - FERIADO PRORROGAÇÃO PARA O DIA ÚTIL SUBSEQÜENTE. Sendo certo que o dia 11 de agosto é, oficialmente, feriado para a Justiça do Trabalho (Dia do Magistrado e Dia do Advogado), repercutindo, inclusive, na contagem dos prazos processuais, ocorre, por conseqüência lógica, como também prevista nos próprios termos do ajuste firmado entre as partes, a transferência da data de vencimento da obrigação, emergente de conciliação, para o primeiro dia útil subseqüente, in casu, dia 14.08.2006, segunda-feira, não importando, ainda, se houve expediente bancário no dia originalmente definido para o vencimento da parcela, uma vez que a agravada poderia, em razão do feriado, ver-se obstada de extrair as respectivas guias na Secretaria da Vara, ou de promover a prática de qualquer ato do qual dependesse o cumprimento da obrigação, não lhe sendo, de forma nenhuma, obrigatório que as tivesse obtido com antecedência, ou tomado qualquer providência de forma antecipada. (00491-2006-001-03-00-2 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 02.12.06)

6-

ACORDO PROPOSTO PELO JUÍZO - RECUSA DE UMA DAS PARTES IMPOSSIBILIDADE DE hom*oLOGAÇÃO. As partes podem entabular acordo que verse sobre a extinção do contrato de trabalho, não lhes sendo obrigatório que tal questão faça parte do pedido inicial ou da defesa. O juiz, por seu turno, pode ou não hom*ologar a avença, ou mesmo rejeitar uma das condições pactuadas. Todavia, se a parte só aceitar o acordo com a inclusão de todos os termos por ela propostos, não há conciliação para ser chancelada. Neste caso, a sentença que hom*ologa o acordo que, na verdade, foi proposto pelo juiz, sem aceitação de uma das partes, faz com que a transação hom*ologada seja nula, por vício de consentimento. (01629-2005-063-03-00-6 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 05.08.06)

Coletivo 1-

ACORDO COLETIVO - MAJORAÇÃO DO ADICIONAL NOTURNO E DESCONSIDERAÇÃO DA HORA FICTA. Respeitada a regra constitucional de remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (inciso IX do artigo 7º da Constituição), e observados os limites impostos pelos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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incisos III e IV), garantindo-se ao obreiro o cumprimento de seu direito, sem vulneração das normas de segurança, saúde e higiene (artigo 7º, inciso XXII), é de se prestigiar e conferir validade ao instrumento de negociação coletiva firmado entre a reclamada e a categoria profissional (artigo 7º, inciso XXVI). A teoria do conglobamento orgânico ou por instituto, trazida por analogia da Lei n. 7.064/82, em seu artigo 3º, inciso II, autoriza que, mediante negociação, a flexibilização de um direito legalmente previsto seja compensado com uma vantagem no tocante à mesma matéria. É esse o sentido próprio da transação, que se distingue da renúncia de direitos e, portanto, não encontra óbice no princípio da irrenunciabilidade. (00708-2003-099-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 07.12.06) ACÚMULO DE FUNÇÃO 1-

ACÚMULO DE FUNÇÃO - PEDIDO DE PAGAMENTO DO ADICIONAL DE 50%, MEDIANTE APLICAÇÃO ANALÓGICA DO INCISO XVI DO ART. 7º DA CF - IMPOSSIBILIDADE. Não é cabível a aplicação analógica do dispositivo constitucional pertinente às horas extras, em se tratando de alegado acúmulo de funções, porquanto os seus fundamentos jurídicos são completamente distintos. Enquanto o adicional de 50% previsto na Constituição Federal tem por finalidade remunerar as horas trabalhadas além da jornada contratual do empregado, o plus pretendido pelo recorrente decorre de acúmulo de funções as quais, a princípio, podem ser perfeitamente desenvolvidas dentro do horário de trabalho, sem implicar necessariamente sobrejornada. Considerando-se, ainda, a inexistência de previsão legal ou convencional da categoria para amparar a pretensão e que a outra tarefa imputada ao reclamante era compatível com a sua área de atuação e não importou modificação na jornada habitualmente prestada, esta alteração encontrase abrangida pelo jus variandi empresário. (00815-2005-134-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 07.07.06)

ADICIONAL De insalubridade 1-

INSALUBRIDADE - AGENTES BIOLÓGICOS - LIDA COM GADO SADIO – NÃO-CARACTERIZAÇÃO. A lida com gado sadio, por si só, não configura contato permanente com agentes biológicos presentes em pacientes animais ou material infectocontagiante. Somente quando o gado é tratado por doença infectocontagiosa em hospitais ou clínicas veterinárias e em estábulos da própria propriedade rural, é que há contato com agentes biológicos prejudiciais à saúde do empregado. Afinal, o esterco do animal (gado) sadio é largamente utilizado como adubo natural. (01945-2005-092-03-00-3 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 16.09.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - ATIVIDADE DE VAQUEIRO. O trabalho e operações em contato permanente com animais em condições consideradas insalubres, na forma definida pelo Anexo 4 da NR-15 (Portaria n. 3.214/78), não advêm da simples relação de freqüência com os animais, porque esta, com certeza, não foi a intenção do legislador. Assim, atividades de ordenha diária de vacas, ou, até mesmo, a mera condução do gado na pastagem e no manejo da rês no curral não conferem o direito ao adicional de insalubridade. A caracterização do trabalho insalubre nos termos da norma citada há de expor o empregado, na condição de vaqueiro ou não, ao contato permanente com carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas. (01846-2004-099-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 02.11.06)

3-

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. O acordo individual, com a participação da entidade sindical, é legalmente perfeito, conforme autoriza o inciso VI do art. 7º da Constituição de 1988, não sendo de se questionar a adequação da base de cálculo de insalubridade, que implicou a redução do valor, respeitado o parâmetro mínimo previsto na Lei n. 7.394/85 e na Súmula n. 358 do TST, pois perfeito o ato jurídico, não há motivo relevante que autorize sua anulação, uma vez que ausentes os requisitos que a doutrina e a jurisprudência exigem para o retorno das partes ao status quo ante. (00254-2006-105-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 25.07.06)

4-

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - LIXO URBANO. Nos termos da OJ n. 04 da SBDI-I do TST, “Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.” Doutro tanto, a limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho. (00174-2006-089-03-00-5 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 07.10.06)

5-

ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - SALÁRIO PROFISSIONAL - SALÁRIO CONVENCIONAL - SALÁRIO BASE MENSAL - SÚMULA N. 17 DO TST. O salário profissional, aludido na restaurada Súmula n. 17 do TST, tem correspondência com o salário convencional ou de categoria, também denominado “piso salarial”. O salário profissional destina-se aos integrantes de profissões legalmente regulamentadas, sendo, via de regra, estipulado em lei. O salário convencional consiste no estabelecimento do patamar mínimo remuneratório dos integrantes de certa categoria de trabalhadores. Possui, assim, a mesma finalidade inerente ao salário profissional, o que conduz à aplicação da mencionada Súmula, para base de cálculo do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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adicional de insalubridade. O mesmo não se diga em relação ao salário base mensal, cujo valor não está regulamentado e nem mesmo fixado em instrumento coletivo, hipótese em que não cabe a aplicação da Súmula. (00903-2006-152-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 14.12.06) De periculosidade 1-

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - BASE DE CÁLCULO - CONVENÇÃO COLETIVA - VALIDADE. Por força do disposto no inciso XXVI do artigo 7º da CR/88, os acordos e convenções coletivas legitimamente firmados serão reconhecidos e observados, mesmo que eventualmente menos favoráveis ao empregado que o disciplinado legalmente. Isto porque a negociação coletiva se faz por meio de concessões mútuas, onde cada uma das partes cede em um aspecto para se beneficiar em outro, na esteira do princípio do conglobamento. Logo, se as partes livremente restringiram a base de cálculo do adicional de periculosidade ao salário-base, sem incidência nas demais verbas de cunho salarial, aplicando-se a teoria do conglobamento, não se pode ignorar o que foi assim avençado, pena de violar o disposto no aludido preceito constitucional e negar as prerrogativas sindicais dispostas nos incisos III e VI do artigo 8º da Magna Carta. (01887-2006-139-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 19.12.06)

2-

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - INFLAMÁVEIS - PILOTO DE AVIÃO. Piloto de avião não é “frentista”, nem a ele se equipara. As atividades do piloto ocorrem, tradicionalmente, fora da área de risco, ao contrário dos frentistas de postos de gasolina ou empregados que lidam ininterruptamente com o mister de abastecimento. A mera circunstância de adentrar à área de abastecimento e, ainda, ao realizar manobras em áreas consideradas de risco não caracteriza o desempenho de função de caráter periculoso e não rende ensejo ao adicional em apreço nos termos da tipificação legal, uma vez que inexiste contato permanente com inflamáveis, como exigido pelo art. 193 da CLT, em especial quando não há prova do tempo de exposição. Ademais, o direito ao adicional de periculosidade supõe que a atividade exercida esteja estritamente tipificada como atividade de risco pela normatização. Tarefas eventualmente relacionadas ao acompanhamento de abastecimento com inflamáveis não ensejam a percepção do adicional quando não se encontram inseridas no tipo legal e, notadamente, quando existe pessoal especialmente encarregado para lidar com aquelas funções consideradas em si perigosas e o fato de acompanhar o abastecimento da aeronave não torna a atividade do piloto perigosa porque, ao adentrar à área considerada de risco, fá-lo de forma eventual, e não em contato permanente com inflamáveis, a par de atuar como qualquer cidadão comum que abastece seu automóvel nos postos de gasolina. Indevido, portanto, nestas circunstâncias, o adicional de periculosidade vindicado. (01708-2005-067-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 19.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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De risco 1-

ADICIONAL DE RISCO - LEI N. 7.394, DE 29.10.1985 - DECRETO N. 92.790, DE 17.06.1986 - VIGÊNCIA. É devido o adicional de risco à empregada que, mesmo não sendo habilitada como profissional técnico em radiologia, exerce essa atividade. Em nada modifica esse entendimento o fato de a mesma, quando contratada, sê-lo, oficialmente, para outra função (secretária), pois, no Direito do Trabalho, privilegia-se o princípio da primazia da realidade sobre a forma, predominando, assim, aquilo que ocorre no plano dos fatos, sobre aspectos e atos meramente formais. Há que se destacar, outrossim, que a mera ausência de habilitação profissional para o exercício da função não ilide o reconhecimento dos direitos inerentes a tal ofício, aplicando-se ao caso, para assim decidir, o entendimento sumulado pelo C. TST, através da Súmula n. 301. A natureza jurídica do adicional de risco é salarial, pois visa assalariar o trabalho exposto a essa condição, pagando, deste modo, a forma pela qual o trabalho é prestado. (01773-2005-134-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 06.09.06)

De transferência 1-

ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA - LIBERALIDADE DA EMPRESA INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO. Constitui liberalidade do empregador o pagamento de adicional de transferência a que não estava legalmente obrigado, eis que não se tratava de transferência do autor de caráter provisório. Contudo, uma vez concedido este plus salarial por um lapso de tempo considerável, de forma a torná-lo habitual, inegável a sua incorporação ao patrimônio do empregado (art. 444 c/c o art. 457 da CLT). Logo, a supressão desta verba importa alteração unilateral e ilícita do contrato de trabalho vedada pelo art. 468 da CLT. (00901-2005-009-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 20.10.06)

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1-

ANISTIA - LEI N. 8.878/94 - READMISSÃO - ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. As decisões administrativas de concessão da anistia aos servidores públicos, na forma prevista na Lei n. 8.878/94, não resultam em direito adquirido à imediata readmissão dos anistiados, mas dependem de decisão de natureza discricionária da Administração Pública quanto aos critérios de oportunidade e conveniência. Mas a preferência para admissão é do anistiado, se houver vaga disponível, não podendo ser olvidado esse direito assegurado na legislação e nos atos administrativos referidos nesse processo. (00084-2005-139-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 02.08.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

AUTARQUIA - NEGOCIAÇÃO COLETIVA - IMPOSSIBILIDADE. Sujeitandose a fixação da remuneração do servidor público ao “princípio da reserva legal”, as despesas da União, relativas ao custo de pessoal, aos limites estabelecidos em lei orçamentária e sendo a iniciativa do processo legislativo destinado à edição de lei autorizativa de aumento da remuneração do servidor público federal à iniciativa do Presidente da República e, havendo, ipso facto, concorrência entre os princípios constitucionais da reserva legal e da autonomia coletiva, a aparente antinomia resolve-se em favor do primeiro, que decorre de norma especial que abre exceção à norma genérica, que reconhece a autonomia coletiva como fonte de Direito do Trabalho. Isto implica dizer que não é possível à autarquia federal conceder vantagens salariais convencionais, ao menos por enquanto, a seus servidores, mesmo que contratados sob regência do regime privado. (01035-2005-018-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 16.09.06)

3-

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE DO PREFEITO MUNICIPAL. A CF, no art. 37, § 5º, determinou o seguinte: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” Portanto, está claramente posto: qualquer agente que praticar ato ilícito com prejuízo ao erário será passível de ação de ressarcimento. O ato praticado pelo administrador público municipal causou prejuízo. Tanto que haverá necessariamente condenação em salário pelo tempo da relação empregatícia, bem como recolhimento do FGTS. Se houve a prática de um contrato irregular e prejuízo ao erário, cumpre responsabilizar quem o praticou, e é exatamente isto que a Lei n. 4.717/65 impôs. A citação de quem praticou o ato irregular é, portanto, uma exigência legal neste caso e em todos os em que se anularem contratos de trabalho irregulares com a Administração Pública. Além do devido processo legal, que garante a qualquer um o direito de defesa, é necessária a fixação da responsabilidade, não só da Administração Pública, mas também de quem houver praticado o ilícito. (00407-2006-061-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Antônio Álvares da Silva - Publ. “MG” 08.12.06)

4-

ENTE PÚBLICO - CONTRATO ADMINISTRATIVO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar a legalidade da contratação em regime especial, ou seja, se houve desvirtuamento desta, se os contratos temporários estão de acordo com a lei e o comando constitucional (art. 37, inciso IX) (inteligência das OJs n. 205 e 263 - cancelada - da SDI-I do TST). Esta lógica em nada foi afetada pela liminar proferida na ADI n. 3.395-6, que apenas veda a apreciação por esta Especializada das demandas instauradas entre o poder público e seus servidores, “a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”. (00833-2006-092-03-00-6 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 26.10.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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5-

ESTADO DE MINAS GERAIS - CONTRATO NULO - DEPÓSITO DO FGTS. Declarada a nulidade do contrato, ele não produz efeitos jurídicos, salvo com relação ao pagamento das horas efetivamente trabalhadas, como ressarcimento da força de trabalho despendida e dos valores referentes ao FGTS. Estes são devidos por força do disposto no art. 19-A da Lei n. 8.036/ 90, acrescentado pela Medida Provisória n. 2.164-41, de 24.08.01, mesmo que a contratação tenha se dado nos moldes de contrato administrativo, sendo irrelevante que não haja ali a previsão de pagamento de FGTS. Essa parcela é devida por força de dispositivo de lei específico acerca da matéria, exatamente para os trabalhadores que tiveram seus contratos declarados nulos, como uma compensação mínima pela força de trabalho despendida em prol da comunidade, mesmo na hipótese de a prestação de serviços ter ocorrido em desobediência aos preceitos constitucionais e legais. (00067-2006-112-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 28.07.06)

6-

EMPREGADO PÚBLICO READMITIDO POR APLICAÇÃO DA LEI DE ANISTIA - INVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO PELA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DECISÃO CONFIRMADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NULIDADE DA READMISSÃO - VERBAS TRABALHISTAS DEVIDAS - SÚMULAS N. 473 DO STF E 363 DO TST. Reconhecendo a Administração Pública que a recontratação do antigo empregado público, calcada na Lei n. 8.878/94 (Lei de Anistia), derivou de ato administrativo ilegal, pode proceder à sua anulação, sem que disso decorram direitos para o empregado (Súmula n. 473 do STF), ainda mais quando a medida anulatória é validada por decisão judicial. Nesse caso, configura-se a nulidade do contrato de trabalho, nos moldes da Súmula n. 363 do TST, sendo devidos ao empregado tão-somente a contraprestação pactuada, relativamente às horas trabalhadas, e os depósitos do FGTS. Recurso ordinário a que se nega provimento. (00833-2006-144-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 24.11.06)

7-

ENTE PÚBLICO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - CUMPRIMENTO DAS NORMAS MUNICIPAIS. O princípio da legalidade é basilar da Administração Pública que só poderá agir segundo as determinações legais. Assim, estando em plena vigência as leis municipais, o ente público deverá obedecer aos preceitos legais, sendo plenamente possível que o Chefe do Executivo procure o Judiciário, a fim de que se declare a inconstitucionalidade de tais dispositivos. Portanto, não há possibilidade de descumprimento das normas municipais ao fundamento de sua inconstitucionalidade, em face do princípio da legalidade. (00388-2006-143-03-00-2 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 07.11.06)

8-

EMPRESA PÚBLICA - REENQUADRAMENTO EM NOVA FUNÇÃO CONCURSO PÚBLICO - APROVAÇÃO - EXPECTATIVA DE DIREITO. A aprovação em concurso público é requisito indispensável para o Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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reenquadramento do empregado de empresa pública em cargo diverso na carreira, nos termos do inciso II do artigo 37 da CF/88. No entanto, a mera aprovação não é fato capaz de gerar dever da Administração de nomear o aprovado, se nas nomeações feitas observou a ordem de classificação, pois ao candidato gera uma expectativa e não um direito consolidado. (00395-2006-035-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 30.08.06) 9-

ISONOMIA REMUNERATÓRIA - ENTE PÚBLICO. A proibição ao reconhecimento do contrato de trabalho diretamente pelo ente estatal não elimina a irregularidade na terceirização dos serviços, tampouco cria privilégio especial na exploração do trabalho humano em benefício do órgão público (art. 5º, caput, e inciso I, da CRF). Aliás, a entidade estatal deveria, sempre, dar exemplo em seus atos, imantados com presunção de legalidade. Nesse contexto, devem ser assegurados à reclamante os mesmos direitos previstos nos instrumentos coletivos da categoria bancária, por aplicação analógica da alínea “a” do art. 12 da Lei n. 6.019/74. (01646-2005-011-03-00-4 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Antônio Viégas Peixoto - Publ. “MG” 18.08.06)

ADVOGADO 1-

ADVOGADO SUSPENSO DE ATIVIDADES ADVOCATÍCIAS - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. Por estar o advogado suspenso de suas atividades advocatícias, falta-lhe capacidade processual para ajuizar ação ou praticar qualquer ato processual como procurador da parte, à luz do parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 8.906/94. Porém, se, juntamente com ele, assinou a peça preambular advogada regularmente constituída e legitimamente habilitada (até prova em contrário, a qual, todavia, não veio aos autos), mostra-se suprida a irregularidade apontada. (01218-2006-063-03-00-1 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 30.09.06) CAPACIDADE PROCESSUAL. Se a advogada que subscreve a petição inicial não está suspensa, ou seja, impedida de praticar o exercício da advocacia, convalidada está a representação, mesmo que o outro procurador esteja suspenso. A irregularidade resta sanada naquele momento, mediante a transmissão tácita dos poderes de representação conferidos pelo reclamante somente à procuradora desimpedida que subscreve a petição inicial (artigo 13 do CPC). (01232-2006-063-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 24.10.06)

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ADVOGADO-EMPREGADO - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - JORNADA DE 4 HORAS - APLICABILIDADE - LEI N. 9.527/97. O art. 4º da Lei n. 9.527/97 prevê que “As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista” (grifou-se). Entretanto, em se tratando de empresas públicas e sociedades de economia mista, não monopolistas, ou seja, que concorram com as empresas privadas, descabe a exceção, caso em que se aplica a jornada especial aos seus advogados-empregados, a fim de se evitarem privilégios ao Estado-empresário (ADI n. 1552-4). (00537-2006-137-03-00-1 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 10.11.06) 3-

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADVOGADOS PERANTE SEUS CONSTITUINTES - AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CABÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Controvertem doutrina e jurisprudência sobre se a ausência de interposição de recurso cabível enseja a responsabilidade civil dos advogados perante seus constituintes, merecendo atenta análise em cada caso concreto. Na hipótese em que um sindicato, atuando como substituto processual, omitese em recorrer de decisão desfavorável aos substituídos, em época na qual vigora jurisprudência favorável à tese por ele defendida, parece clara a obrigatoriedade de interposição do recurso, porquanto é dever do sindicato, na figura de seu advogado, esgotar todos os graus de jurisdição para atingir o êxito da ação por ele interposta, salvo se o contrato firmado entre o advogado e o cliente/associado possuir limitação expressa quanto à sua atuação. Ausente essa limitação e omitindo-se o advogado em recorrer, o dano ao sindicalizado é evidente, responsabilizando-se o sindicato por seus atos, por caracterizada a culpa in eligendo. Não obstante ser a obrigação do advogado de meio, e não de fim, essa circunstância não o exime do dever de agir com a maior cautela, prudência e diligência no curso do processo, maximizando seus esforços no sentido de obter um resultado favorável ao cliente. Todavia, a responsabilidade civil decorrente da omissão só enseja a reparação por danos morais, por frustrar a expectativa dos substituídos em ver seu processo solucionado de forma favorável. Os danos materiais não se caracterizam, porquanto a interposição do recurso criaria somente uma expectativa de êxito, e não a certeza do êxito, não se podendo, na hipótese, cogitar de dano material passível de reparação pecuniária. (00258-2006-016-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 17.11.06)

4-

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO ADVOGADO SUSPENSO. A suspensão imposta pela OAB não excede da pessoa do advogado penalizado, nos termos do art. 42 da Lei n. 8.906/94 (Estatuto dos Advogados) e inciso XLV do art. 5º da CF. Portanto, estando a inicial assinada por outro procurador devidamente habilitado, não se há falar em irregularidade de representação, não obstante conste no referido instrumento o nome do profissional suspenso. (01227-2006-063-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 15.09.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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AGRAVO De instrumento 1-

AGRAVO DE INSTRUMENTO - § 1º DO ARTIGO 897 DA CLT. O § 1º do artigo 897 da CLT dispõe que: “O agravo de petição só será recebido quando o agravante delimitar, justificadamente, as matérias e os valores impugnados, permitida a execução imediata da parte remanescente até o final, nos próprios autos ou por carta de sentença”. Logo, quando ocorrer impugnação ao quantum exeqüendo e à matéria propriamente dita, aquele deve ser delimitado e justificado e essa delimitada. Obviamente que, quando não for a hipótese de insurgência em relação ao valor devido em execução, basta para o conhecimento do agravo de petição que a parte recorrente ao menos delimite a matéria controvertida. Tal se explica porque, se a agravante delimitou a matéria jurídica que, por depender, v.g., de exame de texto de lei para o devido desate, despicienda a delimitação e a justificação dos valores impugnados, porque inaplicável na espécie a exigência legal ora em foco, mesmo porque, nesse caso, o valor impugnado seria todo aquele objeto de execução. In casu, em que pese tenha a empresa delimitado as matérias em relação às quais se insurge, é certo que, lado outro, olvidou-se de demonstrar aritmeticamente onde estariam os erros perpetrados pelo perito. Ora, não é suficiente, à luz do estipulado no § 1º do artigo 897 da CLT, que, ao se insurgir em relação às matérias e ao valor das verbas em execução deferidos ao exeqüente, apresente a agravante razões genéricas, sem o acompanhamento de cálculos hábeis a demonstrar a alegada ocorrência de reflexos sobre o abono pecuniário de férias e a incorreção da apuração da multa convencional. Portanto, nada obstante tempestivo e, ainda que se encontre o juízo primitivo garantido pelo depósito judicial, ante a não observância integral do disposto no § 1º do artigo 897 da CLT, mantenho a decisão agravada, que não conheceu do agravo de petição empresário. O recurso, ademais, não pode ser aviado com o intuito manifesto de obter a procrastinação da execução do feito. Incidência do princípio da celeridade processual, que esteve na gênese do § 1º do artigo 897 da CLT sendo, inclusive, um dos seus objetivos. (01990-1998-028-03-40-0 AIAP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 02.12.06)

De petição 1-

AGRAVO DE PETIÇÃO - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS RECURSAIS. O agravo de petição é o meio próprio para impugnar decisões judiciais proferidas no curso do processo de execução, com previsão na alínea “a” do artigo 897 da CLT. Passível a incontestável exigência dos pressupostos recursais para conhecimento e exame da matéria, com estes não se identificam a irresignação manifestada contra penhora realizada no rosto de outros autos, determinação contra a qual cabíveis seriam os embargos de que trata o artigo 884 da CLT. A evidente perda do prazo de cinco dias Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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pelas executadas não autoriza lançarem mão de medida precoce à exposição da indignação e cujo prazo, aliás, é superior. (00286-2006-051-03-00-3 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 02.12.06) 2-

AGRAVO DE PETIÇÃO - TÍTULOS EXECUTIVOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO - NUMERUS CLAUSUS - IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO POR NORMA COLETIVA. Apesar do prestígio que merecem as negociações coletivas, não se pode admitir, sem ferir norma constitucional sobre competência da União para dispor sobre direito processual, que se crie título executivo extrajudicial por norma coletiva. A previsão legal é de que o termo de conciliação que for lavrado na Comissão de Conciliação Prévia é título executivo extrajudicial, não se podendo, no entanto, ampliar a lei e considerar título executivo extrajudicial, por negociação coletiva, a multa imposta na Comissão pela ausência do empregador à audiência intersindical (inteligência dos artigos 7º, XXVI e 22, I, da CF; e 625-E e 876 da CLT e 267, IV, do CPC). (00575-2006-008-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 24.11.06)

3-

AGRAVO DE PETIÇÃO - REQUISITOS - INEXISTÊNCIA DE GARANTIA DA EXECUÇÃO. Proferida a sentença de liquidação e citado o devedor (agora, apenas intimado - § 1º do artigo 475-J do CPC), este deve pagar ou garantir a execução, para possibilitar a eventual discussão do cálculo, mediante oposição de embargos à execução. Apresentar agravo de petição contra a sentença de liquidação viola a regra do artigo 884 da CLT, sendo inadequado o recurso. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (00553-2005-099-03-40-6 AIAP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 30.08.06)

4-

AGRAVO DE PETIÇÃO - SENTENÇA DE LIQUIDAÇÃO IRRECORRIBILIDADE. O fato de o § 2º do art. 879 da CLT abrir ao juízo da execução a possibilidade de analisar impugnações aos cálculos não torna essa “sentença de impugnação aos cálculos” suscetível de ser objeto de agravo. Isso porque a oportunidade para apresentação dessa impugnação aperfeiçoa-se no momento de oposição de embargos à execução, nos termos do § 3º do art. 884 da Lei Consolidada. Somente após a prolação da sentença desses embargos é que pode a parte interessada interpor agravo de petição, não merecendo conhecimento recurso interposto antes desses trâmites. (01050-2005-024-03-00-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 19.12.06)

5-

AGRAVO DE PETIÇÃO - SIGILO FISCAL. À luz do art. 878 da CLT, compete ao juiz promover a execução, determinando as diligências necessárias para a satisfação do débito exeqüendo. Neste diapasão, nada obsta que, havendo a prática flagrante de atentado à dignidade da justiça, o Poder Judiciário autorize a quebra do sigilo fiscal, haja vista que a execução se faz também no interesse da Justiça e não apenas do credor. Contudo, a partir da juntada Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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da declaração de imposto de renda aos autos, o processo deve correr em segredo de justiça, em decorrência do caráter sigiloso de tais informações. (01215-2003-043-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 28.10.06) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA 1-

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PENHORA. A circunstância de estar o bem gravado com alienação fiduciária não constitui óbice à penhora na esfera trabalhista. Aliás, aplica-se, neste caso, subsidiariamente ao Processo do Trabalho, o disposto no artigo 30 da Lei n. 6.830/80, segundo o qual a totalidade dos bens e de rendas do devedor, seu espólio ou sua massa, responde pela dívida, aí incluídos os bens gravados por ônus real, independentemente da data da constituição desse encargo. Ademais disso, a penhora do bem assegura o pagamento de crédito de cunho alimentar que se sobrepõe, inclusive, sobre o crédito de cunho tributário, art. 186 do CTN. (01232-2003-012-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 15.07.06) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA - PENHORA. Não há lugar para a penhora quando o bem foi alienado fiduciariamente ao credor do financiamento, não permanecendo com o devedor trabalhista, neste caso, sequer a posse direta do bem, que foi retomado pelo detentor da nua propriedade. (01183-2005-030-03-00-9 AP - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 26.07.06) PENHORA SOBRE BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE - DIREITO DE PREFERÊNCIA AO CREDOR FIDUCIÁRIO. O credor fiduciário tem direito de preferência de receber o seu crédito em primeiro lugar, em caso de pagamento através de alienação judicial do bem penhorado (art. 711 do CPC). Como a dívida fiduciária acompanha o bem, onerando-o, em caso de adjudicação ou arrematação, o gravame se adere ao preço por que se dá a sub-rogação real. (00056-2006-082-03-00-2 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 24.08.06)

2-

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - IMPEDIMENTO JUDICIAL DETERMINADO PELO JUÍZO TRABALHISTA SOBRE O VEÍCULO APREENDIDO PELO CREDOR FIDUCIÁRIO - IMPOSSIBILIDADE. A determinação contida na sentença proferida no juízo cível, em ação de busca e apreensão do bem, relativa à devolução das parcelas já pagas pelo devedor fiduciário, não reflete na execução trabalhista. Portanto, não pode o juízo trabalhista, no julgamento de embargos de terceiro, impor ao terceiro embargante, que é o credor fiduciário, a obrigação de depositar nos autos da execução trabalhista aqueles valores a serem devolvidos perante o juízo cível e que, em princípio, pertenceriam ao devedor fiduciário, que também é o devedor trabalhista. (00385-2006-153-03-00-6 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 06.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ALTERAÇÃO CONTRATUAL 1-

PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - CANCELAMENTO - APLICAÇÃO AOS CONTRATOS EM VIGOR. A obrigação contraída espontaneamente pela reclamada de fornecer aos seus empregados plano de saúde relativo à assistência médica, hospitalar e odontológica adere ao contrato de trabalho, que, a partir disso, só pode ser alterado por mútuo consentimento ou em decorrência da instituição de cláusula mais favorável, sendo ilícita a supressão da vantagem, por ato unilateral, sob pena de inequívoca vulneração do preceito contido no artigo 468 consolidado. É estéril a discussão da legitimidade da supressão do benefício quando alguns empregados permanecem usufruindo dele mesmo durante a suspensão dos seus contratos de trabalho, com a sua aposentadoria por invalidez. (00268-2006-088-03-00-8 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 07.11.06)

2-

PLANO DE SAÚDE - ALTERAÇÃO - DIREITO ADQUIRIDO. Consubstancia vantagem agregada ao contrato de trabalho o recolhimento de contribuições, pelo empregador, destinadas a garantir a manutenção do plano de saúde concedido aos empregados, mesmo após a aposentadoria. A posterior supressão dessas contribuições traduz alteração lesiva do pactuado e não poderá subsistir em face do artigo 468 da CLT. (01749-2005-020-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 25.07.06)

3-

BENEFÍCIO INSTITUÍDO POR NORMA REGULAMENTAR EMPRESÁRIA SUPRESSÃO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA E DA ADERÊNCIA CONTRATUAL. Os dispositivos do regulamento empresário integram o contrato de trabalho como se fossem cláusulas desse pacto, ainda que a previsão seja de benefício futuro, razão pela qual não podem ser suprimidos, mesmo que modificado o regulamento. Nesta perspectiva, aplica-se-lhes o disposto no artigo 468 da CLT, para se considerar lícita a alteração apenas se realizada por mútuo consentimento e desde que não importe prejuízos ao empregado (princípio da inalterabilidade contratual lesiva). Incide, ainda, o princípio da aderência contratual, segundo o qual as cláusulas contratuais (nelas incluídas as disposições contidas em norma interna da empresa) aderem aos contratos de forma absoluta, não podendo ser suprimidas, a menos que a supressão não provoque qualquer prejuízo ao empregado, cujo fundamento legal é o já mencionado artigo 468 da CLT. Como preceitua o item I da Súmula n. 51 do C. TST, a alteração procedida alcança tãosomente os pactos celebrados após o ato normativo interno, que revoga o benefício. (00254-2006-060-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 15.12.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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APOSENTADORIA 1-

ALTERAÇÃO VOLUNTÁRIA DE PLANO DE APOSENTADORIA - EFEITOS - PACTA SUNT SERVANDA. Não pode o empregado, que, de forma voluntária, renunciou expressamente a um tipo de plano de aposentadoria para aderir a outro, que na época julgou mais conveniente, requerer unilateralmente a revogação dessa opção, sob a alegação de que este lhe traz prejuízos. Pela regra do pacta sunt servanda, celebrada a alteração contratual, esta tem plena eficácia, não podendo mais ser alterada sem a anuência da outra parte. (01140-2005-060-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 18.08.06)

2-

ADICIONAL DE 40% DO SALDO DO FGTS POR OCASIÃO DA APOSENTADORIA - BENEFÍCIO PREVISTO NO ACT DA SLU - DIREITO NÃO ASSEGURADO À EMPREGADA DA SUDECAP. A empregada da SUDECAP não faz jus ao adicional de 40% sobre o saldo do FGTS por ocasião da aposentadoria. Primeiramente, porque esse benefício foi estabelecido no ACT firmado com a SLU, autarquia distinta da reclamada, que possui quadro de pessoal próprio e atribuições específicas. Em segundo lugar, porque o direito não se incorporou aos contratos de trabalho dos empregados da SLU, conforme jurisprudência consubstanciada na Súmula n. 277 do TST, no sentido de que as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa não integram de forma definitiva os contratos. Tampouco se pode falar em violação ao princípio da isonomia, eis que o inciso XIII do art. 37 da Constituição veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, sendo que o Col. TST já firmou o entendimento de que é juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no art. 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT (OJ n. 297 da SDI-I). (01664-2005-019-03-00-7 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 25.08.06)

Especial 1-

APOSENTADORIA ESPECIAL - ATRASO NO FORNECIMENTO DE FORMULÁRIOS PELA EMPREGADORA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. A aposentadoria especial é concedida ao segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Mas, para alcançar o benefício, não basta a comprovação da exposição nociva através do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP. Mister que o segurado comprove também tempo de trabalho, constituído por um número mínimo de contribuições mensais. Assim, o mero atraso no fornecimento do formulário pela ex-empregadora não viabiliza, per se, pretensão indenizatória por danos materiais. Também é preciso demonstrar o cumprimento da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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exigência do tempo de contribuição e que as conversões elaboradas pelo INSS autorizariam a concessão do benefício. Sem isto não se firma dano concreto, elemento essencial da reparação civil. (00364-2006-090-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 23.11.06) Espontânea 1-

APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONCURSO PÚBLICO - DESNECESSIDADE. Diante do posicionamento adotado pelo guardião da Constituição Federal, não há como se considerar extinto o contrato a partir da jubilação do autor. Admite-se, ao contrário, que foi celebrado um pacto único desde a admissão até a dispensa, não prevalecendo o entendimento de que a aposentadoria implicou novo pacto laboral. Mesmo em se tratando de serviço público, a permanência no emprego implica continuidade do vínculo, que não foi rompido, o que leva à desnecessidade de concurso público. (01317-2006-140-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 04.10.06)

2-

APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. Nos termos da Lei n. 8.213/91 (arts. 49 e 54), a aposentadoria espontânea não extingue, necessariamente, o contrato de emprego, que se considerará intocado, para todos os efeitos, caso mantida a prestação de trabalho. Assim sendo, não extingue o contrato de trabalho a aposentadoria requerida, na sua vigência, se o empregado, após a concessão do benefício, continuar a prestar serviços para o mesmo empregador. Em face disso, somam-se os períodos anteriores e posteriores ao jubilamento, em decorrência da unicidade do contrato de trabalho. Caso despedido, sem justo motivo, o trabalhador terá direito a todas as parcelas, decorrentes da resilição injusta, por todo o período laborado. (00584-2006-138-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 22.07.06)

Por invalidez 1-

APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - EFEITOS. Nos termos dos artigos 475 da CLT e 47 da Lei n. 8.213/91, a aposentadoria por invalidez suspende o contrato de trabalho. É suspensão porque, na hipótese, a empresa deixa de pagar os salários e demais benefícios, os quais passam a ser de responsabilidade do Órgão Previdenciário, salvo disposições especiais em contrário, como, por exemplo, nos casos de acidente do trabalho e prestação de serviço militar obrigatório (parágrafo único do art. 4º da CLT). Com efeito, suspenso o contrato de trabalho, a regra geral é que nenhum pagamento é devido ao empregado, o mesmo se valendo em relação aos benefícios auferidos provenientes do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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contrato de trabalho, os quais são assegurados por ocasião da volta do empregado (art. 471 e § 1º do art. 475, ambos da CLT). (00258-2006-069-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 29.08.06) ARREMATAÇÃO 1-

ARREMATAÇÃO - LANÇO VIL - NÃO CONFIGURAÇÃO. O artigo 692 do CPC, ao se referir a lanço vil, não fixa os parâmetros para sua exata definição, o mesmo se dizendo acerca da Lei de Execuções Fiscais (6.830/80). Sendo assim, cabe aos magistrados, na análise do caso concreto, valerem-se de seus critérios de razoabilidade e justiça, a fim de aceitar ou rejeitar o lanço ofertado, devendo analisar as circunstâncias de cada caso, bem como o princípio da proporcionalidade, com o intuito de considerar o que representa o lanço em face da satisfação do crédito na execução trabalhista, sendo que apenas aquele valor irrisório, que seja inútil à execução, sem proveito para a satisfação do crédito exeqüendo, será considerado vil. Se o lanço satisfizer quase que a totalidade do crédito exeqüendo, destarte alcançando valor superior a 50% do atribuído aos bens penhorados, não há como considerá-lo vil. (90183-2005-129-03-00-3 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 07.10.06)

2-

ARREMATAÇÃO PELO CREDOR - NULIDADE. O lanço do exeqüente deve corresponder, necessariamente, ao da avaliação hom*ologada, sem prejuízo da correção monetária e dos juros de mora, sob pena de ser considerado vil e gravoso ao patrimônio da executada, tudo nos termos dos artigos 620, 691 e 714 do CPC, c/c a alínea “a” do inciso II do art. 24 da Lei n. 6.830/80 e art. 889 da CLT. Arrematação que se declara nula. (90062-2006-092-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Antônio Álvares da Silva - Publ. “MG” 16.09.06)

3-

ARREMATAÇÃO DO BEM PELO CREDOR - POSSIBILIDADE. O preceituado no § 1º do art. 888 da CLT, em relação ao exeqüente, trata apenas da questão relativa à adjudicação, não impedindo a aplicação subsidiária do § 2º do art. 690 do CPC na processualística trabalhista, o qual dispõe a respeito da possibilidade do credor de arrematar os bens penhorados. (01285-2003-079-03-00-9 AP - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 09.11.06)

4-

ARREMATAÇÃO - IMPOSTOS EM ATRASO INCIDENTES SOBRE O BEM IMÓVEL - RESPONSABILIDADE. A arrematação configura-se como modo de aquisição de propriedade, razão pela qual a transferência dominial é efetuada com todos os ônus acaso existentes no bem arrematado, inclusive dívidas referentes a impostos não quitados. Nesse contexto, não pode o arrematante descontar os valores referentes à dívida do IPTU incidente sobre o imóvel objeto da arrematação, no valor remanescente do lanço oferecido Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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na hasta pública, conforme a inteligência dos artigos 490 do CC e 710 do CPC, mormente quando demonstrado nos autos que o próprio arrematante celebrou acordo com a Fazenda Municipal, para quitar o imposto devido, à revelia da executada. (00950-1999-057-03-00-2 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 06.12.06) ARREMATAÇÃO - RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O IMÓVEL - ART. 130 DO CTN. Em sede de execução de créditos trabalhistas, não se exige que o edital de praça de bem imóvel faça menção a eventuais débitos de IPTU, pois isso implicaria, por via oblíqua, preferência do crédito tributário em detrimento do trabalhista, malferindo o art. 186 do CTN. O arrematante não responde pelos créditos tributários relativos ao IPTU incidente sobre o imóvel arrematado. A responsabilidade é pessoal do executado ou proprietários anteriores. Com a alienação em hasta pública, o imóvel fica livre da seqüela decorrente dos precedentes créditos tributários de IPTU. Os créditos tributários sub-rogamse no preço da arrematação. Inteligência do parágrafo único do art. 130 do CTN. Agravo de petição conhecido e provido. (00123-1991-008-03-00-1 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 19.08.06) ARRESTO 1-

ARRESTO - PREFERÊNCIA PARA RECEBIMENTO DO CRÉDITO. Inaplicável a regra disposta no artigo 711 do CPC que estabelece a prelação do credor que primeiro realizar a penhora, quando há decisão judicial anterior deferindo a concessão de arresto do bem penhorado. Sendo medida de constrição judicial, realizada nos autos para garantir o pagamento de crédito resultante de acordo judicial não cumprido, ela deve ser plena a ponto de afastar outros credores, porque, nos termos do artigo 818 do CPC, “Julgada procedente a ação principal, o arresto se resolve em penhora.” Assim, preenchidos os requisitos para a execução, o arresto se converte em penhora, com efeitos retroativos à data em que se materializou. (00215-2004-040-03-00-5 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 01.07.06)

ASSÉDIO Moral 1-

DANOS MORAIS - ASSÉDIO MORAL - CARACTERIZAÇÃO. Tem-se por assédio moral, no âmbito do contrato de trabalho, a manipulação perversa e insidiosa que atenta sistematicamente contra a dignidade ou integridade psíquica ou física do trabalhador, objetivando a sua exposição a situações incômodas e humilhantes caracterizadas pela repetição de um comportamento hostil de um superior hierárquico ou colega, ameaçando o emprego da vítima Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ou degradando o seu ambiente de trabalho. Se assim se delimita essa figura jurídica, tem-se, por outro turno, que não se verifica a hipótese acima conceituada se a conduta tida como atentatória à dignidade do trabalhador não se repete ou reitera no tempo. Um único e isolado episódio desagradável no interior da empresa, por isso, não obstante o inconveniente ou desconforto que este possa acarretar, não é suficiente para caracterizá-lo. (01645-2005-012-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 20.10.06) ASSÉDIO MORAL - DANO - NÃO CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. O assédio moral no trabalho configura-se por meio de ameaças, amedrontamento, ironias, humilhações públicas e privadas, comportamentos vexatórios, sarcasmos, trocadilhos, etc., o que também pode ser constatado em atitudes de abuso de direito do empregador ao exercer seu poder diretivo e disciplinar, em nítida degradação das condições de trabalho. Para a configuração da culpa ensejadora da reparação do dano, é necessária a presença de três requisitos: o ato apontado como lesivo, o efetivo dano, além do nexo causal entre o ato e o evento danoso. Tendo o empregador agido dentro de seu poder diretivo, ao proceder à apuração das faltas graves imputadas à reclamante, por meio de inquérito administrativo, não se há de falar em assédio moral. (01263-2005-152-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 08.12.06) ASSÉDIO MORAL - INDENIZAÇÃO. Comprovada a exposição reiterada do empregado a situações constrangedoras, humilhantes, acompanhadas de excessiva cobrança no trabalho por parte de superiores hierárquicos, impõese o reconhecimento da existência de ofensa à dignidade da pessoa do trabalhador e à sua integridade psíquica, configurando-se o assédio moral consistente no abuso do exercício do poder diretivo do empregador (CLT, art. 2º, caput) por parte de seus prepostos, com violação dos direitos fundamentais da personalidade (CF/88, art. 5º, incisos V e X; Código Civil, arts. 11 e seguintes). Neste contexto, tem lugar a condenação no pagamento de indenização compensatória. (01346-2006-149-03-00-7 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 07.09.06) ASSÉDIO MORAL OU MOBBING - CARACTERIZAÇÃO. O que se denomina assédio moral, também conhecido como mobbing ou terror psicológico, é, a rigor, o atentado contra a dignidade humana, definido pelos doutrinadores, inicialmente, como “a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exerce uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente e durante tempo prolongado sobre outra pessoa”. Esse comportamento pode ocorrer não só entre chefes e subordinados, mas também entre colegas de trabalho com vários objetivos, mas não se confunde com outros conflitos que são esporádicos ou mesmo com más condições de trabalho, pois o assédio moral pressupõe o comportamento (ação ou omissão) premeditado, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que desestabiliza psicologicamente a vítima. (00255-2006-015-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06) 2-

LIMITAÇÃO DO USO DAS INSTALAÇÕES SANITÁRIAS - ASSÉDIO MORAL - DANO MORAL - INDENIZAÇÃO. Não obstante seja compreensível que o empresário vise ao lucro, isto não lhe dá o direito de impor aos seus empregados limitações de ordem fisiológica, como no caso da utilização de sanitários, violando normas de proteção à saúde e impondo-lhes uma situação degradante e vexatória, com o escopo de alcançar maior produtividade e, assim, deixando de respeitar os limites de cada um daqueles que coloca sob o seu comando hierárquico. Efetivamente, tanto a higidez física como a mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social, inquestionavelmente tutelados pela Lei Maior (artigo 5º, incisos V e X). A violência psicológica sofrida implica lesão de um interesse extrapatrimonial, juridicamente protegido, gerando direito à reparação do dano moral. (01068-2005-016-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 11.10.06)

Sexual 1-

ASSÉDIO SEXUAL - DIFICULDADE DE COMPROVAÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. É certo que o assédio sexual é de difícil comprovação, porque aquele que assedia procura se cercar de todo o cuidado que o ato exige, não permitindo a presença de pessoas que o possam denunciar. Por sua vez, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência de assédio sexual depende da produção de prova de que este tenha ocorrido, sendo que as penas impostas ao empregador em virtude de tal conduta dependem da demonstração da ocorrência do ilícito penal, requisito sem o qual não há sequer que se cogitar em pagamento de indenização por danos morais. (00602-2006-012-03-00-4 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 02.11.06)

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA 1-

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - TAXAS E EMOLUMENTOS CARTORIAIS LIMITES. Não compete a esta Justiça Especializada exigir do oficial do cartório de registro de imóveis a retirada de gravame sobre imóvel pertencente à executada, sem ônus, conforme requerido. Isso porque a competência desta Justiça para conceder isenções de pagamento de qualquer taxa se limita àquelas relativas ao seu âmbito de atuação, não lhe sendo dado determinar a isenção de taxas pertencentes a cartório de registro público sob a direção da Corregedoria da Justiça Estadual. (01248-2000-012-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 03.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ASTREINTES 1-

ASTREINTE - §§ 4º E 5º DO ART. 461 DO CPC. A multa diária imposta com base nos §§ 4º e 5º do art. 461 do CPC não se sujeita à limitação de valor, visto que tal penalidade não se confunde com cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico que, consoante o disposto no artigo 412 do CC, não pode exceder o valor da obrigação principal. Trata aquele dispositivo legal das penalidades denominadas astreintes, instituto do direito processual, fixadas pelo juízo com a finalidade de constranger o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, imposta na sentença, não estando limitadas ao valor da obrigação principal, e podem ser diminuídas ou aumentadas, a teor do disposto no § 6º do art. 461 do CPC. (00083-2006-114-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 08.07.06)

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL 1-

JOGADOR DE FUTEBOL - UTILIDADES (ALIMENTAÇÃO E MORADIA) FORNECIDAS PELO CLUBE - NATUREZA JURÍDICA INDENIZATÓRIA. As utilidades - moradia e alimentação - custeadas e fornecidas pelos clubes de futebol, via de regra, não têm natureza salarial, porque não se trata de contraprestação pelos serviços prestados, mas formas de propiciar ao atleta, transferido de outros locais, tranqüilidade quanto ao alojamento (já que este não precisa se preocupar com a manutenção de sua residência) e, ainda, uma alimentação rica e balanceada, visando ao melhor rendimento possível nos jogos e campeonatos disputados. Recurso a que se nega provimento. (00638-2006-044-03-00-2 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 12.10.06)

2-

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL - CLÁUSULA PENAL - RESCISÃO ANTECIPADA. A cláusula penal é instituída com o objetivo de desestimular o descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral (artigo 28 da Lei n. 9.615/98), impondo-lhes ônus financeiro ao deixar de cumprir a obrigação no tempo e modo assumidos. Assim, o descumprimento contratual resulta no pagamento do valor da cláusula penal. (00025-2006-040-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 04.07.06)

3-

JOGADOR DE FUTEBOL - CONCENTRAÇÃO - HORAS EXTRAS INEXISTÊNCIA. A concentração é um costume peculiar ao atleta e visa resguardá-lo para obtenção de melhor rendimento na competição, não sendo considerado tempo à disposição para fins de horas extras. (00308-2006-098-03-00-9 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 12.09.06)

4-

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL - CONTRATO DE CESSÃO DO DIREITO DE IMAGEM - FRAUDE - NATUREZA SALARIAL DA PARCELA. O Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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direito de imagem do atleta está previsto no inciso XXVIII do art. 5º da CF/88 que assegura, nos termos da lei, “a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”. Considerando a excessiva divulgação da imagem dos atletas profissionais pelos meios de comunicação em geral e o direito fundamental citado, nada obsta a comercialização pelo desportista de sua imagem, não havendo óbice legal à constituição de empresa com esse fim e à celebração de contrato com a entidade de prática desportiva envolvendo a cessão do direito do uso de sua imagem. No entanto, não tendo o empregador comprovado o uso ou divulgação da imagem do reclamante, com fins comerciais, e estando a prova coligida aos autos a demonstrar que a intenção primordial do contrato de cessão do uso da imagem do atleta era a redução do seu salário, há de se declarar a nulidade dessa avença, com fulcro no art. 9º da CLT, e reconhecer a natureza salarial da parcela, de modo a incidir no cálculo das demais verbas trabalhistas de direito. (01367-2005-005-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 05.08.06) 5-

DIREITO DE ARENA - ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL - NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA. O direito de arena está garantido na alínea “a” do inciso XXVIII do art. 5º da CF/88, que assegura a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive em atividade desportiva. Resulta a parcela, sob os olhos da lei trabalhista, da estreita vinculação ao contrato de trabalho e às prestações dele decorrentes, conferindo ao ganho adicional a natureza contraprestativa, fazendo-o integrar à remuneração, nos efeitos legais, devendo-se mesmo de ofício ser noticiado o valor recebido pelo atleta ao imposto de renda. (01744-2005-013-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 05.08.06)

ATO PROCESSUAL 1-

ATO PROCESSUAL - DATA EQUIVOCADA PARA A SUA REALIZAÇÃO REGISTRADA NO SISTEMA DE INFORMÁTICA - NÃO VINCULAÇÃO. O registro equivocado, no sistema de informática, da data de realização da audiência não prevalece sobre o que ficou registrado no processo. Isto porque as informações prestadas via sistema informatizado possuem caráter extra-oficial, não vinculante, prevalecendo sobre elas os registros constantes dos autos, que retratam com fidelidade as ocorrências e determinações judiciais. (01093-2005-028-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 29.07.06)

AUDIÊNCIA INAUGURAL 1-

ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - DECLARAÇÃO DE POBREZA - ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. A ausência do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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reclamante à audiência atrai somente o arquivamento da ação, nos termos do art. 844 da CLT, e não a condenação em custas, notadamente quando há declaração de pobreza formulada por ele, ou por seu procurador com poderes para tanto (Lei n. 7.115/83). Declarada a miserabilidade jurídica e requerida a isenção de custas, a gratuidade da justiça deve ser concedida. (00839-2006-043-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 17.11.06) AUTO DE INFRAÇÃO 1-

MULTA POR OFENSA AO ARTIGO 59 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO - FATO ESPORÁDICO - DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. O trabalho em lavoura está sujeito a situações emergenciais decorrentes da variação das condições climáticas. No caso, o auto de infração lavrado pela DRT registrou a ocorrência do ilícito em apenas um dia durante o período da fiscalização na empresa. Dessa forma, e considerando ainda a existência de acordo coletivo prevendo a necessidade de horas extras além da 2ª diária, em situação de emergência, há de ser desconstituído o auto de infração, uma vez que a multa imposta constituiu medida drástica de penalização da reclamada. (00368-2006-014-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 28.07.06)

2-

AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM LOCAL DIVERSO DA INSPEÇÃO MOTIVO NÃO-JUSTIFICADO. Cabe ao agente da inspeção do trabalho declarar no próprio auto o motivo de sua lavratura fora do local da inspeção, como disposto no § 1º do artigo 629 da CLT. Ao conceder o prazo para a exibição dos documentos, cominando com a autuação em local diverso para a sua apresentação, criou o agente da inspeção situação peculiar, desfavorável à autuada, em se considerando a distância entre a sede da empresa, local da lavratura do auto, e os canteiros de obras localizados em endereços e bairros diferentes, em que os documentos deveriam ser apresentados. (00651-2006-107-03-00-0 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 28.10.06)

3-

MÚSICO ESTRANGEIRO - AUTO DE INFRAÇÃO. É irrelevante a natureza jurídica do contrato celebrado com músico estrangeiro, para atuação em território nacional, quando se objetiva verificar a nulidade do auto de infração que foi regularmente lavrado por autoridade competente. Obedecidos os requisitos previstos em lei, é perfeitamente cabível a aplicação da multa e válida a sanção por afronta à legislação vigente. (01637-2005-011-03-00-3 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 06.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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4-

PODER FISCALIZATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE - ÔNUS DA PROVA. Cabe à Administração Pública, em decorrência do seu poder de polícia, a fiscalização da observância da ordem jurídica do país, em distintos âmbitos de atuação (tributário, sanitário, ambiental, segurança pública e trabalhista, por exemplo). Isso implica, no campo laborativo, a atribuição de examinar o correto cumprimento das normas trabalhistas, sejam as relativas à contratação empregatícia, sejam as concernentes à regular execução desse contrato. Como conseqüência, os atos emanados de agente fiscal gozam de presunção de legitimidade e veracidade, visto que detentores de parcela do poder público, imbuídos da proteção ao interesse público. Tratando-se de presunção iuris tantum, pode ceder à prova em sentido contrário, cabendo o ônus a quem contesta a legalidade do ato. (01088-2006-140-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 01.12.06)

5-

AUTO DE INFRAÇÃO - SUPOSTA IRREGULARIDADE DO EMPREGADOR - PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. O auto de infração lavrado por fiscal do trabalho, espécie de ato administrativo, goza, sem dúvida, de presunção de legitimidade e de veracidade, que, porém, a par de ser relativa, não libera a Administração Pública de demonstrar motivadamente as circunstâncias legitimadoras do ato. Não obstante a constatação de que a autuação do suposto infrator não se baseou em meras presunções ou ilações, sendo fruto das primeiras impressões colhidas pelo agente no estabelecimento empresário, há que se sopesarem os fatos de que a empresa possui em seu favor a condição de infratora primária e a nãoconstatação de outras irregularidades desse jaez no período considerado na inspeção do trabalho. Nesse cenário, deve nortear a ação administrativa o fato de que a boa-fé é presumida, ao passo que a má-fé é que deve ser comprovada. (01752-2005-111-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 02.12.06)

AVISO PRÉVIO 1-

AVISO PRÉVIO INDENIZADO - PRESCRIÇÃO. De acordo com o § 1º do artigo 487 da CLT, o período alusivo ao aviso prévio é tempo de serviço para todos os efeitos legais. Nesse contexto, a extinção do contrato concretiza-se quando do término do aviso prévio, independentemente de ter sido trabalhado ou indenizado (caput do artigo 489 da CLT). Dessarte, a prescrição bienal prevista no inciso XXIX do artigo 7º da CF/88 começa a fluir somente após o decurso dos 30 dias correspondentes ao aviso prévio, ainda que indenizado, conforme a inteligência da Orientação Jurisprudencial n. 83 da SDI-I do TST. (00231-2006-134-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 30.08.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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B BANCÁRIO 1-

ABONO-ASSIDUIDADE - AUSÊNCIA CONSENTIDA. A ausência do empregado pela ocorrência do abono-assiduidade é consentida, e não “falta ao serviço”, não podendo ser subtraído do empregado qualquer direito a ele atribuído por um dia normal de trabalho. Mormente, se se entender que - tendo em vista o mês civil de 30 dias ser a base do cálculo das verbas trabalhistas - remanescem 5 meses de 31 dias no ano, origem dos abonos-assiduidade concedidos aos bancários do Banco do Brasil. Dessa forma, nem mesmo sob o aspecto de suposta liberalidade do empregador se pode pretender negar à reclamante o reconhecimento de que os abonos por ela utilizados, bem como os dias dedicados a seminários, cursos ou viagens no interesse do banco sejam considerados como “dias de efetiva prestação de serviços”, devendo ser computados para a incidência das horas suplementares. (01597-1998-036-03-00-6 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 23.09.06)

2-

ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - SÚMULA N. 55 DO TST. A empresa administradora de cartões de crédito, cuja atividade precípua consiste na captação de clientes para intermediação e concessão de empréstimos junto a instituições financeiras, não se equipara às empresas de crédito, financiamento e investimento. Por conseguinte, os seus empregados não se equiparam aos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT. Inaplicável, à hipótese, a Súmula n. 55 do TST. (00421-2006-110-03-00-3 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 30.09.06) EMPREGADO DE ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO ENQUADRAMENTO COMO BANCÁRIO. É bancário o empregado que, embora trabalhando em empresa formalmente constituída para atuar no ramo de administração de cartões de crédito, executa serviços de concessão de crédito junto à instituição bancária do mesmo grupo econômico. (01768-2005-019-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 25.08.06)

3-

PLANO DE APOSENTADORIA INCENTIVADO - PAI-50. Os planos de incentivo constituem benefícios livremente concedidos pelo empregador, instituídos através de normas internas, estando inseridos dentro de seu poder diretivo, para atender às necessidades de reestruturação administrativa da empresa, frente, inclusive, à realidade econômica, devendo, por conseqüência, ser interpretados e aplicados dentro dos estritos termos neles propostos, conforme artigo 114 do Código Civil, razão por que não há como estender as vantagens de determinado plano a quem a ele não tenha aderido. (00321-2006-012-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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4-

GERENTE BANCÁRIO - CARACTERIZAÇÃO - HORAS EXTRAS. O mero gerente de banco, não o geral da agência, dada a limitação de seus poderes de mando, gestão e representação, não pode ser tido como alcançado pela exceção do inciso II do art. 62 da CLT. Por outro lado, o gerente geral de agência bancária, este sim, atua como verdadeiro alter ego do empregador, sendo detentor de encargos de gestão e do usufruto de padrão salarial que o distingue dos demais empregados (padrão salarial este cuja diferença para remuneração normal do cargo haverá de atingir, no mínimo, 40%). Este não se confunde com o primeiro, mero gerente de conta bancária, que não atua com plena autonomia, mas sim desempenha função que dele exige uma fidúcia especial, recebendo gratificação de função superior a 1/3 do salário do cargo efetivo e que, quando labora em jornada diária excedente de oito horas, deve receber pelo labor extraordinário. In casu, o reclamante deve ser inserido na jornada máxima de oito horas diárias, conforme previsão do § 2º do art. 224 da CLT. Tal conclusão se impõe na medida em que restou demonstrado que o obreiro, embora ocupasse cargo de destaque na empresa, não era a autoridade máxima da agência em que laborava, detendo alçada inferior quando comparada com a de outro gerente que trabalhava no mesmo local, tido como “gerente titular”. (01544-2006-149-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 19.12.06)

5-

BANCÁRIO - CARGO DE CONFIANÇA - § 2º DO ART. 224 DA CLT CARACTERIZAÇÃO. As circunstâncias que caracterizam o bancário na função de confiança não exigem amplos poderes de mando e gestão, tal como previsto no art. 62 consolidado. Os requisitos para tanto estão expostos no § 2º do art. 224 da CLT, que, diferentemente do desempenho de funções típicas de empregador, satisfaz-se com o mero exercício de funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou outras de confiança. Entretanto, por se tratar de exceção à regra geral do bancário, incumbe ao reclamado prová-la, demonstrando o mínimo de autonomia e poder. Apesar de a reclamante receber gratificação de função superior a 1/3 do salário do cargo efetivo, tal parcela não visava remunerar a maior responsabilidade do cargo, já que as tarefas por ela executadas eram estritamente técnicas, burocráticas. Somente a demonstração inequívoca do efetivo exercício de cargo de confiança viabilizaria a inclusão da empregada na exceção legal, consoante entendimento cristalizado no item I da Súmula n. 102 do TST. (00692-2006-010-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 19.12.06)

6-

CARGO DE CONFIANÇA - EQUIPARAÇÃO SALARIAL. O artigo 461 da norma celetizada enuncia como requisitos necessários à percepção da equiparação salarial que paradigma e equiparando exerçam idêntica função, trabalho de igual valor (igual produtividade e mesma perfeição técnica), prestado ao mesmo empregador e na mesma localidade, cuja diferença de tempo de serviço não seja superior a 02 (dois) anos. Portanto, não há impedimento para o deferimento de equiparação salarial quanto ao exercente de cargo de confiança, já que esta figura jurídica não está recepcionada no Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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artigo 461 da CLT como obstáculo ao pleito equiparatório. Na medida em que equiparado e equiparando passam a exercer a mesma função, para o mesmo empregador, aí nasce o direito à isonomia salarial, independentemente de exercer ou não cargo de confiança. (01102-2004-014-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 04.07.06) 7-

BANCÁRIO QUE NÃO EXERCE FUNÇÃO DE CONFIANÇA - HORA EXTRA - COMPENSAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. O pagamento de gratificação de função superior a 1/3 do salário efetivo ao bancário, por si só, não torna legítimo seu enquadramento no exercício de cargo de confiança bancária. À luz da interpretação sedimentada na Súmula n. 102 do Colendo TST, a gratificação de função paga a esse empregado não visa a remunerar o exercício de função de confiança e tampouco as horas trabalhadas para além da sexta diária, mas sim a maior responsabilidade do cargo. Daí que não se pode cogitar de sua compensação nas horas extras, haja vista a natureza distinta da parcela. (01230-2006-148-03-00-1 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 22.07.06)

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BANCÁRIO - CARGO DE CONFIANÇA INEXISTENTE - GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO - SUPRESSÃO. Se, a teor da Súmula n. 102 do TST, o caixa bancário não exerce cargo de confiança, a gratificação auferida pelo empregado não pode estar condicionada à ocupação da função de “caixa executivo”. Denomina-se retrocessão, não reversão, o ato do empregador que retira o obreiro do cargo de “caixa executivo”, recolocando-o no cargo de “escriturário”. (00795-2006-041-03-00-9 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06) CONTRATO DE TRABALHO - ALTERAÇÃO LESIVA - CAIXA EXECUTIVO REVERSÃO AO CARGO EFETIVO. A previsão contida no parágrafo único do art. 468 da CLT quanto à possibilidade de reversão do empregado ocupante de função de confiança para o cargo efetivo, com a suspensão da gratificação respectiva, não se aplica ao empregado bancário, que exerce a função de caixa executivo, porque essa função não é de confiança, conforme item VI da Súmula n. 102 do C. TST. Dessa forma, a supressão da gratificação de caixa, recebida por mais de dez anos, constitui alteração lesiva do contrato de trabalho, nos termos do caput do referido dispositivo legal. (00201-2006-136-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 31.08.06)

9-

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - CORRESPONDENTE BANCÁRIO - GRUPO ECONÔMICO - BANCÁRIO - EQUIPARAÇÃO. O fato de o correspondente bancário e a instituição financeira integrarem um mesmo grupo econômico não enquadra na condição de bancário o empregado da empresa correspondente. A CLT prevê como conseqüência do grupo econômico apenas a solidariedade (§ 2º do art. 2º da CLT). O empregado será Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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enquadrado de acordo com a atividade preponderante desenvolvida pelo empregador, salvo no caso de categorias diferenciadas. (00687-2006-041-03-00-6 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 17.11.06) 10 -

OPERADOR DE TELEMARKETING - ENQUADRAMENTO SINDICAL. A função de telemarketing corresponde ao trabalho destinado a vendas, oferecimento de produtos e serviços ou ao atendimento de clientes de uma empresa, indiferentemente do ramo empresário para o qual o serviço é prestado. Não pode, portanto, ser enquadrada como atividade essencialmente bancária, ainda que seja prestada através de empresa interposta, no âmbito de instituição bancária, resumindo-se à oferta de contas correntes. É, sem dúvida, atividade-meio, desenvolvida para que o banco possa atingir os seus fins. Esclareça-se que o só fato de haver ingerência de empregado do banco no direcionamento dos serviços dos terceirizados não tem o condão de levar à formação do vínculo diretamente com este. Ora, a fiscalização, orientação e até um certo controle dos serviços prestados pelos empregados da empresa terceirizada não desvirtuam a terceirização, inexistindo qualquer dispositivo legal que obste a fiscalização e controle de horários destes prestadores de serviços, até porque essa prestação se faz no interesse do tomador. O que não se pode ter, nesses casos, é exigência expressa de pessoalidade na prestação dos serviços, remuneração diretamente pela tomadora, aplicação de punições disciplinares pelos prepostos do empregador, dispensa do empregado, entre outras atitudes que se inserem precipuamente no poder diretivo do real empregador. (00026-2006-007-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 21.09.06) C

CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO 1-

CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO - ERRO MATERIAL - INOCORRÊNCIA DA PRECLUSÃO. É função jurisdicional, particularmente afeta ao juiz, examinar a conta de liquidação e certificar-se de sua adequação à coisa julgada, antes da hom*ologação, máxime quando provocado pelas partes. Não há se falar, portanto, na ocorrência da preclusão do § 2º do art. 879 da CLT, quanto à argüição de erros materiais e visíveis que configurem excesso de execução, ainda que a execução tenha se arrastado por anos a fio e a executada tenha tido oportunidades outras para se manifestar sobre os cálculos e eventuais erros. Por princípio, não pode esta Justiça Especializada corroborar com o enriquecimento sem causa do obreiro, cerrando os olhos para evidente erro material perpetrado pelo setor de cálculos judiciais, conferindo-lhe o direito a valores elevados que não guardam qualquer consonância com a res judicata. (00054-1992-038-03-00-9 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

CÁLCULO DE LIQUIDAÇÃO - FGTS - “REFLEXOS SOBRE REFLEXOS”. As parcelas do FGTS, férias, 13º salário, aviso prévio e outras são calculadas sobre a remuneração, que engloba o salário mais as horas suplementares. O raciocínio é o mesmo para todas as parcelas variáveis, inclusive para o FGTS (Lei n. 8.036/90), tendo em vista que, na sua base de cálculo, devem ser incluídas todas as verbas salariais, bem como os seus reflexos. (00125-2003-026-03-00-7 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 19.12.06)

3-

IMPUGNAÇÃO AOS CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO - PETIÇÃO APÓCRIFA. Os embargos do devedor consistem em ação autônoma, conforme assentimento da doutrina, de modo que a impugnação aos cálculos da liquidação segue a mesma sorte. Exatamente por isso, inaplicável a OJ n. 120 da SDI-I do TST. Trata-se de situação que exige a aplicação do artigo 284, do CPC, com a abertura de prazo para que a parte possa sanar o vício e, somente após o seu decurso, sem a devida sanação, cabe a extinção do feito, sem resolução de mérito. Constitui em excessivo rigor ou formalismo a imediata taxação de inexistente a petição apócrifa apresentada, tornando o processo um fim em si mesmo, relegando a segundo plano seu caráter instrumental, colocado à disposição das partes para a tutela de seus interesses. (00909-2004-012-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 14.07.06)

4-

IMPUGNAÇÃO À LIQUIDAÇÃO. Nos termos do artigo 884 da CLT, o prazo para o executado embargar e para o exeqüente impugnar a liquidação contase do momento em que os mesmos têm ciência da garantia da execução. Se após elaborada a conta não houve a prévia e formal intimação das partes para impugnar o cálculo de liquidação, na forma do § 2º do artigo 879 da CLT, não há falar em preclusão se a impugnação ocorre no prazo legal, após garantido o juízo com a penhora. (00038-2004-071-03-00-5 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06)

CARTA DE APRESENTAÇÃO 1-

CARTA DE APRESENTAÇÃO DO EMPREGADO - OBRIGATORIEDADE. Não há embasamento legal para que o empregador seja compelido judicialmente a fornecer uma carta de apresentação do empregado, com recomendações sobre a sua conduta pessoal e profissional. Esse é o tipo de declaração que deve ser fornecida graciosamente. A pretensão agride o inciso II do artigo 5º da Constituição da República. (00388-2006-044-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 21.10.06)

CARTÓRIO 1-

EMPREGADO DE SERVENTIA (CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL) - VÍNCULO Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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DE EMPREGO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do caput do artigo 236 da Constituição da República, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público. Tal circunstância repele a suposta responsabilidade do Estado pelo vínculo empregatício, que se forma entre o empregado e o titular da serventia, caso se entenda que esta, em si considerada, não possua personalidade jurídica. Assim ocorre, porque, caso contrário estar-se-ia admitindo inaceitável antinomia jurídico-constitucional, na hipótese de se entender que o § 1º do mencionado preceito constitucional teria autorizado o estabelecimento de natureza estatutária na relação jurídica entre os serventuários - escreventes e auxiliares - e seu empregador. Deste modo, a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar a reclamação trabalhista, nos termos do artigo 114, inciso I, da Constituição da República. (01676-2005-008-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 23.09.06) 2-

COMPETÊNCIA MATERIAL - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA MOVIDA POR ESCREVENTE DE CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público (art. 236 da CF de 1988), como se dá com o titular de cartório de registro de imóveis (não oficializado), o qual pode, para o desempenho dessa delegação, contratar, assalariar e dirigir a prestação laboral dos auxiliares necessários, equiparando-se, assim, a empregador comum, inclusive, porque obtém renda da exploração desse serviço e assume os riscos do negócio. A escrevente contratada, dirigida e remunerada exclusivamente por ele não ocupa cargo público, entendido como lugar instituído na organização funcional do Estado, criado por lei, com denominação e atribuições próprias, em número certo, e remunerado pela entidade de direito público interno correspondente. O fato de essa contratada se submeter, também, a regulamento próprio (no caso, a Lei de Organização Judiciária do Estado de Minas Gerais) não a transforma em servidora pública, pois a legislação pode estabelecer requisitos para certas funções sem afetar a natureza jurídica da relação mediante a qual são exercidas. Não se tratando, pois, de servidora pública, muito menos de servidora estatutária, mas de nítida empregada, sujeita ao regime geral da CLT, cabe à Justiça do Trabalho apreciar os pedidos formulados por ela com base nessa relação empregatícia. (00111-2006-074-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 25.07.06)

CITAÇÃO 1-

PROCESSO DO TRABALHO - CITAÇÃO IMPESSOAL. A citação no Processo do Trabalho é impessoal, conforme a interpretação unânime da doutrina e da jurisprudência acerca do disposto no § 1º do art. 841 da CLT. A pessoalidade prevista no processo comum não é compatível com a informalidade e a celeridade que regem o processo trabalhista (art. 769 da CLT), mormente porque a finalidade da citação - comunicação ao réu de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que existe demanda ajuizada em seu desfavor - é plenamente atingida pelo seu recebimento no estabelecimento do reclamado, por quem quer que seja. No caso, o recibo da notificação postal acostado aos autos está devidamente assinado. Argüição de nulidade que se rejeita. (00327-2006-075-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 26.08.06) 2-

CITAÇÃO - NULIDADE SANÁVEL. Na Justiça do Trabalho não há exigência de que a citação da execução seja feita com pessoalidade absoluta, ou seja, apenas na pessoa com poderes formais de representação da parte executada. A citação para a execução feita pelo oficial de justiça na pessoa de quem, na empresa, apresenta-se como apta para receber a contrafé, conforme certificado nos autos, é válida e deve ser mantida. Sobretudo, quando, como na hipótese, eventuais irregularidades já estariam sanadas pelo comparecimento oportuno do citado em juízo, sem qualquer prejuízo processual para sua defesa. (00921-2005-048-03-00-9 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 13.09.06)

3-

EXECUÇÃO - CITAÇÃO PESSOAL. Ao contrário da citação pertinente ao processo de conhecimento, a relativa à execução é pessoal; isso significa que a validade deste ato está subordinada à sua realização na pessoa do devedor, ou daquele que se encontre dotado de poderes expressos para recebê-la. Não vigora aqui, portanto, o princípio da citação impessoal, implícito no art. 841 da CLT, sendo válida, no entanto, aquela feita na pessoa do gerente da empresa. (01021-2005-048-03-00-9 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 16.09.06)

COISA JULGADA 1-

COISA JULGADA - ACORDO JUDICIAL - QUITAÇÃO AMPLA. O acordo hom*ologado pelo juízo trabalhista em outro processo, com quitação dada pelo extinto contrato de trabalho, faz nele operarem-se os efeitos da coisa julgada formal, operando-se, concomitantemente, a coisa julgada material, não havendo espaço para discussão no processo originário ou em qualquer outro quanto a possíveis direitos oriundos do contrato de trabalho, sob pena de ofensa ao disposto no parágrafo único do artigo 831 da CLT. No Processo do Trabalho, para que se operem os efeitos da coisa julgada, não é necessário, no caso específico de quitação pelo extinto contrato de trabalho, que os pedidos e a causa de pedir da demanda atual sejam idênticos aos da anterior, bastando que se amparem no mesmo contrato, já que os direitos dele originários foram amplamente quitados. (01500-2004-060-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 29.11.06)

2-

COISA JULGADA - “EXTINTO O CONTRATO DE TRABALHO” Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. A expressão “extinto o contrato de trabalho” compreende a quitação por quaisquer outras controvérsias decorrentes do contrato de trabalho. Todavia, esta quitação, até a Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, não alcançava controvérsia decorrente do acidente do trabalho, pois esta não se inseria naquelas (controvérsias) advindas do contrato de trabalho e nem se submetia (não obstante a vacilação jurisprudencial a partir da Constituição da República de 1988, o que só veio a ser definido no julgamento do Conflito de Competência 7.204-1 Minas Gerais, em 29.06.05, pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, tendo como Relator o Ministro Carlos Brito) à competência da Justiça do Trabalho. Já o acordo entabulado depois desta Emenda n. 45/2004, firmado com aquela expressão “extinto o contrato de trabalho”, importa, também, na quitação da indenização por danos decorrentes de acidente do trabalho. É que, depois desta Emenda, nenhuma dúvida há a propósito da natureza desta controvérsia - decorrente da relação de trabalho - e do juízo competente para dela conhecer e julgar, a Justiça do Trabalho. Assim, a partir daí não se pode negar que a indenização por acidente do trabalho compreende-se em relação jurídica controvertida a compor concessões mútuas na transação judicial. (00986-2006-058-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 07.12.06) 3-

EXECUÇÃO DE SENTENÇA - PRETENSÃO DE SE REDISCUTIR MATÉRIA SABIDAMENTE SEPULTADA PELA COISA JULGADA, CUJA DISCUSSÃO FOI LEVADA, INEXITOSAMENTE, ATÉ O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA - IMPOSIÇÃO DE MULTA. A parte que, sabidamente, insiste em rediscutir em sede de agravo de petição matéria que, por não se contentar com a v. sentença de origem, levou a debate, inexitosamente, até o Excelso STF, acabando por ser sepultada pela coisa julgada, age de forma absolutamente procrastinatória, atraindo para si a pecha de litigante de má-fé, pois pratica ato atentatório à dignidade da justiça ao se opor maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos, sujeitando-se, com base nos artigos 600, inciso II, e 601, caput, ambos do CPC, ao pagamento de multa de 20% (vinte por cento), calculada sobre o valor atualizado do débito já apurado em execução de sentença, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual, a qual reverterá em proveito do exeqüente. (01559-1998-027-03-00-2 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 08.07.06)

COLUSÃO 1-

COLUSÃO - PROVA - PRESUNÇÃO - MÉTODO INDUTIVO - QUANDO SE PODE PARTIR DE UM FATO CONHECIDO PARA SE CHEGAR A UM FATO DESCONHECIDO, AINDA QUE CONTRÁRIO AO QUE ESTÁ ESTAMPADO NOS AUTOS, E ADMITI-LO COMO VERDADEIRO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. O Direito é multifinalístico: Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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a) porque regula a vida dos homens em sociedade; b) porque estabelece um ideal de conduta para o ser humano; c) porque tem por vocação realizar a justiça. Por seu turno, o processo é unifinalístico: porque serve de instrumento para a aplicação do Direito. Diziam os gregos que a justiça é a maior e a mais importante de todas as virtudes, porque ela não se efetiva no ser virtuoso. Realiza-se para além de quem a pratica, isto é, não se consubstancia no julgador, mas naquele que tem sede de justiça. Todavia, o processo que é o instrumento em cujo seio o julgador realiza a justiça, dando a cada um o que é seu, não pode ser manejado com interesses escusos, com o intuito de ludibriar o juiz e prejudicar terceiros. Sem material fático, o processo é vazio de sentido. Daí poder-se afirmar que o processo possui uma dimensão fática, que aviva a discussão em torno da pretensão deduzida, normalmente marcado pela controvérsia sobre a existência ou não de determinados acontecimentos. Despida dos fatos preenchedores de seus vazios, a norma jurídica permanece no seu sono difuso, marcado pela generalidade, pela abstração, pelo ideal de conduta humana. Na dinâmica processual trabalhista, os fatos constituem a mais intensa preocupação de seus partícipes: a obtenção da prova do que se alega pode resultar no sucesso da demanda, uma vez que o direito, em si, não apresenta tanta dificuldade para ser aplicado. Entretanto, nem sempre a verdade real aflora, embora o processo, como assinalado, seja o instrumento para a aplicação da norma jurídica, via de regra, com conteúdo muito simples. No embate de uma contenda judicial, freqüentemente, uma das partes procura esconder a verdade, fazendo uso de técnica largamente aceita no que tange à teoria do ônus da prova. Quando o autor e o réu desvirtuam, em conluio, os fatos, para a obtenção de alguma vantagem, mais difícil ainda se torna o surgimento da verdade. Colusão é o conluio; é o acerto, é a combinação, é o concerto, é o intuito deliberado, consciente e simulador entre as partes com o objetivo de enganar o juiz, obtendo determinada sentença e prejudicando terceiros. Tratando da prática de ato processual simulador, com a participação concorrente e dolosa de ambos os litigantes, a presunção pode e deve ser utilizada como meio de prova, visto que o Direito, como toda e qualquer ciência, também se realiza por intermédio de métodos e técnicas. A presunção é um juízo baseado nas aparências, nas evidências, nas dobras e nos desdobramentos de fatos altamente suspeitos, inclusive o parentesco entre as partes e a revelia da ré, em péssima situação econômico-financeira. Com o objetivo de alcançar um fato desconhecido, extrai-se aprioristicamente determinada conseqüência a partir de um ou mais fatos conhecidos. Por outras palavras, como homem comum que é, e tendo em vista o que ordinariamente acontece, o juiz parte de um ou mais fatos conhecidos e realiza um raciocínio indutivo, ainda que contrário ao que emerge objetivamente dos autos, para admitir outro fato como verdadeiro. “A colusão como fator determinante da sentença opera em nível estritamente fático. É da sua índole que as partes procedam em relação aos fatos de modo a justificar a sentença neles fundamentada. Os fatos materiais e os atos processuais são engendrados com o intuito de obter do juízo um pronunciamento favorável que não obteriam se não os tivessem Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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distorcido, com a finalidade de fraudar a lei. Desse modo, a colusão não é perceptível em um momento determinado, haja vista que ninguém que usa de tal procedimento irá sair falando ‘aos quatro cantos’, nem mesmo deixar provas materiais da conduta. A colusão, por configurar ajuste secreto e fraudulento, não se mostra desde logo às claras, a ela se chegando por meio de indícios, é percebida através de fatos materiais e atos processuais praticados pelas partes com o intuito de obter do juízo uma sentença que lhes seja favorável e que não obteriam de outra forma, com a finalidade de fraudar a lei. Portanto, a colusão é perceptível através de presunção, que também é meio de prova. Comprovar os fatos alegados é atividade tormentosa em qualquer tipo de ação, em especial em ações em que se discuta o fato aqui alegado (colusão), uma vez que quem a pratica a faz de forma dissimulada. Em virtude da dificuldade mencionada é necessário aceitar como de aplicação ampla o recurso das provas indiretas (indícios e presunções), além, é claro, de todos os meios admitidos em direito, sem se esquecer das ‘máximas de experiência’.” (Luís Paulo Villafañe Gomes Santos - Procurador do Trabalho) Assim, convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para a prática de ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes, podendo o recurso ordinário ser interposto por terceiro interessado, que não participou da relação processual, mas que nela intervém, por simples petição, para denunciar a fraude. Reconhecida a colusão, o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, na forma dos incisos IV e VI do art. 267 do CPC. (00514-2006-042-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 08.12.06) COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA 1-

CONTRIBUIÇÃO PREVISTA EM INSTRUMENTO COLETIVO - CUSTEIO DE COMISSÃO INTERSINDICAL DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - INVALIDADE. Admitem-se, no máximo, quatro tipos de contribuição para as entidades sindicais: a contribuição sindical (prevista na CLT, art. 578), a contribuição confederativa (inciso IV do art. 8º da CF/88), a contribuição assistencial (alínea “e” do art. 513 da CLT) e a mensalidade sindical. Apenas a primeira, a contribuição sindical, é obrigatória para toda a categoria; as demais, somente para os associados. Assim, a imposição, em instrumento coletivo, de contribuição para custeio de comissão intersindical de conciliação prévia, extensiva a toda categoria econômica, fere o disposto nos artigos 5º, XX, e 8º, da CF/88, a regra de competência exclusiva prevista no art. 149 da CF/88, bem como o princípio da legalidade (inciso II do art. 5º da CF/88). Pelo mesmo fundamento que não se admite a cobrança de contribuição assistencial e confederativa dos empregados não filiados ao sindicato, também não se pode admitir cobrança de contribuição não autorizada na Constituição Federal (ou em lei) do empregador não filiado. (00076-2006-056-03-00-7 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 15.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - EFEITOS DA CLÁUSULA DE QUITAÇÃO AMPLA E GERAL PELO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO - INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 625-E DA CLT CONFORME A CONSTITUIÇÃO. Consoante o disposto no artigo 625-E da CLT, o termo da conciliação celebrada no âmbito da Comissão de Conciliação Prévia “...é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas”. No entanto, isto não significa que o trabalhador, ao firmar aquele termo, possa validamente dar quitação, a seu empregador, de direitos e parcelas diferentes daqueles que tenham constituído o objeto da demanda submetida à CCP e, muito menos, outorgar-lhe quitação plena, geral e irrevogável por todo e qualquer direito decorrente de seu contrato de trabalho. É que esta conciliação extrajudicial está lógica e juridicamente vinculada e limitada ao objeto da demanda submetida à Comissão de Conciliação Prévia, como se depreende conjuntamente dos §§ 1º e 2º do artigo 625-D da CLT (que exigem a formulação, por escrito ou a termo, da demanda objeto da tentativa de conciliação e a descrição de seu objeto na declaração da tentativa conciliatória frustrada, a ser juntada na reclamação trabalhista), do caput do artigo 320 do novo Código Civil de 2002 (segundo o qual a quitação, para ser regular, designará o valor e a espécie da dívida quitada) e do § 2º do artigo 477 da CLT (o qual limita a validade da quitação dada pelo trabalhador exclusivamente às parcelas rescisórias a ele pagas, de forma discriminada, no termo de rescisão contratual). Esta exegese sistemática da norma legal é a única compatível com a Constituição de 1988, na medida em que afasta a interpretação meramente literal que, ampliando a quitação para além dos limites da demanda, eliminaria por completo e por antecipação a possibilidade prática de o empregado obter a tutela jurisdicional efetiva de seus direitos trabalhistas alegadamente vulnerados. Acrescente-se que, por ocasião da submissão à CCP da questão referente às horas suplementares devidas ao reclamante, a empregadora se quedou inerte, quando deveria ter-se antecipado, realizando o acordo de forma a abranger todas as possíveis pendências do acerto trabalhista. (01000-2006-077-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.12.06)

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COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 9.958/00. O inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal garante ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário. Contudo, isto não significa que este acesso ao órgão julgador será feito sem limites ou condições previstos em lei. Assim, ao estabelecer o art. 625-D da CLT, incluído pela Lei n. 9.958/00, que qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia, se, na localidade da prestação dos serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria, o legislador infraconstitucional não quis impedir a apreciação da ação trabalhista pelo Poder Judiciário, mas, tão-somente, determinou que a questão litigiosa seja submetida, preliminarmente, à tentativa de composição amigável perante à Comissão de Conciliação Prévia, valorizando Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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o princípio da conciliação no Direito do Trabalho e a negociação individual ou coletiva como forma de solução dos conflitos trabalhistas. Nada mais, nada menos, sem qualquer prejuízo para o empregado, que, frustrada a fase conciliatória perante a Comissão de Conciliação Prévia, terá garantido o acesso ao Poder Judiciário. (00859-2006-029-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 14.09.06) 4-

COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA - TERMO DE CONCILIAÇÃO FRUSTRADA - INEXISTÊNCIA DE PRIMAZIA DESTA PROVA SOBRE AS DEMAIS PRODUZIDAS NO PROCESSO. O termo de conciliação frustrada emitido pela Comissão de Conciliação poderá ser utilizado pelas partes como meio de prova, na forma do art. 332 do CPC. Contudo, não se há falar em primazia desta sobre os demais elementos probatórios. O documento em questão será parte integrante do conjunto fático-probatório dos autos, o qual será livremente apreciado pelo juiz, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes do processo, na forma do art. 131 do CPC. Mesmo que se pudesse atribuir ao referido termo a conotação de confissão extrajudicial, ainda assim ela não teria maior força probatória, de conformidade com a norma consignada na parte final do art. 353 do CPC. (01326-2005-134-03-00-6 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 25.08.06)

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EFEITOS DO ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. A quitação conferida na transação extrajudicial celebrada entre empregado e empregadora, perante a Comissão de Conciliação Prévia, sem a oposição de ressalva, deve ser interpretada restritivamente, conforme artigo 843 do Código Civil. Isso porque a transação só abrange as parcelas e valores pactuados perante o órgão conciliador, uma vez que a quitação não tem eficácia liberatória geral e irrestrita em relação a todos os créditos decorrentes do contrato de trabalho. Nem mesmo os acordos hom*ologados pela Justiça têm essa amplitude, sendo irrazoável que as hom*ologações extrajudiciais a tenham. (00185-2006-142-03-00-0 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 30.09.06)

COMPETÊNCIA Em razão da matéria 1-

COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ACIDENTE DO TRABALHO. Não obstante a relação jurídico-trabalhista seja permeada por conflitos originários das mais diversas áreas do direito, tratam as referidas questões de incidentes que se relacionam aos temas principais que ensejam a atuação desta Especializada: o contrato de trabalho e a relação de emprego. Assim, a competência da Justiça do Trabalho deriva não só da natureza jurídica Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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da parcela pleiteada, mas também do fato de esta obrigação decorrer do próprio vínculo estabelecido entre empregado e empregador. Cabe diferenciar, neste sentido, o acidente do trabalho do pedido de indenização daí decorrente. A competência da Justiça Estadual, nos termos da Lei n. 8.213, de 1991, concretiza-se quando são partes no processo o INSS e o empregado, na condição de segurado, o que é situação inteiramente distinta da que agora se analisa, uma vez que se discute não a concessão de benefício previdenciário, mas de indenização por acidente do trabalho ocorrido na constância do pacto laboral. Além disto, não há razão de invocar-se o inciso I do artigo 109 da CRF/1988, quando não se discute ser da Justiça Federal comum a competência para julgar as ações de acidente do trabalho, em que se pleiteia a concessão de benefício junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. É possível dizer, então, que, perquirindo-se se o dano foi causado em virtude da existência da relação de emprego - conforme se pretende apurar , está configurada a competência desta Especializada. Não é outra, aliás, a conclusão que se extrai do artigo 114 da Constituição da República, com a redação que lhe deu a Emenda n. 45, de 08 de dezembro de 2004, no sentido de que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “VI - as ações de indenização por dano moral e patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.” Acrescente-se que a data de ajuizamento da demanda, sendo anterior à promulgação da referida Emenda, não representa óbice à competência desta Especializada para o julgamento do feito. Tampouco o proferimento do r. decisum - em data posterior (03.01.2005) - invalida a competência da Justiça do Trabalho. Isto, porque deve ser declarada a nulidade da r. sentença, já que a competência da Justiça Comum alcança apenas os processos em que a decisão tenha sido proferida antes de 08.12.2004. (00996-2006-138-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.12.06) 2-

COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO - DEMANDA QUE VERSA SOBRE PAGAMENTO DE QÜINQÜÊNIOS. Em se tratando de pedido de pagamento do adicional por tempo de serviço (qüinqüênio) previsto em lei municipal que instituiu o regime jurídico, de natureza celetista, para todos os servidores públicos municipais, sendo, portanto, de cunho trabalhista a matéria deduzida em juízo, é inegável competir a esta Justiça Especializada a apreciação e o julgamento da demanda, por força do disposto no inciso I do art. 114 da Carta Magna de 1988. (00206-2006-051-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 13.09.06) COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO - PREVISÃO DO PAGAMENTO DE QÜINQÜÊNIO POR LEI MUNICIPAL - NÃO VIOLAÇÃO. Não infringe o inciso I do art. 22 da CR, segundo o qual compete privativamente à União legislar sobre Direito do Trabalho, a previsão de pagamento de qüinqüênio em lei municipal que regula o estatuto dos servidores públicos, visto que ao Município é permitido conceder outros direitos aos trabalhadores que visem à melhoria da sua Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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condição social, à luz do caput do art. 7º da CR, além daqueles previstos no mesmo dispositivo constitucional. (00205-2006-051-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 13.09.06) 3-

ARREMATAÇÃO - IMISSÃO DE POSSE NO IMÓVEL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Se o credor trabalhista arremata bem penhorado em execução, através de procedimento no qual foi assegurado aos devedores o amplo direito de defesa, na forma da lei, mas se vê impedido pelos ocupantes do imóvel de exercer sobre ele o seu legítimo direito de posse, o litígio decorre de decisão proferida no processo, atraindo a competência material desta Especializada para dirimir a controvérsia, sendo assim pertinentes, na execução trabalhista, a ordem de imissão de posse no imóvel arrematado e a adoção das medidas necessárias ao efetivo cumprimento da decisão. (00507-2003-070-03-00-9 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06)

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COMPETÊNCIA - ATO ADMINISTRATIVO - NULIDADE. A competência deve ser firmada em razão da real natureza da relação jurídica trazida a juízo. Pouco importa, para fins de fixação da competência, a nulidade do ato administrativo, que, no particular, requeria submissão ao regime estatutário. A rigor, o ato é nulo e sem qualquer efeito no mundo jurídico, solução que privilegia o interesse coletivo em detrimento de interesses individuais, a fim de preservar a moralidade, legalidade e eficiência na administração da coisa pública. Não obstante, como não é possível devolver a força de trabalho à servidora, torna-se necessário adaptar as regras do sistema de nulidades do Direito Comum ao universo de normas e princípios trabalhistas, pelo que a pretensão relativa ao contrato de trabalho dever ser apreciada pelo Judiciário Trabalhista. A matéria versada é, pois, nitidamente trabalhista, fundada no contrato de emprego, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para solução da controvérsia. (00934-2005-094-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 01.11.06)

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JUSTIÇA DO TRABALHO - CONTRATO DE EMPREITADA - COMPETÊNCIA MATERIAL FIXADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. A competência para processar e julgar reclamação que tenha por objeto o descumprimento do pactuado em contrato de empreitada, ajuizada por tomador de serviço contra o empreiteiro, é da Justiça do Trabalho, sendo irrelevante o valor contratado para configuração da empreitada. Isso porque, nos moldes do artigo 114 da Constituição Federal, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar todas as lides nas quais figure, de um lado, um trabalhador, este considerado na acepção mais ampla (e não apenas um empregado) e, de outro, um tomador dos serviços, mesmo que ambos não estejam vinculados pelos laços da relação empregatícia e independentemente da natureza jurídica do contrato. (00734-2006-104-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004 - AJUSTE DE NATUREZA CIVIL FORNECIMENTO DE MATERIAIS. Após a publicação da Emenda Constitucional n. 45/2004, esta Justiça é competente para processar e julgar ação oriunda da relação de trabalho, com abrangência dos entes de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta. Todavia, versando os autos sobre contratos de fornecimento de material celebrados entre reclamante e Município, a matéria refoge à seara trabalhista, tendo em vista a natureza civil dos ajustes. Destarte, é competente a Justiça Comum Estadual para apreciar e julgar o presente feito. (00017-2006-141-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 07.10.06)

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DOENÇA PROFISSIONAL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS DENUNCIAÇÃO DA LIDE - DEMANDA PARALELA ENTRE EMPREGADORA E SEGURADORA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Justiça do Trabalho é absolutamente incompetente para dirimir desavença estabelecida entre o empregador e sua seguradora, envolvendo viabilidade da ação regressiva da primeira em face desta última, visando acautelar-se contra eventual condenação na demanda trabalhista em que responde a pedido de reparação de danos originados de acidente do trabalho. A despeito do cancelamento da Orientação Jurisprudencial de n. 227/SBDI-I do TST, inviabiliza-se a denunciação da lide em casos tais, sob pena de ferir-se a norma do art. 114 da Constituição da República. (00208-2006-059-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 07.09.06)

8-

COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO - FASE DE PRÉCONTRATAÇÃO. Mesmo que o contrato de trabalho não tenha sido formalizado, ressalta-se que a promessa feita nesse sentido configura fase pré-contratual, a qual é regida pelas mesmas normas e princípios aplicáveis ao contrato propriamente dito. Isso posto, referindo-se a aludida promessa ao contrato de trabalho, é desta Justiça Especializada a competência para dirimir as questões daí decorrentes, a teor dos incisos I e VI do artigo 114 da CR/88 (conforme Emenda Constitucional n. 45/2004). (00720-2006-097-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 24.11.06)

9-

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - PLANO DE SAÚDE PRIVADO. Versando os pedidos sobre norma contratual relativa a plano de saúde privado, a qual não teria sido observada pelo empregador após a aposentadoria do empregado, não há dúvidas da competência material desta Especializada, já que a controvérsia decorre do contrato de trabalho. (00176-2006-060-03-00-2 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 21.10.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Em razão do lugar 1-

CONFLITO DE COMPETÊNCIA RATIONE LOCI - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004 - REGRAS PROCESSUAIS APLICÁVEIS. O art. 651 da CLT fixa a competência das Varas de acordo com a “localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador”. Tem, pois, destinatário certo: o empregado. A recente ampliação da competência desta Especializada para julgar as “ações oriundas da relação de trabalho” (inciso I do art. 114 da CF/88) não autoriza aplicar ao representante comercial autônomo regra específica destinada ao trabalhador empregado, impondo-se observar a alínea “a” do inciso IV do art. 100 do CPC. (00260-2006-003-03-00-1 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 06.07.06)

2-

COMPETÊNCIA EX RATIONE LOCI. Não se fixa a competência ex ratione loci na conformidade do interesse das partes, mas segundo os ditames da lei. Inexiste, no direito processual do trabalho, o foro de eleição. Não há, para o obreiro, o direito de escolha quanto ao foro competente, a não ser em raras hipóteses. O caput do art. 651 da CLT estabelece que a competência é determinada pela localidade da prestação dos serviços, ainda que o obreiro tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. Essa é, portanto, a norma geral a ser obedecida. Dispõe o § 3º do mesmo preceito legal que, “Em se tratando de empregador que promova a realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços”. Como empresas que promovem atividades em outro lugar deve-se entender não só aquelas que se deslocam (como as circenses e teatrais), mas também as que mantêm um empregado transferido, uma vez que o foro da celebração do contrato deve ser entendido como o local inicial da prestação de serviços e não apenas o local onde o serviço foi ajustado. A se entender de outra forma, o § 3º revogaria o caput daquele artigo (o que seria inconcebível), conferindo ao empregado direito de escolha sempre que o local do contrato fosse distinto do local da prestação dos serviços. Ora, é precisamente esse direito de opção que foi vedado pelo caput. Não se pode imaginar que o legislador estivesse a dizer e desdizer-se, no mesmo preceito legal. A hermenêutica ensina que a interpretação da lei não deve conduzir a resultados absurdos. (00443-2006-089-03-00-3 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06)

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA 1-

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - ALTERAÇÃO DO REGULAMENTO - SÚMULA N. 288 DO TST. Prevalecem as normas de complementação de aposentadoria em vigor na época de filiação ao plano de previdência privada, quando a alteração posterior do regulamento, mesmo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que amparada pela lei nova, seja desfavorável ao beneficiário. Na hipótese, há que se observar o princípio constitucional de que a lei não pode prejudicar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, conforme norma insculpida no inciso XXXVI do art. 5º da CR/88 e inteligência da Súmula n. 288 do TST. (00974-2000-012-03-00-5 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 29.07.06) 2-

AGRAVO DE PETIÇÃO - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA CÁLCULO hom*oLOGADO - RETIFICAÇÃO. É passível de retificação o cálculo de complementação de aposentadoria que deixar de computar os valores quitados pelo INSS, sem considerar os meses a que se referem. A prática viola a coisa julgada, porque o critério relegado foi agasalhado pela sentença exeqüenda, pois o benefício foi deferido com base no regulamento empresarial que, ao discipliná-lo, determinou a dedução da parcela paga pela Previdência Oficial, mensalmente. (01571-2002-027-03-00-4 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 26.08.06)

3-

JUSTIÇA DO TRABALHO - COMPETÊNCIA - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - PRESCRIÇÃO. As disposições contidas nas instruções expedidas pelo empregador aderem ao próprio contrato de trabalho do obreiro, produzindo projeções futuras quanto à possibilidade de complementação de proventos de aposentadoria. Por este motivo, a Justiça do Trabalho detém competência para examinar os pedidos relativos à referida complementação, em ação ajuizada depois da aposentadoria do exempregado. Se este postula o pagamento de diferença mensal de complementação de aposentadoria - em razão da majoração de sua base de cálculo provocada pelas parcelas de natureza salarial deferidas em outra ação trabalhista -, não se pode tomar como marco inicial de contagem do prazo da prescrição bienal a data da aposentadoria do obreiro. Ora, se o direito - postulado na presente ação - surgiu, apenas, após o jubilamento do trabalhador, com o deferimento de pedidos formulados em outra ação, somente a partir do trânsito em julgado deste decisum é que se pode falar em fluência do prazo de dois anos. Antes disto, não havia direito declarado, o que só se deu com o ajuizamento de ação que reconheceu serem devidas ao obreiro as diferenças salariais provenientes do desvio de função, tampouco havia direito violado, sendo impossível o acionamento do Judiciário para a solução de qualquer controvérsia (princípio da actio nata). (00892-2005-060-03-00-9 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 19.08.06)

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COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - ACORDO CELEBRADO EM AÇÃO ANTERIOR COM QUITAÇÃO PELO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO - COISA JULGADA - NÃO ABRANGÊNCIA DO DIREITO ÀS DIFERENÇAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. A quitação pelo extinto contrato de trabalho, em acordo realizado em determinada demanda trabalhista, obsta que o trabalhador postule outras parcelas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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próprias do pacto laboral findo, em face do disposto no parágrafo único do art. 831 da CLT. Mas não obsta que postule a integração, em sua complementação de aposentadoria, de parcelas cujo direito adquirido, por força da aludida demanda, encontra-se assente em seu patrimônio jurídico. As questões são distintas e merecem tratamento diferenciado, pelo que o pleito de diferenças de complementação de aposentadoria não é alcançado pelos efeitos da coisa julgada. (01604-2005-018-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 01.07.06) COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - DIFERENÇAS - COISA JULGADA MATERIAL. Ao firmar acordo em processo anterior e dar quitação das demais parcelas resultantes da relação de emprego, o autor acabou por inviabilizar o pleito concernente às diferenças de complementação de aposentadoria, que nada mais são do que a repercussão do trabalho extraordinário cujo pagamento fora sonegado durante o contrato de trabalho. Significa dizer que as diferenças de complementação de aposentadoria constituem pedido acessório em relação ao pedido de horas extras e, tal como o pleito principal, devem ser consideradas inseridas sob o efeito da coisa julgada material. (01283-2005-060-03-00-7 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06) 5-

AÇÃO FUNDADA EM PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA SUPERVENIENTE AO ACORDO hom*oLOGADO ALCANCE - COISA JULGADA. A transação que colocou fim à ação anterior ajuizada pelo empregado, na qual postulados direitos oriundos do contrato havido com a empregadora, constitui coisa julgada apenas em relação às verbas vindicadas, dentre as quais não se incluía a complementação da aposentadoria. Assim, diante dos termos do acordo hom*ologado, não há impedimento à apreciação de direito outro, naquela ação não reclamado. (00008-2006-060-03-00-7 RO - 3ª T. - Red. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 26.08.06)

CONEXÃO 1-

CONEXÃO - MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA - INOCORRÊNCIA. Nos termos dos artigos 102 e 105, ambos do CPC, a competência, em razão do valor e do território, poderá ser modificada pela conexão ou continência e o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente, com a finalidade de se evitar decisões contraditórias. Entretanto, se estas ações não se encontram no mesmo grau de jurisdição, o objetivo da norma não será alcançado, tendo em vista que já houve a entrega da prestação jurisdicional pelo juízo do processo anteriormente ajuizado. (00017-2006-037-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 01.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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CONFISSÃO FICTA 1-

PENA DE CONFISSÃO - AUSÊNCIA INJUSTIFICADA - ATESTADO MÉDICO. O atestado médico que não identifica o mal que acomete a parte ausente à audiência de instrução e julgamento, registrando, apenas, que esta compareceu a uma consulta médica - nem mesmo mencionando atendimento de urgência ou consignando a “Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde” (CID-10) não tem validade para ilidir a confissão ficta, nos termos da Súmula n. 122 do Colendo TST. A falta de indicação expressa de “incapacidade de locomoção” é suficiente para invalidar a pretensa justificativa para o não atendimento ao compromisso com a Justiça do Trabalho. (01407-2005-016-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 29.07.06)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA 1-

AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DE LIMINAR PARA OBSTAR LANÇAMENTO DE MULTA ADMINISTRATIVA EM DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO – COMPETÊNCIA CONFLITO NEGATIVO - EC N. 45/04. Não obstante os termos da Emenda Constitucional n. 45/2004 terem alterado a competência em torno das ações envolvendo multa administrativa imposta em face de descumprimento da legislação trabalhista, se a sentença foi proferida por juízo competente, ou seja, antes da vigência da EC n. 45/04, é válida e, tratando-se a Emenda de norma superveniente, não pode afetar a subsistência da competência recursal do respectivo Tribunal. Na hipótese de o Tribunal encarregado do reexame da decisão declarar-se incompetente para apreciar e julgar o agravo de instrumento interposto contra indeferimento de liminar para obstar o lançamento do débito em Dívida Ativa da União, cumpre a este Tribunal Regional suscitar o respectivo conflito negativo de competência para que a questão seja expressamente enfrentada pelos tribunais superiores à luz do novo dispositivo constitucional, evitando-se maiores prejuízos processuais às partes. (01743-2005-113-03-40-2 AI - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado Hélder Vasconcelos Guimarães - Publ. “MG” 06.07.06)

CONTRATO DE ARRENDAMENTO 1-

AGRAVO DE PETIÇÃO - CONTRATO DE ARRENDAMENTO - ÍNDOLE FRAUDATÓRIA CONTRA A EXECUÇÃO TRABALHISTA - INVALIDADE. O Código Civil, ao disciplinar os Negócios Jurídicos, deixa expresso, em seu art. 113, que estes devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, sendo nulos, nos termos do art. 166, III, quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. Em face da total ausência de razoabilidade de seus termos, diante de todas as circunstâncias de fato, dos usos e costumes locais e do patente estado de insolvência de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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um dos contratantes, e, ainda, para a devida regularidade do processo e por respeito à dignidade da justiça, deve ser reconhecida a ilicitude ensejadora da nulidade do contrato de arrendamento analisado, admitindose, conseqüentemente, quanto ao contrato de locação do mesmo imóvel, a sua validade restrita aos parâmetros da prática comercial do setor imobiliário, ou seja, reconhecendo à agravante apenas um percentual máximo de 10% do valor da locação, a título de retribuição de seus serviços intermediários. Também não se podem olvidar, ao ponto de se negligenciar a execução trabalhista em favor de ajuste claramente fraudatório, de todos os princípios que regem o direito e a sistemática processual trabalhista, mormente o princípio protetivo do trabalhador hipossuficiente e o princípio da primazia da realidade sobre a forma, além da função social a que deve servir a propriedade (inciso XXIII do art. 5º da Constituição Federal), notadamente diante da circunstância em que esta deverá atender à satisfação de crédito trabalhista, de natureza alimentar. (00428-2006-067-03-00-8 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 18.11.06) CONTRATO DE FRANQUIA 1-

CONTRATO DE FRANQUIA - DESVIRTUAMENTO - § 2º DO ART. 2º DA CLT - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FRANQUEADOR. O contrato de franquia regulamenta a utilização comercial de uma marca e dos nomes que individualizam e identificam uma empresa, um produto ou uma linha de produtos, inexistindo subordinação jurídica entre franqueador e franqueado, pagando este os royalties pelo uso das informações e conhecimentos, detidos por aquele. As obrigações trabalhistas assumidas pelo franqueado não são transferidas para o franqueador, no caso de, por qualquer motivo, ficar o primeiro impossibilitado de quitá-las. Contudo, pagando o franqueador à franqueada, mensalmente, percentuais a título de comissão mercantil, fica descaracterizado o contrato de franquia, já que o franqueador passa a atuar como sócio no negócio, verdadeiro proprietário, assumindo os riscos da atividade empresarial da franqueada. Mais reforça esse entendimento a verificação de sanções impostas ao franqueado, caso este descumpra as exigências contratuais impostas pelo uso da “bandeira”, no que se inclui o livre acesso à documentação da empresa à época do fechamento das contas, ou deixe de atingir as metas de vendas estimadas unilateralmente pela franqueadora, sendo mister reconhecer a existência de solidariedade entre as empresas, para efeito da relação de emprego, com fundamento no § 2º do artigo 2º da CLT. (00198-2006-132-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 11.11.06)

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CONTRATO DE FRANCHISING - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ANALOGIA - ITEM IV DA SÚMULA N. 331 DO C. TST. O contrato de franchising permite ao contratante exercer controle decorrente do ajuste firmado, zelando pela boa reputação da marca emprestada e do sistema Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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operacional, licenciado mediante o pagamento de royalties, com o fito de difundir a marca do seu produto, através da concessão da prestação de serviços a terceiro. O contrato se faz através de troca de interesses e obrigações, quais sejam: ao franqueador caberá fornecer assessoria técnica e de treinamento contínuo, serviços de supervisão nas operações de comercialização e de administração geral do negócio; ao franqueado o direito de realizar parte do sistema produtivo gerado pelo franqueador, distribuindo os produtos, utilizando know-how e métodos estipulados contratualmente. A própria prestação de serviços do franqueado induz a analogia com a terceirização de serviços, produzindo, assim, a responsabilidade subsidiária daquele que deles se beneficiou, ainda que indiretamente. Impõe-se, portanto, a aplicação do item IV da Súmula n. 331 do C. TST. GARANTIA DE EXECUÇÃO - HIPOTECA JUDICIÁRIA. O artigo 466 do CPC determina que “A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. Parágrafo único: A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária: I - embora a condenação seja genérica II - pendente arresto de bens do devedor III - ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença. Portanto, havendo condenação em prestação de dinheiro ou coisa, automaticamente se constitui o título da hipoteca judiciária, que incidirá sobre os bens do devedor, correspondentes ao valor da condenação, gerando o direito real de seqüela, até seu pagamento. A hipoteca judiciária é de ordem pública, independe de requerimento da parte e visa garantir o cumprimento das decisões judiciais, impedindo o desbaratamento dos bens do réu, em prejuízo da futura execução. Ao juiz cabe envidar esforços para que as decisões sejam cumpridas, pois a realização concreta dos comandos judiciais é uma das principais tarefas do Estado Democrático de Direito, sendo responsabilidade do juiz de qualquer grau determiná-la, em nome do princípio da legalidade. Para o cumprimento da determinação legal, o juiz oficiará os cartórios de registro de imóveis. Onde se encontrar imóveis registrados em nome da reclamada, sobre eles deverá incidir, até o valor da execução, a hipoteca judiciária. (00493-2006-010-03-00-2 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Antônio Álvares da Silva - Publ. “MG” 18.11.06) CONTRATO DE PARCERIA RURAL 1-

PARCERIA RURAL. A parceria rural é um contrato agrário pelo qual uma das partes atua no trabalho principal da lavoura, enquanto a outra cede o imóvel rural para ser cultivado pelo trabalhador, repartindo-se os frutos entre as duas, na proporção que estipularem. Nesse contexto, ambos os contratantes assumem a possibilidade de prejuízos, arcando com os riscos em geral. Embora não seja da essência do contrato a forma escrita, admitindo-se o ajuste oral, devem ser comprovados os termos em que o pacto foi firmado para fins de análise dos direitos e obrigações advindos da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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avença. Não provando o autor que firmou contrato de parceria nos moldes explicitados na petição inicial, correta a decisão de 1º grau que julgou improcedentes os pedidos formulados. (00638-2006-151-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 27.10.06) CONTRATO DE TRABALHO 1-

ATOS QUE ANTECEDEM A CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO DESPESAS - RESPONSABILIDADE - RELAÇÃO DE EMPREGO CARACTERIZAÇÃO. A relação de emprego ainda não existe na fase de entendimentos que antecede a contratação, especialmente quando resta frustrada, pois as negociações prévias são inerentes a qualquer contrato. O contratante pode ser responsabilizado por eventuais despesas decorrentes da expectativa do contratado, quando provada a culpa ou dolo, mas onus probandi é deste último, pela regra do inciso I do artigo 333 do CPC. (00424-2006-089-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 02.08.06)

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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - TRANSPORTE LOGOMARCA DA EMPRESA IMPRESSA NO CAMINHÃO. Se o proprietário do caminhão, que autonomamente fazia fretes para a empresa, não prova ajuste verbal ou escrito atado às atividades de merchandising ou prestação de serviços de publicidade, por ter colocado, espontaneamente, logomarca da empresa em seu veículo, obviamente que não pode, quando cessa o contrato de transporte, querer receber por suposto ajuste de publicidade, jamais efetivado. Recurso desprovido. (01387-2005-032-03-00-2 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 21.10.06)

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CONTRATO DE EMPREITADA - MONTAGEM DE CASA PRÉ-FABRICADA DE MADEIRA EM KIT - AUTONOMIA. A montagem de casa pré-fabricada de madeira, conforme kit específico e único, nos moldes avençados em contrato de empreitada, cujo cumprimento não enseja a obrigação do contratado de obedecer a ordens diretas, nem tampouco de se submeter à jornada diária fixa de trabalho, mas apenas pressupondo a entrega do objeto, consistente na casa montada, sob prazo determinado e condições específicas pré-pactuadas, não condiz com a realidade do contrato de emprego, pois que, nessa situação, não se verificam presentes os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT, necessários à configuração do respectivo vínculo. (00102-2006-039-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 26.08.06) CONTRATO DE EMPREITADA - PRESCRIÇÃO APLICÁVEL - CIVIL. A competência para conciliar e julgar os dissídios resultantes dos contratos de empreitada, em que o empreiteiro seja operário ou artífice, é da Justiça Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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do Trabalho, por força do disposto no art. 652, alínea “a”, inciso III, da CLT e caput do art. 114 da Constituição Federal. Apesar disso, a pretensão do empreiteiro, de obter pagamento pelos serviços prestados, está sujeita ao prazo prescricional estabelecido no art. 205 do Código Civil, e não àquele fixado pelo inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal. Isso, por se tratar de crédito oriundo de relação jurídica de natureza civil, e não empregatícia. Prescrição bienal afastada. (00281-2006-084-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 08.11.06) 4-

CONTRATO DE EMPREITADA - RESILIÇÃO UNILATERAL - CAPUT DO ARTIGO 473 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. Admitida em lei a resilição unilateral, seja por expressa disposição, seja pelo sentido implícito da norma, cabe à parte, a quem se faculta a medida, a promoção da chamada denúncia notificada, que nada mais é do que uma manifestação de vontade direcionada à parte contrária, a fim de dar-lhe ciência da intenção de resilir o contrato, o que não exige forma especial, bastando ao interessado demonstrar que à parte adversa foi comunicada a resilição unilateral. Entretanto, as situações que a autorizam decorrem, via de regra, da inferioridade jurídica ou econômica de uma das partes em relação à outra, o que motiva o legislador a proteger o pólo mais fraco a fim de evitar resultados danosos ou indesejáveis. (00890-2006-092-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 29.11.06)

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CONTRATO DE ESTÁGIO - DESCARACTERIZAÇÃO. A prestação de serviços supervisionada apenas pela empresa que se vale da figura do estagiário afronta os termos do § 3º do art. 1º da Lei n. 6.494/77, “Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares” (grifei). Se não há coparticipação da instituição de ensino no desenrolar do contrato, se o ajuste fica a mercê apenas do tomador dos serviços, não há como reputá-lo válido. Se não há diferenciação entre as figuras de empregado e estagiário, se ambos trabalham em situações idênticas, o contrato de estágio se torna mero instrumento para malbaratar a mão-de-obra. (00552-2006-110-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 08.11.06)

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TREINAMENTO EM ALOJAMENTO DA EMPRESA - VÍNCULO DE EMPREGO. O período destinado ao treinamento em alojamento da empresa antes de anotada a CTPS integra o contrato de trabalho do empregado, haja vista a evidente disponibilidade e sujeição do obreiro aos desígnios do empregador. (00496-2006-033-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 18.11.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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De safra 1-

SAFRISTA. O contrato de safra é uma modalidade do contrato de trabalho por prazo determinado, conforme definição do parágrafo único do art. 14 da Lei n. 5.889, de 08.06.1973: “Considera-se contrato de safra o que tenha sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrária”. Do art. 443 da CLT infere-se que a caracterização desse tipo de contrato não depende, necessariamente, da fixação de datas certas. (00911-2005-152-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 04.07.06)

Por prazo determinado 1-

CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO - ENCERRAMENTO PARCELAS RESCISÓRIAS - ATRASO NO PAGAMENTO - MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT - CABIMENTO. Os §§ 6º e 8º do artigo 477 da CLT se aplicam também aos contratos de prazo determinado, em nada interferindo a redação do caput desse artigo, que prevê apenas a indenização para a hipótese de ruptura dos contratos de prazo indeterminado, sem afastar a aplicabilidade, nos contratos a termo, das disposições relativas ao momento de quitação das parcelas rescisórias. Embora os mencionados parágrafos estejam inseridos no artigo cujo caput trata da indenização devida nos contratos de prazo indeterminado, as suas disposições são autônomas em relação ao comando previsto no caput, já que tratam do prazo de quitação de parcelas existentes não apenas nos contratos de prazo indeterminado, não sendo suas disposições incompatíveis aos ajustes de prazo certo e para os quais o legislador não criou regra específica. Diante da falta dessa regra específica, não é razoável, data venia, o entendimento de que, nos contratos a termo, a quitação das parcelas rescisórias pode ser feita pelo empregador a qualquer tempo. Assim, com espeque na regra contida no alínea “a” do § 6º do art. 477 da CLT, findo o contrato a prazo, as parcelas resilitórias devem ser quitadas “até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato”. O pagamento das verbas rescisórias fora do prazo legal atrai a aplicação da multa insculpida no § 8º do art. 477 da CLT. (01763-2005-113-03-00-9 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 21.11.06)

Por prazo indeterminado 1-

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO - LEI N. 9.601/98 - FLEXIBILIZAÇÃO. Vigora no Direito do Trabalho o princípio da continuidade da relação de emprego e, por isso, a regra legal é o contrato por prazo indeterminado, sendo a contratação a termo uma exceção legal. Acontece que a lei (art. 1º da Lei n. 9.601/98) também prevê a possibilidade de celebração de contrato determinado para determinada categoria a ser disciplinada por norma coletiva, independentemente das condições estabelecidas no § 2º do art. 443 da CLT. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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(00441-2006-097-03-00-9 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 02.11.06) CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA 1-

CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA - EMPREGADO NÃO-SINDICALIZADO - AUTORIZAÇÃO. A cobrança da contribuição confederativa e assistencial prescinde da filiação do empregado ao sindicato de sua categoria profissional ou de seu expresso consentimento. Isso porque, se todos os trabalhadores, indistintamente, beneficiam-se das cláusulas negociadas pelo ente sindical, devem, de igual modo, contribuir para o custeio de suas atividades. Assim, se o trabalhador não exerce seu direito de resistência expressamente ressalvado nas normas coletivamente negociais, não lhe é legítimo brandir ofensa ao princípio da liberdade sindical para se eximir do pagamento das contribuições assistenciais. (01478-2003-037-03-00-8 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 28.10.06)

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA 1-

RECURSO ADEQUADO EM RAZÃO DE ACORDO hom*oLOGADO JUDICIALMENTE. Os acordos judiciais são irrecorríveis, sendo que uma vez hom*ologados segue-se a execução dos mesmos, pelo que o recurso adequado para discussão acerca das contribuições incidentes sobre acordo hom*ologado judicialmente é o agravo de petição, nos termos da alínea “a” do artigo 897 da CLT, já que a competência da Justiça do Trabalho quanto a esta matéria - fixada pelo inciso VIII do artigo 114 da CRF/1988 - diz respeito especificamente à execução. (00080-2006-073-03-00-0 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 11.08.06)

2-

ACORDO hom*oLOGADO SEM RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DEVIDA. A partir da edição da Lei n. 10.666/03 a empresa ficou obrigada a recolher a contribuição do segurado contribuinte individual (autônomos e empresários) que lhe preste serviço, conforme o disposto no caput do art. 4º do referido Diploma Legal. Nessa esteira, o prestador autônomo não pode ser considerado contribuinte individual facultativo nos termos do art. 21 da Lei n. 8.212/91, na medida em que o § 2º do art. 4º da Lei n. 10.666/03 estabelece a obrigação às pessoas jurídicas de efetuar a inscrição, no INSS, de todos os seus contratados. (01609-2005-106-03-00-9 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 25.08.06)

3-

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ACORDO JUDICIAL - INCLUSÃO DE PARCELA NÃO-POSTULADA NA PETIÇÃO INICIAL - POSSIBILIDADE. Salvo hipóteses específicas, o acordo judicial celebrado pelo extinto contrato Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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de emprego abrange não só as parcelas postuladas na petição inicial, como também todos os demais títulos oriundos do contrato, impedindo o ajuizamento de outra ação trabalhista para reivindicação de outra parcela, não postulada anteriormente, em face da coisa julgada derivada da quitação. Conseqüentemente, na conciliação então celebrada, é válida a discriminação de parcela indenizatória não pleiteada na petição inicial, pois também incluída na coisa julgada, mesmo que tal discriminação signifique, em decorrência, a não incidência de contribuição previdenciária sobre tal parcela. Aplicação da Orientação Jurisprudencial n. 32 da SBDI-I do Col. TST. (01477-2005-038-03-00-1 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06) 4-

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ACORDO POSTERIOR À SENTENÇA DE MÉRITO - EFEITOS. Liqüidada a res judicata e apurado o crédito previdenciário, devidamente hom*ologado pelo juiz da execução, não podem as partes, através de acordo posteriormente firmado entre elas, reduzir consideravelmente esse crédito, pois que lhes é dado transigir apenas em relação aos seus direitos disponíveis, não podendo restringir direito de terceiros, principalmente quando em jogo o interesse público. (00676-2004-055-03-00-7 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 22.07.06)

5-

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ADESÃO DO EXECUTADO AO REFIS - EXTINÇÃO POR NOVAÇÃO. A adesão ao Programa de Recuperação Fiscal instituído pela Lei n. 9.964, de 2000, possibilita o parcelamento junto ao INSS de débitos patronais. Assim, as pessoas jurídicas optantes têm consolidadas todas as dívidas relativas a tributos e contribuições administrativas pela Secretaria da Receita Federal e pelo INSS, constituídas ou não, ajuizadas ou a ajuizar (caput do art. 1º da legislação em comento). Através da confissão do devedor, que autorizou a inclusão no REFIS e a obtenção daquela benesse, contraiu a parte nova dívida, unificada e consolidada, para substituir a anterior. Ocorre assim a novação, forma extintiva da obrigação conforme preceitua o inciso I do artigo 360 do Código Civil e que, nos termos do inciso II do artigo 794 do CPC, extingue a execução. Inteligência da Súmula n. 25 deste Regional. (00625-2004-043-03-00-5 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06)

6-

CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS - ATUALIZAÇÃO. Ao dispor que as contribuições e outras importâncias arrecadadas pelo INSS, incluídas ou não em notificação fiscal de lançamento, pagas com atraso, objeto ou não de parcelamento, ficam sujeitas aos juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, a Lei n. 8.212/91 se refere àquelas contribuições previdenciárias incidentes sobre verbas remuneratórias pagas no curso do contrato de trabalho, e não às contribuições previdenciárias oriundas de créditos trabalhistas devidos por força de sentença judicial, situação em que se impõe a aplicação do artigo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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276 do Decreto n. 3.048/99, que determina o recolhimento do crédito previdenciário no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. (00631-2000-104-03-00-4 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 08.07.06) 7-

AUXÍLIO-DOENÇA INDEFERIDO PELO INSS - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS POR PARTE DA EMPREGADORA - REINTEGRAÇÃO. Se o auxílio-doença, que tem como efeito a suspensão do contrato de trabalho, é negado ao empregado em função da ausência de recolhimentos previdenciários a cargo da empregadora, forçoso é o reconhecimento da nulidade da dispensa, com a conseqüente reintegração do obreiro ao emprego. (00500-2006-062-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 02.11.06)

8-

AVISO PRÉVIO INDENIZADO - NÃO-INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. O fenômeno da incidência tributária (e a contribuição previdenciária o é) tem como parâmetro norteador a aferição da capacidade contributiva - § 1º do artigo 145 da Constituição da República. Daí se conclui que nenhum tributo (imposto, taxa ou contribuição) pode ter como base de cálculo verba tipicamente indenizatória, pois esta, longe de majorar a riqueza do indivíduo, destina-se tão-somente a recompor o prejuízo sofrido. Correta, portanto, a disposição do Decreto n. 3.048/99 - alínea “f” do inciso V do § 9º do artigo 214, que estabelece o Regulamento da Previdência Social. (00172-2006-068-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 24.08.06)

9-

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - BASE DE CÁLCULO - ACORDO EM EXECUÇÃO TRABALHISTA. A legislação processual autoriza que as partes transacionem em juízo, na fase de execução, quando se tratar de direitos patrimoniais disponíveis, sem que se possa falar de qualquer ofensa à coisa julgada (sendo o anterior título executivo judicial regularmente substituído pelo termo de conciliação, que terá idêntica natureza jurídica executiva, por força do parágrafo único do artigo 831 da mesma Consolidação). Se o inciso III do artigo 794 do CPC (subsidiariamente aplicável ao Processo do Trabalho, nos termos do artigo 769 consolidado) chega a admitir a pura e simples renúncia, pelo exeqüente, da totalidade de seu crédito, é evidentemente possível a transação celebrada pelos litigantes na mesma fase processual, nos termos e para os efeitos dos artigos 840 e 842 do novo Código Civil. Da mesma forma, o artigo 764 da CLT é expresso, em seu § 3º, ao dispor que “É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório”. Por outro lado, se o acessório sempre segue a sorte do principal, as contribuições previdenciárias (cujo fato gerador, nas relações de emprego, é o efetivo pagamento de valores salariais) não poderão jamais incidir sobre valores não quitados, em juízo ou fora dele. É exatamente isto, aliás, o que decorre da correta interpretação e aplicação da legislação previdenciária, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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na medida em que o artigo 28 da Lei n. 8.212/91 é expresso ao dispor que o salário-de-contribuição, sobre o qual deverão ser calculados os recolhimentos previdenciários, corresponderá ao valor salarial efetivamente recebido pelo empregado (e não sobre eventual valor superior apenas declarado em juízo como devido, mas não efetivamente recebido). Nesse mesmo diapasão, o parágrafo único do artigo 43 da mesma Lei n. 8.212/91 (na redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.620/93) dispôs, claramente, que, nos acordos em que não figurarem discriminadamente as parcelas de natureza salarial sobre as quais incidirão as contribuições previdenciárias, estas deverão ser calculadas “sobre o valor total do acordo hom*ologado” (mas nunca sobre valor superior a este, apenas porque encontrado na liquidação da sentença exeqüenda, que restou substituída para todos os efeitos de direito pela conciliação). (00487-2005-153-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) 10 -

CRÉDITO DE TERCEIRO - INTANGIBILIDADE - RES INTER ALIOS. O trânsito em julgado da decisão que reconheceu parcelas que integram o salário-de-contribuição torna o crédito previdenciário constituído juridicamente, inexistindo, quanto a ele, incerteza jurídica. Com efeito, as partes não podem ignorar a existência daquele crédito, sob o pretexto de que firmaram acordo para pagamento de valores e parcelas diversas daquelas que foram reconhecidas judicialmente. Trata-se de respeito à coisa julgada, preclusão máxima processual, que torna intangível o crédito de terceiro, não podendo ser atingido pela res inter alios, na forma do art. 844 do Código Civil. (00189-2005-152-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 26.10.06)

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DÉBITO PREVIDENCIÁRIO - INCIDÊNCIA DO ART. 185-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Comprovado que o devedor não quitou o débito previdenciário, nem apresentou bens à penhora no prazo legal, e constatado que foram esgotadas todas as tentativas de encontrar bens passíveis de constrição judicial, o juiz determinará a indisponibilidade dos bens e direitos a ele pertencentes, consoante disposição contida no art. 185-A do Código Tributário Nacional, adicionado pela Lei Complementar n. 118, de 2005. De acordo com esse dispositivo legal, o juiz estará autorizado a comunicar a aludida indisponibilidade aos órgãos e entidades que promovam registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (00681-2000-038-03-00-0 AP - 7ª T. - Red. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 18.07.06) DEVEDOR TRIBUTÁRIO - INDISPONIBILIDADE DE BENS - ARTIGO 185A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O artigo 185-A do Código Tributário Nacional não veda que se delegue ao credor a realização dos atos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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necessários a dar efetividade à decisão que ordenar a indisponibilidade de bens do executado, mormente em se tratando de atos meramente ordinatórios. E como de regra as providências da execução competem a cada uma das partes e não ao juiz, a interferência do magistrado na expedição de ofícios como posto naquela norma só tem sentido se comprovada a necessidade e a dificuldade da obtenção pelo credor de prova essencial ou de recusa em se atender à ordem judicial delegada. Nesse sentido deve-se delegar ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social: a) comunicar a decisão de indisponibilidade de bens e direitos do executado, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial; b) receber os ofícios dos órgãos e entidades para as quais realizar a comunicação informando relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido; c) requerer ao juízo, se for o caso, o levantamento da indisponibilidade dos bens e valores que excederem o limite da dívida. (00611-2004-055-03-00-1 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 14.12.06) 12 -

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADO - DIFERENÇA. A diferença da contribuição previdenciária do empregado, tendo em vista as parcelas salariais objeto da condenação, é calculada mês a mês levandose em conta a base de cálculo histórica, isto é, aquela relativa aos salários pagos oportunamente, e a nova base enriquecida pelas parcelas salariais que foram objeto da condenação, observando-se as faixas salariais e as correspondentes alíquotas próprias de cada competência, bem como o limite máximo do salário-de-contribuição, conforme as modificações contidas anualmente nas portarias ministeriais. (00016-2005-087-03-00-1 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 04.10.06)

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CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - ÉPOCA PRÓPRIA PARA PAGAMENTO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 34/35 DA LEI N. 8.212/91 C/C O § 4º DO ART. 879 DA CLT. Se a mora do executado se materializou a partir da data efetiva da constituição do crédito previdenciário, que devia ser pago na época própria, e não a partir do dia 02 (dois) do mês seguinte ao da liquidação da sentença, imperativa a condenação ao pagamento da multa e dos juros de mora na forma dos arts. 34/35 da Lei n. 8.212/91 c/c o § 4º do art. 879 da CLT, e não com base no art. 276 do Decreto n. 3.048/99. MULTA - ARTIGO 475-J DO CPC. A multa prevista no art. 475-J do CPC, com redação dada pela Lei n. 11.232/05, aplica-se ao Processo do Trabalho, pois a execução trabalhista é omissa quanto a multas e a compatibilidade de sua inserção é plena, atuando como mecanismo compensador de atualização do débito alimentar, notoriamente corrigido por mecanismos insuficientes e com taxa de juros bem menor do que a praticada no mercado. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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A oneração da parte em execução de sentença, sábia e oportunamente introduzida pelo legislador através da Lei n. 11.232/05, visa evitar argüições inúteis e protelações desnecessárias, valendo como meio de concretização da promessa constitucional do art. 5º, inciso LXXVIII, pelo qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados o tempo razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Se o legislador houve por bem cominar multa aos créditos cíveis, com muito mais razão se deve aplicá-la aos créditos alimentares, dos quais o cidadãotrabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigências da vida. A Constituição brasileira considerou o trabalho fundamento da República - art.1º, IV, e da ordem econômica - art. 170. Elevou-o ainda a primado da ordem social - art. 193. Tais valores devem ser trazidos para a vida concreta, através de medidas objetivas que tornem realidade a mensagem ética de dignificação do trabalho, quando presente nas relações jurídicas. (01574-2002-099-03-00-1 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Antônio Álvares da Silva - Publ. “MG” 16.12.06) 14 -

EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À RECEITA FEDERAL - UTILIDADE DA MEDIDA. Em tese, é permitido ao juiz, em atendimento à solicitação do credor previdenciário, encaminhar ofício para a obtenção de informações patrimoniais do executado. Porém, a expedição deve ser criteriosa, sem substituir os deveres das partes, além de útil ao fim colimado, já que ao juiz cabe indeferir diligências inúteis. Evidenciado que a autarquia previdenciária não se interessou por informação patrimonial que havia antes solicitado à Receita Federal, a ela não é lícito exigir, sem qualquer motivação, que o órgão jurisdicional busque novas informações. (00345-2002-043-03-00-5 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 26.10.06)

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CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - EXECUÇÃO - INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO EXECUTADO - APLICAÇÃO DO ART. 185-A DO CTN. A indisponibilidade de bens da executada encontra base no novo artigo 185-A do CTN, acrescentado pela LC n. 118, de 09.fev.2005. No entanto, não encontrados bens em nome desta, não há utilidade no decreto de indisponibilidade. A pretensão deduzida é de nenhum efeito prático, não havendo falar-se, ainda, em bloqueio de bens que, eventualmente, possam vir a ser adquiridos pela devedora. A diligência requerida pelo agravante revela-se inócua, em face da atual inexistência de bens de propriedade da ré e seus sócios. Oportuno ressaltar que não se está negando a aplicação do dispositivo legal contido no art. 185-A do CTN, mas apenas se valendo do princípio da utilidade dos atos processuais, para indeferir a prática de diligência inútil. Caso, no futuro, a autarquia federal localize bens da empresa executada, aí, sim, será o momento processual propício a formular o seu requerimento, que se mostrou prematuro, pois não há como vindicar que o juiz declare a indisponibilidade de bens inexistentes. (00615-2002-055-03-00-8 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 19.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - EXECUÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO - RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. Esta Justiça é incompetente para executar contribuições sociais decorrentes de reconhecimento de vínculo empregatício sem que tenha havido qualquer pagamento, mas mera anotação em CTPS. A implementação da regra constitucional sobre a execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho rege-se pelas disposições do art. 43 da Lei n. 8.212/91, que tem como fato gerador o “pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária”. O reconhecimento da relação empregatícia significa ou se equipara a provimento declaratório, não condenatório, do qual não emana pagamento algum, e, conseqüentemente, não autoriza a cobrança de contribuição previdenciária na órbita do processo trabalhista. (00201-1997-052-03-00-1 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 13.07.06)

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CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - FATO GERADOR. O caput do artigo 276 do Decreto n. 3.048/99 é claro ao dispor que “Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência da contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação de sentença”. Logo, o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do valor reconhecido judicialmente ao empregado. Somente a partir da decisão hom*ologatória da conta de liquidação é que o crédito previdenciário pode ser executado, tornando-se determinado e definitivo. O direito sobre o qual se fundam os recolhimentos previdenciários, portanto, só veio a ser constituído mediante sentença judicial ilíquida, nascendo a partir de sua liquidação o fato gerador. É o que se depreende, também, do disposto nos artigos 43 e 44 da Lei n. 8.212/91, sendo incorreto pretender fazer incidir os respectivos encargos moratórios e multas a partir da prestação do trabalho nas hipóteses em que os direitos resultam de ações trabalhistas. (00110-2002-099-03-00-8 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 08.12.06) CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - PARCELAS TRABALHISTAS RECONHECIDAS EM JUÍZO - FATO GERADOR DO TRIBUTO. Via de regra, na relação de trabalho, o crédito previdenciário tem como hipótese de incidência o efetivo pagamento da remuneração (Lei n. 8.212/91, artigo 28). No entanto, por ficção, a norma pode atribuir a determinada situação jurídica os efeitos normalmente conferidos a circunstâncias concretas do fato gerador, como preconiza o inciso II do artigo 116 do CTN, sendo o que acontece quando o crédito trabalhista é vindicado em juízo. Nesse caso, o fato gerador é identificado pela regra do artigo 43 da Lei n. 8.212/91, como sendo a prolação de decisão em ações trabalhistas de que resultem pagamentos de direitos sujeitos ao tributo. (01047-2005-002-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 18.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ACORDO - RECOLHIMENTO PREVIDENCIÁRIO SOBRE O FGTS (+ 40%) NÃO-DEPOSITADO. Se as partes discriminam as parcelas componentes do acordo, todas de natureza salarial, sem prova, todavia, de que se utilizaram do acordo com o intuito de se evadir do fisco, não se há de falar que a contribuição previdenciária deva ser apurada sobre o FGTS (mais 40%) apenas pelo fato de não haver no acordo previsão de depósito do fundo de garantia na conta vinculada do reclamante. O não-atendimento desta formalidade prevista no § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036/90 não tem o condão de transformar essa verba indenizatória em salarial, não havendo disposição legal que assim determine. (00024-2005-138-03-40-0 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 24.08.06)

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CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. Não é todo pagamento que se faz ao empregado que sofre incidência das contribuições previdenciárias, mas somente aquele que a norma legal capta como de natureza contributiva. Não pode, assim, a Previdência Social tomar como suposto de incidência contributiva o conteúdo da transação pela inicial ou pela defesa, pois o acordo com elas não mantém vínculo, mas resulta, exclusivamente, de ato das partes. A conciliação nesta Justiça Especializada é privilegiada e incentivada pelo legislador, como objetivo maior nas lides trabalhistas (art. 764 da CLT). (00265-2005-082-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 19.12.06)

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ACORDO - INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. Constatado nos autos que o acordo celebrado em juízo pelas partes abrangeu o pagamento de parcelas de natureza indenizatória, devidamente discriminadas, não se há de cogitar do recolhimento de contribuição previdenciária, ainda que o autor tenha formulado na inicial pedido de pagamento de verbas de cunho salarial. O ajuste resulta da transação entre as partes, o que implica a existência de concessões mútuas. Estando a conciliação desvinculada dos fatos articulados na inicial, ela não tem que abranger necessariamente os pedidos ali formulados. Logo, não há motivo para o INSS pretender a incidência da contribuição previdenciária sobre o valor total do acordo. (00257-2006-047-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06)

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ACORDO hom*oLOGADO EM JUÍZO - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. Mesmo no processo de execução, as partes são livres para transigir e fazer concessões recíprocas (artigo 840 do Código Civil), não havendo nenhuma obrigatoriedade no sentido de que, no acordo, a proporção entre as verbas salariais e indenizatórias se mantenha inalterada, em cotejo com a sentença. (01735-2005-042-03-00-9 AP - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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22 -

ACORDO JUDICIAL - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO - TRABALHADOR DOMÉSTICO. Em não havendo reconhecimento de vínculo empregatício, é devida pelas empresas e pelo contribuinte a elas equiparado contribuição previdenciária no importe de 20% sobre o valor do ajuste, a teor do disposto no art. 195, I, “a”, da Carta Magna, parágrafo único, I, do art. 195, do Decreto n. 3.048/99 e art. 22, inciso III, da Lei n. 8.212/91, mas em se tratando de trabalhador doméstico e tendo o acordo versado sobre a extinta relação jurídica, não se há de falar em incidência de contribuição sobre o valor pactuado, por ausência de previsão legal. (00661-2003-077-03-00-5 AP - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 02.09.06)

23 -

AGRAVO DE PETIÇÃO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - “OPÇÃO PELO SIMPLES”. Comprovado que a reclamada é participante do SIMPLES, não há a incidência da contribuição previdenciária do empregador no cálculo de liquidação, porquanto o empregador está isento do recolhimento isolado das contribuições previdenciárias a seu cargo, pois esse tributo já se encontra calculado para pagamento unificado, consoante o § 1º do artigo 3º da Lei n. 9.317/96, mediante a aplicação sobre a receita bruta mensal auferida (artigo 5º da Lei n. 9.317/96). (01624-2005-108-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 15.12.06)

24 -

EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PARCELADA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. Como o parcelamento do débito previdenciário, em que se dá a consolidação de toda a dívida, implica novação, constituindo obrigação que extingue a anterior, irretratável confissão de dívida que, não sendo honrada, no todo ou em parte, importa em execução autônoma da dívida confessada. Portanto, aquilo que era dívida previdenciária derivada de condenação pecuniária de parcelas de natureza contraprestativa moldadas à exigibilidade trabalhista deixa de existir, porque, ao se promover aquele parcelamento, forma-se dívida fiscal (incluindo a parafiscal) como título autônomo, e este é o que, em situação de inadimplemento, apresenta-se como passível de imediata execução, porém, não mais no juízo trabalhista. (00074-1996-047-03-00-4 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 12.10.06)

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DÉBITO PREVIDENCIÁRIO - PARCELAMENTO - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. Constitui hipótese de suspensão da execução, nos termos do § 1º do art. 889-A da CLT, o parcelamento do débito previdenciário, eis que, em caso de descumprimento da avença pelo executado, o resultado na prática é o prosseguimento da execução e não sua extinção nesta Especializada. (00493-2003-043-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Carlos Humberto Pinto Viana - Publ. “MG” 05.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - RECOLHIMENTO DECORRENTE DE OBRIGAÇÃO IMPOSTA POR DECISÃO JUDICIAL - CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA - CÔMPUTO DE JUROS E MULTA. Somente após o trânsito em julgado da sentença proferida em reclamatória trabalhista e, ainda, após a decisão hom*ologatória do cálculo de liquidação, é que se pode cogitar da incidência de juros e multa, tornando-se também de todo imprescindível a intimação do executado para efeito de realização do recolhimento respectivo. Assim, intimado o executado para que efetue o recolhimento previdenciário, esse deverá ser efetivado até o dia 02 do mês subseqüente. Ultrapassado tal prazo, o devedor será constituído em mora, sendo cabível, a partir daí, o cômputo dos juros e da multa. (01143-2004-113-03-41-6 AP - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 02.11.06)

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CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - REMUNERAÇÃO QUITADA AO RECLAMANTE DURANTE TODO O PERÍODO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. A competência desta Justiça Especial para a execução de contribuições previdenciárias limita-se somente às parcelas salariais objeto de condenação nos autos ou de acordo judicial. A remuneração quitada ao reclamante durante a prestação de serviços trata-se de matéria relacionada à constituição do crédito tributário. Se houve prestação de serviços, ainda que a título diverso do vínculo de emprego, ocorreu a incidência tributária, sendo que o tributo já deveria ter sido recolhido, ainda que sob outra forma. Logo, a questão restringe-se ao âmbito da fiscalização por parte do órgão previdenciário e retificação do pagamento, escapando, assim, da competência desta Justiça do Trabalho a execução das referidas contribuições. (00635-1995-052-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 04.07.06)

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RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS - RESPONSABILIDADE DE CADA PARTE - COTAS RESPECTIVAS. Inexiste fundamento legal para atribuir ao empregador a obrigação de assumir integralmente os recolhimentos previdenciários do ex-empregado. A inexistência de recolhimentos oportunos não isenta o reclamante dos descontos legais, que deverão incidir na época da satisfação do seu crédito. As contribuições previdenciárias abrangem duas cotas: a do empregado, dedutível do crédito trabalhista, e a do empregador. Os encargos sociais incidentes sobre o crédito trabalhista devem ser suportados também por quem o recebe, não podendo ser transferidos ao devedor. (01640-2004-032-03-00-7 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 13.07.06)

29 -

PAGAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS RESPONSABILIDADE DO TOMADOR DOS SERVIÇOS. No caso de inadimplemento da devedora principal, a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços pelo cumprimento do acordo judicial (obrigação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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principal) abrange também o pagamento das contribuições previdenciárias sobre ele incidentes (obrigação acessória), porquanto o crédito previdenciário é acessório ao crédito trabalhista, sendo aplicável, na espécie, a regra de que o acessório segue o principal, nos termos do art. 92 do Código Civil, aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, ex vi do parágrafo único do art. 8º da CLT. O art. 31 da Lei n. 8.212/91, pela redação que lhe foi dada pela Lei n. 9.711/98, também determina a responsabilidade direta da empresa contratante de mão-de-obra terceirizada (tomadora dos serviços) pelo recolhimento da cota previdenciária dos trabalhadores que lhe prestam serviços. (00313-2005-020-03-00-9 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 07.10.06) 30 -

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - TRABALHO AUTÔNOMO DOMÉSTICO - HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA - INEXISTÊNCIA. A despeito de a Emenda Constitucional n. 20/98 ter atribuído à Justiça do Trabalho competência para executar as contribuições de que trata a alínea “a” do inciso I do art. 195 da Constituição da República, incluindo, dessarte, as decorrentes de prestação de trabalho autônomo, tomadas por empresa ou “entidade a ela equiparada na forma da lei”, essa norma constitucional de eficácia contida e, portanto, passível de restrição pelo processo legislativo ordinário, foi regulamentada pela Lei n. 9.876/99, que alterou o art. 15 do Plano de Custeio da Previdência Social, equiparando a empresas o contribuinte individual em relação ao segurado que lhe presta serviço. Não sendo o tomador dos serviços domésticos contribuinte individual, pois não exerce atividade laboral remunerada, não há hipótese de incidência do tributo sobre o trabalho autônomo doméstico. (01026-2005-135-03-40-8 RO - 8ª T. - Red. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 26.08.06)

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL 1-

AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - SINDECOFE E CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. O SINDECOFE é o legítimo representante dos empregados do Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais, conforme certidão emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que comprova o registro da alteração dos estatutos sindicais naquele Órgão. Por outro lado, ainda que se considere o referido Conselho uma autarquia, ele é entidade sui generis, possuindo forma atípica, porém seus empregados são incontestavelmente regidos pela CLT. Dessa forma, a ele se aplicam todas as normas estabelecidas na CLT, inclusive a contribuição sindical do art. 578, que não excepciona os empregados de entidades sem fins lucrativos. (00388-2006-114-03-00-7 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 22.09.06)

2-

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - COBRANÇA - PRIVILÉGIOS DA FAZENDA Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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NACIONAL. O art. 606 da CLT foi revogado pela Constituição da República de 1988, na medida em que se vedaram no inciso I do art. 8º “...ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”. Daí, não se pode mais condicionar a cobrança das contribuições sindicais à expedição pelas autoridades regionais do Ministério do Trabalho de título de dívida (caput). Não é sem sentido que a cobrança agora feita decorre exclusivamente de emissão de documento pelo próprio sindicato, firmado, exatamente, em sua total autonomia sindical. Desta feita, o privilégio posto no § 2º do art. 606, “os ... da Fazenda Pública, para a cobrança da dívida ativa”, também não tem razão de ser, afinal, quando se tem por revogado o caput de uma norma, igual destino cabe aos seus parágrafos. O artigo 606 e seus §§ da CLT tinham razão de ser, enquanto se sustentou, até a Constituição da República de 1988, que a natureza jurídica dos sindicatos era de entidade paraestatal (daí se aduzir em certidão de dívida e privilégios da Fazenda), fixada a sua autonomia privada; não se há de lhe assegurar, ainda, aqueles privilégios. (00616-2006-152-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 26.10.06) 3-

CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS - COBRANÇA - REPRESENTATIVIDADE DA ENTIDADE SINDICAL. A regra geral é que o enquadramento sindical do empregado seja determinado pela atividade preponderante da empresa, pois a cada categoria profissional de empregados corresponde uma atividade econômica do empregador. A exceção diz respeito aos empregados pertencentes às categorias diferenciadas, conforme dispõe o § 3º do art. 511 da CLT. Nesse diapasão, não viola o princípio da unicidade sindical a criação de novo sindicato afeto à atividade preponderante da empresa e que representa especificamente os empregados de determinada categoria profissional. (01471-2005-017-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 01.07.06)

4-

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PREVISTA NO ART. 578 DA CLT CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA - DESNECESSIDADE. A CLT estipula o valor e a época do recolhimento da contribuição sindical nos artigos 580 e 582. Trata-se, portanto, de obrigação positiva e líquida que, vencido o termo para seu pagamento, constitui de pleno direito o devedor em mora. Inteligência do art. 397 do novo CCb (antigo art. 960). É a regra dies interpellat pro homine, sendo desnecessário falar-se em notificação para pagamento, ou considerar a citação da ação como constituição em mora. (00118-2006-054-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 01.11.06)

5-

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - EXIGIBILIDADE. Por força do disposto no art. 578 e seguintes da CLT, a contribuição sindical incide compulsoriamente sobre todos os trabalhadores que integram uma Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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categoria profissional, sindicalizados ou não, estando sua cobrança autorizada pela Carta Magna de 1988 (art. 8º, inciso IV). Diante disso, não socorre os autores a tese de inexigibilidade de tal contribuição em face de o empregador ser ente integrante da Administração Pública indireta e não poder realizar negociação coletiva com o sindicato profissional. A principal função (e prerrogativa) dos sindicatos é a de representação, no sentido amplo, de suas bases trabalhistas. O sindicato organiza-se para falar e agir em nome de sua categoria; para defender seus interesses no plano da relação de trabalho e, até mesmo, em plano social mais largo. Essa função representativa, lato sensu, abrange inúmeras dimensões, não se restringindo à atividade negocial. Além da função representativa, o sindicato desempenha ainda as funções assistencial, econômica e política. E para o exercício de seu mister conta, para o custeio das despesas decorrentes, com as contribuições devidas pelos representados, principal fonte de obtenção de recursos. (01774-2006-140-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 01.12.06) 6-

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - NATUREZA JURÍDICA - PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. À contribuição sindical, de natureza induvidosamente tributária, instituída por lei (artigo 578 da CLT) ainda que de indiscutível parafiscalidade, é aplicável, no que diz respeito ao seu procedimento de cobrança, o Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/1966). Portanto, o prazo de prescrição é aquele previsto no artigo 174 do CTN. Todavia, não constituído o crédito referente à contribuição, ou seja, não notificada a cobrança ao contribuinte, opera-se a decadência tributária, também qüinqüenal, na forma do inciso I do art. 173 do CTN, em relação às contribuições referentes aos exercícios anteriores ao qüinqüênio. (00203-2006-136-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 26.08.06)

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CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PATRONAL - EMPRESAS OPTANTES PELO SIMPLES - DISPENSA DE RECOLHIMENTO. Sendo a empresa reclamada optante do regime tributário SIMPLES, não se há de falar em obrigatoriedade de recolhimento da contribuição sindical patronal, em virtude do pagamento de tributos de modo unificado (Lei n. 9.317/96), além da dispensa expressamente conferida pelo § 8º do art. 5º da Instrução Normativa n. 608/ 2006, editada pela Receita Federal. (00468-2006-024-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Antônio Álvares da Silva - Publ. “MG” 18.11.06)

8-

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - PUBLICAÇÃO DE EDITAIS EM JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO - DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO - IMPOSSIBILIDADE - ART. 605 DA CLT. A publicação dos editais referidos no art. 605 da CLT, para tornar pública a obrigação do recolhimento do imposto sindical, há que ser feita em jornais de grande circulação local, não atendendo a esse requisito a publicação no DOU (Diário Oficial da União), que tem público Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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restrito, ou em jornais de cidade vizinha, porque o objetivo do legislador é fazer com que a comunicação chegue até o seu público alvo. A publicação no DOU (Diário Oficial da União) somente se justifica se não houver, na localidade, outros jornais de maior circulação. Recurso a que se nega provimento. (00722-2006-152-03-00-9 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 05.10.06) 9-

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - LEGITIMIDADE PARA RECEBIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - REGISTRO. No que concerne ao reconhecimento da personalidade sindical, o registro no Ministério do Trabalho e Emprego é indispensável para a vigência da regra da unicidade. Não basta que se proceda ao registro em Cartório de Registro Civil, até mesmo porque estes cartórios não têm arquivos com estatutos das entidades sindicais como o Ministério do Trabalho. Se não há demonstração, pela entidade sindical, de ter sido realizado o mencionado registro, não se há de falar em sua legitimidade para o recebimento das contribuições sindicais consignadas. (01273-2005-107-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 18.11.06)

10 -

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - REGISTRO PROVISÓRIO. O sindicato só pode representar a categoria a que se destina a partir do respectivo registro definitivo no Ministério do Trabalho e Emprego, sendo que somente a partir de então poderá ser considerado credor das contribuições sindicais respectivas. Assim, o registro provisório concedido através de decisão judicial não transitada em julgado não confere ao sindicato recorrente a representatividade dos empregados da consignante. (00227-2005-071-03-00-9 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 05.08.06)

11 -

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. A Lei n. 9.393/96, em seu art. 17, conferiu à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil a possibilidade de celebrar convênios com a Receita Federal a fim de obter dados cadastrais de imóveis rurais e efetuar a cobrança das contribuições sindicais a ela devidas. Diante desse dispositivo legal, inarredável a legitimidade da recorrida para efetuar tal cobrança. (00114-2006-025-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 31.08.06)

12 -

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - TITULARIDADE DO CRÉDITO NECESSIDADE DE REGISTRO JUNTO AO MINISTÉRIO DO TRABALHO. A titularidade do crédito e da cobrança da contribuição sindical referida na parte final do inciso IV do artigo 8º da Constituição da República pertence às entidades sindicais representativas da categoria econômica ou profissional na respectiva base territorial de atuação, afigurando-se prevalente o entendimento de ser necessária a exigência do registro no Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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órgão competente, ou seja, Ministério do Trabalho e Emprego, não havendo razão para excluí-lo antes que a lei indique outro órgão para assumir o encargo. Portanto, é necessária, para se definir a legitimação do credor da contribuição sindical, a sua regularidade junto àquele órgão ministerial. Assim, em caso de criação de novo sindicato representante da categoria profissional, como na hipótese sub judice, sem o necessário registro perante o órgão competente, considera-se como legítimo representante para receber o repasse de contribuição aquele ente sindical que conta com o competente registro perante o órgão do Ministério do Trabalho e Emprego. (00697-2005-071-03-00-2 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 19.07.06) COOPERATIVA 1-

COOPERATIVA DE MOTOQUEIROS - SERVIÇO DE ENTREGA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO COM O TOMADOR - AUTO DE INFRAÇÃO DECLARADO NULO. A observância a alguns procedimentos impostos pelo tomador dos serviços não configura a subordinação caracterizadora da relação de emprego, mas tão-somente o cumprimento dos ajustes feitos com o prestador dos serviços contratados. Não se pode pretender que o tomador não tenha um mínimo de gestão na forma como o serviço terceirizado é feito, uma vez que é seu direito impor condições para sua prestação com qualidade e eficiência, o que não significa poder potestativo do empregador. O repasse do serviço da entrega a motoqueiros cooperados, a indicação do produto a ser transportado e respectivo local não podem ser considerados como atos de empregador. Não se pode querer deixar ao alvedrio do motoqueiro o que ele vai transportar (qual alimento), quando vai transportar ou a quem vai entregar. Auto de infração declarado nulo em razão da situação fática nele narrada. (01664-2005-010-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 21.10.06)

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COOPERATIVA - FRAUDE. A Constituição de 1988, ao incentivar o cooperativismo (art. 174, § 2º), não o fez de forma a excluir a proteção conferida ao trabalho, nos vários dispositivos que lhe são destinados (arts. 1º, IV, 6º, 170, caput, e 193). É certo que o parágrafo único do art. 442 da CLT exclui a existência de vínculo empregatício entre o cooperado e a cooperativa. Contudo, esta norma não escapa à disposição do art. 9º da CLT, ou seja, para que a contratação através de cooperativa seja válida é necessário que estejam presentes as características inerentes ao cooperativismo previstas no art. 4º da Lei n. 5.764/71, e ausente a conjugação dos pressupostos inerentes ao vínculo de emprego, previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Tudo isto em reverência ao princípio da primazia da realidade sobre a forma, cânone do Direito do Trabalho, que se destina de forma precípua à proteção do hipossuficiente na relação. (01366-2005-019-03-00-7 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 08.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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COOPERATIVA - INTERMEDIAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA - VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS. À luz do artigo 4º da Lei n. 5.764/71, o objetivo social da cooperativa é prestar serviços aos associados, ou seja, o filiado é cooperado e, ao mesmo tempo, cliente (princípio da dupla qualidade). Isto significa que não se concebe a existência de cooperativa que coloque à disposição de terceiros a força de trabalho de seus associados. Noutras palavras: não se admite a existência de cooperativa locadora de mão-de-obra, ou que a arregimenta, para terceiros. Portanto, quando tal ocorre - como, in casu -, o vínculo de emprego formase com a tomadora dos serviços. (00662-2006-055-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 15.12.06) D DANO MORAL 1-

AÇÃO CRIMINAL - ABSOLVIÇÃO - DANO MORAL - INDENIZAÇÃO. A toda pessoa é dado o direito de acionar o Poder Judiciário, quando entender que o seu patrimônio, seja ele material ou moral, esteja ameaçado, mas deve arcar com as conseqüências do seu ato, ressarcindo o prejuízo que causar ao acusado, se houver improcedência da sua pretensão, com acusação que traz transtorno à consciência do ofendido. É que, pelo princípio da instrumentalidade, não pode alguém fazer uso indevido do processo - ou, ainda que seja devido -, em acusação criminal contra quem quer que seja. Notadamente, o empregado, que tem posição de inferioridade e de submissão ao empregador, mais forte economicamente e que tem todos os aparatos jurídicos para lhe dar orientação a respeito da sua atitude. Como conseqüência disto, o ajuizamento de ação criminal, ou de qualquer outra ação, se for considerada injusta pelo julgador, constitui ato ilícito, capaz de gerar indenização por danos. Aliás, qualquer ação - ou qualquer atitude, seja na área judicial ou administrativa, ou, mesmo, entre particulares - de uma pessoa contra outra, de forma indevida, acarreta transtorno psicológico, causando preocupação do acusado em relação à expectativa que pode ter sobre o desfecho do incômodo, tendo o trabalho, não somente físico, mas também mental, de buscar subsídios para a sua defesa e até mesmo contratar profissionais para o acompanhamento do processo, permanecendo inseguro e atormentado, até o desfecho final e, ainda assim, quando a decisão não comportar mais recurso. E, depois de tudo, permanece a seqüela da lembrança do risco corrido pela vítima pelo ato irresponsável do agente causador deste incômodo, lembrança que costuma não desaparecer da memória da pessoa de bem que passou por tais constrangimentos perante as autoridades policial e judicial. O constrangimento é total e deve ser coibido, se se quiser ter uma sociedade justa e que os cidadãos tenham uma relação pacífica. (00166-2006-049-03-00-0 RO - 3ª T. - Red. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 01.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - NÃO-CONFIGURAÇÃO DE DANOS MORAIS. Ao ajuizar a ação de consignação em pagamento, o empregador está apenas exercendo a prerrogativa que a lei lhe confere de - havendo recusa do credor em receber o que lhe é de direito - depositar em juízo os valores respectivos. Na seara trabalhista este procedimento tem o escopo, também, de evitar a aplicação da multa do artigo 477 da CLT, referente ao atraso no pagamento das verbas rescisórias, o que traduz grande vantagem para o empregador que se veja prejudicado pela mora accipiendi. Nada mais. (00774-2006-139-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 30.09.06)

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ASSALTO - MORTE DE EMPREGADO - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. Agressão sofrida em assalto durante a prestação de serviço, que redundou em óbito do obreiro, afasta a responsabilidade patronal por indenização por danos materiais, quando comprovado à saciedade, nos autos, que o dolo ou a culpa pelo ato ignominioso perpetrado foi oriundo de único e exclusivo fato de terceiros (meliantes), alheios à relação contratual de emprego. Recurso a que se nega provimento. (00073-2005-147-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 18.11.06)

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO MORAL COLETIVO - CONFIGURAÇÃO. A prática de atos que violam direitos fundamentais dos trabalhadores afeta a sociedade, haja vista ser do interesse de todos a observância das garantias legais para a realização do trabalho, sendo certo que o desrespeito aos valores, tão fundamentais, desencadeia um sentimento coletivo de indignação e repulsa, caracterizando-se ofensa à moral social. De fato, a valorização e a proteção ao trabalho devem nortear as relações entre empregados e empregadores, sendo importante para a sociedade a preservação de tais princípios. Não restam dúvidas de que o pedido de indenização por dano moral em decorrência da violação aos direitos coletivos e difusos encontra suporte na legislação pátria, haja vista o inciso X do artigo 5º da CRF de 1988, bem como os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, sendo certo que o patrimônio moral da sociedade, assim como o do indivíduo devem ser preservados, oferecendo-se à coletividade compensação pelo dano sofrido. Portanto, comprovada a ocorrência de dano, em virtude de ato da empresa, há que se deferir a indenização postulada. (01488-2005-067-03-00-7 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 19.08.06)

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AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DO CONTRATO DE TRABALHO - PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. Em se tratando de pedido de dano moral decorrente da relação de trabalho, formulado em reclamação trabalhista proposta perante esta Justiça Especializada após a Emenda Constitucional n. 45/2004, eventuais créditos indenizatórios dele Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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advindos devem sujeitar-se às regras e princípios próprios do Direito do Trabalho, inclusive os que fixam o prazo prescricional de 2 anos contados da extinção do contrato de trabalho (CF, art. 7º, inciso XXIX e CLT, art. 11). E como este, no caso, encontra-se suspenso em virtude de aposentadoria por invalidez, impõe-se concluir que o prazo prescricional não flui em razão da existência de condição suspensiva (inciso I do art. 170 do Código Civil de 1916 e inciso I do art. 199 do Código de 2002), donde a necessidade de reforma da sentença que extinguiu o feito, com resolução do mérito, nos termos do inciso IV do art. 269 do CPC. Recurso da reclamante a que se dá provimento. (00494-2006-079-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 15.12.06) 6-

DANO À IMAGEM - INFORMATIVO SINDICAL - LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO - DIREITO DE RESPOSTA. Se impossível é o exercício do direito de resposta, porque o seu uso importa em atender à provocação do ofensor, não viola o princípio da livre manifestação do pensamento a ordem judicial que determina se abstenha o ofensor de publicar em seus informativos palavras e expressões que importem em injúria e difamação da imagem do ofendido. Aos dois princípios constitucionais há que se dar harmonia e esta não se alcança com a prevalência da manifestação do pensamento de forma abusiva. (00134-2006-109-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 17.08.06)

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DISPENSA IMOTIVADA DE VÁRIOS EMPREGADOS - SUSPEITA - ATOS DE IMPROBIDADE - INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO E DE OFENSA MORAL. Não caracteriza abuso de direito o fato de a empregadora dispensar imotivadamente diversos empregados assim que teve conhecimento de que estava sendo vítima de atos ilícitos praticados por funcionário(s). Com efeito, ao dispensar todos os empregados que trabalhavam no setor em que foram verificadas as irregularidades caracterizadoras, a princípio, de ato criminoso contra seu patrimônio, a ré apenas utilizou-se de uma prerrogativa que lhe é assegurada e que não é capaz de gerar a nenhum daqueles empregados dispensados qualquer ofensa de ordem moral: a rescisão contratual imotivada. Não tendo sido acusada a reclamante, não pode ser afirmado que a empregadora, com tal atitude, atribuiu-lhe a pecha da desonestidade, pois não há nenhum elemento nos autos que autorize esta conclusão. (01331-2005-043-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 07.09.06)

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INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - FOTOMONTAGEM p*rnOGRÁFICA. Se a imagem da reclamante foi vilipendiada na montagem de uma fotografia p*rnográfica, a qual consistia na inserção do seu rosto no corpo de uma mulher despida, obra de autoria do empregado encarregado do Departamento de Pessoal das reclamadas, é inegável a existência de nexo de causalidade entre o contrato de trabalho subordinado e o ato do qual Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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deriva o dano à imagem da autora, que ocorreu em razão do contrato de trabalho e no local da prestação de serviços. Ou seja, o fato teve origem e fim na relação de emprego, com a utilização dos equipamentos das reclamadas (computadores, correio eletrônico, etc.). O dano à imagem e à honra da reclamante é também incontestável, sabendo-se que, no mínimo, três empregados das rés tiveram acesso à fotomontagem p*rnográfica denegridora de sua imagem na empresa e, em sentido amplo, na sociedade. Finalmente, tem-se igualmente provado o requisito culpa das reclamadas. É obrigação do empregador zelar pela higidez do ambiente de trabalho. As reclamadas tinham ciência das fotomontagens e nada fizeram para coibir esta prática nociva no local de trabalho. Não podem, assim, simplesmente alegar que não autorizaram o uso de seus equipamentos ou que não tinham conhecimento dos fatos, porque as alegações não encontram sustentação no conjunto probatório. Logo, ao permitirem, sem punição ou controle, a prática de fotomontagens, inclusive pelo seu responsável pelo Departamento de Pessoal, devem agora as rés suportar a quitação da indenização postulada na inicial, porque na qualidade de empregadoras assumem os riscos da atividade econômica (caput do artigo 2º da CLT). Além do mais, o dano à imagem e à honra da autora foi praticado por um empregado no exercício do trabalho e em razão dele, devendo as empresas responder pela reparação civil (inciso III do artigo 932 do CCb), como corolário da incidência à lide da teoria subjetiva tratada nos artigos 186 e 927, caput, do CCb. (00188-2006-038-03-00-6 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 28.10.06) 9-

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRESCRIÇÃO. O direito à indenização por ato doloso ou culposo do empregador decorrente da relação de trabalho (inciso VI do art. 114 da CF) não se amolda dentre os direitos creditícios estabelecidos pelo inciso XXIX do art. 7º constitucional, que estabelece prazo prescricional de 5 (cinco) anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho. Logo, considerando que a prescrição, embora possua repercussão processual, é um instituto de direito material, em se tratando de matéria disciplinada pelo Direito Civil, de ordinário, deve ser aplicada aquela prevista na legislação civil. Assim avalia-se o transcurso do prazo prescricional pelo exame do art. 205 do CC/2002, que estabelece a regra geral de 10 anos ou a do art. 177 do CC/1916, de 20 anos, conforme resultar da aplicação daquela de transição do art. 2028 do “Codex” Civil. Isto porque inexiste no mesmo diploma norma específica tratando de prazo prescricional para fins de compensação (indenização) por ofensas morais decorrentes da relação de trabalho, para fins de retorno do ofendido ao seu estado anterior. (00853-2006-138-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 13.12.06) PRESCRIÇÃO APLICÁVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Observada a natureza civil do pedido de reparação por danos morais, podese concluir que a indenização deferida a tal título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do Trabalho não constitui crédito trabalhista, mas crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim, ainda que justificada a competência desta Especializada para processar a lide, não resulta daí, automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstância de o fato gerador do crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na esfera da honra e da imagem do indivíduo, transcendendo os limites da condição de trabalhador do ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 177 do Código Civil de 1916, em observância ao art. 2.028 do novo Código Civil brasileiro, e não o previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal. (00789-2006-023-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.12.06) 10 -

AÇÃO TRABALHISTA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - AUSÊNCIA DE PROVA DE REGULAR CONSTITUIÇÃO DA EMPRESA EMPREGADORA - LEGITIMIDADE PASSIVA DO ALEGADO PROPRIETÁRIO. Na ação trabalhista de indenização por dano moral, em que não é juntada aos autos prova documental bastante acerca da regular constituição da pessoa jurídica empregadora, não há obstáculo a que se reconheça a legitimidade passiva do alegado proprietário, ainda mais quando ele comparece a juízo sem opor sua própria ilegitimidade. (00206-2006-060-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 19.07.06)

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DANO MORAL X RESCISÃO CONTRATUAL. Não há a menor sombra de dúvidas de que o ato de rescindir o contrato de trabalho faz parte da capacidade potestativa do empregador, não acarretando lesão à honra, à imagem ou à moral do trabalhador, cabendo apenas à Justiça do Trabalho, em caso de falta de motivação justa para o ato demissionário, reverter a situação para fins de ressarcimento ao empregado pela despedida. Entretanto, há de se considerar o fato de que acusar o empregado da prática de ato de improbidade, diante de seus colegas, frente aos olhares atentos da clientela e sob presença vigilante e coatora de policial militar, não é uma boa medida gerencial, pois produz efeitos negativos de maior amplitude no meio social, levando à “condenação antecipada” daquele a quem é atribuída a autoria do fato. Isso, porque entre pessoas leigas, sobretudo aquelas menos esclarecidas, não se aplica a máxima de que “todos são inocentes até prova em contrário”. Em face disso, o empregador deve agir com extrema cautela e nos limites do seu poder disciplinar. (00579-2006-035-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 15.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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PROTEÇÃO À INTIMIDADE DO EMPREGADO - REVISTA - VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INTIMIDADE DA PESSOA - DANO MORAL. A imposição pelo empregador, ainda que sob a forma de ajuste com o empregado, de que este último se submeta a revistas em decorrência da natureza do trabalho por ele desenvolvido na empresa encontra limites no respeito à dignidade da pessoa, consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil. A atividade de manuseio e transporte de valores de terceiro deve ser exercida com seriedade pela empresa, mas isso não resulta no direito de submeter seus empregados à revista diária incompatível com os valores da dignidade da pessoa e submissão a situações vexatórias ou nitidamente constrangedoras. O excesso do empregador resulta em ofensa aos valores íntimos e personalíssimos do empregado, dando azo à configuração do dano moral e, por conseguinte, à responsabilidade pela reparação deste, como forma inibitória da prática de tais atos. (01373-2005-022-03-00-1 RO - 2ª T. - Red. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 24.11.06)

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AGRAVO DE PETIÇÃO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - SEGURO FIXAÇÃO DO VALOR. Não se pode reconhecer o mesmo valor do benefício devido pelas seguradoras para a indenização por dano material, cujo comando exeqüendo determinou a apuração em execução utilizando como parâmetro os artigos 949 e 951 do Código Civil. Não obstante no âmbito da responsabilidade civil inexistir tabelas ou quadros com parâmetros oficiais para se fixar o valor da indenização, a regulamentação própria dos seguros privados somente pode ser aplicada por analogia, e desde que feitas as adequações pertinentes, pois se trata de parcelas com pressupostos que as informam diferenciados. (01703-2001-032-03-00-2 AP - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 28.07.06)

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA 1-

DECISÃO DE CARÁTER INTERLOCUTÓRIO - IRRECORRIBILIDADE. Conquanto a alínea “a” do art. 897 da CLT admita que nas execuções a parte interponha agravo de petição das decisões do juiz ou presidente, esse dispositivo deve ser aplicado sem desprezo do disposto no § 1º do art. 893 da CLT, que estabelece a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias. O despacho que simplesmente indefere o bloqueio on-line das contas bancárias dos sócios da executada, quando a execução encontrase integralmente garantida com a penhora efetivada sobre bens da devedora, apenas resolve questão incidente sem pôr termo ao processo de execução, impulsionando este para a etapa seguinte, de realização da hasta pública dos bens penhorados. Dessarte, o agravo de petição é remédio processual inadmissível quando se trate de ataque à mera decisão interlocutória (art. 893, § 1º), já que o mérito da matéria alegada, na hipótese vertente, exige o prévio pronunciamento do juízo de origem, por meio de ação própria de impugnação, sob pena de suprimir um grau de jurisdição em sua análise. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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(00427-2000-079-03-00-8 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 08.11.06) DEFESA 1-

DEFESA ORAL E ESCRITA - MOMENTO PROCESSUAL. Da leitura conjugada dos artigos 846 e 847 da CLT, conclui-se que no Processo do Trabalho a contestação deve ser produzida em audiência, de forma oral e no prazo de vinte minutos caso não haja acordo, após a leitura da reclamação. A praxe forense trabalhista, contudo, consagrou o costume da apresentação da defesa escrita, entregue em audiência. E mesmo nesta forma, pode o reclamado complementar ou aditar a peça oralmente em audiência, argüindo preliminares ou simplesmente impugnando direitos ou fatos não referidos naquela, requerendo que conste da ata o complemento desejado. (00443-2006-014-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 02.12.06)

DEPOSITÁRIO INFIEL 1-

PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO INFIEL - DESCABIMENTO QUANDO NEGADO O ENCARGO. Ninguém pode ser constrangido a ser depositário de bem penhorado, por força do princípio da legalidade (inciso II do art. 5º da CR/88), de tal maneira que, não assumido o encargo, descabe a prisão civil. (00010-2002-044-03-00-3 AP - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 26.08.06)

DEPÓSITO RECURSAL 1-

DEPÓSITO RECURSAL - CONSELHOS REGIONAIS. Os conselhos regionais, entidades criadas para fiscalizar profissões regulamentadas, não integram a Administração Pública, por força do artigo 1º do Decreto-lei n. 968/69, por conseqüência, não se pode estender-lhes os benefícios do Decreto-lei n. 779/69. (00255-2006-018-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 30.08.06)

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DEPÓSITO RECURSAL - INEXIGÊNCIA - AUTOS DE INFRAÇÃO - LIDE ENTRE EMPRESA E UNIÃO FEDERAL - RATIO LEGIS. A finalidade do depósito recursal previsto no artigo 899 da CLT é conferir segurança ao crédito alimentar do trabalhador, hipossuficiente, que apresenta sua lide a esta Justiça Especializada. Se o conflito se trava entre empresa e União Federal, na discussão de autos de infração, não se deve exigir a garantia do juízo, porque não há hipossuficientes na demanda. Correto o recolhimento apenas das custas processuais, que se dirigem ao Estado, pela movimentação do aparato judicial. (01527-2005-014-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 18.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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DEPÓSITO RECURSAL - NÃO-ISENÇÃO - DESERÇÃO. Conquanto se possa deferir à reclamada a isenção, no tocante às custas processuais, relativamente ao depósito recursal, contudo, a isenção não poderia ser deferida, de uma vez que se trata de pressuposto recursal específico, no Processo do Trabalho - com natureza diversa das custas processuais. É certo que a Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial, o direito de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos, ou contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como impõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Tais exercícios, no entanto, são limitados pelas regras impostas pelo legislador ordinário - que, longe de caracterizarem cerceio de defesa, ou afronta aos princípios invocados, regulam a correta utilização do direito, a fim de que este não se torne um instrumento de procrastinação do feito. (00428-2006-113-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 08.11.06)

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DEPÓSITO PRÉVIO - LIBERAÇÃO - § 1º DO ARTIGO 899 DA CLT. Não resta dúvida de que, tão logo transite em julgado a decisão proferida na fase de conhecimento, deverá ser automaticamente liberado a quem de direito o valor recolhido pela parte a título de depósito prévio, considerando que este quantum visa justamente a garantir o crédito deferido por meio da sentença. Esta conclusão decorre de uma simples leitura do § 2º doartigo 899 da CLT que prescreve: “Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz”. De fato, nada justifica a retenção do referido depósito, porquanto a sentença prolatada, e cujo teor já foi submetido a reapreciação pela instância ad quem, confere ao reclamante o direito de receber um crédito, de natureza alimentar, que já deveria ter sido quitado quando do regular cumprimento de seu contrato de trabalho. Não faz sentido afirmar que somente poderá haver liberação de valores depois de transitada em julgado a decisão proferida em execução. Esta prática, que vem sendo levada a cabo pela reclamada que busca atrasar ao máximo o pagamento de seus débitos, com a aceitação de alguns julgadores, sobre o fundamento de que deverá haver anterior liquidação dos valores devidos, sob pena de recebimento a maior, deve ser evitada, com automática liberação do depósito que garantiu o juízo, logo que transite em julgado o acórdão prolatado, em fase de cognição. (00953-1996-110-03-00-8 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 19.08.06)

DESVIO DE FUNÇÃO 1-

AGENTE DE CAMPO - DEDETIZADOR. Contratado o reclamante para o exercício do cargo de agente de campo, cujas funções são definidas no contrato celebrado entre prestadora e tomador dos serviços, se as atividades por ele desempenhadas inserem-se, com grande amplitude, dentre aquelas inerentes ao cargo de dedetizador, inclusive com a aplicação de produtos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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químicos para o combate do mosquito transmissor da leishmaniose, ainda que tenha exercido outras atividades, como distribuição de panfletos e instrução da população, mas se a principal atividade era exatamente a de localizar o foco infestado, preparar o veneno e aplicá-lo, atividades essas todas próprias do dedetizador, faz ele jus ao enquadramento neste cargo, tendo em vista que, primordialmente, as tarefas por ele desenvolvidas dizem respeito às funções de dedetizador, em consonância, inclusive, com aquelas descritas na “Classificação Brasileira de Ocupações”. Provimento que se nega. (00014-2006-013-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 26.08.06) DEDETIZADOR X AGENTE DE CAMPO - DESVIO DE FUNÇÃO - DIREITO À DIFERENÇA SALARIAL. Conquanto o empregado tenha sido contratado para o exercício de agente de campo no controle de zoonoses, especialmente dengue e leishmaniose, ele faz jus às diferenças salariais pertinentes à função de dedetizador, porquanto evidenciado o exercício de atividades inseridas nesta função, como a dedetização, borrifação e o manuseio de produtos químicos no combate a animais e parasitas deletérios à saúde pública. (00197-2006-009-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 02.08.06) DIGITADOR 1-

CALL CENTER - EQUIPARAÇÃO AO DIGITADOR - IMPOSSIBILIDADE. A função de operador de atendimento (utilizando fone de ouvido), mesclada com a digitação de dados solicitados aos clientes, não se enquadra na específica de digitador, assim entendido aquele profissional que atua de forma ininterrupta com vídeo e teclado, alimentando sistemas de processamento de dados. Deve-se ressaltar que não basta alguém trabalhar em terminal de computador para ser assim reconhecido. O direito ao intervalo a cada fração de tempo laborada somente incide nas hipóteses de mister exclusivo e permanente com digitação, o que não é o caso dos autos. (01000-2006-139-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 07.10.06)

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OPERADORES DE CENTRAIS DE ATENDIMENTO AO CLIENTE DIGITAÇÃO DE DADOS - NÃO APLICABILIDADE DO ART. 72 DA CLT. Embora haja desgaste no exercício da função dos profissionais que trabalham em centrais de atendimento e/ou cadastramento de clientes, inclusive pela utilização de computadores, mediante a digitação, não é essa a atividade principal dos mesmos, não sendo cabível, nesta hipótese, a aplicação do art. 72 da CLT, ou da Súmula n. 346 do TST. Os profissionais que trabalham nestas centrais têm sua atividade mesclada por digitações e conversas com clientes, utilizando primordialmente o discurso, com conversas telefônicas para passar informações aos clientes e responder às Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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perguntas dos mesmos. Assim, a intermitência na tarefa de digitação, durante o desempenho das atividades por esses profissionais, não autoriza a equiparação ao serviço de digitador, cuja atividade é exclusiva de entrada de dados, com exaustivo lançamento de várias palavras por minuto e por tempo prolongado. (01697-2005-017-03-00-4 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 25.11.06) INTERVALO DE DIGITADOR - NÃO APLICÁVEL AO OPERADOR DE TELEMARKETING. Ainda que se reconheça o desgaste da função de operador de telemarketing, a alternância de tarefas e a descontinuidade ou intermitência da digitação inerente a este serviço afasta a incidência do artigo 72 da CLT e Súmula n. 346 do TST. O simples uso do computador no trabalho não confere ao empregado direito ao intervalo, se a digitação é apenas meio e não fim da atividade, diferentemente da situação do digitador em sentido estrito, cuja atividade reside exclusivamente na constante e ininterrupta entrada de dados. (00495-2006-009-03-00-1 RO - 6ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cecília Alves Pinto - Publ. “MG” 28.09.06) DIRIGENTE SINDICAL 1-

DIRIGENTE SINDICAL - INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE - IMPROCEDÊNCIA. Na caracterização da falta grave para o rompimento do contrato de trabalho, a doutrina e a jurisprudência entendem indispensável a presença dos requisitos da correta capitulação legal do ato faltoso, expressa nas alíneas do artigo 482 da CLT; a imediatidade, que não afasta o decurso do prazo para apuração dos fatos; a gravidade da falta imputável somente ao empregado, de tal monta que impossibilite a continuidade do vínculo; a inexistência de perdão, seja tácito ou expresso; a relação de causa e efeito, onde o fato imputado seja determinante da rescisão; que haja repercussão danosa na vida da empresa e que, do fato, advenham prejuízos ao empregador; que não haja duplicidade de punição, pois a mesma falta não poderá ser punida mais de uma vez; além da consideração das condições objetivas do caso, da personalidade e os antecedentes do trabalhador. (02011-2005-153-03-00-4 RO - 2ª T. - Red. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 09.08.06)

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LIBERAÇÃO DE EMPREGADO DIRIGENTE SINDICAL PARA EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. É certo que a Carta Política, ao consagrar o princípio da ampla liberdade sindical (art. 8º, inciso I), objetivou afastar o Estado de toda e qualquer interferência na criação e no funcionamento dos sindicatos, e não menos certo é que o exercício desse direito deve dar-se de forma razoável e em atendimento à lei, no que diz respeito à fixação do número de dirigentes daquela entidade, pois a eles é garantida liberdade para o exercício do cargo para o qual foram eleitos, circunstância que impõe ao empregador Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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restrições ao seu poder potestativo de não liberar o dirigente sindical para o exercício de suas atividades, conforme estabelecido em cláusula coletiva pactuada em instrumento coletivo submetido a um procedimento adequado por acordo entre as partes, o que não contraria o bom senso e qualquer corrente hermenêutica, inclusive a do “razoável”. (00439-2006-110-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 26.08.06) E EMBARGOS À arrematação 1-

IMPENHORABILIDADE DE BEM - ALEGAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS À ARREMATAÇÃO - INVIABILIDADE - PRECLUSÃO. Seguro o juízo, é dado ao devedor opor-se à execução por meio de embargos, podendo alegar nulidades ou os fatos diretamente relacionados com o quantum debeatur, ocorridos “até” a penhora (CLT, art. 884, e CPC, arts. 736 usque 740). Se, no entanto, a matéria consistir em nulidade da execução, pagamento, novação, transação ou prescrição, “supervenientes” à penhora, abre-selhe, aí, a oportunidade dos embargos à arrematação ou à adjudicação, conforme o caso (CPC, art. 746). Assim, a atividade cognitiva do juiz e as razões das partes se delimitam às matérias previsíveis em cada um desses momentos processuais distintos e não pode o interessado alegar impenhorabilidade do bem apreendido só ao tempo de sua expropriação. Elementar que o processo se cumpra em compartimentos estanques. Encerrada uma fase, não mais é dado retomá-la, em face da preclusão. Entender de modo diverso significa acometer ao processo o status de eternidade, nada condizente com a paga efetiva do débito jurisdicional. (01097-1999-110-03-00-0 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 10.11.06)

À execução 1-

EMBARGOS À EXECUÇÃO - PRAZO. Consoante o artigo 769 da CLT a aplicação das normas contidas no CPC ao Processo do Trabalho é sempre subsidiária, em caso de lacuna da legislação trabalhista e desde que haja compatibilidade com os princípios do Direito Processual do Trabalho. Relativamente aos meios de que dispõe o devedor para questionar o cálculo de liquidação e a própria execução, existe regramento específico na CLT, contido no artigo 884. Inviável, por isso, a aplicação do artigo 475-J do CPC, motivo pelo qual continua a ser de cinco dias o prazo para o executado se insurgir contra a execução, questionando o cálculo, a penhora e qualquer outra matéria prevista na lei. (00137-1999-067-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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EMBARGOS À EXECUÇÃO - SEGURO - INDENIZAÇÃO - INVALIDEZ PERMANENTE. Se a CCT da categoria determina às empresas que contratem seguro de vida em grupo, para os casos de morte natural, morte acidental e invalidez permanente, e o empregado apresenta invalidez permanente e irreversível, deve a empresa pagar a indenização substitutiva estabelecida no acordo hom*ologado em juízo, eis que demonstrado que ela contratou seguro em condições diversas daquelas estabelecidas na norma instituidora do benefício. (00650-2005-048-03-00-1 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 20.10.06)

De terceiro 1-

COISA JULGADA MATERIAL - NÃO-CONFIGURAÇÃO. A decisão que extingue os embargos de terceiro, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa do embargante, não faz coisa julgada material, mas apenas formal (art. 267 do CPC). Logo, pode o ex-sócio, nos próprios autos da execução, pleitear a sua exclusão do pólo passivo, em face da retirada legal da empresa executada há mais de 2 anos da data do ajuizamento da ação trabalhista, conforme disposto no art. 1023 do CCb/02, vigente à época em que a execução se voltou contra o ex-sócio, ora agravado. (00737-2001-074-03-00-1 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 05.09.06)

2-

TERCEIRA EMBARGANTE - DECAIMENTO DA QUALIDADE DE POSSUIDORA, NA CONDIÇÃO DE MEEIRA - IMPROCEDÊNCIA DE ANTERIOR AÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO INTERPOSTA PELO CÔNJUGE VARÃO, CUJA DECISÃO TRANSITOU EM JULGADO FENÔMENO DA “EFICÁCIA REFLEXA”, EM FACE DA IDENTIDADE DO QUADRO FÁTICO ESTAMPADO NOS AUTOS. Vindo a companheira de suposto adquirente de bem imóvel a ajuizar ação de embargos de terceiro alegando a qualidade de possuidora, na condição de meeira, em seguida à prolação de decisão em sede, igualmente, de embargos de terceiro em face dele, perante a mesma Vara do Trabalho em que corre a ação principal, na qual o referido imóvel fora penhorado, não se há falar em aplicação do artigo 471 do CPC, no sentido de ser vedada a reapreciação de questão já decidida, porque a anterior decisão, já sob o manto da res judicata, não opõe eficácia jurídica à terceira embargante, na medida em que esta não foi parte naquela ação. Sob tal ótica, a questão pode, em princípio, ser reavivada em novos embargos de terceiro pela dita meeira, conferindose-lhe legitimidade para vir se defender, devendo notar-se que os limites objetivos da coisa julgada operada naquele processo, a teor do artigo 472 do CPC, não beneficiam nem prejudicam terceiros - bem entendido, no que atine com aquela ação. Todavia, opera-se na hipótese o que se rotula de “eficácia reflexa” da mencionada decisão em relação à terceira embargante na presente ação, sendo que a aplicação desse fenômeno processual, considerada a total identidade fático-jurídica das situações Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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existentes numa ação e noutra, acaba por tornar insustentável a defesa da terceira embargante na meação de um imóvel cuja posse não detém, na medida em que o consorte não fora reconhecido como possuidor em ação anterior, por faltar o indispensável requisito da boa-fé. A relação de acessoriedade é inevitável, ainda mais quando se confirmam nos autos os pressupostos fáticos em que se embasou o juízo a quo na decisão precedente. (00337-2006-002-03-00-7 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 12.10.06) 3-

AGRAVO DE PETIÇÃO - EMBARGOS DE TERCEIRO - CÔNJUGE. O cônjuge meeiro é legítimo possuidor do direito de opor embargos de terceiro quando se sentir prejudicado por alienação de bens do cônjuge-executado. Entretanto, a condição de terceira interessada não lhe confere legitimidade para argüir qualquer nulidade referente aos autos principais de execução, nos quais o outro cônjuge figura como sócio-executado. Eventuais nulidades ou incompetências só podem ser argüidas pelas partes que representam o pólo passivo naqueles autos, até porque o direito de insurgência do terceiro embargante tem limites objetivos, adstritos ao direito de propriedade sobre sua meação. (00495-2005-068-03-00-8 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 08.12.06)

4-

EMBARGOS DE TERCEIRO - PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DO PROCESSO DE INVENTÁRIO - DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. Ocorrendo a morte do herdeiro (executado) antes de aberta a sucessão daquele a quem por direito sucederia, seus sucessores tomam desde logo o seu lugar, ficando legitimados como seus representantes para a sucessão futura. Aberta esta, não há mais que se cogitar de direito do herdeiro antes morto, mas sim daquele que o representa, no caso a terceira embargante. Embora o herdeiro responda pelas dívidas deixadas até as forças da herança, isto ocorre em relação aos encargos deixados pelo autor da herança e não pelos encargos do representado. (00353-2006-087-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06)

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EMBARGOS DE TERCEIRO - POSSIBILIDADE DE MANEJO DE FORMA PREVENTIVA. O artigo 1.046 do CPC dispõe que os embargos de terceiro se prestam a discutir “turbação ou esbulho na posse de bens”, sendo que a prática de atos materiais de execução de ordem de apreensão judicial já possibilita o ajuizamento dos embargos de terceiro de forma preventiva, porquanto fere a razoabilidade exigir-se do terceiro que fique inerte até a concretização da ameaça a seu patrimônio para poder se valer dos pertinentes embargos como meio de requerer que lhe seja manutenida a posse. (00726-2006-010-03-00-7 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 16.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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EMBARGOS DE TERCEIRO - APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 1.048 DO CPC. Em se tratando de embargos de terceiro, utiliza-se a regra contida no artigo 1.048 do CPC, que estabelece que, no processo de execução, os embargos de terceiro podem ser opostos até cinco dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta, sendo que a assinatura desta concretiza a perfeição do ato da transferência do bem, que não ocorreu no caso em apreço, só se concretizando com a liberação do valor depositado mediante alvará e não com a convolação do depósito em penhora. Desse modo tempestiva está a interposição dos embargos. (00379-2006-022-03-00-2 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 11.11.06)

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EMBARGOS DE TERCEIRO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. A empresa que vem a ser incluída no pólo passivo da execução, considerada a sua condição de integrante de um grupo econômico, não pode se valer dos embargos de terceiro, previstos no artigo 1.046 do CPC, pois estes só têm cabimento para quem não foi parte (ou não é parte) no processo e vier a sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial. E não se pode falar, aqui, na aplicação do princípio da fungibilidade à espécie, porquanto, além de revestirem-se os institutos processuais de naturezas distintas (ação autônoma e meio de defesa), estão eles sujeitos a procedimentos díspares, como, por exemplo, prazo e pressupostos de admissibilidade, especialmente quanto aos embargos à penhora, em que se exige, para conhecimento, a garantia da execução (art. 884 da CLT), não se podendo admitir, como aqui estaria a ocorrer, a hipótese de embargos à penhora preventivos, dado que não observado este último pressuposto. Desse modo, apresenta-se como correta a decisão que extinguiu os embargos de terceiro, sem julgamento do mérito, negando, inclusive, a possibilidade da fungibilidade. (00205-2006-015-03-00-1 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 13.09.06)

8-

EMBARGOS DE TERCEIRO - UNIÃO ESTÁVEL - MEAÇÃO. Não se pode olvidar de que a dívida trabalhista contraída por um dos companheiros, em decorrência de atividade empresarial por ele desenvolvida, presume-se ter se originado em benefício do casal. Nessa esteira, não se há que falar em meação a ser preservada, sendo plenamente válido que a execução recaia sobre bens adquiridos na constância da relação de união estável comprovada nos autos. Em outras palavras, não pode o companheiro da executada obter a exclusão de sua meação nos bens que vierem a ser constritos, já que inexistente a prova de que as dívidas trabalhistas da execução não se reverteram em benefício do casal. (01095-2005-097-03-00-5 AP - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 08.07.06) EMBARGOS DE TERCEIRO - VALIDADE DA PENHORA - UNIÃO ESTÁVEL - REGIME DE BENS - ARTIGO 1.725 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. “Na Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” É irrelevante que os bens estejam inscritos apenas em nome de um dos conviventes, pois todos eles, incorporados ao patrimônio comum, depois do início da união estável, submetem-se às regras da comunhão parcial e se dividem por metade. (00554-2006-078-03-00-6 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 08.11.06) EMPREGADO DOMÉSTICO 1-

EMPREGADA DOMÉSTICA - INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE AO SALÁRIO-MATERNIDADE. A empregada doméstica, em estado de gravidez, dispensada sem justa causa, tem direito à indenização por parte do exempregador quanto ao valor relativo ao salário-maternidade. Isso porque, em que pese constituir encargo da Previdência Social, a sua concessão está condicionada à permanência da relação de emprego por força do que prevê o art. 97 do Decreto n. 3.048/99, segundo o qual “O salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego.” Logo, deverá o empregador arcar com o pagamento correspondente à licença, porquanto foi sua conduta que impôs óbice à aquisição desse direito. (00612-2006-134-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06)

2-

PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL - EMPREGADO DOMÉSTICO - APLICAÇÃO. A prescrição prevista no inciso XXIX do art. 7º da Constituição da República aplica-se a todos os trabalhadores, sejam urbanos ou rurais, inclusive aos pertencentes à categoria dos empregados domésticos. A não inclusão de tal inciso dentre os citados no parágrafo único do art. 7º constitucional é justificável, uma vez que este dispositivo lista apenas os “direitos” estendidos aos domésticos; não havendo, pois, razão para incluir inciso que dispõe sobre “prescrição de direito”, no rol mencionado. (00351-2006-110-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 10.11.06)

3-

EMPREGADO DOMÉSTICO - RECOLHIMENTO DO FGTS - FACULDADE DO EMPREGADOR - LEI N. 10.208, DE 23.03.2001. O empregado que presta serviços de motorista, no âmbito da residência do reclamado, pessoa natural, deve ser enquadrado como doméstico, nos termos da Lei n. 5.859/72. Não se há de falar em pagamento ou recolhimento do FGTS relativo a este trabalho, à falta de previsão legal. Só recentemente a Lei n. 10.208, de 23.03.2001, em seu artigo 1º, facultou a inclusão do empregado doméstico no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, mediante requerimento do empregador. Até a data da Lei sequer esta faculdade existia, porque o FGTS não se incluía entre os direitos dos trabalhadores domésticos. (00580-2006-022-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 10.11.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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4-

RELAÇÃO DE EMPREGO CELETISTA/DOMÉSTICO - ÔNUS DA PROVA. A rigor, quando a prestação de serviços é colocada em termos de relação de emprego comum, regida pela CLT, como fato constitutivo do direito invocado, se o reclamado não nega a prestação de serviços de forma subordinada e alega que a relação de emprego era doméstica, cabe a ele fazer prova do fato impeditivo dos fatos articulados, nos termos do inciso II do art. 333 do CPC, até porque “o ordinário se presume e o extraordinário se prova” (Malatesta). Todavia, se o empregado, efetivamente, presta os serviços no âmbito residencial e familiar, sem qualquer indício de lucro, de empresa, há que se ponderar o que se configura, realmente, como extraordinário nessas condições. Há que se sensibilizar para uma situação real existente nos dias de hoje: no âmbito residencial, muitas famílias sobrevivem ou melhoram a renda familiar com a venda de salgados e demais itens comestíveis. Não se constituem em empresas por isso, porque apenas sobrevivem melhor nessas condições e um empregado atuando nessa situação não deixa de ser doméstico. (01609-2005-109-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 31.08.06)

EMPREGADOR 1-

EMPREGADOR - PESSOA FÍSICA - JUSTIÇA GRATUITA. Em leitura sistemática, desde a Constituição da República até a legislação infraconstitucional, de todas as normas e disposições que tratam da assistência judiciária e da concessão dos benefícios da justiça gratuita, para fins de sua aplicação no Processo do Trabalho, nada há que impeça ou oriente no sentido de que o empregador, pessoa física, delas não possa ser destinatário. Na Justiça do Trabalho, considerando a diretriz da OJ n. 304 da SDI-I do TST, basta a declaração de pobreza do requerente para atender aos requisitos legais para a concessão do benefício, que se estende inclusive à dispensa do depósito recursal nos termos do item X da Instrução Normativa n. 03, de 15 de março de 1993, do TST. (00071-2006-059-03-40-8 AIRO - 6ª T. - Red. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 31.08.06)

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EMPREGADOR PESSOA FÍSICA - REGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO POR PREPOSTO - CONFISSÃO FICTA - NÃO-RECONHECIMENTO. Conforme dispõe a legislação pertinente, em audiência é viável a representação do empregador pessoa física por preposto, não se lhe aplicando a pena de confissão ficta. O art. 843 da CLT, em seu § 1º, faculta ao empregador constituir preposto para representá-lo, não estabelecendo qualquer restrição para as pessoas físicas. Destarte, não procede a assertiva recursal, na medida em que é vedado ao intérprete distinguir na parte em que o legislador não o fez. Ademais, ainda que assim não fosse, a presunção que emana da confissão ficta é sempre relativa, e tendo o feito sido instruído, inclusive com oitiva de testemunhas, não há como o julgador ignorar esta realidade e decidir única e exclusivamente com fulcro em presunção de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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veracidade. A busca da verdade real é o escopo do ordenamento jurídico, que considera o processo como meio para que se atinja a composição da lide com base no direito material, e não como um fim em si mesmo. (00802-2006-057-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 20.10.06) 3-

EMPREGADOR RURAL - PREPOSTO - DESNECESSIDADE DA CONDIÇÃO DE EMPREGADO. A Súmula n. 377 do TST determina que o preposto deve possuir a condição de empregado, excluindo-se de sua incidência a relação doméstica. Ocorre que, no presente caso, tal qual a relação doméstica a empregadora rural é pessoa física e a preposta que a representou em audiência é sua filha. Nesse contexto, não é possível exigir do empregador rural, que geralmente exerce a atividade como pessoa física, que tenha empregados para lhe servir de prepostos nesta Especializada. Lado outro, a preposta, em seu depoimento de f.120, demonstrou plena ciência dos fatos, nos moldes exigidos pelo § 1º do artigo 843 da CLT. Assim, não merece reparo a decisão monocrática que indeferiu o pedido de aplicação da revelia e confissão ficta em relação aos pedidos da inicial. (00199-2006-048-03-00-3 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 17.10.06)

ENGENHEIRO 1-

LEI N. 4950-A/66 - “SALÁRIO PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS” VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO - CONSTITUCIONALIDADE. A vedação da vinculação do salário mínimo, a que alude a parte final do inciso IV do art. 7º da CF, diz respeito à utilização do salário mínimo como índice de indexação da moeda ou de reajustes contratuais em geral. Entretanto, não se impediu a utilização de seu valor como referencial das demais obrigações trabalhistas de natureza salarial. A jurisprudência majoritária do Tribunal Superior do Trabalho está orientada no sentido de que o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal não estabelece vedação à vinculação do salário-base ou profissional ao salário mínimo. Neste sentido, a Orientação Jurisprudencial n. 71 da SBDI-II do Col. TST. (01574-2006-138-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 07.10.06)

ENTIDADE DESPORTIVA PROFISSIONAL 1-

LEGITIMIDADE PASSIVA - AÇÃO TRABALHISTA - FASE DE CONHECIMENTO - PRESIDENTE DE ENTIDADE DESPORTIVA PROFISSIONAL - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. O presidente de clube de futebol profissional, que não se constitui regularmente em sociedade empresária, é, na condição natural de sócio da entidade desportiva, responsável solidário pelas obrigações contraídas pelo clube, inclusive, excluído do benefício de ordem (artigos 990 e 1024 do CC), porquanto partícipe na contratação do atleta profissional. Essa a exegese dos §§ 9º e Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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11 do artigo 27 da Lei n. 9.615/98. Na aplicação prática e racional da lei, contudo, não fere sua literalidade indeferir o acionamento dos sócios, ou de alguns deles, à escolha do autor da lide, na fase de conhecimento, desde que a responsabilidade solidária dos mesmos, por eventual condenação do clube, possa ser efetivada, na fase da execução, caso não existam bens da entidade desportiva bastantes para suportar o valor da condenação, quando, inclusive, ter-se-á oportunidade de invocar, ou não, o benefício de ordem. (01364-2005-014-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06) EQUIPARAÇÃO SALARIAL 1-

EQUIPARAÇÃO SALARIAL - IDENTIDADE DE FUNÇÃO X IDENTIDADE DE TAREFAS. Pode haver identidade de função entre supervisores de quatro setores diferentes, não obstante cada um possuir clientes e produtos próprios. O art. 461 da CLT, ao falar em identidade de função, não se referiu à identidade de tarefas. Determinada a natureza da função atribuída ao empregado, seja pelo objeto (resultados que ele deve produzir), ou pelos meios utilizados na realização (atos realizados para atingir o objeto), não é necessária a identidade absoluta de tarefas, desde que aqueles elementos sejam idênticos. Não se requer, portanto, que os empregados executem exatamente os mesmos atos e operações, mas que suas funções sejam as mesmas, em face das responsabilidades e atribuições gerais dentro da empresa. (01070-2006-136-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 25.08.06)

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EQUIPARAÇÃO SALARIAL - INTERRUPÇÃO NO CONTRATO DE TRABALHO - AFASTAMENTO POR DOENÇA. A equiparação salarial impõese como justa medida da isonomia consagrada em nosso ordenamento jurídico e visa remunerar com igual salário os empregados que executem um conjunto de tarefas e misteres inerentes a uma mesma função, desempenhada em benefício do mesmo empregador, na mesma localidade. O afastamento do empregado por motivo de doença não caracteriza fato impeditivo ao deferimento da isonomia salarial, tampouco constitui-se, por si só, prova suficiente de labor de inferior produtividade e qualidade técnica em relação ao modelo. Possíveis suspensões ou interrupções do contrato de trabalho não se constituem em óbice à isonomia, pois que o § 1º do artigo 461 da CLT menciona apenas que a diferença de tempo de serviço na função entre equiparando e modelo não pode ser superior a dois anos. Não se podendo extrair de sua leitura que tais circunstâncias sejam consideradas impeditivas à equiparação. Não é a descontinuidade na prestação de serviços motivo a afastar o direito a equiparação salarial. O trabalho de igual valor deve ser aferido durante o período de tempo em que havia a efetiva prestação de serviços pela autora, concomitantemente com o modelo, e, se comprovados os fatos constitutivos à isonomia, essa deve ser reconhecida. (01264-2006-140-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 15.09.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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EQUIPARAÇÃO SALARIAL - VANTAGEM OBTIDA PELO PARADIGMA MEDIANTE VIA JUDICIAL. De acordo com o item VI da Súmula n. 06 do TST, se é fato que o desnível salarial obtido em decisão judicial não é óbice à equiparação, a primeira exigência da Súmula é a de que a equiparação nestas condições só será possível se presentes os pressupostos do art. 461 da CLT. Óbvio que isto vale em relação a todos os reclamantes e paradigmas da cadeia equiparatória. Ler e interpretar o verbete de outro modo é abrir perigoso caminho para reconhecimento de equiparação salarial entre quem jamais se conhecera, jamais trabalhara no mesmo local, jamais tivera mesma produtividade e perfeição técnica, ainda que pudesse ter as mesmas funções. Seria uma eterna e incontida cadeia de equiparação em completo desvirtuamento da lei. (01716-2005-114-03-00-1 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 13.07.06)

ESPÓLIO 1-

DANOS MORAIS - LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO PÓLO ATIVO OCORRÊNCIA. Tratando-se de demanda que envolva pedido de dano moral decorrente da morte do empregado quando em serviço na reclamada, a rigor, não se aplicam os dispositivos da lei civil que tratam da questão relativa à sucessão, razão pela qual o ideal é que no pólo ativo da demanda figure a pessoa (física) passível de ter sofrido um dano em decorrência do falecimento do empregado, e não o espólio do falecido. Assim, à primeira vista, o espólio do de cujus não tem legitimidade ad causam para ajuizar a reclamatória, pleiteando o dano moral em decorrência da morte do empregado em serviço. Todavia, se, na causa de pedir, restar claro que a pretensão ao dano moral é exclusiva da viúva (inventariante), como na espécie ocorreu, não há óbice para o prosseguimento da ação, podendo, inclusive, o pólo ativo ser regularizado a qualquer tempo. (00151-2006-104-03-00-9 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 09.11.06) ESPÓLIO - ILEGITIMIDADE ATIVA - DANO MORAL. A legitimidade ad causam do espólio restringe-se às pretensões relativas a direitos transmissíveis, não abrangendo aqueles desprovidos de caráter hereditário, tais como o direito ao recebimento de indenização por danos morais, pois, na qualidade de conjunto de bens constitutivos do patrimônio material e moral do de cujus, a serem partilhados no inventário entre os herdeiros e legatários, é ente despersonificado, que não pode ser beneficiário desse tipo de ação, de cunho personalíssimo, não se transmitindo, portanto, aos herdeiros. Titular desses direitos não é o espólio, mas cada um dos lesados, a quem cabe defendê-los em nome próprio. (00458-2006-004-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 13.12.06) INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - ACIDENTE DO Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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TRABALHO - ACORDO hom*oLOGADO - COISA JULGADA. Considerando que a reclamante estava presente à audiência na qual foi realizado acordo entre o espólio do acidentado e a reclamada e que não manifestou oposição quanto à sua representação naquela ocasião, não pode agora ajuizar nova ação, com o mesmo objeto, alegando que o direito do espólio é diferente de seu direito como mãe do falecido. O espólio é uma mera representação jurídica do direito dos herdeiros dotada de capacidade processual. Assim, o acordo realizado em processo anterior deve ser respeitado e o pedido de nova indenização material e moral por acidente do trabalho deve ser rejeitado, em virtude da existência de coisa julgada. (00586-2006-050-03-00-6 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 12.12.06) 2-

AÇÃO PROPOSTA PELO ESPÓLIO - IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO - ILEGITIMIDADE ATIVA PARA PLEITEAR O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. No caso em exame, a ação foi ajuizada pelo espólio, representado pela viúva, o que em princípio traria à tona problema de legitimidade para o pleito de indenização por danos morais. Entretanto, ainda que não se tenha observado a melhor técnica expositiva - em que os filhos figurariam como autores, representados pela mãe, ressaltou-se na inicial que ela também figurava na condição de parte e de representante dos filhos menores. Portanto, é razoável a compreensão de que ela e seus filhos estão na lide como autores, detendo a legitimidade ativa para postularem a indenização por danos morais, tendo em vista ser inequívoco o sofrimento decorrente da morte prematura do marido e pai. Ainda que assim não fosse, o interesse dos três filhos menores do empregado falecido (a mais velha conta atualmente 10 anos) deve ser protegido e priorizado, até porque o Processo do Trabalho se caracteriza por uma maior simplicidade e menor formalismo, propiciando a efetiva proteção ao interesse deles, menores, sobre aspectos meramente técnicos e formais. Assim, o pólo ativo necessita retificação, tendo em vista o falecimento da mãe dos três menores, que não se encontram devidamente representados e assistidos nos autos, não sendo o caso de se extinguir o processo, e sim de se retificar o pólo ativo da lide, adequando-o aos fatos ocorridos no curso da ação. (01099-2004-086-03-00-9 RO - 1ª T. - Red. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 18.10.06)

3-

L E G I T I M A Ç Ã O D A C O M PA N H E I R A S O B R E V I V E N T E PA R A POSTULAR DIREITOS TRABALHISTAS. A reclamante, na condição de companheira supérstite do empregado falecido, é parte legítima para figurar no pólo ativo da ação, independentemente de inventário ou arrolamento de bens e/ou habilitação perante a Previdência Social, não se havendo falar em irregularidade de representação (entendimento do art. 1º da Lei n. 6.858/80). (01125-2005-033-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 13.09.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ESTABILIDADE Decenal 1-

ESTABILIDADE DECENAL - REGIME DO FGTS PARA OS EMPREGADOS ESTÁVEIS À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CRF/88 - EFEITOS - DIREITO ADQUIRIDO. Antes da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, pelo menos, em tese, o empregado tinha diante de si dois diplomas jurídicos aptos a regularem o seu tempo de serviço: CLT e Lei do FGTS. Teoricamente, o empregado detinha o direito de fazer a opção por um dos dois sistemas jurídicos, embora, na prática, isso raramente acontecesse, eis que, como se dizia, o empregado era optado pelo regime do FGTS. Com o advento da Carta Magna, à luz do art. 7º, inciso III, tornou-se obrigatório o regime do FGTS para todos os empregados, respeitado o direito adquirido daqueles que já tivessem a estabilidade incorporada ao seu patrimônio. Se, àquela época, o reclamante era detentor da estabilidade decenal, prevista no artigo 492 da CLT, esse direito já estava irrefragavelmente aderido ao seu patrimônio, dele não podendo ser despojado por força da mencionada norma jurídica, cujos efeitos não podem retroagir para prejudicar o empregado. A situação do reclamante é ímpar e não se confunde com aqueles empregados, não optantes, que tinham mera expectativa de direito, quando da promulgação da Constituição Federal. De conseguinte, tratando-se de direito adquirido, conforme art. 5º, inciso XXXVI, hão de ser integralmente observadas as normas disciplinadoras da estabilidade decenal. (00100-2006-018-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 08.07.06)

Provisória 1-

CIPA - ESTABILIDADE PROVISÓRIA - RENÚNCIA - POSSIBILIDADE. Válida a renúncia formulada de próprio punho pelo autor, com a anuência dos presidentes da Comissão representantes da empresa e dos empregados, que a assinaram como testemunhas, aplicando-se à hipótese o princípio da autonomia da vontade, quando esta se formaliza livre de vícios, sobretudo pelo fato de não haver qualquer ressalva no TRCT assistido pela DRT. Assinalo não haver lei que obrigue o empregado a exercer seu mandato de cipista até o final, podendo o representante eleito, por qualquer motivo que seja, não querer mais exercê-lo e, inclusive, sem que se desfaça o contrato de trabalho. Como exemplo, cita-se a possibilidade de o cipista conseguir um melhor emprego, com condições de trabalho e remuneração mais vantajosas. Ora, se o trabalhador não está obrigado a cumprir o seu contrato de trabalho por ser membro da Comissão, nem obrigado a cumprir o mandato em razão do contrato de trabalho, não haveria quem não abrisse mão imediatamente dos dois em casos que tais. Se o empregado é livre para se inscrever como candidato a membro da CIPA, também possui liberdade quando deseja dela se desvincular. (00279-2006-099-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

ESTABILIDADE PROVISÓRIA - CONSELHEIRO DE COOPERATIVA PREVISÃO LEGAL. Por força do disposto no art. 55 da Lei n. 5.764/71, somente é detentor de estabilidade provisória o diretor de cooperativa. O empregado eleito para o conselho de administração não se encontra amparado pela citada garantia legal, que deve ser interpretada restritivamente, especialmente quando se constata que os objetivos da cooperativa de crédito são distintos daqueles defendidos pelo sindicato da categoria profissional. E, ainda que outro fosse o entendimento, a constatação de que o número de componentes eleitos extrapola a previsão do art. 522 da CLT atrai o entendimento hoje pacificado pelo item II da Súmula de n. 369 do TST. (00268-2006-036-03-00-9 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 07.10.06)

3-

ESTABILIDADE PROVISÓRIA - SUPLENTE DO CONSELHO FISCAL DO SINDICATO - NULIDADE DE DISPENSA INJUSTA. O suplente do conselho fiscal de entidade sindical goza de estabilidade provisória prevista no inciso VIII do artigo 8º da Constituição da República, considerando-se que se trata de órgão indispensável à gestão do sindicato, conforme resulta da interpretação sistemática da regra inserta no artigo 522 da CLT que, embora faça distinção entre um e outro, reconhece a diretoria e o conselho fiscal como órgãos integrantes “Da Administração do Sindicato”, para dar a ambos tratamento normativo sob a mesma rubrica. Quanto mais não baste, em sede hermenêutica mais abrangente, a técnica de interpretação por princípios, que aqui se compreende mais adequada e condizente com os avanços do direito contemporâneo, aponta que, ocupando o conselheiro cargo de administração indispensável à organização sindical, encontra-se o mesmo sujeito às mesmas vulnerabilidades que os demais dirigentes sindicais portadores do direito à “estabilidade sindical”. (00287-2005-152-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 05.08.06)

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE 1-

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - CABIMENTO. Como regra, o art. 884 da CLT exige a garantia prévia do juízo para que o devedor possa discutir o título executivo. Não obstante, a doutrina admite o cabimento da exceção de pré-executividade, oferecendo ao devedor a possibilidade de insurgência em face do comando executório para questionar a ordem judicial de cobrança que lhe é endereçada, sem a necessidade da constrição ou gravame, em casos absolutamente excepcionais em que a garantia patrimonial da execução possa representar obstáculo intransponível à sua justa defesa. Funda-se esta medida, portanto, na observância do princípio inafastável do devido processo legal, impedindo-se a eventualidade da presença de vícios processuais graves, atentatórios da supremacia do direito constitucional de plenitude do contraditório. Todavia, não se configurando tal excepcionalidade no caso em exame, é de se considerar irretocável decisão que rejeitou o Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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uso deste instrumento processual. Agravo a que se nega provimento. (00356-1997-016-03-00-4 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 16.12.06) 2-

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - REJEIÇÃO - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA, NÃO RECORRÍVEL DE IMEDIATO. Tratando-se de incidente que dispensa a prévia garantia da execução, que é a regra geral estabelecida no art. 884 da CLT, a exceção de pré-executividade, também chamada objeção pré-processual, deve fundar-se em razões que desde logo convençam o juiz sobre a injustiça ou o erro na execução, de modo a autorizar sua extinção, sem maiores indagações. Nesse caso, a decisão que acolhe a exceção tem natureza de sentença e pode ser atacada por agravo de petição. O mesmo não ocorre, porém, quando a exceção é rejeitada, porque nesse caso a execução prossegue normalmente. Deflui daí que a decisão que rejeita a exceção de pré-executividade é meramente interlocutória, dela não cabendo recurso imediato (Súmula n. 214 do TST). O inconformismo do devedor com relação à execução deve ser veiculado, então, na oportunidade dos embargos à execução, mas depois de garantido o juízo. Agravo de petição de que não se conhece. (00930-1999-013-03-00-7 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06)

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO JUIZ 1-

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO - INIMIZADE COM A PARTE - MOTIVO ELENCADO NO ART. 135 DO CPC NÃO DEMONSTRADO - EXCEÇÃO REJEITADA. O fato de ter o excipiente proposto contra o magistrado reclamação correcional é insuficiente à demonstração de inimizade capital entre as partes, de modo a induzir à parcialidade do julgador. Fundada a exceção na ocorrência da hipótese descrita no inciso I do artigo 135 do Diploma Processual Civil, impossível olvidar a excepcionalidade de que se reveste a argüição, notadamente considerando que o tipo capitulado não é qualquer inimizade, mas a capital, aquela de gravidade evidente e arraigada, conforme melhor doutrina, chegando a traduzir até mesmo ódio, rancor e desejo de vingança capazes de levar o magistrado à parcialidade. Imprescindível, portanto, ampla comprovação dos motivos indicadores, de ordem objetiva, que, ausentes in casu, levam à improcedência da propositura. (02280-2006-140-03-40-0 EXSUSP - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 21.10.06) EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO JUIZ - INIMIZADE PESSOAL. A mera proposição de correição parcial não é motivo de suspeição do juiz por inimizade pessoal. O manejo dessa medida é direito da parte, cujo exercício, independentemente do resultado final da correição parcial, não é suscetível de causar inimizade entre a parte corrigente e a parte corrigida. Entender o manejo de recursos próprios à atividade jurídica como ofensas pessoais a uma ou outra parte inviabilizaria a atividade jurisdicional. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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(01766-2006-140-03-00-6 EXSUSP - 3ª T. - Rel. Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães - Publ. “MG” 30.09.06) 2-

ARGÜIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE JUIZ. O interesse capaz de caracterizar a suspeição do juiz somente ocorre quando este último puder obter vantagem econômica ou moral com a causa julgada favoravelmente a uma das partes. O simples fato de ter sido acolhida a indicação dos bens oferecidos à penhora pela executada, contrariando manifestação do exeqüente, é insuficiente para evidenciar a parcialidade no interesse do juiz, mormente se a alternativa proposta pela parte contrária - penhora de estabelecimento - envolve procedimento complexo, nos moldes dos artigos 677 a 679 do CPC, pois obriga a nomeação de um administrador ou a opção tormentosa pela fixação de um percentual a ser descontado do faturamento da empresa, sem comprometer o seu funcionamento. Esse tipo de penhora constitui a derradeira opção do juiz, que somente irá autorizá-la diante da inteira ausência de bens suficientes à satisfação do crédito, o que não ocorria no caso em tela. (00131-2001-048-03-40-4 EXSUSP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 17.10.06)

EXECUÇÃO 1-

ADJUDICAÇÃO POR 50% DO PREÇO DA AVALIAÇÃO - POSSIBILIDADE. Dispõe o § 7º do art. 98 da Lei n. 8.212/91 que, se no primeiro ou no segundo leilões do bem penhorado não houver licitante, o INSS poderá adjudicá-lo por cinqüenta por cento do preço da avaliação, disposição que se aplica também às execuções fiscais da Dívida Ativa da União, por força do § 11 do mesmo artigo. Sendo assim, tem igual pertinência na execução trabalhista, em face do comando contido no art. 889 da CLT. (00383-2004-055-03-00-0 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 18.11.06)

2-

EXECUÇÃO TRABALHISTA - APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL - CONDICIONAMENTO AOS PRINCÍPIOS GERAIS DA EXECUÇÃO DE CRÉDITOS PRIVADOS. Não há dúvida de que os preceitos que regem a execução fiscal para a cobrança das dívidas da Fazenda Pública podem e devem ser aplicados à execução de créditos trabalhistas, como previsto no art. 889 da CLT. Todavia, esta regra deverá estar condicionada aos princípios gerais da execução de créditos privados, tendo em vista a origem e a natureza de cada qual dos créditos, sob pena de transformar-se o credor trabalhista em detentor de atos de império contra seu devedor, o que significaria o retorno ao ancião processo executivo dos romanos, onde o credor tinha poderes de vida e morte em relação ao seu devedor. Ainda que se reconheça a natureza alimentar dos créditos trabalhistas, o poder do seu titular deve amoldar-se aos princípios e às normas da Constituição Federal, sobretudo àqueles insculpidos no seu art. 5º, incisos I, II e LIV. (00116-1997-103-03-00-1 AP - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 31.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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3-

SÓCIO - SAÍDA - ASSUNÇÃO DA MARCA DE INDÚSTRIA E COMÉRCIO ÊXITO DA NOVA EXPLORAÇÃO - FALÊNCIA DA ANTIGA EMPRESA SUCESSÃO TRABALHISTA. As marcas de indústria e comércio integram o patrimônio da empresa (cf. art. 59 da Lei n. 5.772/71) e representam, muitas vezes, seu bem mais valioso. O trabalhador pode buscar o adimplemento de seus direitos junto à expressão monetária deste patrimônio incorpóreo; afinal, tem o fruto de sua mão-de-obra a ele agregado; o bem usufrui renome no mercado graças à sua contribuição. E quando o sócio se retira do quadro societário e leva consigo a marca, obtendo êxito na sua exploração e levando à bancarrota a nua-empresa - despida de seu maior trunfo -, tem-se verdadeira sucessão trabalhista, considerando-se a amplitude e versatilidade dos arts. 10 e 448 da CLT. A responsabilidade aí é do herdeiro da marca, que se revelou como âmago da atividade empresarial e figura como sua remanescente única a gozar do indispensável atributo solvabilidade. (00290-2005-041-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 20.10.06)

4-

AUSÊNCIA DE GARANTIA DA EXECUÇÃO - EMBARGOS NÃOCONHECIDOS - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - IMPOSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO DE NOVOS EMBARGOS. Em razão da preclusão consumativa - em razão da qual a parte, ao exercer determinada faculdade processual, tem consumada a oportunidade de fazê-lo, não sendo possível apresentar outra impugnação, ou repetir o ato, uma vez exercida a faculdade processual, de forma irregular -, a complementação dos depósitos, para garantia da execução, não confere à parte a possibilidade de apresentar, reiteradamente, os embargos à execução. Na hipótese dos autos, não se pode falar na aplicação do princípio da complementaridade, mas sim da preclusão consumativa, não se permitindo à parte a repetição de ato processual praticado, anteriormente, de forma irregular, não atendendo aos requisitos legais exigidos, pois, não estando garantido o juízo, a ordem jurídica impede o conhecimento dos embargos à execução. Caso prevalecesse o entendimento da executada, haveria uma verdadeira eternização das execuções judiciais, assoberbando, ainda mais, os tribunais brasileiros. (01687-2004-112-03-00-4 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 27.10.06)

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EXECUÇÃO - BEM IMÓVEL - REGISTRO. Tratando-se de aquisição derivada a título singular de imóveis, a posse deve obedecer aos requisitos da aquisição em geral: título hábil (escritura) e registro (art. 1.204 do atual Código Civil). De outra parte, o compromisso de compra e venda não inscrito no Registro Público e que não institui o constituto possessório não confere ao promitente comprador qualquer direito real (Decreto-lei n. 58/37; Lei n. 649/49) e afasta as regras do art. 1.267 do atual Código Civil. (00098-2006-015-03-00-1 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 28.10.06)

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DEVIDO PROCESSO LEGAL - REQUISITOS. O redirecionamento da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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execução contra os sócios, com o bloqueio de crédito em conta corrente bancária, deve ser procedido com o cumprimento das formalidades legais, que possibilitem o exercício do direito de ampla defesa e cumprimento dos requisitos exigidos pelo princípio do devido processo legal, exigência de hierarquia constitucional (incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal). (01897-1992-007-03-00-4 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 12.07.06) 7-

AGRAVO DE PETIÇÃO - PROCESSO DE EXECUÇÃO - CITAÇÃO DA EMPRESA DEVEDORA NA PESSOA DE NÃO SÓCIO - VALIDADE. Na Justiça do Trabalho, prevalece a impessoalidade do ato notificatório, não se exigindo a citação pessoal do devedor, sócio, ou de seu representante legal, bastando que seja regularmente citada a pessoa encontrada na empresa pelo oficial de justiça. Visto que a agravante não suportou qualquer prejuízo, tendo, inclusive, apresentado os seus embargos à execução, onde demonstrou estar inteiramente ciente de seus termos, constata-se infundada a pretensão por novo procedimento citatório, uma vez que, tão-somente, implicaria a prática de ato inútil e o comprometimento da celeridade na prestação jurisdicional. (01057-2005-048-03-00-2 AP - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 16.09.06)

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CONCURSO DE PENHORAS - CRÉDITO TRABALHISTA X DÍVIDA COMUM - PRIVILÉGIO DA PARCELA ALIMENTÍCIA. Estabelece o CPC, no art. 613, que, “Recaindo mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de preferência”. Em sede de execução comum, quando regida pela horizontalidade dos créditos (quirografários), a preferência é marcada pela ordem cronológica das penhoras; tem preferência, pois, o exeqüente que primeiro diligenciar na busca da constrição judicial (cf. art. 712 do CPC). Mas, quando se trata de crédito trabalhista, superprivilegiado, vem à baila o “título legal à preferência”, instituto de direito material (cf. art. 449 da CLT, art. 186 do CTN, arts. 957 e 958 do CCb), e que, portanto, sobrepõe-se a embates estabelecidos na seara processual. Assim instituído no campo do direito substantivo, curvam-se as normas adjetivas, arts. 709, II, e 711, do CPC: “O juiz autorizará que o credor levante, até a satisfação integral de seu crédito, o dinheiro depositado para segurar o juízo ou o produto dos bens alienados quando [...] não houver sobre os bens alienados qualquer outro privilégio ou preferência...”; “Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora” (grifos acrescidos). Destarte, o bem do ex-empregador devedor, ainda que objeto de apreensão primeira em juízo cível, responderá pela parcela alimentícia do trabalhador, com primazia. (00264-2001-073-03-00-6 AP - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 04.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - CONFUSÃO ENTRE A PESSOA DO CONTROLADOR E A DO MAIOR DEVEDOR DA COMPANHIA RESPONSABILIDADE PELO CRÉDITO TRABALHISTA. Operando-se a confusão entre a pessoa do Município controlador e a do maior devedor da empresa em liquidação extrajudicial, em nítida demonstração do abuso de poder do acionista majoritário, mostra-se correta a decisão que atribui responsabilidade solidária à municipalidade e a inclui no pólo passivo da execução promovida contra a paraestatal em situação de incapacidade econômica para saldar o crédito trabalhista. (00442-1997-029-03-00-3 AP - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 09.08.06)

10 -

AGRAVO DE PETIÇÃO - CREDOR HIPOTECÁRIO - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA HASTA PÚBLICA - NULIDADE NÃO-CONFIGURADA. A teor do disposto no art. 698 do CPC, a realização da praça de imóvel hipotecado não prescinde da intimação do credor hipotecário que não seja de qualquer modo parte na execução. Mas não se declara a nulidade da hasta pública na hipótese em que, já tendo ocorrido a liberação dos créditos aos respectivos titulares, registro da transferência do imóvel pelo arrematante, o d. juízo da execução, atento aos fatos e circunstâncias do feito, profere decisão consentânea com os princípios da efetividade da execução, da proporcionalidade e da razoabilidade, transferindo todo o valor das sobras da arrematação ao juízo cível, em que se processa a ação de execução do banco contra a empresa-ré, evitando, com isso, a ocorrência de efetivo prejuízo ao credor hipotecário e a decretação da nulidade dos atos processuais subseqüentes à hasta (art. 794 da CLT). (00934-2001-087-03-00-7 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 07.07.06)

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EXCESSO DE EXECUÇÃO - ARGUMENTO LASTREADO EM QUESTÕES RESOLVIDAS OU NÃO, ALUSIVAS À FASE DE CONHECIMENTO. No momento processual atinente à execução, o juízo se limita a liquidar a sentença exeqüenda, sendo impossível revolver matéria não dirimida no processo cognitivo. Tanto os embargos à execução quanto o agravo de petição não se prestam a discutir inconformismo afeiçoado ao processo de conhecimento, sendo que o alegado excesso na execução vem alicerçado tão apenas em questões, ou resolvidas naquela fase, ou que não se solucionaram a contento, mas por omissão e inércia da própria parte tardiamente inconformada. Fielmente observada a res judicata na conta hom*ologada, não pode ser recepcionada a irresignação. (00069-2004-036-03-00-9 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06)

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EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. O art. 40 da Lei n. 6.830/80, aplicável à execução trabalhista por força do disposto no art. 889 da CLT, determina a suspensão do processo até que seja localizado o devedor, ou encontrados bens, cabendo o arquivamento do processo após o decurso de um ano, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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ressalvando, porém, que encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução. O Provimento Regional n. 2/04, por sua vez, dispõe que, decorrido um ano, o processo será arquivado em definitivo, expedindo-se certidão da dívida ao credor, que, a qualquer tempo, poderá promover a execução do seu crédito. Diante disso, somente em casos excepcionais é que cabe a extinção da execução, por inércia do exeqüente, mormente em face do impulso de ofício previsto no art. 878 da CLT. (00572-1993-055-03-00-9 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 02.12.06) 13 -

FIRMA INDIVIDUAL - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Basta o inadimplemento da obrigação determinada ou a constatação da inexistência de bens da empresa, para se justificar a apreensão dos bens de seu sócio, ainda que este não figure como parte no processo. Nesta trilha, é a jurisprudência trabalhista, que, com especial acerto, invoca a teoria da disregard, quando verificada a condenação da empresa ao pagamento de créditos trabalhistas. Aliás, a responsabilidade do sócio culmina com a positivação da regra ínsita no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, verbis: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. Assim, tendo os créditos trabalhistas nítida natureza alimentar, aplica-se, indiscutivelmente, por analogia, o citado dispositivo legal. Visa-se à proteção da parte hipossuficiente na relação de emprego, cujo crédito não pode ficar descoberto. É possível, senão essencial, que o sócio seja chamado a responder pelas obrigações sociais contraídas pela sociedade. Esta responsabilização se torna possível em face da natureza do crédito, que é trabalhista e, portanto, privilegiado, inclusive em relação aos do fisco ou do consumidor. Se, para estes, existem preceitos legais expressos (inciso VII do artigo 134 do CTN e o artigo 28 do CDC), com muito mais razão há que se estender garantia semelhante ao crédito do trabalhador. Conforme preceitua o inciso II do art. 592 do CPC, conclui-se, serenamente, que o pedido de responsabilização dos sócios pode ser atendido em execução, ainda que estes não figurem como parte no processo. (00860-2005-081-03-00-4 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 30.09.06)

14 -

AGRAVO DE PETIÇÃO - INSUCESSO DA HASTA PÚBLICA DE BENS DA DEVEDORA PRINCIPAL - EXECUÇÃO CONTRA A DEVEDORA SUBSIDIÁRIA - POSSIBILIDADE. Ocorrendo o insucesso da hasta pública de bem penhorado da devedora principal, é cabível que a execução se volte contra o patrimônio da devedora subsidiária. Afinal, o credor não está obrigado a adjudicar o bem penhorado e, como tomadora de serviços, a 2ª Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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reclamada é responsável subsidiária pela dívida trabalhista, sendo necessária a desconsideração da personalidade jurídica das empresas executadas somente em fase posterior à execução. (00738-2003-104-03-00-5 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 14.09.06) 15 -

MEDIDAS EXPROPRIATÓRIAS EM FACE DE BENS DO CÔNJUGE IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE RELAÇÃO CONJUGAL COM A EXECUTADA. Conquanto a legislação preveja a possibilidade de os bens do cônjuge responderem por dívida contraída pelo seu consorte, em face da presunção de que os frutos auferidos em razão da atividade empresarial sempre revertem em benefício da entidade familiar, não se pode olvidar de que a tomada de medidas expropriatórias sobre o patrimônio do outro se condiciona à prova inequívoca acerca do vínculo matrimonial alegado. (00265-2005-132-03-00-7 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 25.10.06)

16 -

NULIDADE - CESSÃO DE CRÉDITO À UNIÃO FEDERAL PELA RFFSA SUBSISTÊNCIA DA PENHORA. O poder público, ao criar a RFFSA, com personalidade de direito privado, assumiu o risco de que a mesma, nessa qualidade, responda, com todo o patrimônio a ela conferido, pelas obrigações resultantes da atividade explorada pela mesma. Dessa forma, quando a Administração Pública resolve extinguir a empresa criada, deve antes, em decorrência do princípio de moralidade dos atos administrativos e do dever de indenizar a ela imposto (caput e § 6º do artigo 37 da Constituição Federal), permitir que a pessoa jurídica pague seus credores, de acordo com o modo de execução aplicável no momento em que as obrigações foram contraídas, sendo inconstitucionais os atos de império que visem retardar a satisfação de tais obrigações ou impor regime de execução próprio da Fazenda Pública. Assim, verificado que, efetivamente, os interesses da executada e da agravante se confundem, porque, após liquidação da RFFSA, o patrimônio remanescente será incorporado ao da União Federal, tem-se que o contrato de cessão de crédito firmado entre elas se revela como ato do próprio devedor para livrar da execução determinado bem, sendo, portanto, ineficaz. (00123-2006-055-03-00-6 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 19.08.06)

17 -

OBSTÁCULO À EFETIVAÇÃO DE PROVIMENTOS JUDICIAIS - SANÇÃO PROCESSUAL. É fundamental, para a própria efetividade da jurisdição, a aplicação da sanção processual, com o fito de repreender e dissuadir os injustificáveis obstáculos opostos à realização dos provimentos judiciais. Assim, verificando-se que o terceiro-embargante, em conluio com o executado, simulou negócios jurídicos, em prejuízo do crédito em execução, a aplicação da multa processual é imperativa e busca comando no próprio Texto Constitucional, porque a efetividade da jurisdição é uma garantia do jurisdicionado (incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da CR/88 c/c parágrafo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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único do art. 14 do CPC). (00362-2006-099-03-00-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 16.09.06) 18 -

COMPETÊNCIA - PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS - EMBARGOS DE TERCEIRO. A penhora no rosto dos autos tem por propósito assegurar a satisfação do credor através do produto que vier a ser arrecadado em outro processo. Não se dirige, pois, ao bem penhorado, mas ao resultado da constrição. Em assim sendo, caberá ao juízo que determinou a sua realização (penhora no rosto dos autos) conhecer e julgar de embargos de terceiro em que se discute a posse ou propriedade do produto. Se os embargos versam sobre a forma da arrecadação, caberá ao juízo em que se fez a penhora no rosto dos autos deles conhecer e julgar, pois o objetivo buscado é desconstituir o bem penhorado e não o resultado da venda judicial. (01690-2005-003-03-00-0 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 31.08.06)

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EXECUÇÃO - EXAURIMENTO DAS TENTATIVAS DE SE EXECUTAR A DEVEDORA PRINCIPAL - RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. Não se revela compatível com a natureza alimentar dos créditos trabalhistas e com a conseqüente exigência de celeridade na sua satisfação a pretensão do responsável subsidiário de que, antes de se atingir o seu patrimônio para garantia do crédito exeqüendo, sejam exauridas as tentativas de prosseguimento da execução em face dos sócios da devedora principal. A posição do devedor subsidiário na execução trabalhista equivale à do fiador e, não tendo havido o adimplemento da obrigação pelo devedor principal, incide automaticamente e sem restrições a plena responsabilidade daquele que, em última análise, figura na relação jurídica única e exclusivamente para garantir a integral satisfação do credor. (00963-2005-105-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06)

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RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - EXECUÇÃO - BENEFÍCIO DE ORDEM NEGADO. O devedor que foi incluído na sentença de conhecimento, para responder subsidiariamente pelo crédito do autor, como tal responderá na execução, uma vez frustradas todas as iniciativas para se implementar o cumprimento do título executivo sobre os bens do devedor principal. Rejeitase o pedido de benefício da subsidiariedade executória se não houver a indicação de bens do titular da obrigação para solver o crédito executado, salientando, ainda, que a execução se realiza no interesse do credor. (01527-2003-092-03-00-4 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 26.08.06)

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EXECUÇÃO - SÓCIO RETIRANTE - RESPONSABILIDADE. É questão pacífica na doutrina e na jurisprudência que, insolvente a pessoa jurídica, os sócios respondem com seus bens pelas dívidas por ela contraídas. É a teoria da disregard of legal entity que, em nosso ordenamento jurídico, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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culminou com a positivação da regra ínsita no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, autorizando a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Assim, em seara trabalhista, em que os créditos têm nítida natureza alimentar, visa-se à proteção da parte hipossuficiente na relação de emprego, cujo crédito não pode ficar descoberto. É possível, senão essencial, que o sócio seja chamado a responder pelas obrigações contraídas pela sociedade. A retirada de um dos sócios não o torna imediatamente imune aos efeitos decorrentes das obrigações assumidas pela sociedade. (03375-2005-091-03-00-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 15.07.06) Fiscal 1-

EXECUÇÃO FISCAL - DÍVIDA ATIVA - PRESCRIÇÃO - PRAZO. A cobrança da multa administrativa guarda semelhança com a execução movida contra o contribuinte, a autorizar a observância do prazo qüinqüenal previsto no CTN. Esse entendimento mais se reforça diante da previsão contida na Lei n. 6.830/80, cujo artigo 2º equiparou a dívida de natureza tributária com a não tributária, dispondo que ambas são objeto de execução fiscal, valendo mencionar, ainda, a previsão contida no artigo 1º da Lei n. 9.873/99, que estabelece o mesmo prazo qüinqüenal para propositura da ação punitiva da Administração Pública com o intuito de apurar infração à legislação em vigor. (00487-2006-021-03-00-9 AP - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado José Marlon de Freitas - Publ. “MG” 19.08.06)

2-

ENVIO DE OFÍCIO À RECEITA FEDERAL - SIGILO FISCAL. Tratando-se de ofício a ser encaminhado à Receita Federal, para apresentação de declaração de renda, a matéria implica segredo de justiça, por envolver questão de sigilo fiscal, disciplinada pelos artigos 198 e 199 do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66), não podendo ser obtida tal informação diretamente naquele órgão, exceto quando requerida por autoridade judiciária (inciso I do art. 198) ou autoridade administrativa, mas em relação a esta, com objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa (inciso II do art. 198), o que não corresponde à hipótese vertente na execução trabalhista. (00365-2000-043-03-00-4 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 01.11.06)

3-

EXECUÇÃO FISCAL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - CABIMENTO. Admite-se a objeção de pré-executividade apenas mediante a alegação de matérias de ordem pública na ação executiva fiscal, evitando onerar ilegitimamente o patrimônio do devedor. A técnica processual recomenda lembrar que a exceção de que se vale o devedor fiscal não é sucedâneo de embargos à execução. Não sendo caso de matérias pronunciáveis de ofício pelo juízo da execução, revelada em nulidade absoluta, a apuração de débito Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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previdenciário puro não se encaixa nos estreitos limites para o processamento da objeção pré-executiva, mormente se não se repercute na via da ordem pública. (00745-2006-145-03-00-5 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 14.12.06) 4-

EXECUTIVO FISCAL - MULTA ADMINISTRATIVA - PPRA. Consoante as disposições contidas na NR-9 da Portaria n. 3.214/78, compete ao empregador não só implementar o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA, como também avaliar periodicamente os resultados das ações nele propostas, com o fim de identificar novas metas e prioridades na eliminação dos riscos ambientais. De acordo com os itens 9.2.2 e 9.2.2.2, o PPRA deverá ser descrito num documento-base que descreva todos os seus aspectos estruturais e registre as alterações periódicas, permanecendo disponível de modo a proporcionar o imediato acesso às autoridades competentes. A manutenção desse documento-base no formato eletrônico é irregular, pois não permite o exame da revisão periódica prevista na NR09, a qual somente poderia ser demonstrada por intermédio de papéis devidamente assinados pelos responsáveis. A imposição de multa administrativa à empresa que mantinha o documento-base nessas condições é, portanto, legítima e merece confirmação. (00232-2006-052-03-00-4 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06) INOBSERVÂNCIA DE NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO - MULTA ADMINISTRATIVA. A NR-7 da Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego - que estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação a todos os empregados e instituições que admitam trabalhadores como empregados de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) com o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto de seus trabalhadores -, em seu item 7.4.4.3, determina que o atestado de saúde ocupacional contenha, dentre outros requisitos, a definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu (alínea e). Portanto, verificada a inobservância dessa norma, é válida a lavratura do auto de infração, pois, a teor do art. 156 da CLT, compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho (inciso I) e impor as penalidades cabíveis, nos termos do inciso III. (00664-2006-129-03-00-6 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 28.07.06)

5-

EXECUÇÃO FISCAL - MULTA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO MTb NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO E DA CERTIDÃO DE INSCRIÇÃO DA DÍVIDA. Não pode prosperar execução fiscal fundada em Certidão de Dívida Ativa com evidente vício de constituição, pois fundada em procedimento administrativo absolutamente nulo em face da garantia do devido processo legal que a ordem jurídica dispensa a todos os cidadãos, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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especialmente aqueles acionados pelo poder de polícia do Estado. (00865-2005-003-03-00-1 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 29.11.06) 6-

IMPOSIÇÃO DE MULTA APLICADA POR FISCAL DA DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO - INFRAÇÃO AO ART. 41 DA CLT QUE DISPÕE SOBRE A MANUTENÇÃO DE TRABALHADOR SEM O RESPECTIVO REGISTRO EM LIVRO, FICHA OU SISTEMA ELETRÔNICO - CABIMENTO. Incumbe ao auditor-fiscal do trabalho o poder-dever de cumprir e fazer cumprir as normas de tutela do trabalho humano na forma das instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, sendo certo que gozam de presunção de veracidade as declarações apostas no auto de infração pelo auditor-fiscal, dando origem a documento público, sendo, portanto, dotadas de fé pública, seja quanto à forma ou ao seu conteúdo, a teor do que dispõe o artigo 364 do CPC. Comprovada a ausência de registro de empregados, quando notória a existência de relação de emprego entre os motoristas auxiliares e a cooperativa para a qual prestam serviços, correta a lavratura do auto de infração pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por descumprimento do caput do art. 41 da CLT. (00689-2005-024-03-00-9 AA - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 20.10.06)

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EXECUÇÃO FISCAL- MULTA IMPOSTA EM VIRTUDE DE INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA - PRESCRIÇÃO. O prazo prescricional para a cobrança de multa decorrente do descumprimento da legislação do trabalho é de cinco anos, conforme previsto no Decreto n. 20.235/32, em obediência ao princípio da isonomia, já que este é o prazo que têm os administrados para propor ação contra a Fazenda Pública. (00989-2005-012-03-00-8 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 19.12.06) EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO DA COBRANÇA DE MULTA ADMINISTRATIVA, POR DESCUMPRIMENTO DE LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. O prazo prescricional, em execução fiscal, é de cinco anos, não se distinguindo, para esse efeito, entre créditos de natureza tributária e não tributária. Tal entendimento tem suporte na previsão contida no art. 2º da Lei n. 6.830/80 - que equiparou a dívida de natureza tributária com a não tributária -, dispondo que ambas são objeto de execução fiscal. Vale mencionar, ainda, a previsão contida no artigo 1º da Lei n. 9.873/99, que estabelece o mesmo prazo qüinqüenal para propositura da ação punitiva da Administração Pública Federal, com o intuito de apurar infração à legislação. Assim, ainda que multa de natureza administrativa não constitua crédito de natureza tributária, sua cobrança guarda semelhança com a execução movida contra o contribuinte, a autorizar a observância do prazo prescricional de cinco anos, previsto no CTN (art. 174). (01357-2005-111-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 24.11.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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8-

AGRAVO DE PETIÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - MASSA FALIDA INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO ORIUNDO DE MULTA ADMINISTRATIVA APLICAÇÃO ESTRITA DA LEI FALIMENTAR EM CONSONÂNCIA COM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. Uma vez que a lavratura do auto de infração se deu em data anterior à decretação da falência, a regra disposta no art. 192 da Lei n. 11.101/2005 orienta pela aplicação da lei anterior, qual seja, o Decreto-lei n. 7.661/45, cujo artigo 23, parágrafo único, inciso III, deixa expresso que as multas por infração de leis penais e administrativas não podem ser cobradas da massa falida, não prosperando qualquer argumento da agravante em favor da prevalência da regulamentação disposta no Código Tributário Nacional ou na Lei de Execuções Fiscais. Constata-se, pois, inteiramente acertada a decisão originária, eis que devidamente alicerçada na legislação vigente aplicável, consoante, ainda, o princípio basilar, extraído da Lei Maior (inciso XLV do art. 5º), pelo qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado, e ao objetivo primordial da lei falimentar aplicável, que é o de reduzir ao máximo o prejuízo dos credores, evitando-se a diminuição precoce da massa falida em detrimento destes, não sendo o caso de se cogitar, também, da despersonalização da pessoa jurídica, eis que os sócios da empresa falida já não mais respondem pela massa, que ora é quem figura no pólo passivo da execução. (01146-2005-035-03-00-2 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 02.12.06)

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MULTA ADMINISTRATIVA - FALTA DE RECOLHIMENTO DO FGTS. A multa prevista na alínea “b” do § 2º do art. 23 da Lei n. 8.036/90 tem a sua tipificação em elemento essencialmente objetivo, consubstanciado no desrespeito ao que dispõe o inciso I desse artigo, ou seja, “não depositar mensalmente o percentual referente ao FGTS, bem como os valores previstos no art. 18 desta Lei, nos prazos de que trata o § 6º do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT”. Portanto, configurada a hipótese jurídica acima definida, mediante a prática de ato omissivo, incide a penalidade cominada, não cabendo a adoção de punição menos severa, como a advertência, por falta de amparo legal, uma vez que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço possui natureza multidisciplinar e, por via de conseqüência, ramificações na esfera patrimonial de cada empregado e nos interesses difusos da sociedade como um todo. Vários projetos sociais têm sua fonte de custeio no FGTS, notadamente a construção de imóveis e o saneamento básico, por isso que sabidamente se constitui em ativo patrimonial com um dos rendimentos mais baixos do mercado. Aliás, muito se fala em redução dos custos sociais do trabalho, mas não se difunde que grande parte dos encargos sobre a folha de salários se destina às ações sociais, das quais todos se beneficiam direta ou indiretamente e sem as quais, provavelmente, a desigualdade seria bem maior entre os ricos e os pobres, entre os operários e as empresas, entre os empregados e os desempregados. (01112-2005-025-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 16.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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EXECUÇÃO FISCAL - MULTA POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 66 DA CLT FIXAÇÃO ACIMA DO LIMITE MÍNIMO LEGALMENTE ESTABELECIDO AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - INSUBSISTÊNCIA DA SANÇÃO EM VALOR SUPERIOR AO MÍNIMO LEGALMENTE FIXADO. A fixação de multa pelo fisco, por infração ao artigo 66 da CLT, em valor superior ao mínimo fixado no artigo 75 da CLT, demanda fundamentação de forma clara e objetiva quanto à motivação do ato administrativo, sob pena de redução do quantum ao patamar mínimo estabelecido legalmente, ante as peculiaridades do caso. (00093-2006-011-03-00-3 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 12.10.06)

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MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE NORMA DA CLT - PARCELAMENTO ESPECIAL - LEI N. 10.684/03 - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. A adesão da pessoa jurídica ao programa criado pela Lei n. 10.684/03 torna possível ao devedor parcelar suas dívidas tributárias, porém, de forma unificada, envolvendo tanto as de origem trabalhista quanto aquelas provenientes de outras hipóteses de incidência. Uma vez formalizada a opção pelo PAES, os débitos havidos em nome do requerente são consolidados, constituindo um novo título autônomo, o que implica novação, consoante o previsto no inciso I do art. 360 do CCb/02. Destarte, a execução fiscal deve ser extinta e não suspensa como pretende a agravante, uma vez que, em caso de eventual inadimplemento, torna-se impossível o desmembramento do montante para reconstituir a parcela de origem trabalhista, a fim de que seja executada perante esta Especializada, sendo a competência para a execução deslocada para a Justiça Federal. (00076-2006-044-03-00-7 AP - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 16.12.06) PARCELAMENTO ESPECIAL - PAES - INSTITUÍDO PELA LEI N. 10.684/ 2003 - DÉBITO FISCAL DECORRENTE DE MULTA ADMINISTRATIVA. Na situação em apreço, o parcelamento concedido aos executados abarcou apenas a dívida ativa que encerra o objeto da presente execução fiscal e que teve origem em multa administrativa aplicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Nesse contexto, a adesão ao Parcelamento Especial - PAES implicou efetivamente confissão de dívida, irretratável e irrevogável, mas não se pode falar em novação extintiva da obrigação original ou em substituição desta por obrigação de natureza distinta. Destarte, em caso de inadimplemento pelos devedores, o prosseguimento da execução ainda estaria abarcado pela competência atribuída a esta Justiça Especializada, por força da Emenda Constitucional n. 45/2004, que determinou a redação do inciso VII do artigo 114 da CF/88. Trata-se, por conseguinte, de hipótese de suspensão da execução, não havendo que se cogitar de novação da dívida e extinção do crédito objeto da presente execução fiscal. (00378-2006-103-03-00-8 AP - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 16.12.06)

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EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - MARCO INICIAL. A contagem do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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prazo prescricional da ação de cobrança de multa administrativa inicia-se com a “constituição definitiva do crédito tributário”, o que se dá com o lançamento. Define-se lançamento como ato administrativo, constitutivo do crédito tributário e declaratório da obrigação correspondente, que formaliza o crédito, identificando o sujeito passivo e o quantum devido, tornando-o exigível. O lançamento é, pois, condição para que a União pratique atos de cobrança da dívida fiscal, surgindo aí a actio nata, iniciando-se, então, a contagem do prazo prescricional. (00723-2005-056-03-00-0 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 11.11.06) 13 -

RENÚNCIA TÁCITA À EXECUÇÃO FISCAL - IMPOSSIBILIDADE. A Portaria n. 49, de 01.04.2004, autoriza que não sejam inscritos débitos fiscais de valor inferior a R$10.000,00 como Dívida Ativa da União, como também que não sejam ajuizadas execuções fiscais destes débitos, se o seu valor consolidado for igual ou inferior a R$10.000,00. Além disto, encontra-se estabelecido em seu artigo 5º que “Os procedimentos de ajuizamento de execuções fiscais que estejam em curso no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional serão ajustados para atender ao disposto nesta Portaria, especialmente quanto ao contido no art. 1º.” Tais determinações se aplicam apenas no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, e não às ações para a execução de créditos fiscais que já foram ajuizadas e estão em curso na seara trabalhista, não significando, portanto, renúncia aos créditos fiscais. Neste sentido, não havendo pronunciamento da Fazenda Nacional a autorizar o entendimento de renúncia fiscal, não pode o MM. Juízo a quo decretá-la, sob pena de invadir a competência exclusiva do Poder Executivo. Observe-se, ainda, que não é admissível a renúncia tácita, exigindo-se-lhe a formalização para a comprovação do animus renunciandi. (00939-2005-095-03-00-8 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Milton Vasques Thibau de Almeida - Publ. “MG” 22.07.06)

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RESPONSABILIZAÇÃO DO SÓCIO GERENTE POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. O CTN inequivocamente previu, no art.135, a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes e representantes legais das pessoas jurídicas de direito privado por obrigações tributárias, condicionando tal extensão à prática de ato de gestão abusivo ou com infração à lei. Comprovada a aludida violação, plenamente cabível a responsabilização pessoal do sócio, porquanto satisfeita a condição estabelecida pelo mencionado artigo. (01319-2005-035-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 28.07.06)

15 -

EXECUÇÃO FISCAL - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - PROVA DA INFRAÇÃO. O objeto da execução fiscal é simplesmente a efetivação do direito líquido e certo, que se presume por força de lei (inciso VI do artigo 585 do CPC c/c artigo 204 do CTN). Por se tratar de mera presunção juris tantum, a liquidez da dívida ativa não inibe o executado de questionar a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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existência de validade do lançamento tributário, conforme dispõe o parágrafo único do mencionado artigo 204 do CTN. No entanto, se os dados e termos do procedimento administrativo se revelarem claros, e convincentes, pouco restará a ser apurado em juízo. (00537-2006-039-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06) 16 -

EXECUÇÃO FISCAL - UFIR - SELIC - FATORES DE ATUALIZAÇÃO DA DÍVIDA CONSTITUÍDA. O Código Tributário Nacional prevê a imposição de pena pecuniária como medida de garantia prevista em lei. Nessa mesma condução, os juros moratórios “legais”. Débito vencido é propenso às medidas de garantia e juros, sendo viável aplicar taxas, como a SELIC, que não forçam o valor real da multa cominada. O valor real dela é apenas preservado. Tecnicamente, não há modificação do valor original cobrado, mas correção. Ônus previsto em lei que subsiste ao princípio da legalidade estrita como corretivo e punitivo. (01097-2005-007-03-00-9 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 31.08.06)

17 -

EXECUÇÃO FISCAL - UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BACEN JUD POSSIBILIDADE. O envio eletrônico de informações pelo BACEN JUD tem facilitado sobremaneira não só as execuções trabalhistas, mas as demais modalidades de execução. De acordo com o Regulamento do BACEN, poderão aderir ao convênio os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça e de Alçada dos Estados, donde se conclui que inexiste vedação legal para se aplicar a utilização do Convênio com o Banco Central do Brasil seja na legislação fiscal, seja na legislação cível, ou na legislação trabalhista. Logo, é perfeitamente possível a utilização do sistema BACEN JUD em se tratando de execução fiscal de cobrança de dívida ativa, razão pela qual deve ser autorizado o procedimento. (01261-2005-035-03-00-7 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 25.07.06)

18 -

EXECUÇÃO FISCAL INFERIOR A R$10.000,00 - ARQUIVAMENTO. A teor do art. 20 da Lei n. 10.522/02, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, o que não configura renúncia fiscal, na medida em que subsiste a dívida. (00511-2006-095-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 11.11.06)

Provisória 1-

AÇÃO CAUTELAR INOMINADA - EXECUÇÃO PROVISÓRIA - PENHORA DE DIREITOS FEDERATIVOS. Nos termos da Orientação Jurisprudencial n. 06 da SDI-I deste Egrégio TRT, em sede de execução provisória, é vedada a penhora de dinheiro. Assim, tratando-se de cautelar vinculada a processo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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de execução provisória, na qual, não há, ainda, a certeza e a liquidez do crédito, cujo valor representa mera expectativa, não se há de falar em penhora de direitos federativos de atleta de futebol, visto que a importância a eles relativa equivale a dinheiro. Ação cautelar improcedente, visto que não configurado o periculum in mora. É indispensável que haja uma compatibilidade entre as regras de realizar-se a execução de acordo com os interesses do exeqüente e da forma menos gravosa para a executada. As entidades desportivas possuem vários atletas em seu plantel e as transações no mundo do futebol ocorrem com certa freqüência, não sendo indispensável para a garantia da execução que a penhora seja efetivada em sede de execução provisória, sem que patente esteja o perigo da demora. (01076-2006-000-03-00-0 AC - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 08.12.06) F FALÊNCIA 1-

EXECUÇÃO - FALÊNCIA SUPERVENIENTE DO EXECUTADO DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA O JUÍZO FALIMENTAR. De acordo com o art. 24 do Decreto-lei n. 7.661/45, “As ações ou execuções individuais dos credores, sobre direitos e interesses relativos à massa falida, inclusive as dos credores particulares de sócio solidário da sociedade falida, ficam suspensas, desde que seja declarada a falência até o seu encerramento.” Ou seja, com a decretação da quebra suspendem-se todas as execuções individuais que possam existir contra o falido, devendo elas prosseguir no juízo universal. Isso, porque, com a falência, o falido perde a disponibilidade dos seus bens, os quais passam a compor o patrimônio da massa falida. Nesse passo, a competência judicial para promover a execução não permanece com o juízo singular, passando a ser exclusiva do juízo falimentar; e isso, com relação à totalidade dos créditos, inclusive os trabalhistas. Essa circunstância, contudo, não significa que os créditos trabalhistas percam o seu privilégio; ele persiste, mas os credores trabalhistas concorrem em igualdade de condições. Com relação à força atrativa do juízo falimentar, o § 1º do citado art. 24 da Lei de Falências abre apenas uma exceção: quando, ao tempo da falência, os bens já tiverem sido arrematados (“§ 1º - Achando-se os bens já em praça, com dia definitivo para arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, entrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, somente entrará para a massa a sobra, depois de pago o exeqüente”). Nesse caso, paga-se ao credor trabalhista e apenas a eventual sobra do preço entrará para a massa. Não se caracterizando nos autos essa hipótese exceptiva, está correta a determinação de que se expeça certidão em favor da exeqüente, para habilitação de seu crédito no juízo falimentar. (00498-2001-071-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 13.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - EXECUÇÃO - MASSA FALIDA JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA - O inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, autoriza a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça Trabalhista. No entanto, quando decretada a falência da empresa executada, a competência para a execução do crédito previdenciário é exclusiva do juízo falimentar, visto que o crédito previdenciário é oriundo do crédito trabalhista determinado em sentença, o que demonstra sua natureza acessória. O prosseguimento da execução do crédito previdenciário, sem habilitá-lo perante o juízo da falência, tal como ocorre com os demais créditos, implicaria evidente e inaceitável prejuízo aos credores trabalhistas, que gozam de privilégio máximo, nos termos do art. 186 do Código Tributário Nacional, dada a sua natureza alimentícia. (02338-1997-104-03-00-5 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco de Barcelos Coura - Publ. “MG” 29.07.06)

3-

FALÊNCIA - EXECUÇÃO - RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO - CABIMENTO. A vis atractiva do juízo falimentar não obsta o prosseguimento da execução contra a responsável solidária, já que o credor tem o direito de executar qualquer dos condenados solidariamente (art. 275 do CC). Além do mais, a nova Lei de Falências (§ 1º do art. 49 da Lei n. 11.101/05) prevê que os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, ou seja, decretada a falência, estes podem ser executados, eis que não integrantes do processo de falência. (00464-2004-024-03-00-1 AP - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 19.10.06)

4-

FALÊNCIA - EXECUÇÃO EM FACE DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - BENEFÍCIO DE ORDEM IMPOSSIBILIDADE. Decretada a falência da devedora, suspende-se a execução em face dela, tendo em vista o juízo universal (arts. 6º e 76 da Lei n. 11.101/05). Todavia, o credor mantém seus direitos e privilégios contra os responsáveis subsidiários, que podem ser executados, mesmo na esfera trabalhista, eis que não abarcados pela falência (§ 1º do art. 49 da Lei n. 11.101/05), sem que possam, neste caso, invocar o benefício de ordem, visto que o devedor está falido (inciso III do art. 828 do CC). (00429-2004-035-03-00-6 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 12.10.06) FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS - RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO. Se a execução contra o devedor principal apresentar-se de difícil ou demorada solução, como no caso de sobrevir a falência no curso do processo, não é dada a observância do benefício de ordem relativamente aos devedores subsidiários através da exigência de habilitação dos créditos obreiros junto à massa falida, já que isso significaria a neutralização ou, no mínimo, o impedimento do avanço da execução, privilegiando um caminho Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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geralmente inócuo e que levaria à procrastinação desnecessária da satisfação do crédito de natureza alimentar. (01714-2001-023-03-40-6 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 14.11.06) 5-

FALÊNCIA DA EMPREGADORA PRIMITIVA - EXECUÇÃO DIRIGIDA CONTRA A SUCESSORA. Não obstante a quebra da empregadora primitiva, não há alteração no rumo da lide quando a execução se processa apenas contra a sucessora, que continua em plena atividade e a quem pertencem os bens apresados judicialmente, sendo, assim, competente a Justiça do Trabalho para processar a execução. (00933-2004-129-03-00-2 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 04.10.06)

6-

EXECUÇÃO TRABALHISTA - PROCESSO FALIMENTAR - VIOLAÇÃO LITERAL A TEXTO DE LEI - AÇÃO RESCISÓRIA - PROCEDÊNCIA. O artigo 889 da CLT, quando determina a observância dos preceitos que regem o processo dos executivos ficais, só diz respeito àquelas normas de direito processual naturalmente e, portanto, não chega a ponto de criar para o crédito trabalhista a mesma natureza material do crédito fiscal, igualando a competência para execução. Não se desconhece que a doutrina da processualística do trabalho lutou bravamente para retirar do processo falimentar a execução trabalhista. O esforço, porém, a rigor técnico, nunca prosperou inteiramente na prática, mesmo porque o radicalismo em tal posição acabaria por prejudicar outros credores trabalhistas de igual privilégio, pelo menos enquanto não se cogitasse de uma implantação de universalidade executória para empregados de uma mesma empresa falida. E tanto isto é um fato, que a recente normatização falimentar, de fevereiro de 2005, teve o cuidado de no § 2º do artigo 6º explicitar o que antes já era visível no Decreto-lei n. 7.661/45, como, por exemplo, o artigo 7º, § 2º e especialmente o artigo 102. Assim, não é possível sequer aventar a hipótese de matéria de natureza controvertida, de incabível solução em sede rescisória. Ignorar a universalidade do juízo falimentar quanto à abrangência dos créditos trabalhistas é violar frontalmente os artigos 7º e 23 da Lei de Falências então vigente. E, em termos de execução, a violação alcança também o artigo 24 e especialmente seu § 1º. A afronta a literal disposição de lei fica caracterizada seja quando se negou validade ao artigo 768 da CLT e ao Decreto-lei n. 7.661/45 válido para a espécie, seja quando se deu validade à Lei n. 6.830, inválida para o caso por não ser reguladora da espécie. (00251-2006-000-03-00-1 AR - 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Juiz Convocado José Marlon de Freitas - Publ. “MG” 25.08.06)

7-

INSTITUIÇÃO BANCÁRIA - FALÊNCIA - NORMAS COLETIVAS INERENTES À CATEGORIA DOS BANCÁRIOS - INAPLICABILIDADE. Cessada a atividade econômica bancária, com a decretação da liquidação extrajudicial Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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e posterior falência, não está o banco obrigado a observar as disposições das normas coletivas firmadas pelos entes sindicais representativos da categoria econômica das instituições bancárias, já que não mais se encontra enquadrado no âmbito da respectiva representação. (00192-2006-136-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 31.08.06) 8-

EXECUÇÃO FISCAL - MULTA ADMINISTRATIVA - MASSA FALIDA. Aplicamse as disposições do Decreto-lei n. 7.661/45 (antiga Lei de Falências) às empresas que foram decretadas falidas antes da vigência da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101/05, art. 192), pelo que prevalece o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 23 daquela Lei, que determina que não podem ser reclamadas na falência as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas, como é o caso da multa por infração do § 1º do artigo 459 da CLT. (00133-2006-057-03-00-4 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 08.11.06) EXECUÇÃO FISCAL - PENA PECUNIÁRIA POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - MASSA FALIDA. Tendo a quebra da executada ocorrido antes da nova Lei de Falências, não se pode aplicar o previsto no artigo 29 da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/80), segundo o qual a cobrança judicial de dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência. No caso, aplica-se o disposto no artigo 23, parágrafo único, inciso III, do Decreto-lei n. 7.661/45 (antiga Lei de Falências), pelo qual “Não podem ser reclamados na falência [...] as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas”. No mesmo sentido as Súmulas n. 192 e 565 do STF. (00206-2006-057-03-00-8 AP - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 09.11.06)

9-

EXECUÇÃO FISCAL - COBRANÇA DE MULTA POR INFRAÇÃO À CLT NATUREZA ADMINISTRATIVA - MASSA FALIDA - IMPOSSIBILIDADE. Às falências decretadas antes da vigência da Lei n. 11.101/05 são aplicáveis as disposições contidas no Decreto-lei n. 7.661/45, cujo artigo 23, parágrafo único, inciso III, prevê que não podem ser reclamadas, na quebra, as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas. No mesmo sentido, dispõe a Súmula n. 192 do STF, in verbis: “Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa.” Sendo a multa trabalhista uma penalidade de índole administrativa, tendo em vista que o intuito da fiscalização é a aplicação de uma sanção de natureza punitiva, a qual tem por finalidade garantir a observância das normas de proteção ao trabalhador, inseridas na legislação celetista e na Constituição Federal, nos termos dos dispositivos acima citados, decretada a falência, a mesma se torna inexigível. (00653-2006-011-03-00-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 02.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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10 -

MASSA FALIDA - PAGAMENTO DE CUSTAS. A massa falida não usufrui o benefício de isenção do pagamento de custas, sendo esta vantagem uma prerrogativa estabelecida no artigo 790-A da CLT apenas em relação aos órgãos relacionados nos incisos I e II do mencionado artigo. O privilégio de a massa falida ser isenta do pagamento de custas não se encontra estabelecido em lei, não se podendo invocar a Súmula n. 86 do TST, tendo em vista que ela apenas consubstancia o entendimento de que “Não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito recursal do valor da condenação...”, possibilitando o julgamento do recurso. (00590-2004-036-03-00-6 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.07.06)

FÉRIAS 1-

PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS FÉRIAS-PRÊMIO. No Direito Processual do Trabalho, a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas é pressuposto preponderante, sendo, em princípio, vedada. Para que a renúncia seja válida, esta se subordina a determinados requisitos, entre os quais se encontram a natureza do direito, a capacidade da parte, a livre manifestação desta, forma não prescrita em lei, entre outros. A manifestação há de ser livre, sem encontrar-se maculada por qualquer vício de consentimento, não se podendo olvidar de que o novo Código Civil, em seu art. 171, inciso II, dispõe ser anulável “...por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”, sendo relevante o disposto no art. 9º da CLT que dispõe, verbis: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” Portanto o acordo extrajudicial em que a parte hipossuficiente renuncia a parcela devida por lei é totalmente inválido, mormente em face do artigo 9º da CLT. Os termos de mencionado acordo não podem derrogar princípios fundamentais do Direito do Trabalho, em especial o da irrenunciabilidade de direitos. Provimento que se nega. (00314-2006-037-03-00-6 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 11.11.06)

2-

PRESCRIÇÃO - FÉRIAS. Tratando-se de férias vencidas, deve-se levar em conta quando se analisa a prescrição qüinqüenal o fim do período concessivo, pois é a partir daí que se torna exigível a aludida verba, iniciandose a lesão ao direito do empregado (artigo 149 da CLT). (00144-2006-002-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.07.06)

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO 1-

LEGITIMIDADE, INTERESSE PROCESSUAL E PEDIDO POSSÍVEL JURIDICAMENTE - IMPUGNAÇÃO PELO ADMINISTRADO À AUTUAÇÃO Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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DOS ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. Possui a empresa legitimidade, como interesse em recorrer à Justiça contra a autuação promovida pelos Órgãos de Fiscalização do MTb, além de juridicamente possível o pedido formulado, cumprindo não confundir a pretensão de declaração de licitude dos contratos de terceirização com o objeto que cada um deles, per se, possui. Uma coisa é a impossibilidade de se promover a declaração de licitude dos contratos de terceirização, cumulada com o decreto de nulidade do auto de infração ao disposto no art. 41 da CLT, dada a estreita via processual eleita. Outra, a legitimidade, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido como pressupostos da ação, todos regularmente atendidos na presente hipótese dos autos. (00931-2006-140-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 10.11.06) 2-

FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO - AUTO DE INFRAÇÃO - PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. O auditor-fiscal do trabalho, no exercício da fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho (artigo 626 da CLT), tem poderes para apurar a presença dos pressupostos caracterizadores da relação de emprego (artigo 3º da CLT), a partir do exame de cada situação concreta, não sendo necessária a existência de prévia decisão judicial reconhecendo o vínculo de emprego. (01281-2005-011-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 19.07.06)

3-

FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA - LABOR EM DOMINGOS E FERIADOS REDUÇÃO DA MULTA APLICADA PELO AGENTE ADMINISTRATIVO. O art. 75 da CLT define os critérios primários na aplicação de multa por infração a um dos dispositivos consolidados inseridos no capítulo da duração do trabalho, segundo a natureza da infração, sua extensão e a intenção de quem a praticou, estabelecendo os limites mínimo e máximo, sendo que a Portaria n. 290 do MTE estabeleceu formas de graduação na aplicação dessa penalidade. Logo, para a aplicação de multa pelo agente do Ministério do Trabalho, por encontrar empregado laborando em domingos e feriados, sem autorização para tanto, deve ser adotado um critério razoável, na forma do disposto no art. 75 da CLT e Portaria n. 290 do MTE, naquilo que o regulamenta. Agravo de petição interposto pela União Federal, ao qual fora negado provimento ao pleito para que se mantivesse o valor da multa aplicada pelo fiscal do trabalho. (00208-2006-007-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 14.09.06)

4-

MANDADO DE SEGURANÇA - FISCALIZAÇÃO TRABALHISTA - MATÉRIA OBJETO DE DISCUSSÃO JUDICIAL - REPETIÇÃO DA AUTUAÇÃO - BIS IN IDEM - AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Há direito líquido e certo da empresa-impetrante em ver primeiramente dirimida em sede judicial a conduta apontada como ilícita pelo i. fiscal do trabalho, para só então ser eventualmente reautuada por recidiva. A medida vem em atendimento aos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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preceitos constitucionais do art. 5º, incisos LIV e LV, que resguardam ao jurisdicionado o inteiro uso de seus bens até que lhe apanhe uma sentença condenatória e constritora, transitada em julgado, em que lhe seja garantido o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa. A repetição da autuação por idênticos fatos representa, de resto, bis in idem. (01199-2006-104-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 24.11.06) FRAUDE DE EXECUÇÃO 1-

CESSÃO DE CRÉDITO DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A PARA A UNIÃO - FRAUDE À EXECUÇÃO. É manifestamente ilegal e, portanto, ineficaz a cessão de créditos a terceiros, pela executada, in casu, a RFFSA, e em especial a seu próprio sócio majoritário que é a União Federal, com repasse de sua única fonte de receita, frustrando o pagamento de inúmeras demandas trabalhistas. Assim, tem-se evidenciada a fraude à execução, pois o ato de cessão de crédito se deu quando corriam várias reclamatórias contra a executada (inciso II do artigo 593 do CPC), com sentenças condenatórias proferidas e enormes obstáculos para executá-las. Fato notório neste Regional (inciso I do art. 334 do CPC). (00121-2006-055-03-00-7 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 21.10.06)

2-

TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DE IMÓVEL RURAL - FRAUDE À EXECUÇÃO. A transferência da propriedade do imóvel rural ocorre somente a partir do competente registro no Cartório de Registro de Imóveis (Lei n. 6.015/73 - Lei de Registros Públicos), sem o qual ela não pode ser oposta contra terceiros, a despeito da existência de contrato de compra e venda anteriormente firmado. Essa transferência, no entanto, é inválida se feita quando já existia contra o outorgante vendedor demanda capaz de reduzilo à insolvência, o que faz presumir a fraude à execução, conforme inteligência do inciso II do art. 593 do CPC. (00423-2006-084-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 13.12.06)

FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS 1-

DIFERENÇAS DA MULTA DE 40% DO FGTS DECORRENTES DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - LEGITIMIDADE PASSIVA. As diferenças da multa de 40% do FGTS decorrentes dos expurgos inflacionários constituem efeitos de cláusula inserida no contrato de trabalho firmado. Logo, a condição de ser, ou não, da CEF a obrigação de zelar pela gestão da conta, bem como em relação aos juros e à correção monetária, não afasta a legitimidade do ex-empregador para figurar no pólo passivo da demanda. (00582-2006-106-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - DIFERENÇA DA MULTA DE 40% DO FGTS - CRITÉRIO DE CÁLCULO. A teor do § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036/90, o direito à multa de 40% sobre o FGTS surge com a dispensa imotivada e incide sobre o saldo da conta vinculada existente na data da rescisão contratual. Assim, as diferenças dos expurgos inflacionários são corrigidas pelo critério do FGTS até a data da referida rescisão, quando, então, servirá de base para o cálculo da diferença da multa, cujo valor será, doravante, corrigido pelo índice trabalhista, com incidência dos juros moratórios contados da data do ajuizamento da ação. (00360-2005-112-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 02.12.06) 2-

RESCISÓRIA - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - ÓBICE CONTIDO NA SÚMULA N. 83 DO TST AO ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO - MATÉRIA CONTROVERTIDA QUANDO PROLATADO O JULGADO DESCONSTITUTIVO. A violação de lei que autoriza o acolhimento do corte pretendido é aquela aberrante, que atenta contra a literalidade do preceito invocado, desvirtuando totalmente o seu sentido. Na hipótese vertente, a norma contida no inciso XXIX do artigo 7º da CF/88 apenas estabelece a necessária observância do prazo prescricional para ajuizamento da reclamação trabalhista, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Nada diz sobre a questão relativa à aplicação do instituto a partir da ciência da lesão do direito (teoria da actio nata) que, em se tratando de expurgos inflacionários, matéria conhecida há muito em todos os Regionais, pacificou-se somente com a edição da Orientação Jurisprudencial n. 344 da SDI-I do TST, posterior, a propósito, ao acórdão rescindendo. Nesse prisma e analisando a controvérsia à luz do direito infraconstitucional, não cabe ação rescisória com fundamento no inciso V do artigo 485 do CPC, quando a decisão estiver amparada em dispositivo de interpretação controvertida nos tribunais, segundo as Súmulas n. 83 do TST e 343 do E. STF. (00860-2006-000-03-00-0 AR - 2ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Red. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 01.12.06)

3-

AGRAVO DE PETIÇÃO - INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DECORRENTES DO DEPÓSITO DO FGTS - ART. 55 DO DECRETO N. 3.000/99 – NÃO-APLICABILIDADE. O fato de os depósitos do FGTS permanecerem sujeitos a correções e juros durante o período em que são mantidos pelo Órgão Gestor e controlador do FGTS não é suficiente para enquadrá-lo no conceito de “capital aplicado”, descrito no art. 55 do Decreto n. 3.000/99. Portanto, em relação aos juros relativos a este depósito, prevalece o disposto no § 1º do art. 46 da Lei n. 8.541/92, que exclui da incidência do imposto de renda os juros decorrentes de decisão judicial. (01674-2003-106-03-41-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 19.12.06)

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MUNICÍPIO - CARGO EM COMISSÃO - FGTS - MULTA DE 40% SOBRE O Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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FGTS. Tratando-se de cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e exoneração, a ser regido pelas leis trabalhistas, impõe-se a condenação do Município ao recolhimento dos depósitos de FGTS, parcela tipicamente celetista. Todavia, dada a precariedade do cargo e a previsibilidade da dispensa a que está sujeito o seu titular, é incompatível com a própria natureza do cargo a aplicação de normas trabalhistas que visem justamente a compensar a destituição imprevista e arbitrária do cargo, tal como ocorre com a multa de 40% sobre o FGTS. (03675-2005-091-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 01.07.06) 5-

FGTS - PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. Conforme se extrai do disposto no § 5º do art. 23 da Lei n. 8.036/90 e na Súmula n. 362 do Colendo TST, a prescrição do FGTS é trintenária (respeitada a prescrição bienal para ajuizamento da ação), exceto quando este é pleiteado a título de reflexos de outras parcelas (em caráter acessório), situação em que é atingido pela prescrição qüinqüenal. Os direitos assegurados no art. 7º da CF/88 não afastam outros, mais benéficos, previstos na legislação infraconstitucional, como é o caso da prescrição trintenária relativa ao FGTS. (00901-2006-112-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) G

GARANTIA DE EMPREGO 1-

EMPREGADO REABILITADO - GARANTIA DE EMPREGO - RESILIÇÃO CONTRATUAL - NULIDADE. O legislador, ao condicionar no art. 93 da Lei n. 8.213/91, a dispensa imotivada do empregado reabilitado à contratação de substituto de condição semelhante, instituiu limitações ao poder potestativo do empregador e evidente garantia de emprego, uma vez que a extinção do pacto laboral destes trabalhadores está condicionada à admissão de trabalhador em condições análogas, sendo que, sem a contratação de outro trabalhador em condições semelhantes, o contrato de trabalho do empregado reabilitado não se desfaz. (01560-2005-023-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães - Publ. “MG” 30.09.06)

GESTANTE 1-

ESTABILIDADE PROVISÓRIA - GESTANTE - COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR - CONVENÇÃO COLETIVA. A alínea “b” do inciso II do art. 10 do ADCT da CR/88 foi editada para suprir a ausência temporária de regulamentação da matéria acima mencionada por lei, portanto, aos acordos e convenções coletivos de trabalho não é lícito estabelecer limitações a direito constitucional dos trabalhadores, que nem à lei se permite. Neste sentido, o Excelso STF já decidiu que é inconstitucional cláusula de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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convenção coletiva de trabalho prevendo a necessidade de comunicação da gravidez ao empregador, para efeito de garantia estabilitária. (00418-2006-014-03-00-7 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 16.12.06) 2-

GESTANTE - REINTEGRAÇÃO - INCERTEZA SOBRE A DATA DA CONFIRMAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO - INCABÍVEL. A Constituição Federal veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante “desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. É certo que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito à reintegração ao emprego, como se infere da redação da Súmula n. 244 do TST. Se, porém, o conjunto probatório dos autos não fornece elementos que permitam concluir, com segurança, que a gravidez confirmou-se, até mesmo para a própria trabalhadora, antes do término do contrato de trabalho, não pode ser acolhido o pedido de reintegração. (00547-2006-136-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06)

3-

RESCISÃO INDIRETA - GESTANTE - TRANSFERÊNCIA DE FUNÇÃO DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO - INOCORRÊNCIA. Não serve a motivar a rescisão indireta do contrato de trabalho a transferência de gestante, alterando a função exercida, ainda que em cargo considerado hierarquicamente inferior, quando representa um trabalho mais leve e mais compatível com o estado gravídico da obreira, máxime quando não restou comprovada perda salarial. Recurso a que se nega provimento, no aspecto. (00175-2006-002-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 19.07.06)

GORJETAS 1-

GARÇOM - GORJETA COMPULSÓRIA E SALÁRIO COMISSIONADO. Os instrumentos coletivos da categoria profissional dos garçons garantem um piso salarial mínimo e, também, estabelecem a faculdade de a empresa acrescer aos valores das notas de despesas de clientes até 10% a título de taxa de serviço ou gorjeta compulsória que, por sua vez, não exime o pagamento do salário fixo pactuado. Não restam dúvidas de que a remuneração é composta pelo piso salarial mínimo (fixo), mais as gorjetas compulsórias. Se o salário ajustado na CTPS do garçom é comissionado, garantido o piso da categoria e, além disto, há o pagamento da gorjeta compulsória, não há se falar em pagamento daquele fixo representado pelo piso. Se o salário ajustado à base de comissão se confunde com a taxa de serviço ou gorjeta compulsória fixada na norma coletiva, será devido também o salário fixo com base no piso salarial mínimo. (00554-2006-109-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 02.11.06)

2-

GORJETAS - INTEGRAÇÃO - ESTIMATIVA. O valor das gorjetas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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espontâneas deve se ater aos parâmetros estimados pelas normas coletivas que disciplinam as relações entre as categorias profissional e econômica em que se enquadram as partes. (00092-2005-139-03-00-1 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 22.08.06) GRATIFICAÇÃO 1-

GRATIFICAÇÃO - LIBERALIDADE DA EMPRESA X DIREITO DO AUTOR. A previsão regulamentar de pagar indenização aos empregados dispensados constitui ato unilateral do empregador que se traduz em liberalidade altamente benéfica aos trabalhadores, já que lhes oferece valores superiores aos devidos em caso de dispensa injusta, portanto deverá ser interpretada nos exatos moldes de sua concessão, comportando interpretação restritiva, ou seja, deve compreender exclusivamente aquilo a que o devedor, de modo expresso, obrigou-se, nos termos do artigo 114 do Código Civil. Entretanto, a norma interna obriga o empregador em face de sua própria autonomia, que fica delimitada e contida nos termos da sua própria prescrição, e influi decisivamente na relação empregatícia, criando direitos e obrigações para as partes do contrato de trabalho. Desta forma, implementadas as condições estatuídas, por mera liberalidade do empregador, obriga-se este ao pagamento da gratificação na forma ajustada. (00677-2006-143-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 29.11.06)

2-

GRATIFICAÇÃO “SEMESTRAL” - PAGAMENTO MENSAL - NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 253 DO TST. Apesar de a importância ser paga sob a rubrica “gratificação semestral”, tratava-se, na realidade, de quantia mensal fixa. O pagamento mensal desvirtuou a natureza do instituto, imprimindo-lhe feição salarial, de modo que deve integrar a base de cálculo das horas extras. Não se há de falar em aplicação da Súmula n. 253 do TST, visto não se tratar de verdadeira gratificação semestral. (00012-2006-073-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Antônio Viégas Peixoto - Publ. “MG” 18.08.06)

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO 1-

REDUÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO - PRESCRIÇÃO PARCIAL. A prescrição da redução da gratificação de função conta-se do vencimento de cada uma das prestações e não da lesão do direito. Noutras palavras, por ser parcial, não atinge o direito de ação, porém, apenas, as parcelas anteriores ao qüinqüídio. A propósito, o percentual da gratificação de função decorre de norma jurídica autônoma, amplamente protegida e estimulada pela ordem constitucional. (01603-2005-072-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 14.07.06)

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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GRUPO ECONÔMICO 1-

GRUPO ECONÔMICO - CARACTERIZAÇÃO. Nos termos do § 2º do artigo 2º da CLT, grupo econômico é um conglomerado de empresas que, embora tenham personalidade jurídica própria, estão sob o controle administrativo ou acionário de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de outra atividade econômica, sendo solidariamente responsáveis para os efeitos da relação de emprego. No âmbito trabalhista, este conceito reveste-se de relativa informalidade, uma vez que se presta a ampliar as garantias de satisfação do crédito de natureza alimentar. Como decorrência disso, não há necessidade de provar a existência de uma relação de dominação entre as integrantes do grupo com uma das empresas (dominante) exercendo direção ou controle sobre as filiadas, sendo necessária, apenas, a identificação da presença de liames subjetivos ou objetivos que sugiram uma relação de coordenação entre os entes coligados. Evidenciada a coincidência de objetos sociais e de sócios e, ficando demonstrada uma relação de coordenação entre as empresas, conclui-se pela formação do grupo econômico. (00756-2006-037-03-00-2 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 08.12.06)

2-

EXECUÇÃO - SOLIDARIEDADE - GRUPO ECONÔMICO. Não se pode dirigir a execução em face do devedor solidário se este não constou do título executivo judicial. O devedor solidário pode opor ao credor todas as exceções pessoais e as comuns a todos. Constituído o título em juízo já não mais lhe será possível contestar a dívida, logo, não pode ser por ela executado. Assim, no grupo econômico, em que há solidariedade entre as empresas que o compõem, a execução só poderá ser dirigida em face daquelas que foram legitimadas para a reclamação. (00417-2006-099-03-00-2 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 07.09.06) H

HABEAS CORPUS 1-

HABEAS CORPUS - AMEAÇA DE PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL SEMOVENTES. É lícita a ordem de prisão do depositário que, em cumprimento ao munus do “depósito” regularmente firmado, deixa de apresentar bens do mesmo gênero e espécie daqueles que foram objeto da penhora, sob alegação de que se trata de semoventes cuja manutenção à disposição do juízo ensejarlhe-ia prejuízo financeiro, já que se trata de animais (suínos) para abate cujo ciclo “econômico” se dá até o prazo de 180 dias de idade. A argüição não é sustentável dada a natureza fungível dos bens penhorados, sobretudo quando a matéria já foi definitivamente superada neste sentido, nas decisões de primeira e segunda instâncias prolatadas nos embargos de execução, a propósito, aviados pelo paciente. A tais circunstâncias acresça-se o fato de que a execução vem sendo protelada há muitos anos sem qualquer Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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providência efetiva do executado no sentido do cumprimento da sentença exeqüenda, o que poderia fazer mediante a apresentação do equivalente em dinheiro dos bens penhorados. À recusa do paciente em atender à intimação de entrega dos bens penhorados ou do seu equivalente em dinheiro seguese a licitude da ordem de prisão que se mantém denegando-se a ordem de habeas corpus requerida. (00725-2006-000-03-00-5 HC - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 29.07.06) 2-

HABEAS CORPUS - DEPOSITÁRIO INFIEL - DETERIORAÇÃO DO BEM PENHORADO - MANDADO DE PRISÃO. É dever do depositário a entrega do bem penhorado nas mesmas condições de uso e conservação a partir do momento em que assumiu o encargo. Essa responsabilidade, contudo, pressupõe a lavratura de auto de penhora circunstanciado, realizada pelo oficial de justiça, para efeito de aferição da guarda e conservação no momento de restituição do respectivo bem (CPC, artigo 665, inciso III). Se tal pressuposto não existiu nos autos, não se pode reputar infiel o depositário, sob alegação de deterioração do bem, ainda mais em se tratando de veículo automotor parado há vários anos, que, pelo desuso prolongado, acarrete danos e depreciação que são medianamente reconhecidos. Assim, caracterizada a alegada ilegalidade, relativamente à medida de prisão do depositário infiel, deve ser concedida a ordem de habeas corpus. (01241-2006-000-03-00-3 HC - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 04.10.06)

3-

HABEAS CORPUS - ORDEM JUDICIAL RESTRITIVA DE SAÍDA DO PAÍS SÓCIO ESTRANGEIRO. Configura-se constrangimento ilegal a determinação de expedição de ofício à Superintendência Regional da Polícia Federal para impedir a saída do território nacional do paciente, sócio da empresa executada na ação principal, pois traz, como entendeu o TST no julgamento do habeas corpus da mulher do paciente e também sócia, subentendida potencial ordem de prisão, vale dizer, prisão civil por dívida, vulnerando o disposto no inciso LXVII do art. 5º da CF. Na busca da efetividade do título judicial não se pode constranger o sócio em sua liberdade de locomoção, uma vez que tal medida implica restabelecer o instituto da execução sobre a pessoa do devedor, ressaltando-se que a natureza alimentícia do crédito trabalhista não tem a mesma acepção dos alimentos de natureza civil, oriundos do Direito de Família. Ordem de habeas corpus concedida. (01375-2006-000-03-00-4 HC - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 28.10.06)

HONORÁRIOS Advocatícios 1-

AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O arbitramento de honorários advocatícios decorrentes da sucumbência no Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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processo, devidos nas lides que não decorrem da relação de emprego, mas de outras que tramitam nesta Especializada em razão da EC n. 45/2004, sujeita-se a critérios de valoração textualmente delimitados no artigo 20 do CPC. E, à luz da expressividade do § 3º desse artigo, os honorários advocatícios serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação ou do valor atribuído à causa, no caso de improcedência dos pedidos. (00558-2006-103-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 29.07.06) 2-

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. Como se verifica, na prática forense costumeira, há várias formas de contratação de honorários advocatícios, nas quais se convenciona o pagamento, pela simples prestação dos serviços, ou, então, condicionados ao resultado final da demanda. É induvidoso que a ordem jurídica confere ao advogado o direito à percepção de honorários convencionados, independentemente do recebimento de honorários de sucumbência, já que uns e outros valores possuem causas distintas. No entanto, como o próprio nomem iuris já indica, os honorários convencionados decorrem da própria vontade das partes, estabelecida, no contrato celebrado, entre as mesmas. Não havendo prova dos termos em que aconteceu a contratação, o princípio da autonomia da vontade impede a condenação ao pagamento de honorários convencionados. (00508-2006-106-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 01.12.06)

3-

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA A EXECUÇÃO. A discussão acerca da cobrança de honorários advocatícios decorrente de decisão oriunda da própria Justiça do Trabalho insere-se em sua competência, por se tratar de incidente da execução. (00728-1999-056-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Publ. “MG” 22.09.06)

4-

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE ÊXITO. A praxe consagrou os referidos honorários que são aqueles recebidos pelos advogados quando obtêm êxito em recursos administrativos ou ações judiciais, de modo que seus clientes sejam beneficiados como, por exemplo, com a redução da sua dívida com o fisco, ajustando-se um percentual sobre o benefício obtido. Se, na ótica capitalista do cliente, todavia, este concluir que as ações ao invés de êxito acabariam por trazer-lhe mais ônus, pode deixar de seguir as recomendações do advogado que lhe presta assessoramento quanto à possibilidade de sucesso com a interposição de ações judiciais ou recursos administrativos, assumindo este o risco de nada receber desde o momento da contratação. Por certo que no ajuste o advogado pode precaver-se de modo que, em não anuindo o cliente com os possíveis resultados a serem obtidos, o seu trabalho seja remunerado, ainda que em menor monta. Mas não havendo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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prova neste sentido, merece provimento o recurso para absolver o reclamado da condenação. (01696-2006-136-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06) 5-

AGRAVO DE PETIÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA UNIÃO FEDERAL - ENCARGO PREVISTO NO DECRETO-LEI N. 1.025/69. O encargo de 20% (vinte por cento), previsto no artigo 1º do Decreto-lei n. 1.025/69, é sempre devido, o qual se destina ao pagamento das despesas com a cobrança de tributos não recolhidos (dívida ativa federal), na hipótese de oposição de embargos, além de substituir os honorários advocatícios. Logo, se vencedora a parte executada que apresentou os embargos, deve a Fazenda quitar os honorários advocatícios, se a parte contratou advogado para defendê-la. Ao contrário, sendo a União a vencedora, não são devidos honorários advocatícios, pena de bis in idem, uma vez que nas execuções fiscais o referido encargo substitui os honorários advocatícios, conforme entendimento consolidado na Súmula n. 168 do extinto TFR. (00746-2005-037-03-00-6 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 05.08.06)

6-

EXECUÇÃO FISCAL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE PROCEDÊNCIA - HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS - DEVIDOS. Na execução fiscal, a extinção judicial do feito a requerimento da União, que vem a cancelar o débito, não a exime do pagamento dos honorários de sucumbência se o executado já tiver sido citado, tendo mesmo oferecido exceção de pré-executividade. Nessa hipótese, não incide o art. 26 da Lei n. 6.830/80 (“Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Dívida Ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes”). O dispositivo livra a exeqüente apenas se o cancelamento da dívida ocorrer administrativamente, por ato espontâneo seu, antes que se crie o contencioso. Agravo de petição a que se nega provimento. (00217-2006-114-03-00-8 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 05.07.06) EXECUÇÃO FISCAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Nos termos do artigo 3º do Decreto-lei n. 1.645/78, na cobrança executiva da Dívida Ativa da União, a aplicação do encargo de que trata o artigo 1º do Decreto-lei n. 1.025/69 substitui a condenação do devedor em honorários de advogado e o respectivo produto será, sob esse título, recolhido integralmente ao Tesouro Nacional. Também neste sentido dispõe a Súmula n. 168 do extinto TFR. Assim, se na Certidão de Dívida Ativa consta, expressamente, que o valor executado está sujeito ao encargo de 20% (vinte por cento), previsto no Decreto-lei n. 1.025/69, ainda que opostos embargos à execução, não se há de falar em pagamento de honorários advocatícios, sob pena de enriquecimento indevido do erário público. (00139-2006-038-03-00-3 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 08.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS DECORRENTE DE PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PARA HAVER JUDICIALMENTE DIREITOS TRABALHISTAS. O jus postulandi ainda resta consagrado na Justiça do Trabalho. A pretensão deduzida, de indenização de danos materiais em face de pagamento de honorários advocatícios para haver judicialmente direitos trabalhistas, na verdade, não passa de artifício para contornar o fato de que nesta Justiça do Trabalho tais honorários só são devidos quando preenchidos os supostos da Lei n. 5.584/70. Não é alterando o nome de honorários advocatícios para indenização de danos materiais que se modifica a realidade posta ou a efetiva natureza jurídica da pretensão. Ainda que assim não fosse, o pedido seria impossível de ser deferido, sob pena de criar a reclamação perpétua, pois novo dano material restará configurado: os advogados receberão honorários por esta causa e, por conseguinte, novo prejuízo ... nova ação ... novos honorários ... nova ação ... novos honorários e assim teremos a demanda eterna ... (00271-2006-013-03-00-9 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 31.08.06)

8-

ADVOGADO - PROFISSIONAL LIBERAL - RELAÇÃO DE CONSUMO AÇÃO PARA COBRANÇA DE HONORÁRIOS - COMPETÊNCIA. Não se deve confundir a “relação de trabalho” - em que o “trabalhador” se propõe a dar a sua “força física” a outrem, em troca de uma “remuneração”, ainda que de natureza autônoma - com prestação de serviços - em que alguém busca um estabelecimento de natureza empresarial que se propõe a prestar certos tipos de serviços à população, aleatoriamente -, como é o caso de “profissionais liberais” e outros afins, como contabilidade, assistência técnica, divulgação e propaganda etc. O médico, o advogado e o dentista, por exemplo, são profissionais liberais e tais serviços não têm natureza de relação de trabalho, mas de “relação de consumo”, conforme o art. 3º, caput e § 2º, da Lei n. 8.078, de 1990. Por isto, as controvérsias oriundas das suas relações com os pacientes - ou clientes - não atraem a “competência da Justiça do Trabalho” para a solução do conflito. Exceto, é claro, se se tratar de “relação de emprego”, em que se aplicam as regras da CLT, em “contrato de trabalho subordinado”. (00769-2006-053-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 30.09.06)

9-

AGRAVO DE PETIÇÃO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Tratando-se a hipótese de prestação de serviços advocatícios à pessoa física, em processos específicos e de forma esporádica, não pode ser inserida no conceito de “relação de trabalho”, mas sim de consumo. Isto porque o cliente, ou seja, o consumidor, deles se utiliza para satisfazer uma necessidade própria. Assim, ainda que se considerem as alterações promovidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004 que conferiu nova redação ao artigo 114 da Constituição da República, ampliando a competência material da Justiça do Trabalho, para incluir as lides alusivas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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às relações de trabalho e não apenas relação de emprego, não há como afastar esta conclusão. A relação de consumo é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), não configurando, nos termos da lei, relação de trabalho, para fins de aplicação do inciso I do artigo 114 da Constituição. Aliás, o CDC (Lei n. 8.078/90) exclui todas as relações de caráter trabalhista, conforme exposto a seguir: “Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” Portanto, inexiste relação de trabalho na atividade executada pelo advogado a um cliente, sendo incompetente a Justiça do Trabalho para apreciar e executar o feito. Agravo a que se nega provimento. (00996-2006-016-03-00-6 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RELAÇÃO DE CONSUMO - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - INCISO I DO ART. 114 DA CR/88 - ARTS. 2º e 3º DO CDC. A ação de cobrança de honorários advocatícios escapa à competência da Justiça do Trabalho, pois se trata de hipótese inserida no conceito de relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, não configurando, nos termos da lei, relação de trabalho, para fins de aplicação do inciso I do artigo 114 da Constituição. Essa orientação encontra amparo no CDC (Lei n. 8.078/90), que exclui, terminantemente, todas as relações de caráter trabalhista. (00656-2006-009-03-00-7 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 07.11.06) Periciais 1-

ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS DO PERITO PELA EMPRESA JUSTIÇA GRATUITA - RESTITUIÇÃO PELA UNIÃO. Havendo adiantamento dos honorários do perito pela ré e ficando sucumbente o autor - beneficiário da justiça gratuita - no objeto da perícia, incumbe à União restituir à empresa a importância paga, a teor do inciso LXXIV do artigo 5º da CRF. É certo que a execução do referido crédito deve ser processada nos presentes autos, pois, tratando-se de Justiça Federal - como é a Justiça do Trabalho -, a União, em processo de execução, podendo apresentar todas as suas formas de defesa, é a parte passiva na execução da sentença, assegurando-se-lhe a ampla defesa e o contraditório a que se refere o texto da Constituição da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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República, no seu artigo 5º, inciso LV. Cumpre salientar que, no presente feito, não se há de falar na aplicação do Provimento n. 01, de 06 de maio de 2005, com as alterações promovidas pelo Provimento n. 04, de 25 de maio de 2006, ambos deste Tribunal, uma vez que tal instrumento jurídico visa a facilitar o recebimento do crédito pelo perito - auxiliar do juízo que presta serviço da maior relevância -, dirigindo-se, tão-somente, a estes profissionais. (01740-2005-067-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 28.10.06) 2-

AGRAVO DE PETIÇÃO - JUSTIÇA GRATUITA - HONORÁRIOS PERICIAIS ARBITRADOS NA FASE DE CONHECIMENTO - COISA JULGADA. Não há como isentar o reclamante dos honorários periciais fixados na fase de conhecimento, mesmo estando ele sob o pálio da justiça gratuita, quando a condenação está acobertada pela coisa julgada. (01294-2004-059-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 11.11.06)

3-

HONORÁRIOS PERICIAIS - JUSTIÇA GRATUITA - RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO - UNIÃO FEDERAL. 1. A partir da publicação da Lei n. 10.537/02, que acrescentou o art. 790-B à CLT, a isenção dos honorários periciais passou a ser abrangida pela assistência judiciária gratuita, cabendo ao Estado prestar assistência nas hipóteses em que o juízo defere os benefícios da justiça gratuita. 2. Concedidos ao autor os benefícios da gratuidade da justiça, impõe-se a isenção do pagamento dos honorários periciais. 3. Estabelecendo a Constituição Federal no art. 5º, inciso LXXIV, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, à União Federal incumbe a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais quando se tratar a parte sucumbente no objeto da perícia de hipossuficiente beneficiado pela gratuidade da justiça. (00431-2006-134-03-00-9 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 16.12.06) HONORÁRIOS PERICIAIS - JUSTIÇA GRATUITA. O beneficiário da justiça gratuita não fica isento do pagamento dos honorários periciais se obtém algum êxito na reclamação. Nesse caso, o valor dos honorários deve ser deduzido do crédito, uma vez que isto não alterará em nada a situação jurídica de miserabilidade em que se encontrava quando do ajuizamento da demanda. Improcedente a reclamação, aí sim, é imperioso estender os benefícios da gratuidade judiciária, também, aos honorários periciais, isentando-o de seu pagamento, porque aqui haverá dispêndio que poderá prejudicar o seu próprio sustento ou o de sua família. A gratuidade de justiça diz respeito ao pagamento das custas e despesas processuais que importe em desfalcar o patrimônio financeiro da parte em prejuízo do sustento dela ou de sua família, o que não se dá diante da compensação do crédito, já que este compõe apenas o patrimônio econômico. (00720-2006-030-03-00-4 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 14.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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4-

HONORÁRIOS PERICIAIS - NOVO ARBITRAMENTO NO PROCESSO EXECUTÓRIO. Justifica-se o novo arbitramento da verba honorária pela perícia realizada na fase de execução, independentemente do fato de já ter sido efetuado laudo técnico contábil no processo de cognição, quando constatado que o segundo laudo teve que ser refeito pelo expert, por força do comando exeqüendo contido no acórdão regional, que modificou parcialmente a decisão de mérito prolatada em primeira instância, excluindo, limitando e reduzindo parcelas objeto de condenação. (00734-2004-028-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 25.07.06)

5-

HONORÁRIOS PERICIAIS - RESPONSABILIDADE - DISTANCIAMENTO DOS CÁLCULOS - IMPOSSIBILIDADE. A condenação ao pagamento dos honorários periciais não decorre do maior distanciamento entre os cálculos apresentados pelas partes e pelo perito, mas sim do encargo do devedor em ter dado causa material à realização da perícia em face de sua inadimplência no pagamento das verbas salariais oriundas do contrato de trabalho no momento oportuno. (00250-2005-132-03-00-9 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 14.11.06)

6-

AGRAVO DE PETIÇÃO - HONORÁRIOS DE PERITO RESPONSABILIDADE - EXECUÇÃO. Há que se distinguir, para fins de responsabilização de uma das partes pelo pagamento de honorários relativos à perícia elaborada, se o processo está em fase de conhecimento - pendendo ainda incerteza quanto aos direitos do reclamante - ou se está em fase de execução - quando a pretensão obreira já tenha sido confirmada por decisão passada em julgado. Na primeira etapa, tal responsabilidade recai sobre a parte sucumbente no objeto do trabalho apresentado, sendo esta a situação, por exemplo, do reclamante que tenha pleiteado o pagamento de adicional de insalubridade. Em tal hipótese, é fácil notar que, constatando o especialista que havia labor, por exemplo, em local insalubre, o reclamado é a parte perdedora quanto ao tema abordado no laudo, devendo ser responsabilizado pelo pagamento dos honorários. O mesmo ocorre na hipótese inversa - ou seja, quando se constatar que as pretensões do reclamante eram inverídicas -, somente existindo o diferencial de que, sendo o autor beneficiário da justiça gratuita, não se responsabilizará pelo pagamento da verba, conforme o artigo 790-B da CLT. Quando se falar, por outro lado, de processo de execução, a regra é distinta, devendo-se entender que é sempre do executado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários relativos à perícia porventura realizada. É que ele próprio deu causa à prova, não cumprindo a obrigação que lhe foi imposta por lei e pela própria sentença, com força de coisa julgada. Logo, havendo diferença entre o cálculo do executado e o do perito, mesmo que “mais próximo” que o do exeqüente, os ônus dos honorários são sempre de quem tenha dado causa à execução (reclamado). Na verdade, somente se justificaria a inversão da sucumbência quando o executado pretendesse pagar o valor integral do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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débito e o obreiro, por sua vez, postulasse importância superior, promovendo ato inútil consubstanciado em prova pericial. (00446-2005-009-03-00-8 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 16.12.06) HORAS DE SOBREAVISO 1-

HORAS DE SOBREAVISO - USO DO BIP OU TELEFONE CELULAR - NÃOCARACTERIZAÇÃO. O regime de sobreaviso pressupõe que haja restrição à disponibilidade pessoal do empregado, fora de seu horário normal de labor, de forma a impedir que ele se desvencilhe das obrigações inerentes ao contrato de trabalho. Essa circunstância fica afastada quando o empregado, embora devesse manter o celular constantemente ligado, não ficava impedido de locomover-se. Aplicável, no caso, a Orientação Jurisprudencial n. 49 da SDI do TST, segundo a qual o uso do BIP (ou do celular, por analogia) não caracteriza sobreaviso. Apenas se comprovada intensa restrição à disponibilidade do trabalhador é que se configura, por analogia, o tipo legal das horas de sobreaviso. (01194-2005-114-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 14.07.06)

HORAS EXTRAS 1-

HORAS EXTRAS - ALTERAÇÃO PELO EMPREGADOR DA JORNADA CONTRATADA - INVALIDADE. É nula de pleno direito a alteração na jornada de trabalho do empregado, ampliando-a das 4 horas contratadas e praticadas para 6 horas, sobretudo quando não acompanhada da correspondente majoração dos salários, por ofensa ao artigo 468 da CLT. No caso, tal mudança implicou prejuízo direto para o empregado no que toca à configuração e implemento de horas extras e à redução do seu valor do salário-hora. Em face desses prejuízos, torna-se irrelevante eventual anuência do empregado quanto a tal medida. Por conseguinte, devem ser remuneradas, como extras, com o adicional respectivo as horas trabalhadas além da jornada original. (00338-2006-008-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 08.11.06)

2-

HORAS EXTRAS - BANCO DE HORAS - ACORDO INDIVIDUAL INVALIDADE. O que a lei permite por meio de negociação coletiva é a compensação da jornada extraordinária, não havendo previsão legal para a utilização do chamado “banco de horas”, aplicável a períodos de pouca atividade, reduzindo-se a jornada legal em determinados dias e creditandose as horas correspondentes em favor da empresa para posterior utilização. Ainda que se permita tal ajuste por negociação coletiva, tendo em vista o disposto no inciso XXVI do artigo 7º da Constituição da República, não se pode permiti-lo por meio de acordo individual, já que existe evidente desajuste entre a vontade do empregado e a vontade declarada, não se Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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podendo presumir que a intenção do trabalhador consubstanciada na declaração seja a de deixar de pôr em favor do empregador sua força de trabalho, até porque se trata de norma imperativa e irrenunciável (artigo 4º da CLT). (00460-2005-027-03-00-3 RO - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 26.07.06) 3-

EXECUÇÃO DE SENTENÇA - BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS - INTEGRAÇÃO DE DIFERENÇA SALARIAL DEFERIDA EM DECISÃO SUPERVENIENTE. Não ofende a coisa julgada o procedimento consistente em se integrar na base de cálculo das horas extras diferença salarial reconhecida em decisão superveniente àquela em que foi deferido o pagamento das horas extraordinárias, mormente quando se verifica que a questão foi suscitada pela exeqüente na primeira oportunidade em que teve para se manifestar na execução. (01701-1996-015-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 01.09.06)

4-

COMPENSAÇÃO DE HORAS EXTRAS - NORMA COLETIVA INTERPRETAÇÃO. As normas coletivas devem ser interpretadas estritamente, sob pena de se ampliar ou restringir a sua faceta de transação em prejuízo de uma das partes, desequilibrando o ajuste. Por isto, não se pode entender que na previsão genérica de compensação das horas extras estejam incluídos os minutos residuais, ainda mais quando há cláusula expressa cuidando da tolerância em relação a pequenas variações da jornada, na entrada e saída, sem nada se estipular, no entanto, quanto à compensação dos minutos extras com folga em outros dias. (00049-2006-106-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 26.07.06)

5-

HORAS EXTRAS - PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE CARTÕES DE PONTO IMPUGNAÇÃO - DESCABIMENTO. Ao requerer a exibição de cartões de ponto, nos moldes dos arts. 355 e seguintes do CPC, o reclamante os elege como meio de prova. Impossível, por razão lógica, quando assim acontece, a impugnação aos controles de freqüência: não se pode admitir que a exibição requerida ou a sua ausência conduzam a um mesmo efeito. Ao postular a apresentação de documentos, o litigante admite a sua regularidade, ressalvada alegação expressa em sentido contrário. (01166-2003-037-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 18.07.06)

6-

HORAS EXTRAS - REFLEXOS EM REPOUSOS SEMANAIS REMUNERADOS - NOVA REPERCUSSÃO EM OUTRAS PARCELAS INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. O reflexo das horas extras nos repousos semanais remunerados gera, também, uma repercussão daquele reflexo nas férias acrescidas de 1/3, nos 13º salários, no aviso prévio e no FGTS mais 40%. Isso se deve ao fato de que não apenas as horas extras Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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habitualmente prestadas durante os dias úteis são consideradas para o cálculo daquelas parcelas, mas também o valor correspondente a essas horas extras acrescido ao repouso semanal remunerado. É bom lembrar que o valor do repouso semanal remunerado corresponde ao que o empregado receberia se estivesse trabalhando, razão pela qual as horas extras relativas a esses dias também deverão compor o cálculo de outras verbas trabalhistas. Quando o comando exeqüendo defere os reflexos de horas extras em RSR, férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS, implica dizer que aqueles reflexos de horas extras nos dias de repouso deverão compor a base de cálculo das demais parcelas, independentemente de qualquer determinação mais explícita nesse sentido, cabendo apenas ressaltar que, se as horas extras tivessem sido regularmente pagas no curso do contrato, aquela repercussão seria inevitável. (00120-2004-099-03-00-5 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.11.06) HORAS IN ITINERE 1-

HORAS IN ITINERE - INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. Na esteira do § 2º do artigo 58 da CLT e da Súmula n. 90 do TST, é considerado como de trabalho efetivo o tempo despendido pelo empregado no deslocamento até o local de trabalho e retorno, utilizando meios fornecidos pelo empregador, quando inexistente o transporte público regular e se trate de local de difícil acesso. Também gera direito às horas in itinere a incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular. Assim, se os horários do transporte público não atendem ao empregado para efeitos de levá-lo e trazê-lo ao trabalho em local de difícil acesso, não se trata de mera insuficiência do transporte público, mas sim de incompatibilidade de horários, gerando o direito ao pagamento das horas in itinere. (00575-2006-041-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 06.12.06)

2-

ACORDO COLETIVO QUE SUPRIME A REMUNERAÇÃO DAS HORAS IN ITINERE - PRINCÍPIO DO CONGLOBAMENTO. Fundamentando-se a negociação coletiva no primado da autonomia privada coletiva, infrutífero se torna o processo negocial se as partes não se conscientizam de que, através dele, podem produzir um regramento autônomo a ser aplicado no lugar da lei, mesmo em pontos isolados em que esta se mostre aparentemente mais vantajosa. Porém, até para se conferir efetividade ao princípio do conglobamento, faz-se necessário que as partes explicitem quais as vantagens obtidas em troca das respectivas concessões. (00477-2005-088-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 04.07.06) HORAS IN ITINERE - ISENÇÃO DE PAGAMENTO PREVISTA EM NORMA COLETIVA. São indevidas as horas in itinere quando existe norma coletiva Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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expressa isentando o empregador do respectivo pagamento, pelo fornecimento de transporte gratuito aos empregados. O inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal não contempla exceções, que não podem ser apostas pelo interesse individual, submetido à prevalência do interesse coletivo, pela regra da parte final do caput do artigo 8º da CLT. (00683-2005-152-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 30.08.06) HORAS IN ITINERE - NEGOCIAÇÃO COLETIVA - VALIDADE. As normas de natureza coletiva têm força obrigatória no âmbito da base territorial de quem as firmou, regendo os contratos individuais de trabalho dos empregados representados pela entidade sindical. Conseqüentemente, nas questões envolvendo horas in itinere, os acordos ou convenções coletivas de trabalho devem sempre ser observados, já que o direito à percepção daquelas horas não se encontra no rol dos direitos trabalhistas indisponíveis, motivo pelo qual não se justifica a não-aplicação da negociação coletiva entabulada. Assim, o instrumento normativo que exclui ou limita a percepção de horas in itinere tem plena validade e deve prevalecer. Inteligência do inciso XXVI do artigo 7º da Constituição da República de 1988. (00095-2006-074-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 07.10.06) I IMPOSTO DE RENDA 1-

EXECUÇÃO TRABALHISTA - ATUALIZAÇÃO DO DÉBITO - DESCONTOS FISCAIS. Na atualização do débito trabalhista em que há pagamento parcial, a importância devida a título de imposto de renda deverá ser apurada sobre o valor bruto que deu origem ao valor líquido levantado, em consonância com os preceitos contidos nos artigos 718 e 725 do Decreto n. 3.000/99. É inconcebível a adoção de critério consistente na apuração do respectivo desconto sobre o valor líquido levantado, porquanto tal procedimento implica diminuição da base real de incidência. (01350-2000-013-03-00-1 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06)

2-

IRRF - EXECUÇÃO - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O fato gerador do tributo a ser descontado sobre o valor das parcelas deferidas judicialmente somente ocorre quando da disponibilidade do crédito à parte. Dispõe ainda o artigo 46 da Lei n. 8.541/92 que o imposto de renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial deve ser retido na fonte pela pessoa jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, torne-se disponível ao beneficiário. O item I da Súmula n. 368 do Colendo TST dispõe que: “A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo hom*ologado, que integrem o saláriode-contribuição.” Tem-se, pois, que a competência da Justiça do Trabalho para executar encargos fiscais limita-se às contribuições previdenciárias das sentenças condenatórias que proferir e quanto aos valores objeto do acordo, por ela hom*ologados, quanto ao IRRF, somente pode determinar o seu recolhimento. (01044-2002-027-03-00-0 AP - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Publ. “MG” 26.08.06) 3-

IMPOSTO DE RENDA - EXECUÇÃO PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO - INCOMPETÊNCIA. O poder ou competência desta Especializada quanto ao Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF se limita a determinar a comprovação de recolhimento nos autos do processo trabalhista, sob pena de remessa de ofício à Receita Federal. (00261-2004-019-03-00-0 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 07.12.06) IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - DESCONTO SOBRE O CRÉDITO EXEQÜENDO. O empregador é o responsável tributário pelo recolhimento do imposto de renda sobre os rendimentos pagos ao empregado na execução trabalhista, devendo o desconto ser efetuado na fonte. Todavia, nos termos do artigo 114 da Constituição Federal, a Justiça do Trabalho não tem competência para impor o recolhimento do referido tributo. (01871-1996-009-03-00-2 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 16.12.06)

4-

IMPOSTO DE RENDA - RESPONSABILIDADE. O imposto de renda incidente sobre créditos trabalhistas, devidos em virtude de decisão judicial, deve ser suportado por ambas as partes, sendo improcedente o pleito obreiro de que o mesmo não seja extraído de seu crédito, porque não realizado nas épocas próprias. O desconto aludido resulta de dispositivo de lei, e é dedutível das parcelas salariais, no percentual atribuível ao empregado. (01847-2004-059-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 11.08.06)

INDENIZAÇÃO 1-

INDENIZAÇÃO POR AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NA RAIS (RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS). Plenamente viável a pretensão reparatória postulada, por ausência de envio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) pelo empregador. A prova é incontroversa, fazendo jus a obreira à indenização correspondente a um salário mínimo anual. (00164-2006-151-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 02.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

INDENIZAÇÃO - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO INSS - PROVA. Em ação de indenização, na qual o autor alega ter sofrido danos advindos da perda da qualidade de segurado, em virtude de o empregador não ter recolhido oportunamente as contribuições à Previdência Social, é essencial a prova da existência do dano, ou seja, de que o trabalhador deixou de receber do Órgão Previdenciário algum benefício a que faria jus se o empregador cumprisse a tempo e modo suas obrigações perante a Previdência. Além disso, deve ser também demonstrado que o indeferimento do benefício tenha ocorrido em virtude da perda da qualidade de segurado, de modo a configurar o nexo de causalidade entre a conduta irregular do empregador e o dano ao empregadosegurado. Ausentes essas provas, não prospera o pedido de indenização. (00055-2006-106-03-00-3 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco de Barcelos Coura - Publ. “MG” 05.08.06)

INTERVALO INTRAJORNADA 1-

CATADORES DE LARANJA – SALÁRIO-PRODUÇÃO - INTERVALO INTRAJORNADA. Não se exime o empregador do cumprimento de medidas de higiene, saúde e segurança do trabalho, como é o caso do intervalo intrajornada, sob a alegação de que a propriedade possui grandes dimensões. Catadores de laranja, que recebem por produção, devem ter seus intervalos efetivados. (00031-2006-103-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 11.11.06)

2-

FERROVIÁRIO - MAQUINISTA - INTERVALO INTRAJORNADA - HORAS EXTRAS - CABIMENTO. A teor do disposto nos arts. 237 e 238, § 5º, da CLT, o maquinista, integrante da classe “c” da categoria dos ferroviários, tem direito à percepção de horas extras pelo não cumprimento do intervalo intrajornada. A regra que lhe é aplicável mostra-se, inclusive, mais benéfica que o disposto no art. 71 consolidado, na medida em que o tempo destinado ao referido intervalo deve ser computado como de trabalho efetivo. Recurso provido no tocante ao referido aspecto. (01104-2005-152-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Publ. “MG” 07.09.06)

3-

HORAS EXTRAS - INTERVALO INTRAJORNADA - PREVALÊNCIA DA PACTUAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. Os instrumentos normativos que autorizaram a redução do intervalo intrajornada vigentes durante o contrato de trabalho e antes da publicação da Orientação Jurisprudencial n. 342/SDI-I do TST devem ser prestigiados. O que foi coletivamente pactuado, nesse caso, traduz-se como ato jurídico perfeito e acabado, merecendo observância pelos contratantes. Se a própria lei não retroage para disciplinar relação jurídica passada, tampouco a jurisprudência poderá surtir tal efeito, violador da segurança jurídica. (00718-2005-131-03-00-9 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 07.09.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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MAQUINISTA - § 4º DO ARTIGO 71 DA CLT - NÃO-APLICAÇÃO INTELIGÊNCIA DO § 5º DO ARTIGO 238 DA CLT. Pessoal de equipagens de trens, incluídos os maquinistas, têm regulamentação específica em relação ao intervalo intrajornada, porquanto tomam refeições nas próprias composições ferroviárias, fazendo-se substituir pelo auxiliar, ou nas paradas em estações existentes durante o trajeto, computando a integralidade desse tempo como de efetivo serviço, mesmo tendo existido o descanso e a fruição, situação legal que, por encerrar exceção específica, afasta a incidência da regra legal do § 4º do artigo 71 da CLT. (01777-2005-042-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 25.07.06)

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INTERVALO INTRAJORNADA NÃO-USUFRUÍDO INTEGRALMENTE. O artigo 71 da CLT estabelece que ao trabalho que exceder seis horas diárias há a obrigatoriedade de concessão de intervalo de no mínimo uma hora para repouso ou alimentação. As normas concernentes ao intervalo intrajornada são cogentes, de direito público, que visam a preservar a saúde e higidez física e mental dos empregados, não admitindo qualquer restrição, ainda que pela via da negociação coletiva. Frise-se que não só a legislação como também a doutrina e jurisprudência consideram que as disposições relativas à concessão do intervalo para descanso e alimentação são normas imperativas de medicina e segurança do trabalho. Configurando lapso de tempo não remunerado, sendo trabalhado, deve ser pago como labor extraordinário. Logo, qualquer que seja o regime de horário, a pausa não pode ser dispensada. Acrescente-se, ainda, que, nos termos da Orientação Jurisprudencial n. 307 da SDI-I do Colendo TST, a supressão parcial do intervalo assegura ao trabalhador o recebimento de uma hora extra integral. (00533-2006-041-03-00-4 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 16.12.06)

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INTERVALO INTRAJORNADA - IMPOSSIBILIDADE DE SE SOMAREM AS HORAS EXTRAS TRABALHADAS À JORNADA PARA EFEITO DE FIXAÇÃO DE INTERVALO MAIOR. Se a jornada legal do trabalhador era de 6 horas, o seu intervalo intrajornada era de apenas 15 minutos, não lhe sendo possível pretender receber, além das horas extras com o adicional respectivo, a indenização prevista no § 4º do art. 71 da CLT. O intervalo intrajornada é fixado pela lei com base na jornada contratual ou legal, sem considerar as horas extras trabalhadas. (00238-2006-016-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 21.11.06)

INVENÇÃO 1-

INVENTO PRODUZIDO PELO EMPREGADO - DIREITO À INDENIZAÇÃO. O invento produzido pelo empregado, com o uso de recurso e meios materiais da empresa, mas de forma espontânea, ou seja, não decorrente das atribuições inerentes ao seu contrato de trabalho, caracteriza invenção à Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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qual a doutrina chama de casual e, assim, é de propriedade comum às partes, na ausência de disposição convencional em contrário, nos termos do art. 91 da Lei n. 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). (01602-2004-016-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 27.09.06) J JORNADA DE TRABALHO 1-

COMPENSAÇÃO - NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A negociação coletiva que resolve situação específica é eficaz pleno jure e compõe o interesse conflitante. Constitui ato jurídico perfeito, com eficácia reconhecida pela Constituição Federal (art. 7º, inciso XXVI). O estipulado nas normas coletivas, não fustigando o mínimo irrenunciável pelo trabalhador em lei, deve ser respeitado. O ajuste feito mediante acordo ou convenção coletiva tem força vinculante e, como tal, obriga às partes convenentes. Autorizado coletivamente o regime de compensação de horário e provada a sua respectiva adoção, impõe-se determinar sejam as folgas compensatórias observadas quando da apuração das horas extras, sob pena de se chancelar o repudiado enriquecimento sem causa. (00326-2006-039-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 19.08.06) JORNADA EXTRAORDINÁRIA - COMPENSAÇÃO - IMPOSIÇÕES LEGAIS. Não é de livre arbítrio o emprego da compensação de horas extras. Embora a Carta Constitucional faculte a adoção do regime, bem como a redução da jornada, o permissivo é mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (artigo 7º, inciso XIII). A jurisprudência ainda elastece a possibilidade, mas desde que apresentado acordo individual. E mesmo dentro destas hipóteses legais, imprescindível à validade do regime a ausência da habitualidade no labor em sobrejornada (Súmula n. 85 do TST). (00495-2006-091-03-00-6 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06)

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DESCANSOS SEMANAIS REMUNERADOS. A norma infraconstitucional permite que o descanso semanal seja usufruído em outro dia que não o domingo, mas não admite que o seja quando decorridos os sete dias em que está compreendida a semana, sendo vedada a dilatação desse período. O repouso, após seis dias de trabalho, resguarda a saúde física e psíquica do trabalhador, num ciclo que lhe permite razoável convivência familiar e social, além do refazimento de novas energias que previnem o maior risco de acidentes do trabalho (ou doença equiparada). (00623-2006-143-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 15.11.06)

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MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - RECURSO ORDINÁRIO Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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COMÉRCIO VAREJISTA - FUNCIONAMENTO AOS DOMINGOS E FERIADOS - LEI N. 10.101/2000. A Lei n. 10.101/2000 é expressa no sentido de autorizar o funcionamento do comércio varejista em geral, aos domingos, o mesmo não ocorrendo em relação aos feriados, razão pela qual não cabe ao destinatário interpretação diversa, sob pena de ferir o espírito da mens legis. Impõe-se, portanto, a revogação da medida liminar na parte em que autoriza o funcionamento das lojas do impetrante nos dias de feriados, mantendo parcialmente a segurança para permitir o trabalho somente nos domingos. (00131-2006-002-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 29.07.06) MANDADO DE SEGURANÇA - TRABALHO EM FERIADO CÍVICO. O Decreto n. 27.048/49, que aprova o regulamento da Lei n. 605/49, prevê expressamente as atividades para as quais há permissão para o trabalho nos dias de repouso (art. 7º e rol de atividades do Anexo ao Decreto, item II). Já o art. 8º do mesmo Diploma estabelece as situações excepcionais em que se admite o trabalho em dias de repouso. Assim, o funcionamento indiscriminado do comércio em feriado civil atenta contra as normas protetoras ao trabalhador, não atendendo, no caso específico do trabalho no dia 07 de setembro, aos interesses do empregado, que por certo pretende usufruir da data comemorativa junto aos amigos e familiares, participando da festa pública, tampouco aos interesses dos comerciantes, pois este não é um dia de incremento de vendas. Quanto ao art. 6º da Lei n. 10.101/2000, ao autorizar o funcionamento aos domingos do comércio varejista em geral, não estendeu a permissão para o trabalho nos feriados. Em face dessas restrições, que visam à tutela da segurança e saúde do trabalhador, justificase a atuação fiscalizadora da autoridade competente. (00444-2006-030-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 07.07.06) 4-

HORA NOTURNA REDUZIDA. A teor do art. 73 da CLT, as horas trabalhadas no período noturno, isto é, entre as 22h de um dia e as 5h do dia seguinte, devem ser computadas como sendo de 52 minutos e 30 segundos. Assim, por se tratar de imperativo legal, a norma deve ser observada na apuração das horas extras noturnas, independentemente de ter havido determinação no comando sentencial. (01322-1996-027-03-00-0 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 29.07.06)

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MINUTOS RESIDUAIS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO - PERCURSO ATÉ O MARCADOR DE PONTO - TROCA DO UNIFORME - REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE HIGIENIZAÇÃO E OUTRAS - TEMPO À DISPOSIÇÃO. A troca de uniforme faz parte das atividades do empregado, no desenvolvimento do seu trabalho, dentro do estabelecimento empresarial, por se tratar de requisito imposto e indispensável. Assim sendo, o tempo despendido para a troca de uniforme Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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constitui tempo à disposição do empregador, sendo remunerado como extra o período que ultrapassar, no total, a dez minutos da jornada. Quanto ao tempo despendido pelo empregado, no trajeto entre a entrada no estabelecimento de trabalho até o marcador de ponto, correto o entendimento pelo qual se trata de tempo à disposição do empregador, uma vez que, se o obreiro, durante a realização desse percurso, cometesse alguma falta, indubitavelmente seria punido pelo empregador, o que, por si só, já demonstra a sua integração ao ambiente de trabalho, desde aquele momento e, logicamente, a sua disposição para o cumprimento de ordens, sendo, pois, desnecessário que o empregado já esteja efetivamente trabalhando. (00779-2005-024-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 29.07.06) 6-

OPERADORA DE TELECOBRANÇAS - JORNADA REDUZIDA PREVISTA NO CAPUT DO ARTIGO 227 DA CLT - INAPLICABILIDADE. À operadora de telemarketing equipara-se a operadora de telecobranças que, como tal, não faz jus à jornada especial prevista no caput do artigo 227 da CLT para as telefonistas. Isto porque aquelas se valem do telefone tão-somente para atingir o resultado final de suas atividades, e não como único instrumento de trabalho, tendo como função o atendimento e a transmissão de ligações em mesa de ramais que, conforme é consabido, requer extrema atenção, sendo deveras extenuante e, portanto, sujeitando-se à tutela especial da lei. Aplicação do entendimento sedimentado na Orientação Jurisprudencial n. 273 do TST. (00356-2006-109-03-00-6 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06)

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PRORROGAÇÃO DA JORNADA NOTURNA - NÃO-OCORRÊNCIA. Não é devido o adicional noturno em relação às horas trabalhadas após 5h da manhã até as 7h, se comprovado que o reclamante desempenhava suas funções em regime de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, das 19h de um dia até as 7h do dia seguinte. Nesse caso, restou configurada a jornada mista, ou seja, aquela cumprida parte em horário diurno e parte em horário noturno, não se tratando de mera prorrogação de jornada noturna, o que afasta a incidência do previsto no § 5º do artigo 73 da CLT. (01240-2006-152-03-00-6 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 27.10.06)

JORNALISTA 1-

JORNALISTA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONFIGURADORES DA PROFISSÃO. O exercício dessa profissão conta com regulamentação específica e deve ser inferido também do Decreto-lei n. 972/69, seu Regulamento, e da Lei de Imprensa. Embora realizasse entrevistas e redigisse reportagens na área de esportes do clube, este não é empresa jornalística, mas associação destinada à recreação, sendo de clareza meridiana que esse profissional é aquele que tem diploma de curso de nível Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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superior de jornalismo ou comunicação social, fornecido por estabelecimento de ensino reconhecido pelo ordenamento jurídico. Ademais, exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho. (01162-2006-137-03-00-7 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 17.08.06) JUROS DE MORA 1-

CONDENAÇÃO - FAZENDA PÚBLICA - JUROS DE MORA - LEI N. 9.494/97. A teor do disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, acrescentado pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, os juros de mora não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano. (00187-2006-149-03-00-3 AP - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 19.07.06)

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EXECUÇÃO - AGRAVO DE PETIÇÃO - JUROS DE MORA - PARCELA VINCENDA. A incidência dos juros de mora na forma prevista no art. 39 da Lei n. 8.177/91, art. 883 da CLT e Súmula n. 200 do TST tem pertinência na apuração de parcelas cuja época própria de pagamento é anterior à data do ajuizamento da ação. Sobre as parcelas ou verbas vincendas, cuja época própria de pagamento é posterior à data do ajuizamento da ação, devem incidir juros decrescentes ou regressivos. Nesse caso, os juros decaem ou regridem a partir da data em que foi ajuizada a ação. (00235-1999-028-03-00-4 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 28.07.06)

JUSTA CAUSA 1-

JUSTA CAUSA - ABANDONO DE EMPREGO - CONFIGURAÇÃO. A lei não estabelece prazo específico para o empregador agir na hipótese de abandono de emprego; o prazo de trinta dias é uma construção jurisprudencial baseada na razoabilidade. Assim, a ausência do empregado ao serviço por tempo superior ao trintídio; o não atendimento à comunicação para comparecer à empresa, sob pena de configurar-se o abandono de emprego e a declaração de que não há possibilidade de retorno, quando a reclamada colocou o emprego à disposição do obreiro revelam o ânimo inequívoco de não mais prestar serviços ao seu empregador. Justa causa que se mantém. (00024-2006-018-03-00-4 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 11.11.06)

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ATO DE IMPROBIDADE - JUSTA CAUSA. A improbidade é todo e qualquer ato revestido de desonestidade e que acarreta prejuízo ao empregador, a outro empregado ou a terceiro, mas sempre em virtude da relação de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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emprego. O empregado que se pauta por essa espécie de conduta viola compromisso básico assumido perante o seu empregador, abrindo a oportunidade para que o poder disciplinar seja exercido em toda a sua plenitude. O ato de improbidade, ainda que único, permite a aplicação da pena máxima: dispensa por justa causa, capitulada na alínea “a” do art. 482 da CLT. (00320-2006-134-03-00-2 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 01.07.06) 3-

JUSTA CAUSA - DANO MORAL. O instituto da reparação de dano fundado na responsabilidade civil, sobretudo subjetiva, deve ser aplicado com parcimônia, segundo a análise concreta de cada caso, na qual sejam sopesados os comportamentos dos envolvidos, sob pena de, adotando-se conclusões automáticas a partir de conceitos abstratos, estar-se apenas estimulando comportamentos que nada mais são que tentativas de transformação desse precioso instituto em mecanismo de negócios lucrativos, a pretexto da defesa de direitos. Se as circunstâncias dos autos demonstram que a única culpa da empregadora, de fato, foi ter agido excessivamente ao aplicar a justa causa ao reclamante, mas demonstram, também, que este, pelo seu comportamento adotado, foi na verdade o principal causador de toda a situação de que se diz vítima, entendo que não cabe falar em pagamento de compensação por dano moral na espécie, já que o dano ínsito àquela medida patronal já está reparado pela reversão judicial da justa causa e não há como desconsiderar a gravidade concreta da culpa da vítima (aplicação e inteligência do artigo 945 do CCb). (00585-2006-131-03-00-1 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 15.12.06)

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JUSTA CAUSA - IMPROBIDADE - ÔNUS DE PROVA - LIMITE DO PODER DISCIPLINAR - NECESSIDADE DE TRANSPARÊNCIA DOS MOTIVOS DA DISPENSA. A improbidade é todo e qualquer ato revestido de desonestidade e que venha a causar prejuízo ao empregador, a outro empregado ou a terceiro, mas sempre em virtude da relação de emprego. O empregado que se pauta por essa espécie de conduta viola compromisso básico assumido perante o seu empregador, abrindo a oportunidade para que o poder disciplinar seja exercido em toda a sua plenitude. Para alguns autores, comprovado o ato desabonador da conduta do empregado, a justa causa está caracterizada, justificando assim a dispensa motivada. Para outros, além da comprovação cabal da prática do ato faltoso previsto em lei, cabe ao julgador a tarefa de indagar não só sobre os aspectos subjetivos que envolvem o ato, tais como o dolo ou a culpa grave, mas também os elementos objetivos, que se consubstanciam, além de outros, no meio em que a falta foi cometida, na natureza do emprego e no tempo de serviço. Na hipótese vertente, tratando-se de grave imputação, qual seja, improbidade, por suposta falsificação pelo reclamante de documentos com o fito de receber reembolso maior de benefício da reclamada pago aos empregados que estudam, o ato único do empregado, se comprovado, justifica a aplicação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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da pena capital. Por isto, o ônus de prova era da empresa, nos termos do artigo 818 da CLT e inciso II do artigo 333 do CPC, que dele se descurou, mormente quando, confiando na simplista tese de comprovação da falsificação, dispensou a prova grafotécnica, necessária para elucidar a autoria. E grave é a constatação de que a empresa, cujo porte é de conhecimento de todos, pela tão propalada fusão de empresas, dispensou o autor sem explicitar o motivo da pena capital. É direito do empregado saber o motivo de sua dispensa, correspondendo, em contrapartida, à empresa explicitar as razões da quebra do liame laboral, não sendo irrestrito o poder disciplinar, máxime quando está em jogo relação que envolve partes desiguais. Sentença que se mantém, afastando-se a pena capital injustamente aplicada pela ré ao autor. (00435-2006-013-03-00-8 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 07.10.06) 5-

JUSTA CAUSA - CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO, SEM SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA - INÉRCIA DO EMPREGADOR - PERDÃO TÁCITO. Para autorizar a dispensa sem ônus para o empregador, com fundamento na alínea “d” do art. 482 da CLT, o empregado deverá ter sofrido condenação criminal transitada em julgado, sem suspensão da execução da pena. Assim, a partir do momento em que a prisão perder o seu caráter provisório, sem a concessão de sursis, o empregador deverá tomar as medidas cabíveis para efetivar a dispensa motivada, quedandose inerte, presume-se o perdão tácito. (00476-2006-061-03-00-8 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 12.12.06) JUSTA CAUSA - PERDÃO TÁCITO. A doutrina entende como perdão tácito a renúncia do empregador em punir imediatamente a falta do empregado. Tal se configura quando decorre tempo entre o conhecimento do fato e a punição, que fica postergada, como que em compasso de espera, à procura do melhor momento que venha a interessar ao empregador. Ora, o mesmo raciocínio se aplica à alegação de falta grave do empregador. Se o empregado aceita a violação do contrato de trabalho perpetrada desde o início do pacto, sua omissão voluntária equivale ao perdão tácito. (00099-2006-065-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 07.09.06)

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DA JUSTA CAUSA - ALÍNEA “F” DO ARTIGO 482 DA CLT - USO DE CIGARRO DE MACONHA. O reclamante não era usuário habitual de drogas e de entorpecentes, na espécie, a maconha. Se existe apenas um relato de uso de cigarro de maconha nos autos, aliado ao fato de que tal se deu após a prestação de serviços à demandada, ainda que nas cercanias da sua sede, além de não existir nenhum relato ou comprovação de que o reclamante tenha feito uso de entorpecentes durante o seu horário de trabalho, muito menos prejudicado a sua produtividade ou colocado em risco os demais empregados da empresa por esse motivo, mantenho a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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sentença, que afastou a dispensa por justa causa e considerou imotivada a resolução contratual, deferindo as verbas rescisórias pertinentes. (00694-2006-057-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) JUSTIÇA GRATUITA 1-

AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUS POSTULANDI - JUSTIÇA DO TRABALHO - GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JUSTIÇA JUSTIÇA GRATUITA - BENEFICIÁRIO. O chamado jus postulandi autoriza empregados e empregadores a reclamarem pessoalmente na Justiça do Trabalho, além de acompanharem suas ações até o final, independente de estarem assistidos por advogado, e embora possa encontrar como obstáculo o art. 133 da Constituição Federal, permite-se tal atuação também na esfera recursal. Assim, reclamado, que subscreve petição de recurso, tem seu recurso processado com base no referido jus postulandi. A garantia constitucional de acesso de todos à justiça é regulada por norma infraconstitucional, observando-se os requisitos ali exigidos para o seu pleno exercício. Ainda que se considere que, na Justiça do Trabalho, o reclamado, pessoa física, possa ser beneficiário da justiça gratuita, por aplicação do disposto na Lei n. 1.060/50, é certo que o artigo 3º da referida norma não autoriza a isenção do depósito recursal previsto no artigo 899 da CLT, que não possui natureza de taxa e visa à garantia do juízo. (01725-2005-019-03-40-0 AI - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 12.07.06)

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BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA - DECLARAÇÃO NA PRÓPRIA PETIÇÃO INICIAL - ARTIGO 4º DA LEI N. 1.060/1950 E § 3º DO ART. 790 DA CLT. Para ter direito à assistência judiciária, basta à parte declarar na própria petição inicial que não tem condições de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio e o de sua família, nos termos do artigo 4º da Lei n. 1.060/1950, presumindo-se a sua pobreza até prova em contrário (§ 1º). No Processo do Trabalho, o § 3º do art. 790 da CLT estabelece que é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. O estado de pobreza deve ser apurado de acordo com a situação do demandante no momento da propositura da ação ou no curso desta, cabendo à parte contrária provar o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor. (01694-2005-007-03-00-3 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 18.07.06)

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JUSTIÇA GRATUITA - OFÍCIO AO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Os benefícios da justiça gratuita também devem alcançar os valores cobrados pelos cartórios de registro de imóveis, sob pena de se ver frustrada a execução, ante a total impossibilidade de o credor arcar com os custos para a satisfação do seu crédito. (01132-2000-103-03-00-8 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 29.09.06) 4-

JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA JURÍDICA. Na Justiça do Trabalho, a concessão da justiça gratuita está relacionada com a figura do empregado, conforme se infere do art. 14 da Lei n. 5.584/70. Assim, a justiça gratuita, também prevista no § 3º do art. 790 da CLT, é benefício concedido ao hipossuficiente que não puder demandar sem o comprometimento do sustento próprio e de sua família. Embora excepcionalmente admita-se a hipótese de extensão dessa benesse ao empregador pessoa física que não explore atividade econômica, é imprescindível a comprovação da hipossuficiência, já que, não se tratando de empregado, a parte não se beneficia da presunção legal de pobreza. (01113-2005-001-03-00-5 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 01.12.06) L

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 1-

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE HORA EXTRA, SEM LHE FIXAR A BASE DE CÁLCULO - INCLUSÃO DO ADICIONAL NOTURNO HABITUALMENTE RECEBIDO - LEGALIDADE. Não configura ofensa ao § 1º do artigo 879 da CLT e ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal determinar que a base de cálculo da hora extra inclua o adicional noturno, habitualmente recebido pelo empregado, só porque a sentença, condenando no pagamento de “horas extras”, remeteu a quantificação do débito à fase de liquidação, sem determinar expressamente que se computasse o adicional noturno. O conceito de “hora extra” e os parâmetros da sua retribuição defluem, naturalmente, do teor dos artigos 59, § 1º, 64 e 457 da CLT, cuja leitura permite concluir que o cálculo do valor das horas extras toma por base a remuneração do trabalhador, abrangendo os adicionais habituais, que constituem parcelas contraprestativas suplementares. Eliminar o adicional noturno, no caso, afrontaria a lógica: se, pelo trabalho normal, realizado à noite, o empregado recebe o valor da hora normal mais o valor do adicional noturno, não poderia receber menos que isso pelo trabalho noturno extraordinário; o cômputo apenas do adicional de hora extra não constitui remuneração plena pelo labor nessas duas circunstâncias mais gravosas: serviço extra e serviço noturno. O procedimento encontra respaldo na lei e nas Súmulas n. 60 e 264 do TST, e na Orientação Jurisprudencial n. 97 da sua SDI-I. Agravo de petição a que se nega provimento. (00097-1998-027-03-00-6 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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LITISCONSÓRCIO 1-

LITISCONSÓRCIO - PLANO DE SAÚDE - INSCRIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. Não há litisconsórcio ativo necessário unitário na ação ajuizada pelo exempregado, aposentado, destinada à inclusão de dependente como beneficiário do plano de saúde instituído pelo empregador, porquanto a pretensão decorre de ato unilateral e autônomo dele, que independe da presença, em juízo, do dependente ou beneficiário, para ratificá-la. A regra do artigo 10, § 1º, inciso II, c/c o artigo 47, ambos do CPC, não se aplica à espécie. A relação obrigacional se estabelece entre o ex-empregador e o aposentado, em face da relação de emprego havida entre eles, de onde dimana o direito deste de exigir a inclusão do dependente e a obrigação daquele de promovê-la, para os devidos fins. (00458-2006-037-03-00-2 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 12.10.06)

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LITISCONSÓRCIO SIMPLES - DEPÓSITO RECURSAL - NÃOAPROVEITAMENTO. Tratando-se de litisconsórcio passivo simples, o princípio da independência dos litisconsortes impõe que cada um dos réus efetue o depósito, sob pena de ser frustrada a garantia da execução, caso permaneça na relação processual, apenas, a ré que não o efetivou. Ou seja, opostos os interesses dos litisconsortes, como se dessume das respectivas peças contestatórias, cada qual deve efetuar o depósito, para fins de recurso. No caso em tela, a segunda reclamada pretende a sua absolvição, quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício reconhecido com a reclamante, pretendendo, na verdade, sua exclusão da lide, com a absolvição relativamente às parcelas deferidas à obreira. Inaplicável, portanto, o item III da Súmula n. 128 do C. TST, por não se tratar de condenação solidária - já que a primeira reclamada responde, apenas, de forma subsidiária -, bem como pela pretensão da segunda reclamada, em ver-se absolvida da condenação imposta. Não sendo convergentes os objetivos dos litisconsortes, cada qual deverá efetuar o depósito da condenação. Desse modo, não conheço do recurso interposto pela primeira reclamada, por deserto. (00495-2006-043-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 24.11.06) M

MANDADO DE SEGURANÇA 1-

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO - CONTRATO DE SAFRA CUMULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 14 DA LEI N. 5.889/ 73 COM O FGTS - INSPEÇÃO ÀS PROPRIEDADES RURAIS. Na safra, espécie do gênero contrato por prazo determinado, a cumulação de indenizações corresponde a um plus concedido ao safrista em face da própria temporariedade da relação de trabalho, não havendo que se falar em Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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duplicidade nas hipóteses de concessão cumulativa do FGTS com a indenização originada pelo término da safra, pois absolutamente distintos os institutos. Motivo pelo qual não se vislumbra qualquer irregularidade na ordem de inspeção às propriedades rurais, promovida pela autoridade tida por coatora para fins de verificação do cumprimento do artigo 14 da Lei n. 5.889/73 e Precedente Administrativo n. 65/05 da Secretaria de Inspeção do Trabalho. E mesmo que assim não fosse, o próprio dissenso jurídico sobre o tema e a discussão afasta o pretenso direito líquido e certo. Segurança denegada. (02155-2005-153-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 07.10.06) MOTORISTA 1-

JUSTA CAUSA - MOTORISTA - FALTAS REITERADAS. A concessionária do serviço de transporte público não pode e não deve permitir que os seus ônibus atrasem, ainda que um ou dois minutos, porque os seus motoristas não cumprem rigidamente os horários. Deve, sim, haver rigidez no cumprimento de horários, tanto por parte da empresa perante os usuários do transporte coletivo como dos motoristas diante da empresa. O nível de comprometimento dos motoristas com a sua empregadora deve ser, no mínimo, igual ao nível de comprometimento que ela mantém com os usuários do transporte coletivo que fornece. Assim, não se podem tolerar as faltas reiteradas ao serviço, sem justificativa plausível. A dispensa por justa causa deve ser efetuada quando o motorista faltoso, embora punido de forma imediata e pedagógica, com gradação de penas, não altera o seu comportamento. (00056-2006-099-03-00-4 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado José Marlon de Freitas - Publ. “MG” 29.07.06)

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MOTORISTA DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO - INTERVALO PARA REFEIÇÃO - FRACIONAMENTO. É plenamente válido o comando convencional ao estabelecer, diante das peculiaridades do serviço prestado por motorista de transporte coletivo urbano, o intervalo intrajornada fracionado durante o horário de labor. Contudo, pactuação tal no vertente caso, atentando ao previsto coletivamente, ficou condicionada ao mínimo de trinta minutos, ainda que entre uma viagem e outra. Obrigada também a empregadora, através do mesmo instrumento, ao fornecimento de cartões de ponto aos trabalhadores para efetiva marcação e deixando de conter os documentos adunados sequer a pré-assinalação dos lapsos para refeição, faz jus o obreiro, pela ausência de prova qualquer da efetiva concessão, às horas extras decorrentes. (00337-2006-001-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06)

MULTA 1-

MULTA DIÁRIA. A cominação de multa diária por atraso na entrega do valor da reserva matemática é faculdade do juízo prevista no art. 461, caput e § Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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5º, do CPC, independendo de pedido exordial, dado que se trata de medida que visa assegurar o resultado prático da decisão. (01489-2004-060-03-00-6 RO - 5ª T. - Rel. Juíza Convocada Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo - Publ. “MG” 29.07.06) 2-

MULTA DIÁRIA - INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. Não incidem correção monetária e juros de mora sobre a multa diária fixada em sentença para o caso de descumprimento de obrigação de fazer, eis que não se trata de crédito trabalhista propriamente dito, mas de penalidade imposta com a finalidade de assegurar o adequado adimplemento daquela obrigação, podendo o juiz, inclusive, modificar o valor ou a periodicidade da multa caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, a teor do disposto no § 6º do art. 461 do CPC, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho. (00322-2000-061-03-00-0 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 06.10.06) N

NORMA COLETIVA 1-

CONVENÇÃO COLETIVA - AMPLIAÇÃO E MELHORIA DA SEGURANÇA DO TRABALHO - VALIDADE. No Direito do Trabalho, a hierarquia normativa não observa uma ordem rígida, prevalecendo a norma mais favorável ao trabalhador. Este princípio, somente, sofrerá limitação, quando se tratar de norma contrária às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Tratando-se de norma autônoma, livremente pactuada, pelos sindicatos representantes das categorias econômica e profissional, que estabelecem melhores condições de segurança aos trabalhadores, diretamente expostos ao risco, a referida norma melhora as condições de trabalho, garantindo maior segurança, para os empregados da específica categoria profissional, cumprindo a sua finalidade teleológica. Desse modo, não há qualquer ilegalidade da norma que, criando maiores garantias da segurança dos empregados, fora livremente acertada entre os seus legítimos representantes. (00578-2006-009-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 24.11.06)

2-

NEGOCIAÇÃO COLETIVA - LIMITES - TRABALHO POR ATÉ 12 DIAS SEM DESCANSO - INVALIDADE DA NORMA COLETIVA NEGOCIADA. A negociação coletiva se desenvolve dentro de evidentes limites, não podendo desbordar os lindes impostos pelas normas de indisponibilidade absoluta, porque imantadas de uma imperatividade mais acentuada, ditada pela necessidade de se preservar um núcleo de direitos trabalhistas inafastável, como o retratado por normas de segurança, saúde e higiene do trabalhador. Nesse quadro, não se afigura adequado lançar-se em interpretação irradiante, admitindo-se negociação ilimitada, sob o fundamento de que até mesmo o salário poderia ser transacionado (inciso VI do art. 7º da CR/88); não há qualquer norma, muito menos constitucional, permitindo a negociação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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sem limites. Consagrando esse entendimento, o Col. Tribunal Superior do Trabalho editou a OJ da SDI-I do TST n. 342 que estabelece barreiras à autonomia privada coletiva, quando se têm em vista normas de segurança, higiene e saúde do trabalhador. É possível afirmar, portanto, a invalidade da norma coletiva negociada que impõe ao obreiro trabalho por até 12 dias seguidos, sem repouso, porque lhe retira do convívio sociofamiliar e lhe impõe quadro de fatiga acentuado. (00010-2006-143-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 08.07.06) 3-

NORMAS COLETIVAS - OBSERVÂNCIA - EMPREGADO CONTRATADO NA SEDE DA EMPRESA, MAS QUE PRESTOU SERVIÇOS EM VÁRIAS LOCALIDADES. Devem ser observadas as normas coletivas aplicáveis na sede da empresa quando demonstrado que o autor foi admitido neste local, embora tenha prestado serviços em várias localidades, não estando a ré sujeita à observância de convenção coletiva em que a mesma não se encontra representada pelo seu sindicato patronal. (00579-2006-044-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 31.08.06)

4-

NORMAS COLETIVAS - VALIDADE. Em atenção ao princípio constitucional da autonomia coletiva, somente são suscetíveis à declaração de nulidade as cláusulas coletivas que violem direitos indisponíveis dos empregados, tais como o direito à saúde e à segurança no trabalho. A prorrogação de jornada em turnos ininterruptos não fere direito indisponível, ao contrário, constitui exceção constitucionalmente prevista. (00546-2005-092-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 07.09.06)

5-

NORMA COLETIVA - SEGURO DE VIDA - INDENIZAÇÃO. Tem direito à percepção de indenização substitutiva o empregado que se aposenta por invalidez e, por culpa da empregadora, não recebe o seguro de vida estipulado na norma coletiva, que determina que as empresas contratarão ou manterão, em favor de seus empregados, um seguro de vida e acidentes pessoais em grupo, prevendo indenização para os casos de aposentadoria por invalidez. No entanto, não comprovando o reclamante que tenha deixado de usufruir seu direito por culpa da empresa, conclui-se pela impossibilidade da responsabilização da ré pela indenização substitutiva do seguro de vida pleiteado. (00178-2006-014-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 29.07.06)

NORMA LEGAL 1-

CONFLITO DE LEIS NO TEMPO - EFEITO IMEDIATO X RETROATIVIDADE. Em nosso sistema jurídico, os conflitos de leis no tempo são resolvidos segundo o princípio do efeito imediato. Assim, uma lei nova tem aplicabilidade Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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imediata, atingindo todos os contratos que, à data de sua vigência, encontremse em curso, independentemente do momento de sua constituição. O efeito imediato não se confunde com retroatividade, casos em que se admitiria a aplicação da lei nova a situações pretéritas. Assim, a norma inovadora não pode alcançar apenas e tão-somente o período anterior à sua vigência, bem como os contratos que já se encontrem extintos, quando da sua vigência. (00322-2006-074-03-00-2 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 09.08.06) NULIDADE PROCESSUAL 1-

NULIDADE PROCESSUAL - ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - INTIMAÇÃO PESSOAL. É assegurado à agravante o direito de ser intimada na pessoa de seu representante judicial, através da Procuradoria Federal, na forma da Lei Complementar n. 73/93, artigo 38, Lei n. 9.028/95, artigo 6º, e Lei n. 10.910/04, artigo 17 e da MP n. 2180-35, artigo 11-B. No entanto, se não demonstra vício quanto à inobservância da forma especial de intimação, não se acolhe nulidade do ato. Mais ainda quando deixou consumar a preclusão lógica, argüindo nulidade por falta de intimação da decisão de embargos de declaração da sentença que julgou embargos à execução, não pela via recursal própria do agravo de petição (CLT, artigo 884), mas pelo manejo de novos embargos à execução. (00873-1991-067-03-00-0 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 19.07.06)

2-

EXECUÇÃO - IRREGULARIDADE DE CITAÇÃO - PROCESSO EXECUTÓRIO - VALIDADE. No Processo do Trabalho, só se admite a nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes, conforme preceitua o art. 794 da CLT. Admitir a nulidade nessa fase por irregularidade flagrantemente sanada é macular sobremaneira o princípio da celeridade processual que permeia o Processo do Trabalho na defesa dos direitos alimentícios. (00985-2005-048-03-00-0 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 07.09.06)

3-

NULIDADE - CITAÇÃO NO PROCESSO TRABALHISTA IMPESSOALIDADE - EXECUÇÃO. O processo judiciário do trabalho norteiase por princípios que lhe são peculiares, por exemplo, o da impessoalidade da citação, da promoção da execução por qualquer interessado ou até ex officio pelo próprio juízo. Assim é que, se o próprio empregador pode se fazer substituir pelo gerente ou preposto, para representá-lo judicialmente no processo de conhecimento, estes têm também legitimidade para receber citação para a execução. Não se fala em nulidade por vício de citação, se a executada comparece em juízo para se defender após a penhora de bens de sua propriedade, dentro do prazo legal, sem qualquer prejuízo. (00961-2005-048-03-00-0 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.10.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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P PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS 1-

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS - TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DOS EMPREGADOS. A participação nos lucros ou resultados (inciso XI do artigo 7º da Constituição Federal vigente) constitui instrumento de integração entre capital e trabalho, bem como um incentivo à produtividade (Lei n. 10.101 de 2000). A apuração do seu valor está relacionada com o resultado obtido pela empresa em decorrência do trabalho desenvolvido por todos os seus empregados em um determinado ano. Logo, configura procedimento discriminatório excluir do alcance da parcela aqueles empregados que contribuíram para o resultado alcançado, ainda que não tenham trabalhado durante todo o ano e independentemente de terem pedido demissão da empresa. A hipótese não é de condição mais benéfica a ensejar interpretação restritiva, nos termos do artigo 114 do novo Código Civil, mas de norma coletiva regulamentadora de verba assegurada em preceito constitucional e que, portanto, não poderia deixar de observar o tratamento isonômico dos beneficiários da vantagem. (00498-2006-019-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar - Publ. “MG” 31.08.06)

PENHORA 1-

AVALIAÇÃO - ERRO. No Processo do Trabalho, quem faz a avaliação dos bens penhorados é o oficial de justiça avaliador que, como o nome já diz, detém tal incumbência. Tal serventuário detém institucionalmente fé pública e somente em casos excepcionais seria possível determinação judicial para reavaliação ou nova avaliação do bem penhorado. A viabilidade da impugnação, nos casos concretos, depende da apresentação de elementos objetivos que mostrem o erro da avaliação. (01122-2005-048-03-00-0 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 07.09.06) AVALIAÇÃO DO IMÓVEL PELO OFICIAL DE JUSTIÇA - INSURGÊNCIA ÔNUS DA PROVA. As declarações prestadas pelo oficial de justiça avaliador têm fé pública, sendo ele profissional habilitado para proceder à avaliação dos bens penhorados (artigos 721 da CLT e 143 e 144 do CPC), servidor de confiança do juízo, que atua com imparcialidade no processo. Portanto, diante da presunção de veracidade de que são dotados os atos desse servidor, incumbe à parte que alega incorreção na avaliação por ele realizada juntar aos autos prova firme e inconteste nesse sentido. (01031-2005-048-03-00-4 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 30.09.06)

2-

BEM DE FAMÍLIA - IMÓVEL DESTINADO A USO RESIDENCIAL E COMERCIAL - INDIVISIBILIDADE. Prevalece a impenhorabilidade de imóvel Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que, parcialmente comercial, destina-se também ao abrigo dos devedores, porque elementarmente indivisível. A utilização do bem de família não admite precisa divisão, portanto, não autoriza inflexão estatal parcial, porque “intangível de lege lata”, sendo nenhuma a força incoativa da penhora lavrada. (01291-2001-015-03-00-5 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.10.06) 3-

AGRAVO DE PETIÇÃO - AUSÊNCIA DE BENS DA EMPRESA EXECUTADA - PENHORA DE BEM DO SÓCIO. Contando com regulamentação própria no aspecto, a sistemática processual desta Especializada não está adstrita unicamente àquela específica da Lei Processual Civil, o que condiz com os princípios que a regem e o caráter de celeridade de seus atos, justificando, independentemente de maiores formalidades, a penhora de bem do sócio, imediatamente após o insucesso na tentativa de constrição de bens da própria empresa executada, inexistindo, pois, qualquer razão para se pretender agora a substituição do bem já penhorado por outros supostos bens, de propriedade da empresa executada, uma vez que esta deixou de apresentá-los à penhora oportunamente, ocasionando, inclusive, significativo atraso na conclusão da prestação jurisdicional. (01288-2004-015-03-00-4 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 18.11.06)

4-

PENHORA - BEM IMÓVEL - DIREITO DE SAISINE. Em que pese ao fato de os arts. 1.245 e 1246 do Código Civil brasileiro disporem que a transferência de propriedade do bem imóvel só se efetiva com a transcrição no Cartório de Registro de Imóveis correspondente, com base no princípio que rege o direito hereditário, segundo o qual a transmissão automática dos direitos que compõem o patrimônio da herança aos sucessores com toda a propriedade, a posse, os direitos reais e os pessoais, neste caso, tem-se que a propriedade do bem se transferiu, de imediato, aos herdeiros do de cujus. Dessa forma, inegável o direito líquido e certo dos herdeiros de obterem a desconstituição da penhora judicial efetivada sobre o quinhão do bem imóvel, sobretudo porque não figuraram no título executivo judicial da ação trabalhista. (00407-2006-109-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 26.10.06)

5-

BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO REALIZADO SOB O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL - PENHORA - PAGAMENTO DAS DÍVIDAS - EXCLUSÃO DA MEAÇÃO DO CÔNJUGE. Os bens adquiridos na constância do casamento realizado sob o regime de comunhão parcial respondem pelo pagamento das dívidas contraídas exclusivamente por um dos cônjuges, salvo se o outro cônjuge desincumbir-se do ônus de provar, de forma irrefutável, que essa não reverteu em benefício do casal, para obter a exclusão da penhora de sua meação. (01236-2005-099-03-00-2 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 12.10.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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6-

PENHORA DE BENS PARTICULARES DE SÓCIA RETIRANTE DA SOCIEDADE APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA POSSIBILIDADE. É responsável pelo débito em execução a sócia que não indicou bens da empresa “sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito” (cf. parágrafo único do art. 827 do Código Civil c/c parágrafo único do art. 8º da CLT), após empreendidos todos os esforços para o adimplemento do débito por parte da pessoa jurídica - devedora principal. Prevalece este entendimento, ainda que comprovado ter a sócia da empresa se retirado da sociedade depois do ajuizamento da ação trabalhista, uma vez que ela compunha o quadro societário durante a relação empregatícia. Revela-se lídimo, pois, o direcionamento da execução contra os seus bens particulares, mesmo que a sociedade seja por quotas de responsabilidade limitada e que a ex-sócia não tenha participado da ação principal, na fase cognitiva, ante a frustração verificada quanto aos bens da sociedade. Frise-se que o exeqüente não pode ficar indefinidamente à espera de ver adimplidos os seus créditos apenas pela sua empregadora. Agravo de petição a que se nega provimento. (01606-2001-031-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 24.11.06)

7-

CONSTRIÇÃO JUDICIAL - BLOQUEIO DE CONTA BANCÁRIA. A penhora efetivada sobre numerário existente em conta bancária deverá se ater estritamente ao saldo, na realidade, atribuído ao titular da conta, o qual figura como executado, não podendo alcançar o valor concernente a cheque especial, porquanto tratar-se de quantum pertencente a instituição bancária que o disponibiliza a título de empréstimo bancário. (01044-2001-004-03-00-5 AP - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 05.12.06)

8-

PENHORA - CONTA BANCÁRIA CONJUNTA - BLOQUEIO VIA BACEN JUD. Os titulares de conta bancária conjunta, conforme é consabido, podem movimentá-la indistintamente, podendo dispor, inclusive, de todo o saldo nela existente. Em assim sendo, resta patente a solidariedade entre os respectivos titulares no tocante aos débitos a serem pagos com o montante constante na aludida conta, sendo, pois, válido o bloqueio sobre os valores devidos por um dos titulares, ainda que corresponda ao total do saldo existente, pouco importando se o embargante/agravante participou do processo de conhecimento que culminou no bloqueio ora em apreço, até porque não se viu privado do seu direito de defesa, valendo-se, para tanto, dos embargos de terceiro e do agravo de petição por ele interpostos. (01292-2006-063-03-00-8 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06)

9-

AGRAVO DE PETIÇÃO - COTAS DE SOCIEDADE POR RESPONSABILIDADE LIMITADA - LEGALIDADE. As cotas de sociedade não são absolutamente impenhoráveis, razão pela qual não procede o argumento de ofensa ao inciso I do artigo 649 do CPC, ainda que conste do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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contrato social a impossibilidade de sua transferência a terceiros estranhos à sociedade. O devedor responde para o cumprimento de suas obrigações com todos os bens presentes e futuros, conforme artigo 591 do CPC. Não se concebe a imposição de cláusula de inalienabilidade a bens e direitos próprios, sob pena de se legitimarem a fraude à execução e a fraude contra credores. A inalienabilidade a que se refere o art. 649, inciso I, é aquela decorrente de cláusula instituída por terceiros em doação ou testamento e não aquelas em que os proprietários pretendem proteger seus bens em detrimento dos credores. Destarte, a cláusula de inalienabilidade das cotas de sociedades é válida somente entre os sócios, não atingindo terceiros, muito menos os credores daqueles. Agravo de petição conhecido e desprovido. (00816-1996-030-03-00-0 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 16.09.06) 10 -

CRÉDITOS DE CONTA CORRENTE. Mesmo em se tratando de execução provisória, não se configura ofensa ao princípio da menor onerosidade da execução para o devedor (art. 620 do CPC) o fato de a constrição patrimonial recair sobre valores de sua conta corrente, quando os bens por ele nomeados não garantirem a satisfação do crédito trabalhista. (00651-2004-013-03-00-1 AP - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 16.09.06)

11 -

PENHORA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE ANÔNIMA - DIRETOR TÉCNICO - IMPOSSIBILIDADE. A lei prevê hipóteses em que o administrador ou diretor da sociedade anônima responde pessoalmente pelos débitos contraídos pela empresa, diante da sua dissolução irregular, por violação de lei ou do estatuto. Se o diretor não se ocupou do exercício de cargos de administração e direção da empresa devedora, praticando atos de gestão, gerenciando apenas o setor técnico empresarial, não se pode cogitar validamente de sua responsabilidade, se o conjunto probatório demonstra que esse diretor não detinha qualquer poder de gerência ou decisão nos atos praticados na empresa devedora. (01573-2001-103-03-00-0 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.12.06)

12 -

PENHORA DE NUMERÁRIO DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE DA EXECUTADA - POSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA EXECUÇÃO MENOS GRAVOSA - INAPLICABILIDADE. É certo que, conquanto o devedor responda, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, presentes e futuros (exceto as restrições previstas em lei), como afirma o art. 591 do CPC, não se pode pensar que, em nome desse mandamento legal, seja lícito ao Estado (e ao credor) retirar do patrimônio dele bens indispensáveis à sua sobrevivência e à da família; necessários ao exercício da profissão; vinculados ao sentimento de religiosidade etc. Enfim, o fato de alguém ser devedor de outrem não é razão bastante para justificar a deflagração, contra ele, de atos executivos capazes de afrontar-lhe a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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dignidade, como ser humano, permitindo que todos se lancem a um tripúdio que não apenas o submete a essa degradação moral, mas que não se coaduna com o verdadeiro escopo da execução, enquanto método estatal destinado a obter o eficaz e pleno atendimento de um crédito. Esses foram, por certo, os motivos que levaram o legislador a deixar alguns bens à margem da execução forçada. Essa preocupação legislativa, aliás, de preservar a dignidade do credor, pode ser detectada no art. 620 do mesmo texto processual, a teor do qual, quando a execução puder ser promovida por diversos meios, “o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Note-se que a norma não encerra mera faculdade do juiz, correspondendo, isto sim, a um comando imperativo (“mandará que se faça”), do qual, por princípio, ele não pode afastar-se. A própria Constituição da República manifesta uma nítida consciência a respeito da necessidade de o devedor não ser confundido com um criminoso, ao enunciar o princípio de que inexistirá prisão civil por dívida - tirante os casos de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII). É certo que a penhora deve recair sobre bens do patrimônio do devedor, sendo correto também que algumas normas são estabelecidas pela lei, no sentido de ordenar melhor a prática desse ato, pertinentes ao seu objeto, ou seja, aos bens sobre os quais a penhora pode recair. Nem todos os bens, ex vi da legislação aplicável à matéria, são penhoráveis, regra instituída em função do princípio de que os efeitos da penhora devem gravar o executado o mínimo possível, limitando-se à satisfação da execução. Não podem, assim, ser penhorados os bens que por disposição expressa da lei estiverem cercados dessa proteção, por serem impenhoráveis ou inalienáveis. Esta, por certo, não é a hipótese dos autos, não havendo qualquer ilegalidade no que tange à penhora em numerário da executada, nos termos do Prov. n. 01 de 2003 do TST. A alegação de que os valores haveriam de ser utilizados como capital de giro não tem o condão de desconstituir a penhora, visto que o risco da atividade econômica é da empresa, máxime quando a executada trata-se de uma empresa de grande porte e tem condições plenas de arcar com a presente execução, somente não o fazendo pelo simples intuito de procrastinar o feito. Com efeito, o crédito trabalhista tem prioridade máxima, não se podendo deixar o exeqüente sem essa satisfação, ainda mais considerando que a dívida trabalhista é antiga e que também deve figurar entre aquelas obrigações primordiais da empresa. Não é crível de se admitir que a executada pretenda quitar obrigações atuais, deixando o reclamante a ver navios. Este não é o escopo da Justiça do Trabalho que, ao contrário, prima pela concretização e satisfação definitiva de suas decisões. Não pode o trabalhador, que deu sua força física em troca de alimento, após longo caminho na tramitação do processo, tolerar mais postergações no pagamento do que lhe é devido. Se é possível a concretização final da execução através da penhora em dinheiro, que assim se proceda, não havendo se falar em inconstitucionalidade dessa decisão. Sentença de primeiro grau que se mantém incólume. (00169-1999-100-03-00-5 AP - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 08.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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PENHORA EM DINHEIRO. Nos termos do item I da Súmula n. 417 do TST, não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que determina penhora em dinheiro do executado, em execução definitiva, para garantir crédito exeqüendo, uma vez que obedece à gradação prevista no art. 655 do CPC. Ademais, a consolidação dos Provimentos do TST, no seu artigo 53, recomenda a utilização do sistema BACEN JUD, com precedência sobre outras modalidades de constrição judicial. (00755-2002-112-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Juíza Convocada Gisele de Cássia Vieira Dias Macedo - Publ. “MG” 29.07.06) 13 -

EXCESSO DE PENHORA - AVALIAÇÃO - SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO BEM. O valor do bem penhorado pode ser superior ao do crédito exeqüendo, pois este deve ser atualizado e há outras despesas processuais que devem ser quitadas. De todo modo, qualquer valor que exceder ao crédito exeqüendo, acrescido das demais despesas processuais, é devolvido ao executado. No que tange à possibilidade de substituição do bem penhorado, o art. 668 do CPC garante ao devedor substituí-lo por dinheiro e não por outro bem móvel. (00233-2005-142-03-00-9 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 19.12.06) EXCESSO DE PENHORA. A penhora, de acordo com as disposições contidas no artigo 659 do CPC, tem o escopo de garantir não somente o pagamento do débito principal, crédito trabalhista, de natureza alimentar, frise-se, mas também dos juros de mora, custas processuais e honorários advocatícios, não configurando o excesso de penhora o fato de o valor do bem ser superior ao do crédito exeqüendo, mormente se consideradas as futuras atualizações, salientando-se que o valor do bem penhorado pode ser depreciado, quando da hasta pública. Ademais, o débito exeqüendo é passível de remição, na forma prevista no art. 651 do CPC e, caso o bem seja arrematado ou adjudicado por valor superior, o remanescente será devolvido ao devedor, não lhe acarretando nenhum prejuízo. (00406-2006-144-03-00-2 AP - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 19.08.06)

14 -

AGRAVO DE PETIÇÃO - IMPUGNAÇÃO À AVALIAÇÃO - EXCESSO DE PENHORA. A avaliação do bem penhorado é feita por oficial de justiça avaliador, possuidor de fé pública e devidamente qualificado para o ofício, de modo que cabe ao executado, se entender incorreto o valor atribuído ao bem, por ocasião da penhora, demonstrar cabalmente o equívoco do servidor. A avaliação feita por particular, a pedido da agravante, não basta para tal fim, não sendo, por si só, documento hábil a desqualificar aquela realizada pelo serventuário da Justiça. (01526-2003-086-03-00-8 AP - 1ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 28.07.06)

15 -

PENHORA SOBRE FATURAMENTO BRUTO DA EXECUTADA - EXECUÇÃO Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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DEFINITIVA - AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE - ITEM I DA SÚMULA N. 417 DO TST. Tratando-se de execução definitiva, é cabível, nos termos do item I da Súmula n. 417 do TST, a penhora sobre o faturamento bruto da executada, devendo, quando da penhora, existir coerência jurídica, em consonância com o disposto na OJ n. 93 da SDI-II do TST, de maneira que a constrição judicial não afete a continuidade dos negócios empresariais, sem se descurar ainda do contido no art. 620 do CPC, no sentido de que a execução deva se processar da forma menos gravosa para o devedor. Agravo de petição ao qual se deu provimento parcial a fim de determinar a penhora de 10% do faturamento bruto da executada (agravada), até atingir o total do débito executório. (01352-2005-036-03-00-9 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 14.09.06) 16 -

PENHORA DE FRAÇÃO DE IMÓVEL INDIVISÍVEL. Na hipótese de o imóvel dado em garantia da dívida trabalhista, adquirido por herança, pertencer a mais de uma pessoa e tratar-se de bem indivisível, sendo penhorada apenas a fração ideal do executado, devem os co-herdeiros ser intimados dos atos relativos à constrição, mormente porque, em caso de venda judicial, podem exercer seu direito de preferência, na forma do art. 1.322 do Código Civil. (00372-2000-043-03-00-6 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 22.09.06)

17 -

IMÓVEL GRAVADO COM ÔNUS REAL - HIPOTECA - PENHORA. O crédito trabalhista tem natureza alimentar ou alimentícia, o que o torna privilegiado, na ordem jurídica brasileira, tendo preferência sobre outros de qualquer natureza - inclusive, em relação aos créditos de natureza tributária. Por força do artigo 889 da CLT, aplica-se à hipótese dos autos a norma contida no artigo 30 da Lei n. 6.830/80, segundo o qual responde, pela dívida, a totalidade dos bens e rendas do devedor, de qualquer origem ou natureza, seu espólio ou massa, inclusive, os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula. Logo, a hipoteca não gera qualquer óbice à constrição judicial, sendo irrelevante a data da constituição do ônus. (01627-2005-106-03-00-0 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 15.12.06)

18 -

PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRABALHISTA SOBRE O CRÉDITO HIPOTECÁRIO. É perfeitamente legal a penhora sobre bem gravado com ônus real. Isto porque o crédito trabalhista, pelo seu caráter alimentar, possui privilégio especial, preferindo o hipotecário na ordem legal, independentemente da data da constituição do ônus real. Inteligência dos artigos 184 e 186 do CTN. Além disso, a hipoteca extingue-se pela arrematação, a teor do disposto no inciso VI do art. 1.499 do CCb, passando o credor hipotecário a possuir somente o chamado “direito de seqüela” sobre o valor que remanescer, após o integral pagamento do crédito de natureza trabalhista. (00928-2005-028-03-00-6 AP - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 22.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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IMPUGNAÇÃO À PENHORA - OBSERVÂNCIA DO QÜINQÜÍDIO LEGAL. Se a executada, embora sob o título de embargos de terceiro, manifesta, em tempo hábil, o seu inconformismo com referência à penhora efetivada, apresentando a impugnação à penhora dentro do prazo de cinco dias, contado a partir da realização da constrição judicial, tem-se que, levandose em conta o princípio da fungibilidade, os embargos, mesmo que sob a rubrica de terceiro, devem ser admitidos e processados como embargos à execução. (00379-2006-110-03-00-0 AP - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 02.11.06)

20 -

MANDADO DE CITAÇÃO E PENHORA - INCLUSÃO DO VALOR DEVIDO A TÍTULO DE IMPOSTO DE RENDA. A importância da condenação engloba o imposto de renda, não havendo dispositivo que autorize a exclusão do valor respectivo. A penhora ou depósito garantidor da execução é sobre o valor bruto da condenação, sendo esta a letra da lei: “penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação”. A tanto equivale afirmar que a execução se processa por todo o crédito exeqüendo e não pelo valor líquido devido ao exeqüente, sendo boa a lembrança da composição obrigacional reconhecida no título executivo, que é pelo todo. (00038-2003-024-03-00-7 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 14.12.06)

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DEFESA DA MEAÇÃO DO CÔNJUGE. É assegurado ao cônjuge o direito de defender a sua meação. Entretanto, esse direito é resguardado em relação ao conjunto de todos os bens pertencentes ao casal, eis que a meação de cada cônjuge incide sobre a universalidade dos bens e não apenas sobre uma parte isolada. (00123-2006-080-03-00-6 AP - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 31.08.06)

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PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS - EMBARGOS DE TERCEIRO COMPETÊNCIA. É competente para julgar embargos de terceiro o juízo que determinou a constrição real, e não aquele que ordenou a penhora no rosto dos autos, pois esta permanece jacente ou incompleta, incidindo apenas sobre eventuais bens ou créditos remanescentes daquela constrição, nos termos do art. 674 do CPC. Só numa segunda fase é que a averbação nos autos pode se convolar em penhora real pela apreensão de bens, assegurando-se os respectivos direitos processuais a quem se sentir lesado ou ameaçado. (01666-2005-019-03-00-6 AP - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 31.08.06)

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INCISO IV DO ARTIGO 649 DO CPC - IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO - EXECUÇÃO TRABALHISTA. Em se tratando de execução trabalhista, o inciso IV do artigo 649 do CPC deve ser aplicado com prudência e Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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razoabilidade, interpretando-se a expressão “pagamento de prestação alimentícia”, nos termos do §1º-A do artigo 100 da Constituição Federal. Assim sendo, revela-se possível e viável a penhora de parte do salário percebido pelo executado, desde que a constrição judicial não importe em sonegação do mínimo necessário à sua subsistência e que tenham sido esgotadas todas as diligências no sentido de se encontrarem bens suficientes à garantia da execução. (00821-2005-106-03-00-9 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 16.12.06) 24 -

PENSÃO ALIMENTÍCIA - PENHORA - IMPOSSIBILIDADE. O valor alusivo à pensão alimentícia não pode ser objeto de penhora, arresto ou seqüestro, sendo nula de pleno direito a constituição de qualquer ônus sobre ele (inciso VII do art. 649 do CPC). Isto, porque, pensão, lato sensu, significa toda a contribuição ou abono periódico devido a uma pessoa, sem qualquer contraprestação de serviços, para que possa atender à manutenção pessoal ou familiar (alimentos, aposentadoria, invalidez). Constatado nos autos que foi constrito judicialmente o valor integral constante da conta bancária de titularidade da executada destinada ao recebimento de pensão alimentícia, deve ser resguardada a importância objeto de ajuste celebrado junto ao Juízo Comum da Vara Federal. (01201-2004-099-03-40-7 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 14.12.06)

25 -

PROVENTOS DE APOSENTADORIA - IMPENHORABILIDADE. Os créditos trabalhistas, conquanto revestidos de natureza alimentar, não se enquadram na definição legal de “alimentos”, considerados como tais os que são devidos em razão de parentesco, matrimônio ou união estável, para a subsistência e manutenção de uma pessoa, aí incluídos os alimentos naturais, habitação, saúde, educação, vestuário e lazer. Nos termos do artigo 1.707 do Código Civil, a prestação de alimentos é irrenunciável pelo credor e o respectivo crédito é insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Assim, inviável equipará-los aos créditos trabalhistas, não prosperando a pretensão do exeqüente de determinação de penhora de proventos de aposentadoria da executada para a satisfação do crédito em execução nos autos, em consonância com o preceito contido no inciso IV do artigo 649 do CPC, que dispõe acerca da sua impenhorabilidade. Agravo de petição a que se nega provimento. (00087-1999-014-03-00-5 AP - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 28.11.06)

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AGRAVO DE PETIÇÃO - VALOR DA AVALIAÇÃO. Relativamente ao valor atribuído ao bem, em reavaliação, pelo oficial de justiça, devem ser consideradas as condições do bem penhorado. Deve ser ressaltado, ainda, que, cabendo aos oficiais de justiça avaliadores da Justiça do Trabalho a realização dos atos decorrentes da execução dos julgados trabalhistas, que lhes forem cometidos, pelos respectivos presidentes (nos termos do que Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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dispõe o artigo 721 e §§, da CLT), os atos que forem por eles procedidos têm fé pública. Por fim, tem-se que cada processo de execução deve se ater às suas peculiaridades. Tratando-se de débito trabalhista, que visa a subsistência do trabalhador e de sua família, há-de ser dada prioridade ao rápido andamento da execução, desde que atenda aos trâmites legais. (01041-2001-068-03-00-0 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 29.09.06) 27 -

EMBARGOS DE TERCEIRO - CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - IMÓVEL - REGISTRO - PENHORA SUBSISTENTE. Não se considera proprietário quem adquire imóvel rural que, embora firmando contrato de compromisso de compra e venda, não possui o competente registro no Cartório de Registro de Imóveis (Lei n. 6.015/73 - Registros Públicos). Assim válida e subsistente a penhora que recai em referido imóvel. (00266-2006-047-03-00-3 AP - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 02.08.06)

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SUBSTITUIÇÃO DO BEM PENHORADO - NECESSÁRIA CORRESPONDÊNCIA DE VALORES. Sendo público e notório o reconhecimento dos valores histórico e afetivo do bem penhorado e deixando o oficial de justiça claro que a sua avaliação é apenas do objeto em si, não incluindo esses outros valores, não pode ele ser substituído por depósito correspondente apenas ao valor dessa avaliação, sob pena de se trocar o mais pelo menos, em prejuízo do exeqüente, mormente quando se nota que o executado procura, por todos os meios, evitar que se dê efetividade ao título judicial. (00437-2005-009-03-00-7 AP - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 11.11.06)

29 -

PENHORA DE ALUGUEL DE IMÓVEL OBJETO DE USUFRUTO CRÉDITOS TRABALHISTAS DE TRABALHADOR DOMÉSTICO IMPENHORABILIDADE DE BEM DA FAMÍLIA. O artigo 1º da Lei n. 5.859, de 1972, preceitua que “Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei”. Por sua vez, o inciso I do artigo 3º da Lei n. 8.009, de 1990, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução, civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Neste sentido, uma vez que a execução nos autos diz respeito à dívida trabalhista contraída por um dos cônjuges, sendo que o débito resultou de uma prestação de serviço que se desenvolveu em benefício de toda a família, não podem os agravantes invocar a impenhorabilidade do bem de família para se eximirem das obrigações de cunho trabalhista. (00570-2006-099-03-00-0 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 02.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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30 -

PENHORA - USUFRUTO - LOCAÇÃO DE IMÓVEL - RESCISÃO DO CONTRATO - DEPOSITÁRIO DO IMÓVEL. Não há previsão legal de se colocar o exeqüente como depositário do imóvel, a fim de promover sua locação, visando obter rendimento de aluguel, destinado a cobrir o crédito exeqüendo. Nem se pode falar em fraude à execução no ato da desocupação do imóvel, quando não há prova de que ele tenha resultado de conluio entre locatário e locador, visando frustrar a execução trabalhista. O direito do exeqüente, em relação ao imóvel, reconhecido em decisão judicial, restringese à penhora do valor do aluguel, que se destinaria a seu usufrutuário, em face de sua condição de executado, não se estendendo ao de deter sua posse e administração, para promover nova locação. (00943-2002-112-03-00-4 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 02.12.06)

PETIÇÃO INICIAL 1-

REFLEXOS NÃO POSTULADOS NA PETIÇÃO INICIAL. Embora os reflexos sejam um direito acessório de uma parcela principal, constituem, em si mesmos, um pedido autônomo. Ao buscar essa pretensão perante o Poder Judiciário, o litigante deve apontar as parcelas sobre as quais devem incidir tais repercussões, a fim de que sejam estabelecidos os limites da lide (art. 128 do CPC). Por sua vez, não cabe ao julgador suprir a deficiência da petição inicial, indicando, ele próprio, os reflexos cabíveis, na medida em que não houve, nesse ponto, a indispensável iniciativa da parte (art. 262 do CPC). (00280-2006-017-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06)

PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - PCS 1-

PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - ENQUADRAMENTO - PRESCRIÇÃO. A Súmula n. 275 do TST refere-se à prescrição diversa daquela descrita no inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal. Diferentemente de prescrição bienal, o entendimento sumulado prevê prescrição qüinqüenal extintiva a partir do enquadramento do empregado a um novo plano de cargos e salários, enquanto que o limite de dois anos para ajuizamento da reclamação trabalhista é contado da data de extinção do contrato de trabalho. (00138-2006-105-03-00-6 RO - 7ª T. - Red. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 04.07.06)

2-

PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - ENQUADRAMENTO FUNCIONAL. A reclamada, ao adotar um plano de cargos e salários, submetendo suas regras à análise e aprovação dos empregados, com o objetivo de que pudessem examinar a conveniência da adesão, obriga-se a manter as condições originariamente estabelecidas, que geraram a anuência do empregado. A modificação das regras, sem o conhecimento dos empregados, conduz à determinação de novo reenquadramento, a fim de serem corrigidas as Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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distorções geradas pela classificação dos trabalhadores num plano que desconheciam e cujos padrões de tarefas não correspondem, na prática, às atividades efetivamente desempenhadas. (00076-2005-136-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 24.11.06) PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO - PDV 1-

COMPENSAÇÃO - PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO IMPOSSIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, como regra geral, compensamse tão-somente dívidas de natureza trabalhista. Assim, os valores recebidos como incentivo ao desligamento voluntário não podem ser compensados com os créditos trabalhistas, porque são parcelas de origem distinta. Assim, ainda que o trabalhador concorde no momento do desligamento com a compensação, tal ato equivale à renúncia, o que não é possível por se tratar os direitos trabalhistas de normas de ordem pública. (00075-2006-113-03-00-2 RO - 2ª T. - Rel. Juíza Convocada Mônica Sette Lopes - Publ. “MG” 19.07.06)

PRAZO 1-

ASSISTENTE TÉCNICO - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO LAUDO. No Processo do Trabalho o laudo do assistente técnico da parte deve ser apresentado no mesmo prazo assinado para o perito oficial, nos termos do parágrafo único do art. 3º da Lei n. 5.584/70, não se aplicando o prazo de 10 dias previsto no parágrafo único do art. 433 do CPC. (00284-2005-088-03-00-0 AP - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 18.11.06)

2-

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRAZO RECURSAL - AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL SOBRE O NÃO-RECEBIMENTO DA NOTIFICAÇÃO EXPEDIDA VIA POSTAL. Prazo recursal é o estabelecido em lei, que não pode ser alterado nem mesmo por convenção das partes. E o do recurso ordinário é de oito dias, conforme estabelecido na alínea “a” do artigo 895 da CLT, sendo uno e comum às partes. No Processo do Trabalho, os prazos se contam na forma estatuída nos artigos 774 e 775 consolidados e, portanto, em havendo regras próprias e peculiares, descabe a aplicação subsidiária do processo comum nessa matéria, pelo que não se cogita da incidência do invocado artigo 242 do CPC. Assim, se a parte interessada não diligencia no sentido de fazer prova de que a intimação expedida, via postal, a seu procurador, dando-lhe ciência do inteiro teor da sentença proferida, foi extraviada, inviabiliza-se o reconhecimento da tempestividade pretendida, já que é patente a extemporaneidade do apelo interposto após o octídio contado da intimação à parte da decisão de primeiro grau prolatada. (01747-2004-099-03-00-3 AIRO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 07.10.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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3-

PRORROGAÇÃO DO PRAZO RECURSAL - ENCERRAMENTO ANTECIPADO DO EXPEDIENTE FORENSE. A antecipação do término do expediente forense prorroga o prazo recursal até o primeiro dia útil subseqüente, a teor do inciso II do § 1º do artigo 184 do CPC, aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, por força do art. 769 da CLT. (00177-2006-080-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Denise Alves Horta - Publ. “MG” 28.10.06)

PRECATÓRIO 1-

EXECUÇÃO DE PEQUENO VALOR - LEI MUNICIPAL QUE FIXA LIMITE EM VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 87 DO ADCT DA CR/88 - INVALIDADE. O artigo 87 inserido no texto dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias definiu como sendo execução de pequeno valor, cujo pagamento dar-se-á independentemente de precatório executivo, aquela que tenha valor igual ou inferior a trinta salários mínimos, perante a Fazenda dos Municípios (inciso II), até a edição de lei definidora pelos entes da Federação. A primeira ilação que se alcança é a de que a atribuição conferida para legislar sobre a matéria foi dirigida aos entes da Federação, que são os Estados, mas não os Municípios. Nada obstante isso, conclui-se também que não será dado aos Municípios instituir por lei ordinária valor inferior àquele definido na Constituição, ainda que temporariamente, sendo imperiosa a observação desse limite fixado. (01444-2005-062-03-00-5 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 11.11.06)

2-

PRECATÓRIO SUPLEMENTAR - JUROS DE MORA - INDEVIDOS. De fato, a redação atual do § 1º do artigo 100 da Constituição Federal (EC n. 30/ 2000) não permite a inclusão de juros de mora em débitos cobrados por meio de precatório suplementar. Entretanto, quando o precatório a ser expedido para um dos litisconsortes da ação refere-se a uma primeira requisição de valores, não se há de falar que a coisa julgada estabelecida pelo acórdão prolatado anteriormente, na fase de execução, tenha-o alcançado, quando aquela cuidava de não incidência de juros moratórios sobre precatório suplementar. (00088-1992-056-03-00-5 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 26.07.06)

PRECLUSÃO 1-

EXECUÇÃO - PRECLUSÃO - ERRO MATERIAL NÃO CONFIGURADO. O erro material consiste naquele flagrantemente perceptível, não exigindo maiores análises ou verificações. Tratando-se de discussão acerca da correção dos valores apontados, em face da condenação imposta, evidentemente, que não se trata de hipótese de erro material, denotando o inconformismo da parte contra os cálculos de liquidação - o que se distingue daquela hipótese específica de erro material. Para a impugnação dos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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cálculos, prevalece o princípio da preclusão. (00886-1997-103-03-00-4 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 10.11.06) PRECLUSÃO LÓGICA - ERRO MATERIAL. Deixando o executado de impugnar, de forma objetiva e completa, a conta de liqüidação, preclui-se o direito de assim agir, tornando certa esta, visto que fruto fiel, ao menos hipoteticamente, do título executivo. Daí não lhe caber mais o direito de impugná-la, porquanto verificada a ocorrência da preclusão lógica. De outra ponta, não se há de falar na presença de erro material, questionável a “qualquer ocasião”, se o possível erro é decorrente da metodologia empregada na liqüidação, sendo esta situação somente passível de ataque pelos remédios processuais adequados, e, ainda assim, propostos nos tempos processuais previstos e oportunos. (01008-2003-105-03-00-8 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 29.07.06) 2-

INSS - PRECLUSÃO. A não-apresentação de cálculo pelo INSS não acarreta preclusão e, muito menos, a extinção da execução, isso porque a preclusão tratada no § 3º do art. 879 da CLT só se dá quando a parte ou o órgão auxiliar desta Justiça apresenta a conta de liquidação e o INSS sobre ela não se manifesta dentro do prazo de dez dias ali previsto, o que, entretanto, não exime o juízo de conferi-la e determinar-lhe a correção se for o caso, não tendo, por outro lado, o condão de extinguir a execução, cujo andamento deve ser promovido de ofício, por expressa determinação do inciso VIII do art. 114 da CF, repetida no parágrafo único do art. 876 da CLT. (00686-2004-035-03-00-8 RO - 5ª T. - Rel. Desembargador José Murilo de Morais - Publ. “MG” 15.07.06)

PREPOSTO 1-

PREPOSTO - EMPREGADO DE UMA DAS RECLAMADAS - GRUPO ECONÔMICO. Satisfaz ao disposto na Súmula n. 377 do TST e afasta a aplicação da pena de confissão a indicação de um único preposto que é empregado de uma das empresas integrantes do grupo econômico formado pelas reclamadas, pois o empregador do reclamante é o próprio grupo. (00404-2005-104-03-00-3 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 25.08.06)

2-

DECLARAÇÕES DO PREPOSTO NÃO-EMPREGADO - POSTERIOR DEPOIMENTO DE PROPRIETÁRIO DA RECLAMADA - REVELIA CONFISSÃO FICTA - NÃO-CONFIGURAÇÃO. Se o próprio proprietário da ré compareceu na audiência de prosseguimento, prestando depoimento, sem qualquer objeção ou protesto manifestado pelo autor, neutralizadas estão as declarações anteriormente prestadas pela preposta, não existindo campo para a aplicação da confissão. (00108-2006-083-03-00-7 RO - 8ª T. - Red. Juiz Convocado José Marlon de Freitas - Publ. “MG” 29.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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PRESCRIÇÃO 1-

PEDIDO DE ANOTAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA CTPS E DE ENTREGA DE GUIAS PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS - PRESCRIÇÃO. Tratando-se da ação proposta com o objetivo de declarar o exercício de atividades insalubres e obrigar o empregador a emitir as guias que informam o perfil profissiográfico do trabalhador para fins previdenciários, a incidência da prescrição bienal é afastada, em face da disposição contida no § 1º do artigo 11 da CLT, plenamente aplicável à espécie. (01627-2005-020-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Marcus Moura Ferreira - Publ. “MG” 21.07.06)

2-

PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL ARGÜIDA NA FASE DE EXECUÇÃO - ART. 193 DO CÓDIGO CIVIL E § 5º DO ART. 219 DO CPC - PARCELAS EXPRESSAMENTE DEFERIDAS - COISA JULGADA - IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO. O art. 193 do Código Civil dispõe que a prescrição pode ser argüida por quem lhe aproveita em qualquer grau de jurisdição. Por sua vez, o § 5º do art. 219 do CPC, com sua recente modificação, diz que o juiz pronunciará a prescrição de ofício. Todavia, estas regras possuem exceções. E deste modo, na fase de liquidação, a argüição de prescrição não pode ser pronunciada pelo juiz, nem mesmo de ofício. É que a decisão que se está executando expressamente deferiu parcelas que não podem ser excluídas do título executivo, sob pena de se estar modificando a coisa julgada. Inteligência da Súmula n. 153 do C. TST. (00649-2003-005-03-00-7 AP - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 02.09.06)

3-

PRESCRIÇÃO - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO - INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. A Lei n. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterou o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, além de revogar o artigo 194 do Código Civil. Tais modificações inseriram no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de decretação ex officio da prescrição. Entretanto, ressalte-se que a aplicação subsidiária do Processo Civil, autorizada pelo artigo 769 da CLT, deve ser efetuada com parcimônia, observados os limites impostos pela autonomia científica do Processo do Trabalho, que conta com regras e princípios próprios. (00327-2006-046-03-00-6 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06)

4-

DIREITOS DA PERSONALIDADE - PRESCRIÇÃO. Dispõe o artigo 11 do Código Civil de 2002 que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Todavia, essas garantias não asseguram a imprescritibilidade desses mesmos direitos quanto a aspectos ressarcitórios. Não se perca de vista que o instituto prescricional visa à harmonia social e ao equilíbrio das relações jurídicas, tuteladas pela ordem pública, evitando-se a “eternização” do direito de agir. (00455-2006-151-03-00-3 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 07.11.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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5-

PRESCRIÇÃO - MÚLTIPLOS CONTRATOS DE TRABALHO. Tratando-se de postulação de direitos trabalhistas que envolvem diversos contratos e não pleiteada a unicidade contratual em juízo, ou a soma dos períodos descontínuos, não se aplica à hipótese a Súmula n. 156 do TST, contandose o biênio para ajuizamento da ação a partir da secção contratual de cada período (inteligência do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88). (01273-2005-111-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Antônio Viégas Peixoto - Publ. “MG” 26.07.06)

6-

PRESCRIÇÃO - PEQUENA EMPREITADA - PRETENSÃO DE NATUREZA CIVIL. Embora a competência para conciliar e julgar os dissídios resultantes dos contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice seja da Justiça do Trabalho, por força do disposto nos artigos 652, alínea “a”, inciso III, da CLT e caput do art. 114 da CF/88, é certo que, sendo a empreitada um contrato de natureza civil, regulado pelos artigos 610 a 626 do Código Civil, a pretensão do empreiteiro não se trata de um crédito resultante da relação de emprego, não lhe sendo aplicável a prescrição prevista no inciso XXIX do artigo 7º da CF/88, e sim a prescrição prevista no art. 205 do Código Civil. (00280-2006-084-03-00-7 RO - 2ª T. - Red. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 17.11.06)

Intercorrente 1-

EXECUÇÃO FISCAL - COBRANÇA DE MULTA ADMINISTRATIVA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. O art. 2º da Lei n. 6.830/80 equipara as dívidas de natureza tributária e não tributária para efeitos processuais, devendo também entendê-las equiparadas no que se refere às regras de prescrição. Por isso, aplica-se à execução fiscal o art. 174 do CTN, que estabelece o prazo de cinco anos para cobrança do crédito tributário. Inexiste motivo para se atribuir à multa administrativa prazo prescricional diverso daquele estabelecido no art. 174 do CTN. Via de conseqüência, decorridos mais de cinco anos desde o arquivamento dos autos, sem que a parte interessada promovesse qualquer ato para impulsionar o processo, deve o MM. Juízo da execução reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, na forma do § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80; procedimento que preserva a segurança jurídica aos litigantes. (00215-2006-004-03-00-3 AP - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 22.09.06)

2-

AGRAVO DE PETIÇÃO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. A única condição imposta pelo § 4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80, acrescentado pela Lei n. 11.051, de 29.12.2004 (art. 6º) para que seja decretada a prescrição intercorrente, é que seja ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Assim, concedida vista à parte, e se esta deixou decorrer in albis o prazo para manifestação a tal respeito, mostra-se infundada qualquer irresignação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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contrária à decretação, de ofício, da prescrição intercorrente. Agravo a que se nega provimento. (00225-2006-004-03-00-9 AP - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 26.08.06) 3-

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO. O arquivamento por muitos anos dos autos em decorrência da inexistência de meios para o prosseguimento da execução e satisfação do título judicial não conduz à extinção da execução, por ser inaplicável nesta Justiça Especial a prescrição intercorrente, já que a execução trabalhista pode ser impulsionada de ofício pelo juiz, bem como promovida por qualquer das partes. Inteligência do disposto na Súmula n. 114 do TST. (02334-1997-008-03-00-4 AP - 3ª T. - Rel. Desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães - Publ. “MG” 02.09.06)

Qüinqüenal 1-

SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL - SUSPENSÃO DO PRAZO. A suspensão do contrato de trabalho por simples concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez não se enquadra nas hipóteses de suspensão ou interrupção da prescrição enumeradas nos artigos 197 a 204 do Código Civil. Sendo assim, a suspensão do contrato de trabalho, nessas condições, não obsta a fluência do prazo prescricional de cinco anos anteriores à propositura da ação, previsto pelo inciso XXIX do artigo 7º da CR/88. (00507-2006-005-03-00-2 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 15.09.06)

Total 1-

PRESCRIÇÃO TOTAL - POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO. É possível a prorrogação do prazo prescricional para o primeiro dia útil seguinte, quando o último dia para o ajuizamento da reclamação trabalhista coincidir com um domingo. A regra inserta no § 1º do art. 184 do CPC é aplicável à hipótese, sob pena de que a parte seja impedida de exercer o direito de ação no último dia do prazo que a lei lhe faculta, já que não existe expediente forense no sábado ou no domingo. (01397-2005-003-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 25.07.06)

2-

REENQUADRAMENTO - CONTRATO DE TRABALHO EM VIGOR PRESCRIÇÃO TOTAL QÜINQÜENAL - APLICAÇÃO DO ITEM II DA SÚMULA N. 275 DO TST. Tratando-se de pedido de reenquadramento, a prescrição aplicável é a total e o marco inicial é a data do enquadramento do empregado, conforme preconiza o item II da Súmula n. 275 do TST, sendo que, quando o contrato de trabalho encontra-se em vigor, incide o prazo prescricional de cinco anos, e não de dois anos, sendo este último contado apenas da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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extinção contratual, nos termos do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República. (00159-2006-019-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 16.12.06) PREVENÇÃO 1-

PREVENÇÃO - CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Fixada a competência do juízo pela distribuição, a estabilização dessa competência recairá sobre aquele juiz que despachou em primeiro lugar, e, extinta a ação sem julgamento do mérito, a propositura de nova ação deve acarretar a distribuição por dependência ante a prevenção do juízo inicialmente demandado, nos termos do inciso II do artigo 253 do Código de Processo Civil. Porém, se descumprida a regra da distribuição, incide na espécie o artigo 132 do CPC, que impõe ao juiz que concluir a audiência o dever de julgar a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. (01008-2006-004-03-00-6 CC - 1ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 16.12.06)

2-

REPROPOSITURA DE AÇÃO TRABALHISTA - DISTRIBUIÇÃO PREVENTA - REGRA DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. A repropositura de reclamação trabalhista, extinta sem resolução de mérito, obriga a distribuição por dependência, mantendo-se a competência do juízo designado para processar e julgar a ação finda, na esteira do que dispõe o art. 253, caput e inciso II, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.280/2006, regra que tem em mira o interesse público do Estado na administração da Justiça e a necessidade de preservação do postulado do juiz natural. (00645-2006-011-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 17.11.06)

PROCESSO DO TRABALHO 1-

ART. 940 DO nCC - INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO. Não há ensejo à aplicação do disposto no art. 940 do novo Código Civil no caso de simples improcedência de pedidos nas ações trabalhistas. Com efeito, o que se busca aqui é o reconhecimento do direito de parcelas trabalhistas a que o empregado julga fazer jus, no pleno exercício do direito constitucional de acesso à jurisdição (inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal). Assim, o simples indeferimento das pretensões ou o fato de não haver ressalvas quanto àquelas efetivamente recebidas não justifica a imposição da penalidade civilista. Caso contrário, em todas as ações improcedentes teriam os reclamantes que indenizar os ex-patrões pela ousadia de procurar o Judiciário, a quem cabe, afinal, dizer o direito no caso concreto. (00995-2005-057-03-00-6 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 31.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. Os pressupostos processuais são dados para análise de viabilidade do exercício do direito de ação sob o ponto de vista estritamente processual. Estes se dividem em pressupostos de existência, que são os requisitos para que a relação processual se constitua validamente e, em pressupostos de desenvolvimento, que são aqueles a serem atendidos, depois que o processo se estabeleceu regularmente, a fim de que possa ter curso regular, até a sentença de mérito ou a providência jurisdicional definitiva. Sempre que, embora iniciado o processo, por omissão da parte autora, ou seja, a constante no pólo ativo da relação processual, não seja possível a prolação de sentença definitiva, estarão ausentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo e, nestes casos, nos termos do inciso IV do artigo 267 do CPC, o processo há que ser extinto sem resolução do mérito. (00364-2006-087-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 30.09.06)

3-

INSPEÇÃO JUDICIAL - MEIO DE PROVA - PROCEDIMENTO DE OFÍCIO. O procedimento da inspeção judicial está previsto no artigo 440 do CPC, aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho, e de sua leitura extraise que a medida, elencada entre as provas previstas no Capítulo VI, Título VIII, que trata do procedimento ordinário, pode ser realizada de ofício, ou a requerimento da parte, justamente para esclarecer fato que interesse à decisão da causa. Cabendo ao juiz com exclusividade a direção do processo, conforme artigo 130 do CPC, por óbvio que é dele o juízo sobre a necessidade da realização da medida, para esclarecimento da verdade real. (00425-2005-152-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 10.08.06)

4-

INTERVENÇÃO DE TERCEIROS - PROCESSO TRABALHISTA. O cancelamento da OJ n. 227 da SDI-I do TST não faz presumir, por si só, que o instituto da intervenção de terceiros (seja a denunciação da lide, seja o chamamento ao processo) passaria a ter aplicação ampla e irrestrita ao Processo do Trabalho. A aplicação é contida e restringe-se aos litígios expressamente mencionados nos incisos do art. 114 da CF/88, dentre os quais não se encontram os que envolvam interesses entre empregadores. (01037-2005-084-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 05.07.06)

PROFESSOR 1-

ADICIONAL DE ATIVIDADE EXTRACLASSE - BENEFÍCIO INSTITUÍDO POR NORMA COLETIVA QUE NÃO SE PRESTA A REMUNERAR AS HORAS EXTRAS. De conformidade com a norma coletiva, atividade extraclasse é aquela diretamente relacionada com a função docente e atrelada às classes regulares sob a responsabilidade do professor. Logo, o adicional extraclasse por ela instituído constitui um plus salarial, um benefício, obtido pela categoria Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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profissional a título de contraprestação pelas tarefas inerentes à função docente que, a princípio, já estariam remuneradas pelo salário normal, a despeito de serem realizadas fora do horário de aula (correção de provas e a preparação de aulas, por exemplo). Assim, não pode ser considerado como tal o trabalho de coordenação interdisciplinar executado pelo reclamante, inegavelmente dissociado das suas turmas regulares e realizado fora do horário contratual, enquadrando-se estas tarefas na situação de prestação de serviços extraordinários, como expressamente previsto no indigitado instrumento normativo. Recurso desprovido. (00496-2006-026-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 08.12.06) 2-

GARANTIA DE SALÁRIOS ESTIPULADA EM NORMA CONVENCIONAL. A interpretação das normas coletivas deve ser feita restritivamente, isto é, tendo como base aquilo que as partes livremente convencionaram e escreveram. Se a redução do número de aulas pode se dar por iniciativa do professor ou da escola, a recusa do docente em aceitar a redução, com o pagamento da indenização que lhe corresponde, não transmuda a garantia em estabilidade no emprego. (01536-2005-025-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado Ricardo Marcelo Silva - Publ. “MG” 06.07.06) PROFESSOR - CARGA HORÁRIA - REDUÇÃO SALARIAL. As convenções coletivas de trabalho prevêem que a redução do número de aulas ou da carga horária semanal do professor, por acordo das partes ou resultante da diminuição do número de turmas por queda ou ausência de matrícula, não motivadas pelo empregador, só terá validade se hom*ologada pelo sindicato da categoria profissional ou pelas entidades ou órgãos competentes para hom*ologar rescisões. É inegável que o salário do professor vincula-se ao número de aulas ministradas, consoante estabelece o artigo 320 do Texto Consolidado. Daí a diminuição da quantidade de aulas ensejar a vedada redução salarial pela modificação in pejus do contrato de trabalho. Nesse contexto, não cumpridas as formalidades previstas nas normas coletivas, tem-se como inválida a redução levada a efeito de forma unilateral pela reclamada. (00511-2006-132-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 07.10.06)

3-

CURSO NORMAL SUPERIOR À DISTÂNCIA - MAGISTÉRIO. O fato de grande parte das atividades de magistério ter ocorrido à distância, por meio da internet, fora das salas de aula convencionais, não descaracteriza o exercício da função de professor, sendo tão-somente o resultado dos avanços tecnológicos que marcam fortemente a época em que vivemos, possibilitando novos e eficazes modos de interação e impondo à sociedade novas formas de organização do trabalho e de relações sociais. Em que pese ao caráter peculiar da função desempenhada, não há como dizer que de professoras não se tratasse, pois, na prática, embora o nome fosse tutor, as obreiras Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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contribuíam para o aumento de conhecimento de seus alunos, propiciando um título a eles, com carga horária preestabelecida e cobranças através de provas, trabalhos e monografias. (00304-2006-145-03-00-3 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 16.09.06) 4-

GARANTIA DE EMPREGO - PREVISÃO EM SENTENÇA NORMATIVA. É válida a garantia de emprego estabelecida por sentença normativa, pois, até que sobrevenha a lei complementar a que se refere o inciso I do artigo 7º da Constituição, regulamentando a proteção à dispensa arbitrária ou sem justa causa, nada impede que se criem medidas protetivas através de instrumentos coletivos, tais como as convenções coletivas de trabalho e os acordos coletivos de trabalho, ou de sentenças normativas, proferidas no âmbito dos dissídios coletivos. (00374-2006-089-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 07.09.06) GARANTIA DE EMPREGO PREVISTA EM SENTENÇA NORMATIVA INTERPRETAÇÃO. A reforma pleiteada quanto à garantia de emprego reconhecida ao professor, ao fundamento de que a entidade educacional opera em regime semestral, e não anual, não se justifica. A disposição que cria a estabilidade abrangendo o ano letivo o faz literalmente, não havendo amparo para uma interpretação restritiva ao direito do trabalhador. Incabível recorrer ao conceito de “período letivo normal” como artifício para dizer que a garantia já havia cessado quando ocorreu a dispensa. Até porque já era inválida a dação do pré-aviso ao autor, na fluência do lapso estabilitário (Súmula n. 348 do TST). (00695-2006-097-03-00-7 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06)

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PROFESSOR - HORAS DESTINADAS ÀS REUNIÕES. O tempo destinado às reuniões pedagógicas deve ser considerado como de trabalho efetivo. Configurada a prestação de jornada suplementar pelo professor, a correspondente paga é exigível. (00313-2006-142-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 05.10.06)

6-

REDUÇÃO - CARGA HORÁRIA - PROFESSOR. O artigo 320 da CLT não garante ao professor determinado número de aulas, mas a irredutibilidade da remuneração da hora-aula. Nesse sentido, a jurisprudência assente do Colendo TST, expressa na Orientação Jurisprudencial n. 244 da SDI-I e Precedente n. 78 da SDC. Todavia, havendo norma coletiva específica condicionando a validade da diminuição da carga horária à assistência sindical, e sendo essa condição descumprida pelo empregador, deve ser considerada nula a redução e deferidas as diferenças salariais pleiteadas. (00981-2006-137-03-00-7 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 19.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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PROFESSOR - REPOUSO SEMANAL REMUNERADO - CÁLCULO - RECIBO COMPLESSIVO. O valor do salário mensal do professor é calculado, através da multiplicação do salário-aula, pelo número de aulas semanais, na conformidade dos horários e da carga horária - acrescendo-se cada semana de 1/6 (um sexto) de seu valor, como repouso semanal remunerado, e cada mês constituído de quatro semanas e meia, de acordo com o disposto na Lei n. 605, de 05 de janeiro de 1949. Essa é a determinação constante das normas convencionais da categoria. É imposição da norma convencional, ainda, que o estabelecimento de ensino forneça ao docente comprovante dos elementos que informam o pagamento da remuneração mensal, com a especificação dos valores que a compõem, da carga horária e dos descontos legais ou autorizados. Se os recibos de pagamento acostados aos autos não trazem os valores pagos, a título de repouso semanal remunerado, de forma especificada - como determina a norma convencional -, a reclamada deve ser condenada no pagamento da parcela. (00506-2006-132-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 29.09.06)

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SESI - APLICABILIDADE DAS NORMAS COLETIVAS PRÓPRIAS DA CATEGORIA DOS PROFESSORES. Sendo o empregador entidade de direito privado, com fins essencialmente educacionais e que se vale, para a consecução de seus objetivos sociais, da mão-de-obra de professores, está ele obrigado a acatar os instrumentos normativos firmados pela categoria econômica representada pelo Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais ou as normas coletivas aplicáveis à categoria dos professores. A Súmula n. 374 do TST não se aplica à hipótese em que o empregado é professor e o empregador tem como atividade preponderante a educação. (01769-2005-134-03-00-7 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 25.08.06)

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SESI - PROFESSOR - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR MEIO DE COOPERATIVAS - FRAUDE - DECLARAÇÃO DE VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR - ARTS. 2º e 3º DA CLT - PRINCÍPIOS DA DUPLA QUALIDADE E DA RETRIBUIÇÃO PESSOAL DIFERENCIADA - AUSÊNCIA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. A intermediação de mão-de-obra por meio de cooperativas é fraudulenta quando ausentes os princípios basilares do cooperativismo - dupla qualidade e retribuição pessoal diferenciada, laborando o obreiro para o tomador dos serviços com pessoalidade, onerosidade e subordinação. Impõe-se, na hipótese, o reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador e a conseqüente responsabilidade solidária das cooperativas, com base no art. 942 do CC/2002. (01085-2005-107-03-00-2 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 22.07.06)

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SALÁRIO DE PROFESSOR - REGRA ESPECÍFICA ESTIPULADA EM CONVENÇÃO COLETIVA - APLICAÇÃO - VALOR DO SALÁRIO-AULA-BASE. Havendo regra específica quanto à forma de cálculo do salário de professor, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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estipulada em convenção coletiva de trabalho da categoria profissional, esta deve ser observada para efeito de cálculo das diferenças salariais devidas à reclamante. Por consectário lógico, o valor do salário-aula-base a ser observado também deve ser aquele constante da cláusula normativa e não aquele contratado entre as partes, o qual restou pactuado apenas em razão de um contrato de estágio, que, por não atender às exigências legais, restou afastado em juízo e reconhecido o vínculo de emprego. (00258-2006-140-03-00-0 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 29.07.06) PROTOCOLO INTEGRADO 1-

PROTOCOLO INTEGRADO - AFERIÇÃO DA TEMPESTIVIDADE - DATA DA POSTAGEM. Na hipótese de protocolo integrado, considera-se para a aferição de tempestividade do ato praticado pela parte a data em que este foi postado e não a data em que se deu o protocolo no órgão destinatário da peça processual. (00250-2005-132-03-00-9 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 20.07.06)

PROVA 1-

CONFISSÃO FICTA X REAL - VALORAÇÃO. O não comparecimento do empregador para prestar depoimento não importa em prevalência da confissão ficta sobre as demais provas, por constituir apenas uma presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, mormente quando a litisconsorte comparece à audiência, produzindo prova que favorece ao reclamado ausente, na forma do inciso I do art. 320 do CPC. (00150-2006-034-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 06.09.06)

2-

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - HIPOSSUFICIÊNCIA DO TRABALHADOR EM DISPOR DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. Certo é que ao autor incumbe provar os fatos constitutivos de seu direito e, ao réu, os fatos extintivos desse direito ou a existência de outros, impeditivos ou modificativos, que obstem os primeiros (art. 818 da CLT e art. 333 do CPC). Por assim ser, a princípio, prevaleceria com o reclamante - representante comercial - o encargo processual de evidenciar as alegações deduzidas na inicial, no sentido de que a reclamada descontava de seus créditos os valores não adimplidos pelos clientes, em clara ofensa ao disposto no § 1º do art. 33 da Lei n. 4.886/65. Contudo, in casu, a reclamada poderia facilmente comprovar, através da exibição dos relatórios de vendas e recibos de pagamento referentes ao autor, que não procedia a tais descontos indevidos. A inversão do ônus da prova, neste aspecto, é medida que se impõe, haja vista a hipossuficiência do trabalhador em dispor da prova. Neste contexto, a mera negativa deduzida pela defesa não prevalece, especialmente quando existem indícios que fortalecem as alegações iniciais, autorizando a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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conclusão de que realmente foram realizados, a despeito da citada norma legal, descontos em prejuízo do demandante. (00601-2006-097-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 18.11.06) 3-

ÔNUS DA PROVA - EXPRESSÃO “INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA” INEXATIDÃO. Estabelece o art. 818 da CLT que “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”, sendo o princípio do ônus da prova adotado pelo legislador processual do trabalho, a fim de distribuir o ônus à parte, para comprovar as suas alegações. O princípio do ônus da prova é importante para que a parte saiba trazer aos autos os subsídios necessários a um bom julgamento pelo magistrado e não se pode esquecer de que cada parte tem distribuído o seu ônus de prova no momento da formação da litiscontestatio, que se dá com a petição inicial e com a defesa. Após ser distribuído o ônus da prova, este é imodificável, não se podendo falar em inversão do ônus da prova. (00389-2005-071-03-00-7 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 01.07.06)

4-

PROVA DO VALOR DOS SALÁRIOS PACTUADOS - RECIBOS DE PAGAMENTO - ARTIGO 464 DA CLT - OUTROS MEIOS DE PROVA. Se é certo que o ônus da prova, quanto ao valor do salário pago ao obreiro, está a cargo do empregador, por força do regramento contido no art. 464 da CLT, devendo fazê-lo mediante a apresentação dos recibos de pagamento salariais, não é menos certo que a exibição de outro tipo de prova documental, constituída, como na espécie, por contratos celebrados com o empregado, nos quais se consignam os salários ajustados no curso do contrato de trabalho, gera presunção relativa - juris tantum -, que, sem dúvida, pode ser elidida por outros meios de prova pelo empregado-reclamante. Mas se este não se desincumbe do ônus resultante da inversão probatória, acaba por emprestar validade aos referidos contratos e, conseqüentemente, aos salários ali pactuados. (00547-2006-104-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 18.11.06) R

RECURSO Administrativo 1-

PENALIDADE ADMINISTRATIVA - RECURSO - EXIGÊNCIA DE PRÉVIO DEPÓSITO DO VALOR DA MULTA - CABIMENTO - § 1º DO ARTIGO 636 DA CLT. Para fins de admissão de recurso administrativo, a exigência contida no § 1º do artigo 636 da CLT, de prévio depósito do valor da multa imposta pela autoridade de fiscalização do trabalho, não ofende o princípio do contraditório e ampla defesa, e tampouco o inciso XXXIV do artigo 5º da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Constituição Federal, que assegura o direito de petição, independentemente do pagamento de taxa. O depósito prévio tem nítida feição procedimental, não se tratando de cobrança de taxa para recorrer e tampouco de antecipação do pagamento, mas de garantia de que, se, ao final, a parte ficar vencida, não se retarde a satisfação do crédito; caso saia vencedora, o valor depositado ser-lhe-á devolvido. Em nosso ordenamento jurídico o direito ao duplo grau de jurisdição obedece a condições de admissibilidade até mesmo na via judicial, não sendo absoluto. Descabe falar em cerceamento do direito de defesa; se, de um lado, o legislador constituinte preocupou-se em propiciar ao administrado a possibilidade de apresentar defesa em sede administrativa, também permitiu ao legislador ordinário condicionar o exercício desse direito, de forma a desencorajar abusos, ao se referir aos “meios e recursos a ela inerentes”. Entender o contrário seria abrir as portas à interposição de recursos protelatórios e até mesmo temerários, suspendendo indefinidamente a satisfação do crédito, mormente se se considerar que, exaurida a instância administrativa, ainda restaria a faculdade inarredável do recurso ao Poder Judiciário para os mesmos fins. (00264-2006-112-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 15.12.06) Ordinário 1-

RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO - REFERÊNCIA FEITA À MARGEM DAS CONTRA-RAZÕES - FUNDAMENTOS E PEDIDO DE REFORMA AUSENTES - INAPTIDÃO. Cediço que ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso principal, inclusive quanto às condições de admissibilidade (CPC, art. 500, parágrafo único), o que tem o significado de que deve ser apresentado em petição apartada, perante a autoridade competente para admitir o recurso principal, acompanhada dos fundamentos de fato e de direito do inconformismo e do pedido de nova decisão (incisos II e III do artigo 514 do CPC). Não se reconhece, pois, a interposição de recurso adesivo através de mera referência feita à margem das contrarazões, sem a indicação precisa do objeto da insurgência e das razões que justificam a pretensão de reforma. (01453-2006-063-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 17.11.06)

2-

APRESENTAÇÃO DE RECURSO VIA FAC-SÍMILE - COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS E DEPÓSITO RECURSAL QUE NÃO SE INSEREM NA FACULDADE. A faculdade extraída da Lei n. 9.800/99, artigo 1º, permite às partes a transmissão de dados por fax, com prazo de cinco dias para apresentação dos originais. Mas, o permissivo, referendado pela Súmula n. 387 do TST, está condicionado aos atos processuais que dependem de “petição escrita”, o que não compreende, por óbvio, a guia comprobatória do pagamento de custas ou depósito recursal. (01160-2005-028-03-40-2 AI - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 15.07.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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3-

PRELIMINAR DE INÉPCIA ACOLHIDA EM PRIMEIRO GRAU E AFASTADA EM SEGUNDO GRAU - § 3º DO ARTIGO 515 DO CPC. Afastada a preliminar de inépcia acolhida em primeiro grau, impõe-se, pari passu, com fundamento no § 3º do artigo 515 do CPC, o julgamento da lide pelo Tribunal, porque a análise do pedido demonstra que a matéria nele tratada, conquanto não seja exclusivamente de direito, por envolver também o exame de provas, pode e deve ser desde logo dirimida. A limitação à matéria de direito, conforme o dispositivo citado, tem o escopo de excluir as hipóteses em que, em razão da resolução sem julgamento do mérito, não se produziu a prova necessária. Quando, em que pese a extinção do feito sem julgamento do mérito, todas as provas requeridas tenham sido produzidas, não há razão para que o Tribunal não julgue desde já o mérito da causa. (00344-2005-054-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Juiz Convocado Vander Zambeli Vale - Publ. “MG” 07.10.06)

4-

RECURSO ORDINÁRIO - INTERPOSIÇÃO ATRAVÉS DE FAC-SÍMILE OU E-MAIL - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS - CONTAGEM. A apresentação dos originais de recurso ordinário interposto através de facsímile ou e-mail é obrigação inerente ao próprio ato de apelação, não dependente de provocação judicial, do que resulta que o qüinqüídio estabelecido pela Lei n. 9.800/99 tem contagem continuada, a partir do término do prazo recursal, como se fora mera extensão deste. (00067-2006-060-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 31.08.06) USO DO CORREIO ELETRÔNICO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO - ENTREGA DO ORIGINAL EM JUÍZO FORA DO PRAZO PREVISTO EM LEI E NÃO TRANSMISSÃO DOS COMPROVANTES DE DEPÓSITO RECURSAL E PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. A parte que apresenta recurso via correio eletrônico e não obedece ao prazo de 05 dias para juntada do original, em consonância com o disposto no artigo 2º da Lei n. 9.800/99 e artigo 2º da Resolução n. 01/1999 deste Tribunal, não pode ver seu apelo conhecido, porque intempestivo. Também há de ser considerado deserto o apelo, se as comprovações do que diga respeito aos pressupostos de sua admissibilidade não forem necessariamente transmitidas com as razões recursais, o que significa que a comprovação do depósito exigido pelo art. 899 da CLT tem de ser enviada pelo mesmo meio, pois só assim é que a juntada dos originais das peças em comento poderá ser feita no qüinqüídio da data em que realizado o ato processual na previsão da Lei n. 9.800/99. (00239-2006-110-03-00-2 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Publ. “MG” 07.09.06)

5-

RECURSO ORDINÁRIO - VIA FAC-SÍMILE - NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 4º DA LEI N. 9.800/99. Deve haver perfeita concordância entre o conteúdo do fac-símile e o original protocolado em Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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juízo, nos termos do artigo 4º da Lei n. 9.800/99, sob pena de caracterizarse a litigância de má-fé, sem prejuízo de outras sanções. (01594-2005-017-03-00-4 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 18.08.06) 6-

RECURSO - PRAZO EM DOBRO - ARTIGO 191 DO CPC. Se, nos autos, somente atuam os ilustres procuradores da segunda reclamada, em virtude de ter sido revel a primeira reclamada, não há que se falar em “diferentes procuradores” e em prazo em dobro, de que trata a norma hospedada no artigo 191 do Código de Processo Civil. Ademais, mantido, no Processo do Trabalho, o jus postulandi (artigo 791 da CLT), o recurso ordinário da primeira reclamada, caso fosse interposto, poderia ter sido firmado por ela mesma dispensável, por óbvio, a presença de procurador. Ainda que assim não fosse, o disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil é, a teor da Orientação Jurisprudencial n. 310 da SDI-I do Colendo TST, inaplicável ao Processo do Trabalho, porquanto vai de encontro ao princípio da celeridade, que lhe é peculiar. (01023-2005-033-03-00-9 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 08.11.06)

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AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO REMETIDO POR E-MAIL APÓS O HORÁRIO DE 18h - PROTOCOLO NO DIA ÚTIL SEGUINTE RESOLUÇÃO TRT-MG N. 01/99. A teor do disposto no artigo 4º da Resolução n. 01/99 deste Egrégio Regional, as petições remetidas por e-mail após o horário de 18h receberão o protocolo do dia útil seguinte, sendo obrigatória na apresentação do original a apresentação em “folha de rosto” que a petição foi anteriormente enviada via fax ou e-mail, juntando aos autos o relatório emitido pelo equipamento transmissor. Os riscos ou defeitos de transmissão ou recepção correrão à conta do remetente, e não escusarão o cumprimento dos prazos legais, na forma do § 4º do art. 3º da mesma Resolução. Portanto, se a parte interessada não diligencia, a tempo e modo, na estrita observância desses ditames legais, vindo a comprovar a destempo a prática dos atos em comento, atrai contra si a declaração de intempestividade do recurso corretamente trancado. (00729-2003-024-03-40-5 AIAP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 06.09.06)

REINTEGRAÇÃO 1-

REINTEGRAÇÃO AO TRABALHO - OBRIGATORIEDADE. É nula de pleno direito a dispensa de empregado, quando comprovado por atestado demissional produzido após determinação judicial que se encontrava inapto ao trabalho por ser portador de AVC (Acidente Vascular Cerebral), doença não ocupacional, sendo obrigatória a reintegração ao trabalho, por não estar recebendo auxílio-doença. (01727-2005-014-03-00-3 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 26.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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RELAÇÃO DE EMPREGO 1-

AUXILIAR DE PASTOR - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - INEXISTÊNCIA ATIVIDADE VOCACIONAL DE NATUREZA RELIGIOSA. As atividades exercidas pelo pastor não podem ser consideradas como relação de emprego, uma vez que o liame entre a pessoa (reclamante) e sua igreja é vocacional e de natureza religiosa, onde se busca retribuição espiritual e não material. A submissão à doutrina da igreja decorre da fé que professa e não se confunde com a subordinação jurídica do empregado, conforme há muito, inclusive, já pacificado na jurisprudência, no sentido de que não há vínculo empregatício entre pastores e entidades. (00472-2006-028-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06)

2-

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - CONTINUIDADE - “CHAPA” X EMPREGADO - REQUISITOS. A não eventualidade da prestação de serviços não é de todo incompatível à condição dos “chapas”. Sabendo que em determinada empresa o carregamento e descarregamento é praticamente diário, não é de se estranhar que estes trabalhadores permaneçam por perto e, só depois de atendê-la, ofereçam sua mão-de-obra a outros que dela necessitem. Assim como a exclusividade, a continuidade constitui apenas indício da relação profissional havida entre as partes, não servindo de pedra de toque à configuração definitiva do vínculo empregatício. (00360-2006-113-03-00-3 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06)

3-

RELAÇÃO DE EMPREGO - CORRETOR DE SEGUROS. Não há se falar em relação de emprego entre a empresa seguradora, que contrata empresa corretora de seguros, visando incrementar suas operações, com o corretor de seguros, sócio proprietário da empresa contratada. Máxime quando não se vislumbra, na hipótese, prática de ato ilícito que autorize a caracterização de fraude, de molde a desconstituir o contrato de natureza civil e a conseqüente declaração do vínculo de emprego tutelado pelo Texto Consolidado. Não se pode perder de vista que a Lei n. 4.594/64 estabelece que a profissão de corretor de seguros tem natureza autônoma, incompatível com o reconhecimento do vínculo de emprego, sendo que o art. 17 veda que os corretores sejam sócios, administradores, procuradores ou empregados de empresas de seguros. É claro que, não obstante a vedação legal em comento, nada impede o reconhecimento do vínculo de emprego quando verificados os pressupostos insertos no art. 3º da CLT. Entretanto, a proibição legal, no aspecto, deve ser levada em consideração quando da análise de cada caso concreto. A proibição legal somada à existência de um contrato formal entre a empresa de propriedade do reclamante e o réu, aliada à inexistência de prova de fraude ou mesmo alegação de sua existência, leva à inexorável conclusão de que a razão está, de fato, com o reclamado, não havendo se falar, pois, em relação de emprego entre as partes. Sentença de 1º grau que se mantém incólume porque bem aplicou Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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o direito à espécie. (00967-2006-077-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) 4-

VÍNCULO DE EMPREGO - ESPOSA DE EMPREGADO RURAL. Eventual serviço prestado pela reclamante, esposa do empregado retireiro da fazenda do reclamado, de forma colaborativa às tarefas do marido, não configura relação de emprego. Assim, as atividades de lavar a ordenha e limpar a casa sede do produtor rural, uma vez por mês, possuem natureza meramente eventual. E o preparo do almoço e do jantar pela autora para os poucos empregados da propriedade rurícola e para a sua própria família revelou um verdadeiro ajuste de conveniências, em que o reclamado contribuía fornecendo gratuitamente os mantimentos e a demandante auxiliava preparando as refeições, afastando de vez o vínculo empregatício. Recurso desprovido. (00756-2005-048-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 15.09.06)

5-

RELAÇÃO DE EMPREGO - MANICURE - SALÃO DE BELEZA INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. Toda a avença existente entre duas ou mais pessoas, em que à parte que presta serviço corresponderá o valor de 50% sobre a quantia cobrada, nesta proporção, traduz a existência de uma sociedade denominada parceria, em que as partes têm total autonomia do desempenho de suas atividades. Isto, porque, não se tem como financeira e economicamente viável que, do valor bruto recebido pela venda de um produto ou serviço, fique o suposto empregado com 50%, devendo o empregador arcar com o recolhimento dos impostos, manutenção das instalações físicas e demais encargos que a existência de uma empresa implica e, depois de subtraída toda esta quantia, auferir o seu lucro. O fato de haver acordo de que certas condições devem ser respeitadas por uma parte não significa a ingerência da outra sobre esta. É que, em todo negócio jurídico que se faz, surgem direitos e obrigações para os convenentes, não sendo isto a subordinação de que fala a lei. (00223-2006-025-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 23.09.06)

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RELAÇÃO DE EMPREGO - ÔNUS DA PROVA. Quando há o reconhecimento da prestação de serviços, tem-se como presumidamente existente o contrato de emprego, cabendo ao reclamado a demonstração de fatos impeditivos ou modificativos contrários ao seu reconhecimento. Assim, se o empregador alega que houve um contrato de aluguel de veículo do empregado, cabelhe demonstrar a existência dos elementos que caracterizam esse tipo de contrato. Se essa prova foi feita com a juntada de documentos que atestam que o reclamante prestou serviços na condição apenas de motorista de seu próprio caminhão alugado para a empregadora, sem qualquer vício de consentimento, cabe ao autor demonstrar que esses documentos não espelham a realidade da prestação de serviços, em face do princípio da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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primazia da realidade. (01496-2005-014-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06) 7-

PEDREIRO - ATIVIDADE DIVERSA DO OBJETIVO SOCIAL EMPRESÁRIO - AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Pouco importa no Processo do Trabalho o rótulo dado às relações, o que se busca é a VERDADE REAL havida entre as partes e uma vez desincumbindo-se a reclamada de comprovar a inexistência dos pressupostos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, não há como declarar o vínculo demandado. O simples ato de remunerar pelo serviço prestado não conduz à relação de emprego, ainda mais quando se depreende dos autos a ausência de prova no tocante à subordinação e habitualidade. Contudo, vale o registro de que a eventualidade não deve ser compreendida apenas pelo conceito temporal, não se atribuindo caráter esporádico quando o trabalho tem por objeto necessidade normal da empresa, que se repete de forma periódica e sistemática ou reforço de produção, nas hipóteses, ainda, quando o tempo de execução dos serviços se alonga ultrapassando o que poderia ser considerado “curta duração”. Nesses casos existe a necessidade do contrato por tempo determinado, escorrendo pela via da veracidade o caráter ocasional conferido à relação. Assim, a averiguação da natureza não eventual das atividades exercidas pelo autor que demanda o vínculo empregatício há de ser feita tendo em vista a finalidade normal da empresa que, acaso diversa, descaracteriza o pleito empregatício. (00246-2006-103-03-00-6 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06)

8-

REPRESENTAÇÃO COMERCIAL VERSUS RELAÇÃO DE EMPREGO. A leitura conjunta do caput do art. 1º da Lei n. 4.886/65 e art. 3º da CLT permite concluir que três elementos fático-jurídicos (trabalho por pessoa física, nãoeventualidade e onerosidade) comparecem tanto na caracterização do representante comercial como na composição da figura do empregado. Portanto, no exame do caso concreto, serão os elementos fático-jurídicos da pessoalidade e da subordinação que irão determinar a real natureza da relação de trabalho vivenciada pelas partes. A autonomia do representante comercial perante o representado contrapõe-se ao elemento subordinação, que é inerente ao contrato de trabalho. Já a impessoalidade (ou a fungibilidade do prestador laboral), conquanto não seja um elemento atávico e imprescindível à figura da representação comercial, afasta, inexoravelmente, a possibilidade de configuração da relação de emprego, porque a prestação de serviços pelo empregado típico se concretiza através de atos e condutas estritamente individuais, não podendo o contrato ser cumprido por interposta pessoa. No contrato de emprego prevalece, portanto, a regra da infungibilidade. (00562-2006-016-03-00-6 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Mauricio Godinho Delgado - Publ. “MG” 08.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO - RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO - COMPATIBILIDADE DA CUMULAÇÃO DOS PEDIDOS. O simples fato de se pretender o reconhecimento de vínculo de emprego não afasta a possibilidade de se postular, na mesma ação, a rescisão indireta do contrato de trabalho cuja existência venha a ser declarada. É inviável pensar - mormente no processo trabalhista, que se caracteriza pela cumulação de pretensões em uma só ação - que o trabalhador tenha de ajuizar reclamação trabalhista na qual se declare que este ostentava a condição de empregado para, só depois, ingressar com novo pedido de declaração da rescisão do contrato existente, por descumprimento de obrigações por parte do empregador. Ou seja, se determinado empregado, já reconhecido como tal, tem o direito de invocar a falta da alínea “d” do artigo 483 da CLT como causa ensejadora da rescisão indireta do pacto, com mais razão o mesmo direito assiste ao obreiro que, além de sofrer iguais conseqüências no tocante ao descumprimento de obrigações impostas por lei, não teve sequer reconhecida sua condição de empregado. Não há, concluindo, qualquer incompatibilidade entre a cumulação dos pedidos de reconhecimento do vínculo de emprego e a rescisão indireta do respectivo contrato de trabalho. (00413-2006-046-03-00-9 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.12.06)

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VÍNCULO EMPREGATÍCIO X TRABALHO AUTÔNOMO. Sabidamente, o traço fundamental que distingue o trabalho autônomo do subordinado se faz através da verificação do elemento subordinação. Vale asseverar: não basta a existência da subordinação objetiva, isto é, a subjetiva também tem que ser efetivamente demonstrada. Com efeito, ainda que a atividade exercida esteja inserida na atividade-fim do tomador de serviços (subordinação objetiva), a relação de emprego não dispensa o elemento de sujeição do trabalhador às diretrizes do tomador de seus serviços (subordinação subjetiva). Na espécie dos autos, a autora, em sua própria residência, exercia função considerada imprescindível para a consecução do lucro pela empresa. Todavia, nem por isso estava isenta dos comandos da reclamada. Tal subordinação, contudo, em razão da prestação dos serviços ocorrer longe dos olhos do empregador, manifestava-se de maneira peculiar, devendo, por isso, ser aferida através de determinadas circunstâncias, tais como a possibilidade de a atividade prestada poder ser objeto de contrato de trabalho, independentemente do resultado dela conseqüente; a utilização de matéria-prima fornecida pelo tomador; a prestação de serviços diariamente; a assunção dos riscos do negócio pela empresa. Estes aspectos, incompatíveis com o exercício de atividade autônoma, restaram demonstrados. Verificada também a coexistência dos demais pressupostos da relação de emprego, confirmada deve ser a decisão primeva que reconheceu o vínculo empregatício entre as partes. (00496-2006-075-03-00-1 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Márcio Ribeiro do Valle - Publ. “MG” 02.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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RELAÇÃO DE EMPREGO - TRANSPORTE RODOVIÁRIO EM VEÍCULO PRÓPRIO. Para a Lei n. 7.290/84 é irrelevante a atividade-fim do tomador dos serviços, pois admite que ele seja contratado como “empresa de transporte rodoviário de bens, ou diretamente com os usuários desse serviço” (parte final do art. 1º). Não caracteriza subordinação peculiar a contrato de emprego o fato de o autor seguir rota de entrega, pouco importando quem elaborava essa rota, considerando que na sua atividade prestava serviços a terceiros, obrigando a entregar a mercadoria no destino indicado na nota fiscal ou conhecimento de transporte. Evidenciado que o autor recebia por quilômetro rodado e arcava com os riscos da sua atividade, inclusive combustível e manutenção do caminhão, a sua atividade enquadra-se como transportador autônomo. (00029-2006-080-03-00-7 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 18.07.06)

12 -

VÍNCULO DE EMPREGO - VETERINÁRIO - ATIVIDADE INTERMITENTE NÃO EVENTUALIDADE. Considerando a peculiaridade da prestação laboral examinada, e tendo em vista a controvérsia acerca do conceito de não eventualidade, é necessária uma aferição convergente e combinada das distintas teorias em cotejo com o caso concreto, definindo-se a ocorrência ou não da eventualidade pela conjugação predominante dos diversos enfoques. Neste contexto, ainda que se admita que o reclamante trabalhava apenas em alguns dias da semana, a intermitência, neste caso, não traduz eventualidade. Também não é requisito da relação empregatícia a exclusividade. Se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver a eventualidade, já que a descontinuidade da prestação de serviços não é fator determinante do trabalho eventual. Isto porque a jornada contratual pode ser inferior à legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na semana. Contratado o reclamante como veterinário, para prestar serviços nas fazendas dos cooperados, e reunidos os demais elementos fático-jurídicos da relação de emprego, mantém-se a r. decisão de primeiro grau que a reconheceu. Recurso ordinário desprovido, no aspecto. (01640-2005-063-03-00-6 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 15.07.06)

RELAÇÃO DE TRABALHO 1-

CONSELHO TUTELAR - RELAÇÃO DE TRABALHO - ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Nos termos da Lei n. 8.069/1990 (ECA), o membro do Conselho Tutelar do Município exerce “serviço público relevante” estabelecendo, com isso, “presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo” (art. 135 do ECA). “Serviço público relevante” não se presta por concurso público. A participação no Conselho Tutelar não se traduz em investidura em cargo ou emprego público. Logo, não se há de aduzir de um contrato de trabalho nulo, pois esta relação jurídica - relação de emprego Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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não se compreenderia nunca em face do Conselho Tutelar. Em não se tratando de função decorrente de cargo ou emprego público, não incide o disposto no § 2º do art. 37 da Constituição da República, daí nenhum direito decorrente da relação de trabalho é devido ao membro do Conselho Tutelar. (00592-2006-077-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 19.12.06) RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO 1-

ACERTO RESCISÓRIO - CONTAGEM DO PRAZO. Tratando-se a hipótese de aviso prévio indenizado, o início da contagem do prazo para efetivação do acerto rescisório inicia-se no dia seguinte à dação do aviso (§ 6º do art. 477 c/c artigos 774 e 775, todos da CLT). Isto, considerando-se, inclusive, que, na processualística trabalhista, para a contagem dos prazos, excluiuse o dia do começo e inclui-se o dia do vencimento, o mesmo devendo valer para a hipótese do acerto rescisório com aviso prévio indenizado. (00410-2006-091-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 09.11.06)

2-

ACERTO RESCISÓRIO EFETUADO NO PRAZO LEGAL - AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DO ÓRGÃO COMPETENTE NO ATO DE hom*oLOGAÇÃO - MULTA DO § 8º DO ART. 477 DA CLT - CABIMENTO. O acerto rescisório não se resume ao pagamento de valores (mera satisfação pecuniária) e, por representar a quitação de rescisão do contrato de trabalho, exige, inexoravelmente, a assistência do sindicato ou do Ministério do Trabalho no ato de hom*ologação. Assim, ainda que o depósito tenha sido realizado dentro do prazo legal, a falta de assistência pelo órgão competente enseja a aplicação da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT. (00156-2006-099-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 24.11.06)

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DISPENSA - DEFICIENTE FÍSICO - NULIDADE - REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO COM BASE NO ARTIGO 36 DO DECRETO N. 3.298/99. Na dispensa dos empregados deficientes físicos, ou reabilitados, há que ser rigorosamente observado o artigo 36 do Decreto n. 3.298/99 que dispõe que somente poderá ocorrer após a contratação de substituto em condição semelhante, sendo necessário que a empresa demonstre em juízo, para que se declare válida a dispensa, a prévia contratação de outro empregado deficiente ou habilitado ou o cumprimento da quota estabelecida em lei, o que não ocorreu no caso sub judice. Recurso a que se nega provimento. (01684-2005-075-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Márcio Toledo Gonçalves - Publ. “MG” 09.08.06)

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EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - DESPEDIDA IMOTIVADA - INVALIDADE. Nos termos do inciso II do § 1º do art. 173 da Constituição Federal, a EBCT, empresa pública, está sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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obrigações trabalhistas. Não obstante, como integrante da Administração Pública indireta que é, deve se submeter aos princípios previstos no caput do artigo 37 da mesma Constituição da República, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. E, ao deixar de motivar o ato administrativo de dispensa de seus empregados, regularmente contratados através de admissão em concurso público, a reclamada feriu os princípios constitucionais da moralidade, da legalidade e da impessoalidade, sendo de todo ilícitas as dispensas efetuadas. (00293-2006-110-03-00-8 RO - 5ª T. - Red. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 05.08.06) 5-

EMPREGADO CELETISTA DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA DISPENSA IMOTIVADA - PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. Assim como à reclamada, sociedade de economia mista estadual, é vedado admitir servidores sem prévia aprovação em concurso público, a ela é proibido, também, dispensar discricionariamente o servidor concursado. Se, para ingressar no serviço público, o reclamante foi submetido a certame público, para ser dispensado, obedecendo-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade dos atos administrativos (artigo 37 da CF), ele tem o direito de conhecer os motivos. A dispensa do reclamante, ainda que contratado pelo regime celetista, por ser um ato administrativo típico, deve ser obrigatoriamente motivada, sob pena de nulidade. (00721-2006-023-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 06.12.06)

6-

EMPREGADO COM INSTRUÇÃO PRIMÁRIA - TRCT VÁLIDO. Insustentável a invalidação do TRCT, fulcrada em afirmação de não alfabetização da reclamante, com aplicação analógica do art. 772 da CLT, quando a prova produzida, toda harmonizada, abre outro panorama jurídico. Ainda que pessoa de pouca erudição, o primeiro ciclo de conhecimentos do ensino básico confere à trabalhadora o discernimento acerca do teor das declarações por ela firmadas, eis que subscreveu todos os documentos alusivos à sua contratação, tendo passado procuração ao seu advogado, devidamente assinada, além de não ter a petição inicial alegado tal fato, que aflorou apenas por ocasião do depoimento da autora. (00290-2006-010-03-00-6 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 05.10.06)

7-

SÚMULA N. 330 DO TST - EFICÁCIA LIBERATÓRIA. Estabelece a Súmula n. 330 do TST que a quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria ao empregador, com observância dos requisitos exigidos na legislação trabalhista, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas nos recibos, salvo se aposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas. Assim, a eficácia liberatória a que alude a referida Súmula alcança somente as parcelas que foram quitadas, estando estas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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especificadamente consignadas no termo de rescisão, limitando-se, ainda, ao seu valor. E, ainda que assim não fosse, o certo é que a quitação passada pelo empregado com assistência da entidade sindical não pode obstar o exame da matéria pelo Poder Judiciário, nos exatos termos do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República de 1988. (00167-2006-109-03-00-3 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 19.12.06) 8-

DOENÇA NÃO RELACIONADA AO TRABALHO - LICITUDE DA DISPENSA IMOTIVADA DO EMPREGADO - IMPOSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO. É nula a ruptura contratual se provado que o trabalhador estava enfermo e inapto para o trabalho no dia em que é despedido. Contudo, a despeito de o empregado ser portador de doença comum não relacionada com o trabalho (diabete mellitus tipo 1), de difícil controle e necessidade de acompanhamento médico freqüente, mas que na dispensa o exame médico demissional o considera apto para o trabalho, corroborado este fato pelo laudo pericial médico produzido em juízo, a hipótese não autoriza o entendimento acima. Assim, encontrando-se o quadro clínico do obreiro estável à época, é lícita a dispensa perpetrada pelo empregador. Portanto, o contrato de trabalho estava em vigor, normalmente sem a pendência de qualquer condição suspensiva e sem estar caracterizada doença incapacitante, podendo o patrão usar de seu direito potestativo de dispensar o empregado, com o pagamento das verbas rescisórias típicas. Nessas circunstâncias, não existe fundamento legal para se ter a dispensa como obstativa e obrigar o empregador à reintegração. (00687-2006-002-03-00-3 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 15.12.06)

Indireta 1-

ALTERAÇÃO CONTRATUAL SEM O CONSENTIMENTO DO OBREIRO RESCISÃO INDIRETA - CABIMENTO. Por força do art. 468 da CLT, só é lícita a alteração das condições de trabalho, por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resulte, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. A não ser, portanto, nos casos em que a lei expressamente autorize, a alteração das condições de trabalho por ato de interesse patronal será admitida apenas a título excepcional, em situação de emergência e caráter transitório, eis que a regra é a de que modificações estabelecidas no ajuste não podem trazer prejuízo ao trabalhador. Destarte, não pode o obreiro ser obrigado a ocupar outra função que não aquela para a qual foi contratado, sendo cabível, na hipótese, a rescisão indireta. (01431-2005-031-03-00-8 RO - 3ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 12.10.06)

2-

RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO - FALTA GRAVE. Pratica falta grave que enseja a declaração da rescisão indireta do contrato Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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de trabalho, nos termos do artigo 483 da CLT, o empregador que deixa de anotar o contrato de trabalho na CTPS do trabalhador e, fazendo-o no curso da prestação dos serviços subordinados, permanece remunerando os serviços por meio de pagamento de notas fiscais emitidas por terceiras empresas, simulando negócio inexistente para deixar de recolher encargos trabalhistas e previdenciários, ignorando que o trabalhador tem a protegêlo a imperatividade do artigo 9º da CLT. (01111-2004-041-03-00-4 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 12.12.06) 3-

RESCISÃO INDIRETA - MORA SALARIAL REITERADA DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS. Para configuração do inadimplemento da obrigação contratual, basta o débito salarial referido no art. 1º do Decreto-lei n. 368/68, isto é, o não pagamento do salário ao empregado no prazo e nas condições do contrato ou lei (“...até o 5º dia útil do mês subseqüente ao vencido” - art. 459 da CLT). O pequeno atraso, mesmo sendo inferior ao prazo de três meses estabelecido no § 1º do art. 2º do mencionado Decreto-lei, mas reiterado no curso do contrato de trabalho, é motivo suficiente para a rescisão indireta do contrato de trabalho, mormente por ser o salário a mais elementar obrigação do empregador, tendo em vista a sua natureza alimentícia. (00367-2006-086-03-00-7 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 29.09.06)

RESPONSABILIDADE 1-

RESPONSABILIDADE DO SÓCIO - FASE DE CONHECIMENTO POSSIBILIDADE. Não se desconhece que a empresa tem existência distinta da de seus membros, vale dizer, a sua personalidade jurídica não se confunde com a de seus sócios. Mas nas ações trabalhistas, conforme majoritária jurisprudência dos tribunais, nada obsta que o autor inclua, desde a fase de conhecimento, as pessoas físicas dos sócios-proprietários no pólo passivo da relação processual. Com isto ele já estará cercando-se de maiores garantias para o seu eventual e futuro crédito trabalhista e evitando, na execução que se seguirá, inúteis e procrastinatórias discussões acerca da possibilidade e do alcance da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. Repita-se, não há impedimento legal para que, desde já, o autor obtenha título executivo declarando a solidariedade dos sócios para com seus futuros créditos. (01402-2005-103-03-00-5 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 07.09.06) RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. A pessoa física do sócio e seu patrimônio não se confundem com a pessoa jurídica e o acervo da empresa. A natureza da responsabilidade dos sócios é contratual e decorre das obrigações assumidas no contrato social e legislação de regência. De toda forma, o sócio pode ser responsabilizado pelas dívidas trabalhistas na execução Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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empreendida sem sucesso contra a sociedade, conforme se depreende dos artigos 1.023 e 1.024 do CC/02 e 596 do CPC. Contudo, não havendo indicação de motivo relevante para que ele venha a participar da relação processual desde o seu nascedouro, não há, da mesma forma, razão plausível para que haja a desconsideração da personalidade jurídica da empresa na fase de conhecimento. Se já se resguarda ao credor o direito de despir o véu da sociedade, em caso de insucesso da execução contra a pessoa jurídica do empregador na fase de execução, somente apresentando o empregado motivo apto para inclusão do sócio no processo desde a fase de cognição, justificase o interesse de agir contra essa pessoa desde esse momento processual. Caso contrário, deve-se reconhecer a carência de ação. (00253-2006-067-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 06.09.06) Solidária 1-

EXECUÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO SÓCIO MINORITÁRIO. É princípio informador do Direito do Trabalho que o empregado não corre os riscos do empreendimento, já que também não participa dos lucros. Não havendo bens que suportem a execução forçada (§ 1º do art. 596 do CPC), os sócios responderão pelos débitos trabalhistas da empresa com os seus patrimônios particulares. Não sendo encontrados bens do sócio ainda que seja majoritário da empresa confessadamente insolvente, responde a agravante, sócia minoritária, pelo pagamento dos débitos trabalhistas de natureza alimentar, mesmo que seja destituída de poder de gerência, nos termos do art. 1.398 do CCb de 1916, vigente no período do contrato de trabalho do exeqüente. Considerando-se que o débito trabalhista decorre da contratação de empregado, em proveito da sociedade, ora executada, os seus sócios são solidariamente responsáveis por sua quitação, conforme a decisão do juízo da execução que determinou a inclusão dos sócios no pólo passivo da ação. (00176-2000-011-03-00-7 AP - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 23.09.06)

Subsidiária 1-

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ALCANCE. A responsabilidade subsidiária deve abranger todos os créditos trabalhistas, exceto o que diz respeito às obrigações de fazer, de caráter personalíssimo, tais como anotação da CTPS, entrega das guias TRCT e CD/SD. Nesse contexto, é inafastável a conclusão no sentido de que a tomadora dos serviços deverá suportar, na qualidade de responsável subsidiária, o pagamento das parcelas rescisórias, inclusive multas previstas nos arts. 467 e 477 da CLT, porquanto se trata de obrigações de pagar, que tiveram origem no contrato de trabalho que a beneficiou. Recurso a que se nega provimento. (01656-2005-011-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 02.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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2-

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Não é admissível excluir a responsabilidade subsidiária de ente da Administração Pública, direta ou indireta, ao argumento derivado do comando contido no art. 71 da Lei n. 8.666/93. Hodiernamente, tem-se considerado inconstitucional o referido dispositivo, admitindo-se que o mesmo não se poderia sobrepor às normas da Carta Magna, ao direto confronto com o princípio constitucional de valorização do trabalho, eleito como um dos fundamentos do Estado Democrático. Admitir-se a restrição, contida naquela Lei, importaria acolher privilégio anti-social, beneficiando as entidades estatais com a prerrogativa de isenção da responsabilidade sobre seus atos, em detrimento do trabalho e do trabalhador. A responsabilidade subsidiária da Administração Pública não é resultado de “legislação do Judiciário em prol do trabalhador”, mas, sim, fruto de construção jurisprudencial, o que, de forma alguma, carece de força coercitiva ou vem afrontar a hierarquia das leis ou o disposto em quaisquer preceitos legais, haja vista que a jurisdição não se aperfeiçoa apenas através de normas positivadas, mas, também, através da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, nos termos dos artigos 8º da CLT e 4º da LICC. (01638-2005-112-03-00-2 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 15.07.06)

3-

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - PREFEITO MUNICIPAL - TERCEIRO RECLAMADO - IMPERTINÊNCIA - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DOLO OU CULPA DO AGENTE PÚBLICO. Não é cabível atribuir a responsabilidade subsidiária ao agente público, como terceiro reclamado, pelo simples fato de ser este o Prefeito do Município, condenado subsidiariamente, e signatário do contrato firmado com a primeira reclamada, responsável direta pelo cumprimento da condenação. Depreende-se da Constituição Federal de 1988, no seu art. 37, § 6º, que a responsabilidade do agente público pelos danos que vier a causar a terceiros, nessa qualidade, condiciona-se à aferição do dolo ou da culpa. A partir do que na Magna Carta assim se estabelece, tem-se que eventual responsabilização do agente público, no caso o representante da municipalidade subsidiariamente condenada, pelos créditos trabalhistas oriundos da condenação de empresa contratada pelo Município, condiciona-se à aferição subjetiva do dolo ou da culpa deste agente quanto ao prejuízo suportado pelo obreiro reclamante. (00271-2005-032-03-00-6 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 08.07.06)

4-

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - SOLIDARIEDADE ENTRE AS EMPRESAS COOBRIGADAS - BENEFÍCIO DE ORDEM APENAS EM RELAÇÃO AO DEVEDOR. Firmada a garantia da responsabilidade subsidiária do débito trabalhista em relação a mais de uma empresa, na forma do item IV da Súmula de n. 331 do TST, correto e justo que possam elas argüir o benefício de ordem, exigindo que sejam primeiramente executados os bens do efetivo devedor. Revelando-se, todavia, infrutífera a Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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execução movida contra o responsável principal, o credor pode exigir a totalidade da dívida de qualquer dos co-executados, pois se trata de garantia adicional incidente sobre direitos inadimplidos pelo empregador, originados de vinculação única. A relação interna estabelecida entre os coobrigados, em nível subsidiário, é regida pelos princípios da solidariedade passiva. Entre eles não existe preferência de excussão. (00586-2003-058-03-00-4 AP - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.12.06) 5-

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - CULPA IN ELIGENDO. A responsabilidade subsidiária, no Direito do Trabalho, decorre da inadimplência do devedor principal, chegando a transcender a teoria da culpa in vigilando ou in eligendo do direito comum, sendo certo que a condenação subsidiária não decorre de mera suposição do julgador sobre possíveis deslizes ou incúria da empresa de prestação de serviços. Deriva, isto sim, de um complexo sistema de princípios e normas constitucionais e ordinárias, todas de ordem pública, visando à proteção do salário. Deve ser ainda considerado o risco empresarial, compartilhado pelos empreendedores que se beneficiam da força de trabalho. Esta interpretação também se aplica no caso de condenação da empregadora por responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho. (00424-2005-090-03-00-6 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Anemar Pereira Amaral - Publ. “MG” 08.11.06)

REVELIA 1-

REVELIA - ARTIGO 884 DA CLT - AUDIÊNCIA INAUGURAL - PRESENTE APENAS O ADVOGADO MUNIDO DE DEFESA - SÚMULA N. 122 EFEITOS. Embora alguns doutrinadores defendam a tese formulada pela recorrente, acerca do atendimento à exigência legal, com o comparecimento do advogado à audiência, munido de procuração e com a defesa, pelo que não se aplicaria a revelia por se ter evidenciado animus de defesa, a tese não se autoriza na literalidade do preceito. A lei prevê e é taxativa quanto à conseqüência da ausência da reclamada à audiência no momento processual que é anterior ao tema: matéria ser ou não de direito. Primeiramente, o pólo passivo deve fazer-se presente à audiência inicial, ou designar alguém por ele e o contraditório se cumpre com os instrumentos ofertados pelo ordenamento jurídico (inciso LV do artigo 5º da Magna Carta), assecuratórios da ampla defesa e os meios e recursos a ela inerentes. (00763-2005-094-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 31.08.06) S

SALÁRIO 1-

ANUÊNIO E GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO - PRESCRIÇÃO EXTINTIVA. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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Tratando-se de vantagens que têm origem em normas internas do recorrido ou resultam de negociação coletiva, em relação às quais inexiste preceito de lei assegurador, opera-se a prescrição total, nos termos da Súmula n. 294 do TST. Pontue-se que o enquadramento na exceção do referido verbete somente é possível quando a garantia do direito estiver contida em norma legal em sentido estrito, condição que não pode ser atribuída ao regimento interno da empresa ou convenções coletivas, ante a ausência dos requisitos da generalidade e impessoalidade. (00257-2006-002-03-00-1 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 25.08.06) 2-

PRÊMIO - INTEGRAÇÃO REMUNERATÓRIA. O prêmio pago em razão do preenchimento dos critérios estabelecidos pela empresa em praticamente todos os meses do contrato, além de caracterizar salário-condição, não se confunde com o prêmio concedido esporadicamente por mera liberalidade. Como tal, ele possui feição salarial e deve, por isso, integrar a remuneração do reclamante, para todos os efeitos legais. (00049-2006-072-03-00-3 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 04.10.06) PRÊMIOS - INTEGRAÇÃO - CÁLCULO. A Lei n. 605, de 05.01.1949, no seu artigo 7º, estabelece a correta forma de pagamento do repouso semanal remunerado, inclinando os prêmios recebidos, por analogia, para a metodologia de divisão do número total mensal pelo número de dias úteis para, posteriormente, multiplicar o valor da parcela encontrado pelo número de dias destinados ao repouso. Esse critério permite o fiel cumprimento das normas legais que regem a matéria. (00070-2006-107-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 01.07.06)

3-

ASSISTÊNCIA MÉDICA EM CONVÊNIO COM A EMPREGADORA DESCONTO EM FOLHA DE SALÁRIO. A efetivação de descontos em folha de salário do empregado em decorrência de benefício de assistência médica em convênio com a empregadora só deve ser realizada quando previamente solicitada pelo empregado. Entretanto, mesmo quando não realizada a solicitação deste benefício pelo empregado, não se justifica o deferimento de pedido de restituição dos valores descontados quando o empregado deixa implícito que utilizou o plano assistencial médico. Isso porque, ao se utilizar do benefício, o empregado chancela sua adesão ao plano disponibilizado pela empregadora, nada podendo ser restituído em tal circunstância. (00103-2006-004-03-00-2 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 25.11.06)

4-

READAPTAÇÃO FUNCIONAL - IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. O empregado readaptado não pode ter a sua remuneração reduzida pelo exercício de função que tenha menor contraprestação na empresa. Tanto Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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deve receber a mesma remuneração que não pode servir de paradigma para a equiparação salarial. Entretanto, esta irredutibilidade salarial deve ser entendida nos seus exatos termos, não havendo afronta à legislação e aos princípios do Direito do Trabalho a exclusão de parcelas pagas sob a forma de salário-condição. Se o empregado deixa de exercer atividade sob condição desvantajosa, como no caso das atividades de risco, impõe-se a supressão do adicional de periculosidade, hipótese ademais prevista em lei. (00681-2006-103-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 20.09.06) 5-

SALÁRIO MISTO - HORAS EXTRAS E RESPECTIVO ADICIONAL. Recebendo o reclamante salário misto, ou seja, uma parte fixa e outra variável, parte variável essa decorrente das comissões percebidas, em relação ao salário variável, não são devidas horas extras, mas apenas o adicional de horas extras, uma vez que esse salário não é calculado pela unidade de tempo, sendo esse o entendimento do TST cristalizado na Súmula n. 340. No entanto, em relação ao salário fixo, devido se torna o pagamento das horas extras com o respectivo adicional. (00962-2005-006-03-00-3 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 19.12.06)

6-

PAGAMENTO DE SALÁRIOS - PENA DE CONFISSÃO FICTA PREVALÊNCIA DA PROVA DOCUMENTAL. Nos termos do artigo 464 da CLT, considera-se como única prova aceitável do pagamento de salários o respectivo recibo assinado pelo empregado ou o comprovante de depósito em conta bancária, aberta, para esse fim, em nome do mesmo. Não se admite, portanto, prova de quitação de salário através de confissão ficta, pois essa não se sobrepõe à referida prova documental. (00347-2006-143-03-00-6 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco de Barcelos Coura - Publ. “MG” 19.08.06)

7-

REEMBOLSO DOS VALORES DESCONTADOS, A TÍTULO DE ALUGUEL DE PALM-TOP. Se a empresa exige o uso de um equipamento específico pelo representante comercial - inclusive, intermediando o aluguel, no valor que impõe - deve arcar com os custos respectivos. Poderia ver-se livre deste encargo, somente, se o uso do equipamento palm-top fosse uma escolha do representante - que, apesar da opção de transmissão de pedidos, por fax ou telefone, preferisse o aparelho. Este entendimento mais se respalda se considerarmos que o aparelho passou a integrar o patrimônio da reclamada, após a saída do recorrente. (00209-2006-071-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Manuel Cândido Rodrigues - Publ. “MG” 08.12.06)

8-

REMUNERAÇÃO - SALÁRIO-HORA - POSSIBILIDADE E RESTRIÇÕES. Embora se possa ajustar salário-hora de modo a possibilitar pagamento mensal até mesmo inferior ao mínimo legal ou convencional, não se pode Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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fixá-lo com o objetivo de exigir aleatoriamente do empregado uma jornada maior ou menor, conforme as necessidades do empreendimento, de modo que ele fique formalmente vinculado a uma jornada de oito horas, mas que poderá ser reduzida ao bel-prazer do empregador. A jornada pode ser inferior a oito horas, mas há de ser prefixada, já que nos contratos comutativos, como os de trabalho, as partes devem saber de antemão a extensão das suas prestações. (00388-2006-099-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06) 9-

TÍQUETE-REFEIÇÃO - CUSTO COMPARTILHADO. Integra o salário como parcela in natura somente aquilo que é entregue ao trabalhador como contraprestação pelo serviço prestado, não se enquadrando como tal o valerefeição ou auxílio-alimentação de custo compartilhado. Na hipótese o trabalhador paga uma parte do benefício, o que afasta a natureza de contraprestação. (00751-2005-019-03-00-7 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Manoel Barbosa da Silva - Publ. “MG” 03.08.06)

10 -

EMPREGADO QUE UTILIZA MOTOCICLETA PRÓPRIA NA EXECUÇÃO DO SERVIÇO - LOCAÇÃO - DESGASTE. Pela depreciação da motocicleta, o empregador responde mediante o pagamento do próprio aluguel, sendo indevido qualquer outro pagamento para indenizar o desgaste normal do bem. No valor contratualmente fixado para o aluguel, está contido o pagamento pelo desgaste do veículo. (01531-2006-139-03-00-4 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 28.11.06)

11 -

VALE-REFEIÇÃO - HABITUALIDADE - INCORPORAÇÃO AO CONTRATO - ALTERAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Diante da comprovação da concessão do vale-janta pela empresa, por determinado lapso de tempo, é irrelevante que o benefício tenha se constituído em mera liberalidade do empregador, porquanto a benesse, uma vez prestada com habitualidade, incorpora-se ao contrato de trabalho do empregado como cláusula mais favorável, sendo vedada a alteração unilateral lesiva, a teor do artigo 468 da CLT. (00505-2006-011-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 30.08.06)

12 -

SALÁRIO ESTIPULADO POR HORA - PAGAMENTO APENAS DAS HORAS EFETIVAMENTE LABORADAS - OFENSA AO INCISO VII DO ARTIGO 7º DA MAGNA CARTA. Não é possível aceitar-se um regime de remuneração em que o pagamento mensal se faz pelo número de horas efetivamente laboradas, em que o empregador pode exigir um mínimo de 8 e um máximo de 44 horas de trabalho por semana, mantendo o trabalhador à sua disposição por 44 horas semanais, além de não garantir um salário mensal mínimo. Assim, mesmo que o critério para fixação do salário seja o valor da hora, se o número de horas é variável mês a mês, será sempre devido um Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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patamar salarial mínimo, considerando-se esse parâmetro mensal no cálculo do salário-base. Tal entendimento expressa o contido no inciso VII do art. 7º da Magna Carta, que garante salário nunca inferior ao mínimo para os que percebam remuneração variável. (00026-2006-006-03-00-3 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 24.11.06) In natura 1-

SALÁRIO - AJUDA DE CUSTO. O valor pago pela empresa a fim de efetivamente recompor os gastos do empregado com combustível e o desgaste de seu veículo utilizado no dia-a-dia da prestação de serviço configura ajuda de custo, com nítido caráter indenizatório, que não integra a remuneração, nos precisos termos do § 2º do artigo 457 da CLT. (01481-2005-063-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 07.11.06)

2-

AJUDA-ALIMENTAÇÃO - NATUREZA INDENIZATÓRIA PREVISTA EM CCT - INSCRIÇÃO NO PAT - INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO - INDEVIDA. Qualquer auxílio-alimentação fornecido pelo empregador, de acordo com o PAT, não tem índole salarial, eis que constitui uma benesse para o empregado, em virtude de dedução do lucro tributável para fins do imposto de renda, não se podendo penalizar as empresas integrantes desse importante programa governamental. Não bastasse, é razoável incentivar o fornecimento de benefícios, tais como alimentares e de transporte, com o intuito de minorar as agruras dos trabalhadores com esses itens, os mais pesados a incidirem sobre seus gastos pessoais, sem gerar reflexos salariais outros. Com o programa legal de refeições, todo ato patronal, espontâneo ou negociado coletivamente, com vistas a implementar essa tendência social, não merece ser mudado de natureza e finalidade por excesso de rigor legal, quando os empregados nunca questionaram isso no curso do emprego e valeram-se de bom grado do acréscimo providencial. (00136-2006-022-03-00-4 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.10.06)

3-

SALÁRIO IN NATURA - PLANO DE SAÚDE - ALIMENTAÇÃO - VALETRANSPORTE. A natureza salarial de uma utilidade ofertada pelo empregador surge caso presentes os dois requisitos centrais do salário in natura: habitualidade e caráter contraprestativo (não instrumental) da oferta consumada. Contudo, a norma jurídica pode esterilizar a natureza jurídica da concessão da utilidade, em face de outros valores que esta considere preponderantes. É o que se passa, por exemplo, no que tange aos serviços de saúde e educação ofertados pelo empregador, estas parcelas não têm natureza salarial (contraprestativa) por força de lei, consoante o comando consubstanciado nos incisos II e IV do § 2º do art. 458 da CLT. Lado outro, os benefícios fornecidos pelo empregador em virtude de sua inscrição no PAT não integram o salário do trabalhador como parcela in natura, nos termos Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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da Lei n. 6.321/76 e da OJ n. 133 da SBDI-I do Colendo TST. O valetransporte não possui natureza jurídica salarial, a teor da alínea “a” do art. 2º da Lei n. 7.418/85. (00644-2006-003-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 16.12.06) SEGURO DE VIDA 1-

SEGURO DE VIDA - NORMA COLETIVA - PAGAMENTO DO PRÊMIO INVIABILIZADO POR CULPA DA CONTRATANTE - INDENIZAÇÃO. Se a reclamada, quando da contratação da seguradora, convencionou com esta que o pagamento do prêmio do seguro somente seria devido nos casos de aposentadoria por invalidez permanente total e definitiva, transgrediu os próprios termos da norma coletiva, eis que reduziu e limitou, por sua conta e risco, o benefício, mormente porque restou pactuado em norma coletiva que a única condição necessária ao recebimento do benefício é que o empregado tenha sido aposentado por invalidez, por doença ou acidente. (00398-2006-015-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 02.12.06) INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA - SEGURO DE VIDA - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. A aposentadoria por invalidez declarada pelo INSS ocorreu no período de vigência da norma coletiva que obrigava a empregadora a contratar, em favor de seus empregados, um seguro de vida e acidentes pessoais, de modo a lhes garantir uma indenização, em caso de invalidez total, declarada pelo INSS, “não estabelecendo qualquer outra condição para o deferimento da indenização em tela, além da invalidez para o trabalho”. Estando o reclamante definitivamente aposentado por invalidez, declarada pelo INSS, e, se a apólice instituída pela empresa exclui o tipo de situação em que se encontrava submetido o autor da cobertura de seguro que lhe seria devida, resta claro que a obrigação instituída pela norma coletiva deixou de ser cumprida integralmente. Diante de tais constatações, considerando que a aposentadoria por invalidez do reclamante configura o fato gerador do direito à indenização, que não será paga pela seguradora por excesso de exigência desta, não contemplada na norma coletiva, o reclamante “faz jus” a receber da reclamada a indenização em questão na forma convencionada, por ter incorrido em culpa in eligendo. (00533-2006-001-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.12.06) SEGURO DE VIDA OBRIGATÓRIO EM GRUPO - INVALIDEZ PERMANENTE - NORMAS COLETIVAS. A aposentadoria por invalidez reconhecida pelo INSS é fato gerador do direito ao seguro em grupo previsto em normas coletivas. Pela própria natureza tem caráter transitório, podendo ser revertida, não constituindo óbice ao recebimento da indenização contratada a observação inserida na carta de concessão, quanto ao prazo de dez anos para revisão do benefício previdenciário concedido pela autarquia. Por outro Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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lado, se a reclamada, em desrespeito ao convencionado nos instrumentos normativos, não renovou a apólice de seguro, frustrando o recebimento da parcela com prejuízo para o autor, fica obrigada a reparar o dano na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil. (00370-2006-068-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 11.11.06) 2-

INDENIZAÇÃO POR SEGURO DE VIDA EM GRUPO. O contrato de seguro de vida em grupo é uma benesse instituída, geralmente, por via da negociação coletiva, em favor dos empregados, agregando-se ao contrato de trabalho como condição mais benéfica (art. 444 da CLT). Trata-se de relação tripartite, entre a seguradora, a empregadora e o empregado, pelo que há para as partes envolvidas responsabilidades das quais não se podem eximir, e das quais está a do estrito cumprimento, pela empregadora, das cláusulas avençadas em negociação coletiva, em atenção ao inciso XXVI do art. 7º da CF. Logo, existindo a previsão, em CCT, do direito à indenização por seguro de vida no caso de morte do empregado, por qualquer causa, deve ele ser pago ao espólio, sem se cogitar de qualquer outro pressuposto legal ou contratual (no contrato de seguro entre empregadora e seguradora), que não aquele avençado pelas partes, na negociação coletiva, pena de ofensa ao inciso XXVI do art. 7º da Carta Magna. (00833-2006-022-03-00-5 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 21.11.06)

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SEGURO DE VIDA E SEGURO DE AUTOMÓVEL - NATUREZA DA ATIVIDADE DO RECLAMANTE - INEXISTÊNCIA DE PARCELA SALARIAL. O pagamento de seguros de vida e de automóvel ao trabalhador que desempenha suas atividades em constantes viagens, em veículo próprio, não implica a configuração de sua natureza salarial. Trata-se de uma liberalidade do empregador, cuja vontade não se dirige à melhor remuneração do empregado, mas ao desenvolvimento das atividades do trabalhador de forma mais eficiente e tranqüila às funções para as quais fora contratado. Faz-se necessário prestigiar atos dessa natureza por parte do empregador, dada a dimensão pecuniária inaceitável que a empresa suportaria como decorrência da indevida transmudação da natureza jurídica do título. (01370-2004-129-03-00-0 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 07.09.06)

4-

SEGURO-SAÚDE - INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DE PRÊMIO. Se a empresa contrata seguro de vida em prol dos seus empregados, atuando no ajuste como intermediária destes, que são os verdadeiros beneficiários, sua obrigação não se esgota com a mera intermediação e formalização do contrato, mas somente com a entrega da apólice e das condições contratuais aos beneficiários, sob pena de não se aperfeiçoar o pacto. Se o reclamante deixa de receber o prêmio em razão de a seguradora não ter sido comunicada do sinistro, verifica-se a culpa da empresa, que vai ensejar a condenação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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em pagar indenização substitutiva, pelo ato omissivo de não dar a conhecer ao reclamante as condições do contrato, mantidas em seu poder, ou de não ter comunicado o sinistro à seguradora. (00164-2006-087-03-00-7 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 16.09.06) SEGURO-DESEMPREGO 1-

INDENIZAÇÃO DO SEGURO-DESEMPREGO - CONFISSÃO - NOVO EMPREGO. Não pode ser mantida a condenação à indenização substitutiva do seguro-desemprego, verba que tem a finalidade de assegurar a manutenção dos rendimentos, até que o trabalhador consiga um novo emprego, quando este confessa que foi imediatamente contratado. (01242-2005-021-03-00-8 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Jales Valadão Cardoso - Publ. “MG” 30.08.06)

SENTENÇA 1-

SENTENÇA INEXEQÜÍVEL - AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. Constatandose que o comando sentencial proferido em processo anterior é inexeqüível, sendo impossível o seu cumprimento, não havendo como se resguardar o direito do autor ali reconhecido, não restou ao reclamante alternativa para obter o que lhe era devido, senão, ajuizar uma nova ação, pedindo a conversão da obrigação estabelecida na ação anterior em indenização substitutiva. Caso contrário, tornar-se-ia impossível a apreciação pelo Poder Judiciário do pedido do autor. Com efeito, a todo direito corresponde uma ação que o assegura - artigo 75 do Código Civil de 1916, sem correspondência no novo Código Civil. Assim, se um direito é violado, seu titular tem um prazo legal para ajuizar ação visando ao seu restabelecimento, sob pena de incidir a prescrição, que gera a extinção do direito de ação. (01238-2005-057-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 08.07.06)

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JULGAMENTO ULTRA OU EXTRA PETITA - NULIDADE AFASTADA POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO. Se a condenação que excede o pedido inicial pode ser decotada de modo a que se adeqüe aos limites da lide, quando do julgamento do mérito recursal e tendo em vista o efeito devolutivo que se confere ao apelo, deve ser afastada a preliminar de nulidade. É preferível a reforma que a anulação, desde que não decorram prejuízos às partes, em apreço aos princípios da celeridade e da economia processual. (00033-2006-104-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. “MG” 28.10.06)

3-

NULIDADE - JULGAMENTO EXTRA PETITA - JUSTA CAUSA ENQUADRAMENTO LEGAL. Não configura julgamento extra petita quando o julgador, ante os fatos alegados e os comprovados nos autos, considera comprovado o ato do empregado, causador de sua dispensa por justa causa. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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A impropriedade havida no enquadramento legal da falta, na defesa, não impede o seu correto alinhamento na decisão, desde que em sintonia com o fato alegado e sua real comprovação. Ao juiz são oferecidos os fatos, que, à luz deles, proclama o direito. (01016-2005-001-03-00-2 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 01.07.06) NULIDADE DA SENTENÇA - JULGAMENTO EXTRA PETITA - NÃOCARACTERIZAÇÃO. Delineado o contexto fático pelas partes, a tarefa de seu enquadramento junto ao normativo pátrio vigente é de inteira responsabilidade do juiz, a teor dos princípios da mihi factum, dabo tibi jus e jura novit curia, contidos no art. 126 do CPC. Significa que o julgador está autorizado a qualificar juridicamente a demanda, enquadrando-a no dispositivo legal que lhe parecer tecnicamente aplicável, desde que observados os limites fáticos postos nos autos. Assim, mesmo que a defesa nada tenha mencionado sobre referido enquadramento jurídico, este fato não obsta ao julgador reconhecê-lo, não se havendo falar, portanto, em julgamento extra petita. De toda forma, ainda que se constatasse a existência de julgamento extra petita, não era o caso de se anular a r. sentença, mas sim excluir da condenação o excesso deferido quando da apreciação do mérito da questão, adaptando-se o julgamento aos limites em que a lide foi proposta. Esta medida cumpre com as almejadas celeridade e economia processuais, na medida em que elimina, com eficácia, o vício apontado e, conseqüentemente, o prejuízo eventualmente suportado pela parte. Destarte, é de se rejeitar a preliminar de nulidade da decisão de origem. (00620-2006-009-03-00-3 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 27.10.06) 4-

NULIDADE DA R. DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU - REJEIÇÃO E POSTERIOR ACOLHIMENTO DE PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO PELO MESMO JUÍZO. Acolhe-se a argüição de nulidade da r. decisão de primeiro grau quando verificado que o d. Juízo a quo já havia rejeitado, em audiência inaugural, a preliminar de carência de ação suscitada pelo reclamado, em virtude da ausência de submissão da demanda à Comissão de Conciliação Prévia, razão pela qual não poderia proferir nova decisão acerca da matéria, incidindo, na hipótese, a preclusão pro iudicando. (00195-2006-016-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 26.10.06)

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OMISSÃO DO JULGADO - VÍCIO PERSISTENTE APÓS A ANULAÇÃO DO ATO - REENVIO DOS AUTOS À ORIGEM - INVIABILIDADE - ECONOMIA PROCESSUAL - DEVOLUTIVIDADE - EXAME DA MATÉRIA PELO TRIBUNAL. Cediço que, estando a decisão monocrática maculada por negativa de jurisdição, não se declara a nulidade se a matéria omitida está compreendida na devolução recursal. É a regra do § 1º do artigo 515 do Código de Processo Civil, que transfere ao tribunal o exame de questão eventualmente não examinada no julgamento originário, sem violação do Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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princípio do duplo grau de jurisdição. Assim, em se tendo omissão já declarada e não saneada após o envio dos autos à origem para o suprimento da instância, implica afronta ao princípio da economia processual nova anulação do ato para que se cumpra a medida. Em casos tais, deve o órgão revisor prestar a jurisdição, atentando para o princípio da motivação obrigatória das decisões judiciais. (01138-2005-018-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.12.06) SERVIDOR PÚBLICO 1-

CONTRATAÇÃO SEM APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO NULIDADE - ACORDO JUDICIAL CELEBRADO ENTRE A MGS E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - EFEITOS. Se é incontroverso o fato de a MGS ser uma empresa pública estadual, é peremptório que a contratação de seus empregados sempre ficou, desde a promulgação da Constituição da República de 1988, vinculada à necessidade de que tenham sido previamente aprovados em concurso público. Neste sentido, uma vez que o § 2º do art. 37 da Carta Magna comina de nulidade o ato de investidura em cargo ou emprego público sem a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, não sendo a hipótese de nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração e, ainda, prevê a punição da autoridade responsável pela não observância do disposto no inciso II do referido preceito constitucional, os contratos de trabalho firmados pela MGS sem a submissão deles a concurso público são nulos ex tunc, ou seja, desde a admissão dos trabalhadores que se encontram nessa condição, por contrariar a clara e incontrastável disposição constitucional, afrontando, diretamente, os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, não gerando, por isso, quaisquer efeitos de natureza trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados e dos valores relativos aos depósitos do FGTS, por aplicação da Súmula n. 363 do Colendo TST. Esse entendimento não traduz negativa de validade do acordo judicial celebrado entre a referida empresa pública e o douto Ministério Público do Trabalho, porque os efeitos dele visaram, tão-somente, a questões operacionais da dispensa dos empregados em situação irregular, para que não fosse efetivada em massa. Está-se dizendo que a eficácia jurídica do acordo não extravasa o âmbito restrito da relação entre a MGS e o Ministério Público do Trabalho, naquilo em que nele se contém. E dele não se extrai, sequer implicitamente, o asseguramento de quaisquer benefícios ou pretensos direitos a tais empregados. (00810-2005-021-03-00-3 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 08.07.06)

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CONTRATO ADMINISTRATIVO - NULIDADE - PROVA - ÔNUS. É do reclamante o encargo de demonstrar a nulidade do contrato administrativo firmado com suporte no inciso IX do art. 37 da Constituição da República, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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mormente quando atendido ao termo fixado em lei para contratação por prazo determinado, à presunção de legalidade dos atos administrativos. (00387-2006-062-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 10.11.06) 3-

NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SEM APROVAÇÃO PRÉVIA EM CONCURSO PÚBLICO - FGTS A PARTIR DA VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA QUE INTRODUZIU O ARTIGO 19-A DA LEI N. 8.036/90 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. Nos casos de nulidade da contratação em face da ausência de prévia aprovação em concurso público, a condenação do FGTS deve se limitar ao período posterior a 24 de agosto de 2001, data em que entrou em vigor a Medida Provisória n. 2.164/2001, que introduziu o artigo 19-A na Lei n. 8.036/90 e que alcança imediatamente os contratos em andamento. Princípio da irretroatividade da lei. (00376-2006-074-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 07.09.06)

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DISPENSA DE SERVIDOR - VALIDADE DO CONCURSO PÚBLICO DISCUTIDA EM JUÍZO - EFEITOS. O concurso público e a contratação do servidor municipal efetivo nele aprovado são atos administrativos que gozam de presunção de legalidade e, portanto, geram efeitos enquanto não decretados inválidos por quem de direito e na forma legal. A desconstituição de tais atos está condicionada à declaração judicial definitiva ou à anulação emanada da própria Administração, após procedimento administrativo formal, conforme inteligência das Súmulas n. 20 e 473 do STF. Enquanto não desconstituída a relação jurídica entre as partes, a reclamante tem pleno direito ao emprego, com o pagamento dos salários inclusive do período em que esteve afastada irregularmente por ato do reclamado. (01926-2005-053-03-00-4 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 15.12.06)

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QÜINQÜÊNIOS. A concessão de qüinqüênio a empregado público não converte em estatutário o regime jurídico a que se submete a relação de trabalho existente entre o servidor e a Administração Pública quando a lei municipal instituidora do regime único prevê expressamente a adoção do regime privado. A teor do disposto no artigo 7º da Constituição Federal, os direitos trabalhistas previstos em lei são garantias mínimas não impeditivas da contratação ou concessão de outras vantagens ao trabalhador, o que também não traduz a cumulação dos regimes público e privado. (00202-2006-051-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado Antônio Gomes de Vasconcelos - Publ. “MG” 07.09.06)

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MUNICÍPIO - TRABALHADOR CONTRATADO DE FORMA IRREGULAR AÇÃO QUE BUSCA RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO NOS MOLDES DA CLT - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO INAPLICABILIDADE DO INCISO I DO ART. 114 DA CR/88. O inciso I do art. 114 da Carta da República diz respeito a causas que envolvam o poder Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Ainda que o contrato de que resultou a presente demanda seja de natureza jurídico-administrativa no seu nascedouro, fato é que a autora pugna pela declaração de nulidade contratual, apontando irregularidades, e postula o pagamento de parcelas decorrentes de vínculo empregatício nos moldes da CLT, questão a ser apreciada pela Justiça do Trabalho. Inaplicável o disposto no inciso I do art. 114 da Carta, o qual trata de matéria diversa. Pouco importa se no pólo passivo da demanda esteja um órgão da Administração, uma vez que a matéria diz respeito a vínculo de emprego nos moldes da CLT e não com base em estatuto jurídico de servidor público ou em relação jurídicoadministrativa. Recurso a que se nega provimento. (00635-2006-131-03-00-0 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima - Publ. “MG” 19.12.06) 7-

SERVIDOR PÚBLICO - TRABALHO NO REGIME 12 X 36 - AUTORIZAÇÃO EM NORMA COLETIVA - VALIDADE. Não há óbice legal à celebração de ajuste coletivo versando sobre a adoção do regime de trabalho 12 x 36, em relação aos servidores públicos. O § 3º do artigo 39 da Constituição Federal estende-lhes o direito objeto do inciso XIII do art. 7º, facultando a compensação de horários mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho. O que não é possível, pela via da negociação coletiva, é instituir vantagens financeiras, sem prévia autorização legal e sem a correspondente dotação orçamentária (art. 169, § 1º, incisos I e II), assim comprometendo o orçamento público e atentando contra o princípio da legalidade. O regime 12 x 36 é de amplo uso, sendo conveniente para empregados e empregadores, em vários ramos de atividade, mostrando-se admissível sua adoção também no setor público. Ademais, esse regime tem natureza nitidamente compensatória: se em uma semana o trabalhador labora quatro dias (48 horas), na seguinte labora apenas três (36 horas), mantendo-se as horas normais dentro da duração máxima de trabalho permitida na semana. (00019-2006-073-03-00-3 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira - Publ. “MG” 25.10.06)

SINDICATO 1-

JUSTIÇA GRATUITA - SINDICATO. A assistência judiciária é devida apenas àqueles que não podem arcar com as despesas judiciais sem prejuízo do sustento próprio ou da família, o que se coaduna apenas com as pessoas naturais. Nesse sentido não se há de falar que o sindicato é pobre no sentido legal, mormente em se considerando que a ele foi atribuído o encargo de prestar a assistência aos necessitados (Lei n. 5.584/70), logo, necessitado não pode ser. (00093-2006-059-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 31.08.06)

2-

BASE TERRITORIAL - RESPEITO AO LOCAL DE SERVIÇOS E À SEDE Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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DA EMPREGADORA - INAPLICABILIDADE DE NORMAS COLETIVAS. O fato de o empregado ter se beneficiado de determinadas vantagens previstas em normas coletivas que não são aplicáveis aos representados pelo sindicato profissional com base territorial no local da prestação de serviços e na sede da empregadora não é suficiente para afastar o princípio constitucional da base territorial - inciso II do artigo 8º da CF/88. (01137-2005-034-03-00-5 RO - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 08.08.06) 3-

SINDICATO - PRINCÍPIO DA LIBERDADE - DELIBERAÇÃO ASSEMBLEIAL - TAXA ASSISTENCIAL - CLÁUSULA NORMATIVA DE NATUREZA OBRIGACIONAL - VINCULAÇÃO INCONDICIONAL DAS EMPRESAS INTEGRANTES DA CORRESPONDENTE ATIVIDADE ECONÔMICA. O mais importante e talvez até o único e verdadeiro princípio do Direito Sindical, também denominado de Direito Coletivo do Trabalho, é o da liberdade dos sindicatos. A liberdade é, por conseguinte, a célula-tronco do sindicalismo, cuja atuação irradia efeitos sobre os contratos individuais de seus representados coletivamente. Trata-se da mesma liberdade, que, segundo a poética visão de Vinícius de Moraes, não admite limitações: ou ela existe ou ela não existe. Vale dizer: quem define a forma de atuação do sindicato é a maioria da categoria, que tanto mais representativa será quanto maior for a participação de seus membros. Assim, se se pretende um sindicalismo livre, principalmente das amarras do Estado, deve-se dar-lhe muitas asas, cujos horizontes serão dimensionados pelas assembléias, que, soberanas, devem assumir responsablidades por suas decisões majoritárias. Assim, quanto mais participativas forem as assembléias mais democráticas serão as suas deliberações, calcadas na verdadeira e autêntica vontade da categoria, que lhe dá corpo e alma e traça o seu destino. O verdadeiro, o autêntico, o sindicato livre e democrático não se contenta com seus cofres cheios de dinheiro e com as assembléias vazias. A sua legitimação decorre da participação ativa dos membros da categoria que representa, que é, em essência, o que lhe outorga autoridade em suas ações em favor da classe. A instituição de taxa assistencial pela via do instrumento normativo, com respaldo em assembléia devidamente convocada, é legítima e se insere no âmbito do princípio da liberdade sindical. As cláusulas normativas que prevêem a cobrança de contribuição, sob a denominação de cláusula assistencial, a ser recolhida pelas empresas, possuem conteúdo obrigacional, do qual não podem se eximir as empresas representadas, pouco importando a sua participação ou não na assembléia perante a qual foram alinhavados os contornos da negociação coletiva. Portanto, a empresa pertencente à atividade econômica, por simetria e as vezes artificial acondicionamento legal, está obrigada ao seu cumprimento, porque representada pelo sindicato correspondente à categoria econômica, da qual participa e integra por imposição da lei (inteligência do disposto na alínea “e” do art. 513 da CLT). (00563-2006-013-03-00-1 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 16.12.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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REPRESENTAÇÃO SINDICAL - BASE TERRITORIAL. Em razão do princípio da unicidade sindical e nos termos do inciso II do artigo 8º da Constituição da República, o sindicato só atua nos limites de sua base territorial. Nesse sentido, se uma empresa desenvolve suas atividades em municípios diversos, só poderá vincular todos os seus empregados caso firme acordo com os sindicatos representativos da classe trabalhadora em cada localidade, pois as normas coletivas possuem aplicabilidade conforme o local efetivo da prestação de serviços. (00095-2005-138-03-00-9 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Olívia Figueiredo Pinto Coelho - Publ. “MG” 01.07.06)

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SINDICATO - SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - INTERESSE INDIVIDUAL ILEGITIMIDADE - PRESCRIÇÃO - INTERRUPÇÃO. Se o objeto da demanda diz respeito a direito individual, pagamento de diferença de adicional de 40% do FGTS, é o sindicato da categoria parte ilegítima para ajuizar ação como substituto processual. Em assim sendo, qualquer ação por ele ajuizada como substituto processual não interrompe o curso do prazo de prescrição. A prescrição só pode ser interrompida pelo próprio interessado. (00520-2005-033-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 10.11.06)

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SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - SINDICATO - DIREITOS INDIVIDUAIS hom*oGÊNEOS. A interpretação atual do inciso III do art. 8º da CR/88 assegura ao sindicato a substituição processual nas ações coletivas para defesa de direitos e interesses individuais comuns ou hom*ogêneos dos integrantes da categoria, dispensada qualquer autorização. Deve-se examinar no caso concreto a natureza hom*ogênea do direito individual defendido. (00463-2006-042-03-00-0 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 14.12.06)

7-

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL - SINDICATO - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. A legitimação extraordinária do sindicato para defender os interesses da categoria representada não distingue associados de nãoassociados. Aplicação luzidia do princípio da liberdade de associação sindical. (01651-2005-012-03-00-3 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 19.12.06)

8-

LITISPENDÊNCIA - INOCORRÊNCIA - AÇÃO COLETIVA X DEMANDA INDIVIDUAL. Hipótese em que o ajuizamento de ação pelo sindicato profissional, como substituto processual e antes da propositura da ação individual pelo reclamante, não induz a litispendência. Aliás, a legitimidade ativa do sindicato é meramente decorrente, não podendo, por isso, excluir a possibilidade de o próprio titular do direito deduzir em juízo a pretensão. Nesse sentido se extrai cristalina a norma subsidiariamente aplicável, o art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, ao dispor que as ações coletivas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81 não induzem litispendência para as ações individuais, com a ressalva de que, no entanto, os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes, a que aludem os incisos II e III do artigo anterior, não beneficiarão os autores das ações individuais se não requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. (00493-2006-107-03-00-8 RO - 8ª T. - Rel. Desembargador Heriberto de Castro - Publ. “MG” 07.09.06) 9-

UNICIDADE SINDICAL - DESMEMBRAMENTO DE CATEGORIAS AGRUPADAS - PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. O acolhimento do princípio da unicidade sindical pela Carta Constitucional de 1988 é inquestionável. Isso, porém, não quer dizer que, uma vez delimitada uma base territorial extensa, ou agrupadas várias atividades econômicas similares ou conexas, por um sindicato constituído primeiro, essa situação passe a ser definitiva, tendo que aceitar isso todos os representados, ainda que a delimitação não se afigure adequada, seja pela extensão, seja pela diversidade cultural, econômica ou social, ou por qualquer outro motivo. Por essa razão, o princípio da especialidade autoriza o desmembramento de categorias agrupadas em entidades sindicais, consoante o critério de similitude e conexão, visando a que a representatividade seja maior e a participação mais fácil e efetiva, retratando, de forma mais específica, o vínculo social básico e a expressão social elementar das categorias econômica e profissional, conforme a exegese do artigo 511 da CLT. (01743-2005-017-03-00-5 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Emerson José Alves Lage - Publ. “MG” 22.07.06)

SUCESSÃO 1-

ARRENDAMENTO - SUCESSÃO - OCORRÊNCIA - ARTS. 10 e 448 DA CLT - TRANSFERÊNCIA DA UNIDADE ECONÔMICO-JURÍDICA E CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. No arrendamento operase a sucessão trabalhista em direção ao novo titular provisório do estabelecimento, desde que presente a conjugação de dois requisitos, quais sejam, a transferência da unidade econômico-jurídica para outro titular e a continuidade na prestação dos serviços. É irrelevante para a configuração da sucessão o título jurídico que formalizará a transferência, podendo a mesma ser provisória, como nas hipóteses de arrendamento. (01437-1998-035-03-00-0 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Danilo Siqueira de Castro Faria - Publ. “MG” 29.07.06)

2-

SUCESSÃO TRABALHISTA - INEXISTÊNCIA. Não se há falar em sucessão trabalhista quando a prova dos autos se faz no sentido de tratarem-se as demandadas de empresas diversas, com objeto social próprio e finalidade distinta, sequer compondo a figura jurídica do grupo econômico de que trata o § 2º do art. 2º da CLT. Assim é que não prospera pedido de reconhecimento da unicidade contratual ou responsabilização solidária pela quitação de Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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parcelas eventualmente resultantes de extinta pactuação. (00295-2006-109-03-00-7 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello - Publ. “MG” 16.12.06) 3-

SUCESSÃO DE EMPRESAS - RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR. A sucessão trabalhista pode ocorrer de forma parcial, hipótese em que se verifica a transferência de parte da atividade empresarial. Logo, caracterizada a sucessão de empresas, ainda que de forma parcial, o sucessor responde pelas obrigações trabalhistas oriundas dos contratos já rescindidos e ainda não completamente quitados com relação à prestação de serviço inerente à atividade empresarial que fora sucedida. (01691-2005-014-03-00-8 RO - 7ª T. - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 02.11.06)

4-

SUCESSÃO - VENDA DA MARCA. Os artigos 10 e 448 da CLT, relativos a sucessão trabalhista, garantem a intangibilidade dos contratos de trabalho firmados pelo antigo empregador, respondendo o novo titular pelos efeitos presentes, futuros e pretéritos dos contratos. No Direito do Trabalho, basta a continuidade das atividades da empresa sob outra direção para que a sucessão se caracterize, pois o que se quer é manter o patrimônio como garantia das obrigações trabalhistas. A venda da marca e segredo do negócio, isto é, fórmulas de fabricação, constituem bens maiores da sucedida, tanto que esta não conseguiu sobreviver sem elas. (00027-2006-108-03-00-9 AP - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado Marcelo Furtado Vidal - Publ. “MG” 19.07.06) T

TERCEIRIZAÇÃO 1-

TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - ATIVIDADE-FIM DA TOMADORA DE SERVIÇOS. Evidenciando-se que as atividades exercidas pela reclamante eram essenciais à dinâmica do banco reclamado, estando diretamente relacionadas com a finalidade do empreendimento econômico, não se pode, via de conseqüência, atribuir validade à terceirização levada a efeito, eis que, nos termos da Súmula n. 331 do TST, apenas os serviços paralelos e desvinculados da atividade-fim da empresa são passíveis de transferência para terceiros. Em relação jurídica bilateral (teoria dos dois sujeitos - Reale), o terceiro não é o primeiro nem o segundo, de modo que a inserção deste no tráfego jurídico só pode ocorrer em situação excepcional em que não haja a menor dúvida de que se trata de atividade-meio, única apta a recepcionar validamente a terceirização. (00272-2006-106-03-00-3 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault - Publ. “MG” 08.12.06) TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - ATIVIDADE-FIM. A adesão à cooperativa perde eficácia ante a prestação de serviços sob subordinação, pois esta se amolda Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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aos institutos da CLT, incompatíveis com o cooperativismo. Inaplicáveis a Lei n. 5.764/71 e parágrafo único do art. 442 da CLT, quando a contratação do trabalhador através da cooperativa tem por fim a realização de atividadefim da empresa tomadora. A prevalência do princípio do contrato-realidade repudia manobras destinadas a desvirtuar a autêntica relação de emprego na tentativa de colocar o obreiro à margem da proteção legal. Evidenciada a fraude (art. 9º da CLT), impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício. (00749-2006-138-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco de Barcelos Coura - Publ. “MG” 19.08.06) TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - FRAUDE NA CONTRATAÇÃO PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Em regra, o contrato civil entre pessoas jurídicas para a prestação de serviços não é vedado no ordenamento jurídico pátrio. A terceirização, por si só, não é ilegal. A pedra de toque para a declaração do vínculo direto com a tomadora dos serviços é a fraude na contratação, nos termos do art. 9º da CLT, e a presença dos pressupostos da relação de emprego (arts. 2º e 3º do mesmo Diploma Legal). (00833-2006-024-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Ricardo Antônio Mohallem - Publ. “MG” 14.12.06) 2-

DIREITOS INERENTES À CATEGORIA DOS BANCÁRIOS - PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Se os trabalhadores temporários, por força da alínea “a” do artigo 12 da Lei n. 6.019/74, fazem jus à mesma remuneração percebida pelos empregados da categoria profissional da empresa tomadora de seus serviços, com muito maior razão os trabalhadores contratados de forma permanente por empresa interposta para a prestação de serviços essenciais às empresas clientes têm direito a todas as vantagens asseguradas à categoria dos empregados destas. A terceirização, ainda que lícita, não pode servir de instrumento de redução dos custos de mão-de-obra, se isto implicar violação do princípio constitucional da isonomia. (01181-2005-109-03-00-3 RO - 5ª T. - Rel. Juiz Convocado Rogério Valle Ferreira - Publ. “MG” 15.07.06) TERCEIRIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA - ISONOMIA SALARIAL. Em face da alínea “a” do art. 12 da Lei n. 6.019/74, é garantido ao trabalhador temporário o mesmo padrão salarial dos empregados da empresa tomadora e beneficiária dos serviços. Essa disposição legal concretiza o princípio da isonomia previsto constitucionalmente, e deve ser estendida, por analogia, às demais hipóteses de terceirização de mão-de-obra, assegurando-se aos empregados dessas empresas as mesmas condições salariais da empresa contratante. (01202-2005-024-03-00-5 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador César Pereira da Silva Machado Júnior - Publ. “MG” 15.07.06)

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TERCEIRIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Ao reconhecer a terceirização como Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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modalidade lícita de racionalização de serviços, a jurisprudência apenas consolidou a impossibilidade de conformação do vínculo diretamente com a tomadora, mas não excluiu a responsabilidade desta em face de obrigações trabalhistas inadimplidas pelo prestador dos serviços, bastando que se aperceba do que dispõe o item IV da Súmula n. 331 do TST. O tomador de serviços, ainda que ente da Administração Pública, é responsável subsidiário pelos créditos trabalhistas do empregado, adquiridos diante do trabalho que para ele é executado em cumprimento de contrato estabelecido com terceiro. Compete ao tomador dos serviços exercer controle e fiscalização pelo cumprimento das obrigações daquele que contrata. A averiguação do regular cumprimento do contrato não é prerrogativa, mas obrigação de ambos contratantes. O procedimento não é somente exigido quando da contratação, mas por todo o período contratual. (00534-2005-028-03-00-8 RO - 6ª T. - Rel. Desembargadora Emília Facchini - Publ. “MG” 07.12.06) TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA 1-

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - RESPONSABILIDADE PELO DESCUMPRIMENTO. Havendo termo de ajuste de conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho, é de total responsabilidade da empregadora cumprir o que nele está estipulado, sendo passível de execução a sua inobservância, como previsto no art. 876 da CLT. Nesta perspectiva, não há como imputar aos empregados a responsabilidade pela inobservância do limite diário da jornada laboral e não concessão dos intervalos inter e intrajornada, pois constitui obrigação patronal “cumprir e fazer cumprir as normas de segurança”, conforme disposto no inciso I do art. 157 da CLT, sendo seu o ônus de orientar, fiscalizar e exigir dos trabalhadores o cumprimento de normas de ordem pública e que têm por finalidade assegurar a eles condições mínimas de saúde, higiene do trabalho e segurança. Nesta linha de raciocínio, descumprido o termo de ajustamento de conduta livremente pactuado, deve a execução prosseguir em seus ulteriores termos de direito, já que a empregadora é quem responde pelo desrespeito da ordem jurídica que dispõe sobre os seus deveres para com o trabalhador. (00713-2006-047-03-00-4 AP - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 18.10.06)

TESTEMUNHA 1-

TESTEMUNHA QUE SE ENCONTRA EM SALA DE AUDIÊNCIA ENQUANTO A DEFESA É IMPUGNADA - OITIVA COMO INFORMANTE POSSIBILIDADE. No Processo do Trabalho só estão impossibilitadas de testemunhar em juízo as pessoas relacionadas no art. 829 da CLT, quais sejam: o “parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes...”, e ainda assim, sem prestarem compromisso, seus depoimentos valerão como simples informação, cabendo ao juiz lhes Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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atribuir o valor que possam merecer. A testemunha que se encontra em sala de audiência enquanto a defesa é impugnada não se enquadra nas hipóteses de impedimento ou de suspeição enumeradas na lei processual. (01604-2006-138-03-00-1 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Irapuan de Oliveira Teixeira Lyra - Publ. “MG” 11.11.06) TRABALHADOR RURAL 1-

INTERVALO INTRAJORNADA - TRABALHADOR RURAL. Ao trabalhador rural que cumpre jornada contínua de duração superior a 6 (seis) horas é assegurado o intervalo intrajornada de no mínimo 1 (uma) hora (art. 5º da Lei n. 5.889/73 c/c § 1º do art. 5º do Decreto n. 73.626/74). Os usos e costumes da região não podem ser invocados pelo empregador como fundamento para reduzir ou suprimir o período mínimo intervalar legalmente previsto. (00372-2006-042-03-00-5 RO - 1ª T. - Rel. Juíza Convocada Adriana Goulart de Sena - Publ. “MG” 24.11.06) RURÍCOLA - INTERVALO INTRAJORNADA. O intervalo intrajornada, por se tratar de medida de segurança e saúde do empregado, aplica-se, também, ao rurícola, considerando que a Constituição da República, em seu art. 7º, XXII, dispõe, dentre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, através de normas de ordem pública, relativas à saúde, higiene e segurança. Portanto, tratando-se de direitos indisponíveis, a observância da CLT está em consonância com dispositivo constitucional, estendendo-se, por conseguinte, ao trabalhador rural, sobretudo porque, nestes autos, não cuidou a reclamada de comprovar o horário de intervalo intrajornada pertinente aos “usos e costumes da região”. Assim, quinze minutos de intervalo para refeição fogem a qualquer norma de proteção ao trabalhador. (01018-2005-152-03-00-2 RO - 5ª T. - Rel. Desembargadora Lucilde D’Ajuda Lyra de Almeida - Publ. “MG” 19.08.06)

2-

TRABALHO RURAL - MORADIA E ENERGIA ELÉTRICA FORNECIDAS PELO EMPREGADOR RURAL - IMPOSSIBILIDADE DE AGREGAÇÃO AO SALÁRIO. A previsão contida na Lei n. 5.889/73 regulamenta o trabalho rural no sentido de que a moradia fornecida pelo empregador somente não integra o salário do obreiro se cedida por meio de contrato escrito celebrado entre as partes, com testemunhas e notificação obrigatória ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais (artigo 9º, § 5º). Também prevê a legislação em comento que a moradia fornecida poderia ser objeto de desconto salarial do empregado, até o limite de vinte por cento do saláriomínimo (art. 9º, “a”), o que elidiria a gratuidade de seu fornecimento. No caso de um único empregado rural contratado para realização das atividades cotidianas inerentes ao campo, a moradia tem a finalidade de viabilizar a prestação dos serviços. Ao revés, o não-fornecimento da Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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habitação, em casos tais, poderia obstar o próprio labor, dada a necessidade de residir no local para atender à demanda do empregador. Em que pese a ausência do contrato firmado entre as partes, restando comprovado pelo empregador que a moradia era fornecida para o trabalho, no intuito de facilitar o exercício das funções do rurícola, não se constitui em vantagem pessoal pelo trabalho. Vale ainda a lembrança aos ditames da Súmula n. 367 do TST: “A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares”. Assim, não há falar em agregação desta utilidade ao salário obreiro. Apelo desprovido ao enfoque. (00033-2006-080-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 21.10.06) TRABALHADOR RURAL - FORNECIMENTO DE MORADIA. A Lei n. 9.300/96 alterou a redação do art. 9º da Lei do Rural (n. 5.889/73) para fazer constar “ § 5º. A cessão pelo empregador, de moradia e de sua infra-estrutura básica, assim como, bens destinados à produção para sua subsistência e de sua família, não integram o salário do trabalhador rural, desde que caracterizados como tais, em contrato escrito celebrado entre as partes, com testemunhas e notificação obrigatória ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais” grifou-se. Ademais, se há previsão, em instrumento coletivo, de que a habitação será fornecida PARA o trabalho, e não PELO trabalho, não se há de falar em natureza salarial da parcela, de modo a integrar a remuneração, para todos os efeitos legais. (00165-2006-151-03-00-0 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 18.10.06) 3-

VÍNCULO DE EMPREGO - TRABALHADORA RURAL - PERÍODO ANTERIOR À ASSINATURA DA CTPS. A relação de emprego resta caracterizada quando comprovada a prestação de serviços por pessoa física, de forma não eventual, mediante onerosidade e subordinação, requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. Afirmando a autora que podia ausentarse do local de trabalho, fazendo-se substituir pela filha, a quem pagava o dia trabalhado, não há se cogitar de relação de emprego, por ausentes os requisitos da pessoalidade e subordinação. (00225-2006-135-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Juiz Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires - Publ. “MG” 26.08.06)

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PRESCRIÇÃO - RURÍCOLA - EC N. 28, DE 2000. Com a Emenda à Constituição n. 28, de 2000, a redação da alínea “b” do inciso XXIX do artigo 7º da CRF foi modificada, passando a dispor da seguinte forma: “ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”. No entanto, há um período de transição a ser respeitado. É que a EC n. 28 não fala em efeito Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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retroativo da norma, o que implica dizer que esta entrou em vigor na data de sua publicação. Contudo, somente vai produzir plenos efeitos após cinco anos. Tratando-se, portanto, de trabalhador rural admitido antes da Emenda e dispensado após cinco anos contados da publicação desta, não se há de falar em direito adquirido à ausência de prescrição. Sendo desrespeitado este prazo, mister se faz declarar a prescrição qüinqüenal do direito de ação da parte. (00247-2006-046-03-00-0 RO - 3ª T. - Rel. Desembargador Bolívar Viégas Peixoto - Publ. “MG” 02.12.06) 5-

TRABALHADOR RURAL - RECOLHIMENTO PREVIDENCIÁRIO DO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N. 8.213/91 - COISA JULGADA. Mesmo sendo o reclamante trabalhador rural, não cabe mais qualquer interpretação à decisão da fase de conhecimento que determina o recolhimento da verba previdenciária relativa ao período do vínculo de emprego anterior à data em que começou a vigorar a Lei n. 8.213/91, se a questão já fora ali decidida constando da motivação as razões para tanto, em face da coisa julgada - art. 836 da CLT e art. 467 do CPC. (00135-2003-098-03-00-6 AP - 7ª T. - Rel. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno - Publ. “MG” 14.09.06)

TRANSAÇÃO 1-

TRANSAÇÃO - DÉBITO TRABALHISTA - IMPOSSIBILIDADE. A emissão de nota promissória pela empresa em favor do empregado para a quitação de débito trabalhista não é dotada de eficácia, porquanto as normas que tutelam o trabalhador são, via de regra, de natureza de ordem pública, não podendo ter sua aplicabilidade afastada pela simples manifestação de vontade das partes, sob pena de ofensa aos princípios da proteção e da irrenunciabilidade, que norteiam o Direito do Trabalho. Inteligência dos artigos 9º e 444 da CLT. (00904-2006-131-03-00-9 RO - 2ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 06.12.06)

TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO 1-

TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - DIREITO AO PAGAMENTO DA 7ª E 8ª HORAS DIÁRIAS COMO EXTRAS. O inciso XIV do art. 7º da Constituição Federal/1988 estabeleceu a jornada normal de 6 horas para o trabalho realizado em turnos de revezamento. O legislador objetivou compensar o desgaste dos empregados e promover melhoria de sua condição social e econômica. Ao reduzir o número máximo de horas normais de 240 para 180 mensais, pretendeu-se que a remuneração da hora trabalhada em turnos ininterruptos fosse de valor superior ao da hora laborada em turnos fixos. (00073-2006-106-03-00-5 RO - 2ª T. - Rel. Desembargador Jorge Berg de Mendonça - Publ. “MG” 02.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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TUTELA ANTECIPADA 1-

MANDADO DE SEGURANÇA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA NA SENTENÇA. Há muito já é pacífico nesta Justiça do Trabalho o entendimento de que “A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso” (item I da Súmula n. 414 do TST). Nesse caso, o mandado de segurança não é viável, visto que o inciso II do art. 5º da Lei n. 1.533/51 dispõe que não se dará mandado de segurança em se tratando de decisão judicial possível de ser impugnada pelos recursos previstos na lei processual. Assim, aplica-se na hipótese o art. 8º da Lei n. 1.533/51, por não ser o caso de mandado de segurança. Ação mandamental não conhecida por imprópria. (00625-2006-000-03-00-9 MS - 1ª Seção Especializada de Dissídios Individuais - Rel. Desembargadora Maria Perpétua Capanema Ferreira de Melo - Publ. “MG” 20.10.06)

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FUNGIBILIDADE ENTRE AS MEDIDAS ACAUTELATÓRIAS E ANTECIPATÓRIAS - CUMULAÇÃO DE PEDIDOS DE NATUREZA CONDENATÓRIA E CAUTELAR - POSSIBILIDADE. Nos termos do § 7º do art. 273 do CPC, é possível a formulação de pedido de natureza cautelar em caráter incidental no processo de conhecimento, que visa provimento condenatório. O citado dispositivo assegura a fungibilidade entre as medidas acautelatórias e antecipatórias, admitindo-se o provimento provisório, seja para antecipar os efeitos daquele definitivo, seja para assegurar sua eficácia prática. (00386-2006-034-03-00-4 RO - 6ª T. - Rel. Juiz Convocado João Bosco Pinto Lara - Publ. “MG” 03.08.06)

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ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - PAGAMENTO DE SALÁRIOS. Consoante artigo 273 do CPC, aplicado ao Processo do Trabalho subsidiariamente (artigo 769 da CLT), o juiz pode, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, convença-se da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. A verossimilhança exigida pela lei é mais que a aparência do bom direito material de fundo. Enquanto, nas cautelares, há necessidade da fumaça do bom direito (fumus boni iuris), de forma a propiciar ao julgador condições de realizar um mero juízo de probabilidades quanto à existência do direito invocado, na tutela antecipada, há necessidade da certeza do direito respaldado por prova inequívoca, desde que haja possibilidade de reversão. Na hipótese dos autos, não se vislumbra “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, já que os salários serão quitados em eventual execução, com o acréscimo de juros e correção monetária, resumindo-se toda a discussão ao “tempo para efetivação do processo”, Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que termina com o pagamento total do quantum devido. (01930-2005-053-03-00-2 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 19.12.06) ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PAGAMENTO DE SALÁRIOS PELO EMPREGADOR - POSSIBILIDADE. Cessado o gozo de benefício previdenciário comum e não podendo o autor retornar ao trabalho em virtude de exame realizado por médico do empregador, atestando por sua inaptidão para o trabalho, cabe ao reclamante, na condição de segurado, buscar junto à Previdência Social a revisão de seu benefício, escapando à responsabilidade do empregador o pagamento de salários desde então. (01034-2005-057-03-00-9 RO - 7ª T. - Rel. Desembargador Paulo Roberto de Castro - Publ. “MG” 14.11.06) TUTELA ANTECIPADA. Em se tratando de complemento do auxílio-doença pago pelo INSS, em valor inferior ao salário pago pelo banco, o seu pagamento tem a finalidade de recompor o padrão salarial do empregado. Eventual demora na satisfação de tal direito por certo lhe causará dano irreparável, por se tratar de prestação indispensável à sua subsistência. A par de reconhecida a verossimilhança do direito postulado, em decorrência do benefício que era fornecido à empregada por força de norma interna do banco, vigente à época de sua admissão, encontra-se presente, ainda, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do artigo 273 do CPC, a justificar a concessão de tutela antecipada. (00647-2006-143-03-00-5 RO - 8ª T. - Rel. Desembargadora Cleube de Freitas Pereira - Publ. “MG” 21.10.06) V VALE-TRANSPORTE 1-

VALE-TRANSPORTE - BASE SALARIAL PARA O DESCONTO GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. O vale-transporte deve ser custeado pelo beneficiário na parcela equivalente a percentual de seu salário básico ou vencimento, excluídos quaisquer adicionais ou vantagens, conforme previsto no inciso I do art. 9º do Decreto n. 95.247/87. Desta feita, o desconto não incide sobre a gratificação de função paga à empregada. (00535-2006-106-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 24.11.06)

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VALE-TRANSPORTE INDENIZADO - DESCONTO LEGAL - NÃO AUTORIZAÇÃO. O desconto de 6% previsto no art. 9º, I, e parágrafo único, do Decreto n. 95.247 de 1987, no salário do obreiro, só é autorizado quando o empregador antecipa o vale-transporte ao laborista, permitindo que este possa usufruir de tal benefício legalmente assegurado. A indenização substitutiva, deferida judicialmente, pelo não fornecimento do vale-transporte a que faria jus o obreiro, tem caráter indenizatório, não se autorizando o Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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desconto previsto no dispositivo legal supracitado. (00119-2006-009-03-00-7 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Hegel de Brito Boson - Publ. “MG” 30.11.06) 3-

VALE-TRANSPORTE - NATUREZA JURÍDICA - INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO. A parcela quitada sob o título “vale-transporte” tem, em princípio, natureza indenizatória, porque paga para o trabalho. Logo, cabe ao reclamante afastar a presunção ditada pela nomenclatura da verba (inciso I do art. 333 do CPC e art. 818 da CLT), comprovando que a parcela não era destinada ao transporte e nem para a realização do trabalho. Não se desincumbindo o obreiro de seu ônus, o fato de a parcela ser concedida em pecúnia nada altera a sua natureza jurídica, mormente se os acordos coletivos celebrados entre a empresa reclamada e o sindicato representante dos trabalhadores prevêem o pagamento do vale-transporte em espécie, tal como procedido pela reclamada. De outro lado, nos termos do inciso XXVI do artigo 7º da CR/88, é permitida a flexibilização de direitos, dentre eles o do pagamento do vale-transporte em pecúnia. Isto porque a Constituição da República, em seu artigo 7º, assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho, garantindo aos sindicatos liberdade para ajustarem as condições que melhor satisfaçam aos direitos e interesses coletivos e individuais, desde que sejam observadas as garantias mínimas asseguradas ao trabalhador, como ocorreu no presente caso, uma vez que dispõe a cláusula: “convencionam as partes que, em atendimento à legislação vigente, a empresa fornecerá aos seus empregados os vales-transporte em espécie e no valor correspondente ao deslocamento de ida e volta ao trabalho a cada empregado, juntamente com a folha de pagamento, sob a rubrica ‘VT’, cabendo o desconto de 6% (seis por cento) do salário do empregado, na forma da lei. Parágrafo único: O pagamento acima estipulado não tem caráter salarial e, conseqüentemente, não se incorporará, em hipótese alguma, ao salário do empregado e, ainda, sobre o mesmo não haverá incidência de quaisquer encargos fiscais, trabalhistas ou previdenciários”. Recurso a que se nega provimento. (00623-2006-113-03-00-4 RO - 4ª T. - Rel. Desembargador Júlio Bernardo do Carmo - Publ. “MG” 18.11.06)

4-

VALE-TRANSPORTE - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ESSENCIAIS À SUA PERCEPÇÃO. O vale-transporte não tem natureza salarial, visto que sua finalidade não é remunerar a força de trabalho, mas indenizar o empregado pelo gasto efetuado com seu deslocamento. Tratando-se, pois, o referido benefício de ajuda de custo, somente fazem jus a sua percepção aqueles trabalhadores que efetivamente possuem despesas com transporte até o local de trabalho. Tanto é, que a lei impõe certas condições para sua percepção (art. 7º, incisos I e II, e §§ 1º e 2º, do Decreto n. 95.247/87), prevendo, inclusive, que a falsa declaração do empregado no intuito de receber o benefício, ou o seu uso indevido constituem falta grave, além de facultar ao empregador descontar 6% do valor do salário básico ou vencimento do empregado para ajudar a custear a compra dos vales. E a jurisprudência já firmou entendimento de que cabe ao empregado provar Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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que preenche os requisitos indispensáveis à sua obtenção (OJ n. 215 da SDI-I do TST). Portanto, não faz jus ao benefício a empregada que se desloca a pé até o local de trabalho. (00606-2006-104-03-00-6 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 08.11.06) VALE-TRANSPORTE NÃO CONCEDIDO - RENÚNCIA DO EMPREGADO DESNECESSIDADE DO USO DE TRANSPORTE PÚBLICO - INDEVIDO. A Lei n. 7.418/95 assegura ao trabalhador, para o deslocamento residênciatrabalho e vice-versa, por sistema de transporte coletivo urbano, o benefício denominado vale-transporte. Por outro lado, a teor da Orientação Jurisprudencial n. 215 da SDI-I do C. TST, cabe ao empregado comprovar a satisfação dos requisitos indispensáveis à obtenção do vale-transporte. Contudo, é certo também que cabe ao empregador colher do empregado, quando da admissão, a declaração acerca da necessidade ou não do uso do transporte público, desobrigando-se da concessão do vale-transporte, caso o empregado venha a ele renunciar. Vindo esta prova aos autos, não constitui obrigação patronal fornecer o vale-transporte. (00527-2006-038-03-00-4 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 08.11.06) VENDEDOR 1-

VENDEDOR - ACÚMULO DE FUNÇÕES - COBRANÇA - DIREITO AO ADICIONAL DO ART. 8º DA LEI N. 3.207/57 - ANALOGIA. A mesma razão que justifica o adicional remuneratório de 1/10 pelo serviço de inspeção e fiscalização realizado pelo empregado vendedor (art. 8º da Lei n. 3.207/57) se encontra na atividade de cobrança, porquanto exige maior esforço do trabalhador e o desvia de seu principal foco que é a venda. (00272-2005-008-03-00-7 RO - 8ª T. - Rel. Juíza Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta - Publ. “MG” 01.07.06)

2-

VENDAS NÃO CONCRETIZADAS - ESTORNO DE COMISSÕES POSSIBILIDADE. Estornos de comissões pagas ao empregado vendedor, decorrentes de inadimplência do comprador, encontram amparo no art. 7º da Lei n. 3.207/57. Além disso, se as compras não são confirmadas pelo cliente, não são devidas as comissões, conforme disciplina o art. 466 da CLT. (00371-2006-011-03-00-2 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 07.09.06)

VIGILANTE 1-

ENQUADRAMENTO SINDICAL - VIGILANTE. O enquadramento sindical, regra geral, é definido pela atividade econômica preponderante da empresa. No caso específico das empresas de vigilância, o seu funcionamento depende de autorização expressa do poder público, concedida pelo Ministério da Justiça e de comunicação à Secretaria de Segurança Pública Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

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do respectivo Estado, Território ou Distrito Federal, por força do artigo 14 da Lei n. 7.102/83. O empregado contratado por empresa que não atende a esse requisito fica excluído do âmbito de incidência das normas coletivas aplicáveis aos vigilantes. A empregadora, no caso, não estava obrigada ao cumprimento de norma cuja celebração não contou com a sua participação direta ou representada pelo sindicato respectivo. (01412-2005-065-03-00-9 RO - 7ª T. - Rel. Juíza Convocada Wilméia da Costa Benevides - Publ. “MG” 09.11.06) 2-

VIGILANTE - MORTE A SERVIÇO - ACIDENTE DO TRABALHO RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. O homicídio do vigilante a serviço, na defesa do patrimônio empresário, atrai a obrigação reparatória do empregador por responsabilidade objetiva, nos termos do parágrafo único do art. 927 do CCb, verbis: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, [...] quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Assim, o direito à indenização, pelos dependentes legais, surge pura e simples da morte do empregado, que emprestou sua força laborativa àquele que se dedica a ramo de negócio perigoso, por essência. (01341-2005-015-03-00-8 RO - 1ª T. - Rel. Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal - Publ. “MG” 27.10.06)

3-

VIGILANTES - SEGURO DE VIDA - PARÂMETROS DA APÓLICE - DEVER PATRONAL - DESCUMPRIMENTO - INDENIZAÇÃO REPARATÓRIA. É obrigação das empresas que exploram o ramo da vigilância patrimonial contratar seguro de vida em grupo para seus empregados-vigilantes (cf. inciso IV do art. 19 da Lei n. 7.102/83), observando os parâmetros traçados pelo Conselho Nacional de Seguros Privados, nos termos do art. 21 do Decreto n. 89.056/83: “A contratação do seguro de vida em grupo assegurado ao vigilante será disciplinada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados”. A aceitação de preceitos outros no momento da contratação do benefício, em prejuízos para o trabalhador, faz reverter inteiramente à empregadora a obrigação reparatória respectiva - cf. art. 186 e caput do art. 927 do CCb -, equivalente à diferença entre o valor estatuído na norma do CNSP e aquele pago pela seguradora-contratada. (00478-2006-153-03-00-0 RO - 1ª T. - Rel. Desembargadora Deoclecia Amorelli Dias - Publ. “MG” 24.11.06)

4-

VIGILÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO. A terceirização tem por suposto a opção do tomador de realizar por si ou por terceiro o serviço, o que não se dá em relação à atividade de vigilância, que só pode ser exercida e executada por empresa devidamente registrada e autorizada pelo Ministério da Justiça, nos termos da Lei n. 7.102/83. Não há atividademeio de vigilância. Ela é um fim em si mesma, é autônoma. Inaplicável a Súmula n. 331 do Eg. Tribunal Superior do Trabalho. (01641-2005-018-03-00-6 RO - 6ª T. - Rel. Desembargador Antônio Fernando Guimarães - Publ. “MG” 10.08.06) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.393-617, jul./dez.2006

DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00562-2005-141-03-00-3 Data: 25.09.2006 DECISÃO DA VARA DO TRABALHO DE ARAÇUAÍ - MG Juiz Substituto: Dr. FELIPE CLÍMACO HEINECK Aos 25 dias do mês de setembro do ano de 2006, às 16h55min, na sede da Vara do Trabalho de Araçuaí, tendo como Titular o MM. Juiz do Trabalho Dr. Felipe Clímaco Heineck, realizou-se audiência de JULGAMENTO da ação trabalhista ajuizada por Erlando Alves dos Santos em face de Cosan S/A Indústria e Comércio (filial Diamante) Fabricação de Açúcar e Álcool. Aberta a audiência foram, por ordem do MM. Juiz Titular, apregoadas as partes, ausentes. Após o que, foi proferida a seguinte DECISÃO: I - RELATÓRIO Dispensado, nos termos do art. 852-I da CLT. II - FUNDAMENTOS Preliminares 1. Da retificação do pólo passivo Com base na alegação defensiva de f. 32, consubstanciada nos documentos de f. 40/46, determino a retificação do pólo passivo da presente demanda para fazer constar como ré COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, devendo observar a Secretaria a alteração da capa dos autos e demais registros. Mérito 2. Da extinção do contrato de trabalho Extrai-se dos autos que foi celebrado um contrato de trabalho por prazo determinado entre as partes, na modalidade de safra, referente à safra canavieira de 2005/2006. O vínculo teve início em 14.04.05 e, de acordo com as

alegações patronais (f. 31), findar-se-ia, aproximadamente, no final do ano de 2005 ou início do ano de 2006. Em 14.09.05 teve o autor seu contrato extinto, sob a forma de resolução, sob a alegação de ato de justa causa, em decorrência de atos praticados nos dias 08, 09 e 10 de setembro do mesmo ano (f. 12/17 e f. 41). Referidos atos consistiram, em síntese, segundo as alegações da peça de resistência, em: deflagração de movimento paredista sem justificativa; imposição para que outros colegas aderissem à greve através de ameaças físicas e verbais; trancamento do alojamento, impedindo a locomoção dos demais empregados, inclusive para que fossem trabalhar; desobediência à determinação para que o autor retornasse ao serviço. Aduz a ré, por fim, que exerceu, então, legitimamente seus poderes diretivo e disciplinar. A questão, entretanto, não é tão simples. Verifica-se que a dispensa do autor, junto a outros empregados que, supostamente participaram do movimento de paralisação dos trabalhadores, contou com a intervenção do Ministério Público do Trabalho para a sua resolução,

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conforme ata de reunião às f. 12/17 dos autos, ocorrida em 13.09.05. A realidade fática que emerge dos autos é a de que os empregados foram incitados a participar do movimento grevista por representantes do sindicato dos trabalhadores rurais de Bauru (SP), sob a alegação de que vários de seus direitos trabalhistas não estariam sendo observados, atribuindo à ré, inclusive, a responsabilidade por tal paralisação ao referido sindicato. Neste sentido o depoimento do Sr. Antônio Aparecido Garcia, gerente de recursos humanos do grupo COSAN (f. 13/14): “que o alojamento de Iacanga (fazenda Floresta) contava com 133 trabalhadores, agora reduzido em razão da demissão; que na data de hoje, até o horário em que realizado o último contato, ainda havia 18 trabalhadores com as atividades paralisadas; que a empresa atribui a paralisação no serviço em razão da atuação do sindicato dos trabalhadores rurais de Bauru, que alegou que inúmeros direitos não estavam sendo cumpridos, tais como: hora in itinere com adicional de 50%, reajuste salarial de 07%, anotação do contrato na CTPS, ticket-alimentação, fornecimento de guia para receber o seguro-desemprego, pagamentos errados, fossa exalando mau cheiro e solicitação de linha telefônica no local; que a paralisação ocorreu a partir do dia 08/09; que no primeiro dia de greve foram trabalhar apenas 04 pessoas, no segundo, 09, no terceiro, 18, no quarto, 32 e ontem, 54”. No mesmo diapasão o depoimento do Sr. Jorge Luís Arruda, encarregado de mão-de-obra da COSAN (f. 14/15): “que dias antes do movimento, o Sr. José Pascoal Alves e o Sr. João Pedro, presidente e advogado dos trabalhadores rurais de Bauru, ligaram para o depoente pedindo

R$3.000,00 para não irem ‘agitar o povo’, mencionando inclusive que iriam fazer ‘uma lavagem cerebral para que o povo fizesse greve e fosse embora para Minas’ e ‘que a empresa iria perder muito mais do que o solicitado deles’.” Verifica-se, assim, que os empregados foram levados a exercer seu direito de resistência, poder antagônico ao poder diretivo patronal, verso e reverso da mesma moeda. Foram conduzidos, então, em decorrência das alegações sindicais. Devem ser destacadas, neste momento, as lições de Márcio Túlio Viana em sua obra Direito de Resistência. Para explicar a ocorrência do fenômeno denominado ius resistentiae, ensina o autor: Para nós o ius resistentiae é, inegavelmente, um direito do empregado. Pouco importa se lhe traz riscos: também os tem o empregador, quando exercita o seu comando. De resto, qualquer direito, se mal usado, transborda para o ilícito, e produz conseqüências não desejadas pelo agente. (p. 74) Reforça o magistrado mineiro, na mesma obra, seu entendimento de que o direito de resistência, além de se caracterizar como forma de resistir a ordens ilegais ou imorais do empregador, funciona como instrumento dos empregados para garantir a eficácia dos direitos trabalhistas, afastando-o de qualquer tipo de exercício arbitrário de poder ou das próprias razões. Assim, em mais um passo avante, concluímos que existem garantias não estatais para a eficácia das normas.

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Dir-se-á que, de todo modo, essa proteção jamais poderá ser exercida pela própria vítima da violação do direito, já que o legislador considera crime o exercício arbitrário das próprias razões. No entanto, o mesmo legislador prevê o remédio da legítima defesa, que, como se sabe, não apenas protege um direito em crise, mas, ao mesmo tempo, justifica a agressão a outro direito, como se cada cidadão fosse seu próprio juiz. [...] Ora, se é assim na legítima defesa, em que, como se disse, o ofendido se defende ofendendo, com maior razão há de ser no ius resistentiae, em que o ofendido apenas se defende, como se verá melhor adiante. [...] Deste modo, avançando sempre, podemos concluir que, dentre aquelas garantias de eficácia da norma, encontra-se o direito de resistir. [...] Assim, caminhando ainda, podemos concluir que quaisquer instrumentos jurídicos de proteção, quando postos a serviço dos direitos fundamentais, adquirem, eles próprios, a natureza de direitos fundamentais, do gênero garantia. [...] De fato, se a legítima defesa do mais singelo dos bens pode levar até a morte do ofensor, como não se admitir a resistência, que, na verdade, não agride? Mesmo Hobbes, tido como defensor do absolutismo, entendia que é nulo o pacto que

nos impede de usar a força contra a força do tirano. [...] Por tudo isso, e arrematando o nosso pensamento, podemos concluir que, seja qual for o direito que socorra, o ius resistentiae é uma garantia fundamental do trabalhador. E garantia das mais importantes: basta notar que o seu oposto é a submissão, sinônimo de dignidade perdida. E como não leva a uma prestação, mas a uma sujeição por parte do agente passivo (o empregador), podemos qualificalo de direito potestativo. (p. 77/79, grifos no original) Poder-se-ia argüir que, no caso dos autos, o reclamante não resistiu somente. Não teria apenas se defendido. Mais uma vez, devem ser citados os ensinamentos de Márcio Túlio Viana. As figuras do ius resistentiae e da legítima defesa quase que se tocam. É preciso marcar bem a diferença. Na legítima defesa, como dizíamos, quem se defende, também ofende. Trata-se de uma excludente de ilicitude. Já na resistência, defende-se, apenas. A esfera jurídica do outro fica intocada. Dir-se-á que, na hipótese, o empregado viola o direito que tem o empregador de ser obedecido. Não é assim, porém. Quem resiste não se opõe a um poder jurídico de comando, mas ao poder de fato que o extravasa. Desse modo, não nega o direito, mas a própria negação do direito.

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O que pode acontecer, num caso ou noutro, é que, para resistir, o empregado tenha de ofender um real direito do empregador, que gravita em outra dimensão. Mas são situações raras, e que podem ser resolvidas à luz do direito comum. (p. 84, grifos no original) E foi exatamente o que ocorreu com o autor, pois, como vimos, foi induzido a erro por atitude dolosa de representantes sindicais. Deve ser destacado, então, que a atitude do reclamante não configurou, em momento algum, afronta ao poder diretivo de seu empregador, conforme afirmado em contestação. Ensina Alice Monteiro de Barros, na obra coletiva, Curso de Direito do Trabalho - Estudos em memória de Célio Goyatá: O poder diretivo, portanto, pode ser visto sob duplo aspecto: poder de organização, em que se determina a estrutura técnica e econômica da empresa, bem como as metas para a concretização de seus objetivos (sentido amplo); capacidade de o empresário ordenar a prestação laboral através de normas de caráter técnicoadministrativas (sentido restrito). (p. 570) Deve ser ressaltado que deste poder diretivo do empregador é que deflui seu poder disciplinar que, nas palavras de Mauricio Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho) seria: Poder disciplinar é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador

dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais. (p. 636) Não teria se configurado, portanto, a insubordinação do empregado, como consta de sua carta de dispensa (f. 49). Voltando a Márcio Túlio Viana: À primeira vista, a resistência nega o poder diretivo, na mesma medida em que a submissão o afirma. Sob essa ótica, no instante em que diz não, o trabalhador estaria recusando sua própria condição de empregado, marcada pela subordinação. Como dizíamos, porém, as coisas não se passam assim. Do mesmo modo que a desobediência civil não se confunde com a criminosa, resistência não se identifica com insubordinação. Se o empregado pode resistir, é porque o empregador já não pode dirigir. Assim, é o próprio poder de comando, quando jurídico, que traça os primeiros limites ao ius resistentiae, fechando os seus caminhos. Inversamente, porém, é esse mesmo poder, quando injurídico, que o faz nascer e o justifica. (p. 85, grifos no original) Por fim, poder-se-ia argumentar que a resistência do autor foi ilegítima, uma vez que, posteriormente, não foram apuradas todas as irregularidades apontadas pelo sindicato. Neste caso,

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teria operado a resistência putativa, tal como a legítima defesa putativa, prevista no § 1º do art. 20 do Código Penal. Neste sentido a sempre valiosa lição de Márcio Túlio Viana ao explicar as regras aplicáveis ao ius resistentiae, para que seja considerado válido seu exercício pelo trabalhador: 1. Enquanto a legítima defesa exclui o ilícito, o ius resistentiae apenas afasta a punição disciplinar, já que a conduta do agente, em si mesma, é lícita. [...] 3. Também no caso do ius resistentiae, a ofensa pode se referir a qualquer espécie de direito, mas desde que se prenda, direta ou indiretamente, à relação de emprego. Em regra, como se disse, o direito que se ataca (e se defende) é o inscrito no art. 5º, II, da Constituição Federal. Mas não necessariamente. 4. Há, também, um ius resistentiae putativo. Nessa hipótese, o empregado viola um direito do empregador (o de comandar), mas, como faz sem dolo ou culpa, não pode ser punido, desde que o erro seja escusável. Note-se que a obrigação de obedecer se retrai apenas enquanto o erro perdura, para renascer tão logo ele se desfaz. 5. Ao exigir que o agente use moderadamente os meios necessários, a lei penal, possivelmente, parte da premissa de que, na legítima defesa, há sempre uma ofensa ao direito do agressor. Ora: como dizíamos, isso não ocorre na

resistência, exceto quando putativa. Não obstante, também aqui, devem-se observar os mesmos limites. (p. 87/89, grifos no original) Portanto, mesmo que se entenda que o autor agiu de forma desproporcional às lesões que acreditava que estavam sendo praticadas pelo empregador, assim como no Direito Penal a legítima defesa putativa, se não for causa de isenção de pena, é causa de sua diminuição (§ 1º do art. 20 do CP), no Direito do Trabalho o ius resistentiae putativo, se não importar na isenção de pena, é causa de diminuição da penalidade que poderia ser aplicada pelo empregador, sendo a dispensa por justa causa, então, neste caso, também desproporcional. Aliás, neste momento, deve ser analisada a dispensa motivada imposta ao reclamante. Apesar das acaloradas discussões doutrinárias, têm se inclinado os autores, bem como a jurisprudência trabalhista, no sentido de que a dispensa por justa causa configura espécie de punição que pode ser aplicada ao empregado faltoso. Arion Sayão Romita, na obra O poder disciplinar do empregador, vaticina: A dispensa por justa causa (ou dispensa sem ônus) é a mais grave das sanções disciplinares. Atinge o empregado que pratica falta grave (em outros termos, o empregado dá justa causa para a dispensa). [...] Ad instar da suspensão, a despedida por justa causa

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apresenta dupla natureza aflitiva, mas tem caráter muito mais grave: do ponto de vista moral, o empregado é atingido em sua honra profissional, por ter sido afastado em definitivo do estabelecimento (ressalvada a possibilidade de reintegração do estável); e, do ponto de vista econômico, perde não só a fonte imediata de sustento, mas também os consectários da dispensa, devidos em casos de dispensa sem justa causa. (p. 166) Devem ser verificados, então, os requisitos para a aplicação da pena de dispensa por justa causa, bem como se estavam todos presentes no caso dos autos. Ensina José Murilo de Morais, na já referida obra coletiva Curso de Direito do Trabalho - Estudos em memória de Célio Goyatá: Ademais a punição para ter validade deve atender a outras condições estabelecidas doutrinária e jurisprudencialmente, sem maiores discrepâncias, a saber: a) nexo causal entre a falta e a punição; b) a pena deve ser proporcional à falta; c) imediatidade na aplicação, vale dizer, a falta deve ser punida tão logo seja conhecida; d) a não punição implica no perdão da falta; e) faltas idênticas devem receber sanções idênticas a fim de afastar discriminações; f) punição aplicada não pode ser modificada ou substituída;

g) não pode haver mais de uma punição para uma mesma falta. (p.580) De forma mais pormenorizada, salienta Mauricio Godinho Delgado, no já citado Curso de Direito do Trabalho: 1. Requisitos Objetivos É requisito objetivo para o exercício do poder disciplinar no contrato a tipicidade da conduta obreira, inclusive com respeito à natureza da matéria envolvida. Também integra o presente grupo de requisitos a gravidade da conduta do trabalhador. [...] 2. Requisitos Subjetivos São requisitos subjetivos para a aplicação do poder disciplinar, como já apontado neste Curso, a autoria obreira da infração e seu dolo ou culpa com respeito ao fato ou omissão imputados. [...] O requisito do dolo ou culpa é também de grande relevância. Não será válido o exercício de prerrogativas punitivas se a conduta obreira não tiver sido intencional ou, pelo menos, decorrente de imprudência, negligência ou imperícia. Ainda assim, o Direito do Trabalho produz algumas adequações aos critérios penalistas e civilistas gerais concernentes à noção de dolo ou culpa. Em primeiro plano, a intenção e a culpa têm de ser examinadas em concreto, isto é, considerando-se o nível de

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escolaridade do obreiro, seu segmento de atuação profissional, seu nível socioeconômico e outros aspectos subjetivos relevantes. Isso porque é evidente que a intenção dolosa ou a conduta culposa podem atenuar-se em função da maior simplicidade na formação pessoal, escolar e profissional do indivíduo. [...] 3. Requisitos Circunstanciais Circunstanciais, como visto, são os requisitos que dizem respeito à atuação disciplinar do empregador em face da falta cometida e do obreiro envolvido. São inúmeros tais requisitos, a saber: nexo causal entre a falta e a penalidade; adequação entre a falta e a pena aplicada; proporcionalidade entre elas; imediaticidade da punição; ausência de perdão tácito; singularidade da punição (non bis in idem); inalteração da punição; ausência de discriminação; caráter pedagógico do exercício do poder disciplinar, com a correspondente gradação de penalidades. (p. 1183/1186, grifos no original) Percebe-se, pois, que no caso em tela a ré, ao aplicar a pena de dispensa por justa causa ao reclamante, não observou todos os requisitos, uma vez que a falta, se houve, não foi tão grave, não houve a culpa no caso em concreto (devido à formação do empregado e sua indução à prática dos atos), tendo, ainda, faltado o caráter pedagógico para a aplicação das penalidades, principalmente em virtude da ausência de comprovação, nos

autos, da prática de qualquer outra falta pelo autor. A respeito da violência e ameaças de agressão supostamente perpetradas pelo reclamante no local de trabalho, durante a paralisação de serviços, deve ser ressaltado que a ré não se desincumbiu, a contento, do seu ônus processual de demonstrá-la. Os depoimentos prestados pelo Sr. Gerson Moreira e pelo Sr. José Elias dos Santos (f. 109/110), testemunhas ouvidas a rogo da reclamada, não provaram a ocorrência de qualquer tipo de ameaça mais séria, de ordem física. Ademais, é, no mínimo curioso, que um grupo de aproximadamente 15 trabalhadores tivesse conseguido impedir, através de ameaças, que outros 150 empregados fossem trabalhar. A tese patronal não convence, restando mais plausível a afirmativa laboral de que todos os trabalhadores alojados aderiram, mesmo que incitados pelo autor, voluntariamente ao movimento paredista, principalmente diante da lista de assinaturas juntada às f. 10/11 dos autos. Sob este prisma, inclusive, teriam ocorrido a discriminação da dispensa motivada do autor e a manutenção dos outros trabalhadores que participaram da greve. Assim, tem-se que a ré aplicou incorretamente a penalidade de dispensa por justa causa ao reclamante, seja porque este agiu no exercício de seu direito de resistência, mesmo que de forma putativa, o que acarretaria a isenção da pena, ou sua diminuição; seja porque não restaram presentes todos os requisitos que autorizariam a aplicação da referida penalidade. Tem-se, portanto, que a dispensa, na verdade, foi imotivada, o que não transforma o contrato de trabalho celebrado entre as partes em contrato por prazo indeterminado, mas,

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uma vez que presente a cláusula assecuratória do direito recíproco de rescisão antecipada (cláusula 6, f. 48), são devidas ao autor as verbas rescisórias, as verbas resilitórias desta modalidade de negócio jurídico. Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos para deferir ao autor o pagamento de 6/12 de férias proporcionais, acrescidas de um terço e 13º proporcional do ano de 2005 (6/12), em decorrência da projeção do aviso prévio, além da entrega da guia TRCT, para saque do FGTS, garantida a integralidade de depósitos, inclusive sobre o aviso prévio, sob pena de pagamento de indenização substitutiva, além da expedição de ofício à CEF. Improcede o pedido de saldo de salário até o dia 14.09.05. O TRCT de f. 50 não está assinado pelo empregado, sendo que, portanto, não haveria prova de seu recebimento. Há, entretanto, comprovante de depósito em conta no valor correspondente, juntado à f. 56, sendo certo que os documentos de f. 53/ 55 não têm a mesma força probante. As demais verbas rescisórias devidas na hipótese, tais como aviso prévio indenizado e indenização de 40% sobre o FGTS, não foram requeridas, pelo que não há como deferi-las (art. 128 do CPC). Os demais pedidos improcedem, pois, como já explicado, o contrato foi por prazo determinado e a reclamada exerceu seu direito potestativo de resilição antecipada, não cabendo falarse em metade dos salários até o final do contrato, férias e 13º até o final do pacto, bem como depósitos de FGTS. 3. Da justiça gratuita Deferem-se ao reclamante os benefícios da justiça gratuita, uma vez que atendidas as exigências da Lei n. 5.584/70.

4. Da compensação Apesar de regularmente argüida, indefere-se a compensação, uma vez que não houve a comprovação do pagamento de verbas pagas a idêntico título com as verbas objeto desta decisão. 5. Descontos previdenciários

fiscais

e

São autorizados os descontos fiscais e previdenciários, observada a Súmula n. 368 do TST. 6. Dos juros e correção monetária Incidem juros e correção monetária (Súmulas n. 200 e 381 do TST e OJ n. 302 da SDI-I do TST). III - CONCLUSÃO Pelo exposto, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados por Erlando Alves dos Santos nos autos da ação trabalhista que move em face de COSAN S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO para determinar a retificação do pólo passivo e condenar a ré a pagar e a entregar, no prazo legal, conforme se apurar em liquidação de sentença, nos termos da fundamentação, que integra este decisum, as seguintes verbas: 1. 6/12 de férias proporcionais, acrescidas de um terço; 2. 13º proporcional do ano de 2005 (6/12); 3. guia TRCT, para saque do FGTS, garantida a integralidade de depósitos, inclusive sobre o aviso prévio, sob pena de pagamento de indenização substitutiva, além da expedição de ofício à CEF.

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Deferem-se ao reclamante os benefícios da justiça gratuita. São autorizados os descontos fiscais e previdenciários, observada a Súmula n. 368 do TST, sendo que a contribuição previdenciária incidirá sobre: 13º proporcional do ano de 2005 e saldo de salário.

Incidem juros e correção monetária (Súmulas n. 200 e 381 do TST e OJ n. 302 da SDI-I do TST). Custas pela reclamada no importe de R$40,00, calculadas sobre R$2.000,00, valor arbitrado à condenação. Intimem-se as partes. Encerrou-se a audiência.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 01130-2005-021-03-00-7 Data: 12.07.2006 DECISÃO DA 21ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE - MG Juíza Substituta: Drª ÉRICA APARECIDA PIRES BESSA Aos 12 dias do mês de julho de 2006, às 16h01min, a MM. Juíza do Trabalho, Érica Aparecida Pires Bessa, em exercício da titularidade da 21ª Vara do Trabalho, declarou aberta a audiência para julgamento da ação trabalhista proposta por GIOVANI SAMARINO em face de TELEMAR NORTE LESTE S/A. Aberta a audiência, por ordem da MM. Juíza, foram apregoadas as partes, que não compareceram. Em seguida, foi proferida a seguinte DECISÃO: I - RELATÓRIO GIOVANI SAMARINO ajuizou ação trabalhista em face de TELEMAR NORTE LESTE S/A alegando, em síntese, que: foi admitido em 31.07.78 para exercer a função de desenhista técnico; inicialmente lotado no setor de patrimônio, procedeu a desenhos técnicos afeitos à área patrimonial da ré; ao longo do seu pacto laboral, foi promovido até galgar a função de analista de marketing, sob a rubrica de analista comercial, na qual permaneceu até a sua dispensa; em virtude da tecnologia implementada, que acarretou a substituição das moedas por cartões magnéticos no uso dos telefones públicos, em face da sua aptidão como desenhista foi convidado pelo Sr. CARLOS BRESCIA, único empregado até então a executar tais funções, a fim de criar desenhos e ilustrações destinados àqueles cartões telefônicos;

embora tais atividades não se inserissem no rol das tarefas para a qual fora contratado, e não tenham sido objeto de previsão expressa entre as partes, o autor as executou, mas jamais recebeu qualquer verba a tal título, embora tampouco tenha renunciado aos valores devidos por estas atividades; as suas ilustrações foram alvo de muitos elogios e prêmios, em razão da sua qualidade artística; contudo, reiteradas vezes só tomou ciência da premiação quando já ocorrida, sem qualquer convite ou comunicação prévia por parte da reclamada; a rigor, como analista de marketing, o autor era responsável pela promoção e realização de campanhas de comunicação interna e externa, além de auxiliar na organização e montagem dos catálogos telefônicos; além do caráter inovador que os cartões traziam consigo, obtiveram maior valor comercial diante das ilustrações, o que também otimizou a sua venda; tais

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circunstâncias também eram utilizadas pela reclamada a fim de gerar uma demanda, pelo que não poderia prescindir de um trabalho original e primoroso; não se discute aqui a propriedade industrial, de titularidade da reclamada, mas sim o direito autoral, nos termos da Lei n. 9.610/98, inserindose no enquadramento jurídico de obra de arte aplicada, contando, portanto, com dupla proteção legal, eis que além do caráter estético - protegido pelo direito autoral - possui também funções utilitárias, porquanto as ilustrações foram usadas para fins comerciais e industriais - tuteladas como propriedade intelectual; temeroso em ser dispensado se reivindicasse a remuneração devida, embora cônscio do seu direito, optou por aguardar a iniciativa empresária em proceder ao pagamento devido, o que jamais ocorreu ao longo do pacto laboral; em face da autonomia desta nova relação jurídica mantida com a reclamada e decorrente da ilustração, desvinculada do seu contrato de trabalho, revela-se protegida pela Lei de Direitos Autorais; assim é que o seu labor em tais atividades, sem remuneração específica, merece reparo, porquanto ensejou, ainda, enriquecimento ilícito da reclamada; sequer foi intentado pela reclamada o procedimento ordinariamente utilizado, onde o artista recebe a encomenda da obra, formaliza um contrato com a encomendante, por meio do qual estabelecem inclusive remuneração, prazo e mídia a ser utilizada, dentre outras matérias, e somente aí o autor está apto a ceder os direitos patrimoniais sobre a sua arte; e esta cessão, via de regra, é onerosa, diante da presunção advinda do art. 50 da LDA, que foi expresso em estabelecer que, na hipótese de cessão gratuita, devese dar de forma escrita, o que não

ocorreu; diante dos fatos relatados, a questão deve ser examinada sob a ótica do contrato de edição, atraindo o disposto nos arts. 53 e 57 da LDA, inclusive acerca da remuneração, mediante percentual sobre a venda de cada exemplar; considerando que o caso em comento se volve a ilustrações em cartões telefônicos, diante da peculiaridade, ao invés de postular de 8% a 10% sobre o valor de venda final, vindica 3,5% sobre o valor unitário de R$4,00; levando em conta a soma correspondente à tiragem dos cartões que ilustrou, no patamar de 26.148.150 unidades, deve receber R$3.660.741,00; obstado pela reclamada em assinar a sua obra, cuja autoria chegou a ser imputada ao Centro de Multimídia TELEMAR - que sequer existe, consistindo apenas em uma denominação criada pela ré para que se lhe pudessem atribuir algumas criações gráficas, em detrimento da real autoria e impedir a divulgação do nome do reclamante - faz jus, ainda, à indenização por dano moral, nos termos da Lei dos Direitos Autorais; o dano decorre, ainda, da omissão e negligência da reclamada, que jamais lhe informou diretamente acerca dos eventos e ocorrência de premiações auferidas por suas ilustrações, embora as solenidades fossem divulgadas inclusive em jornais internos sem, contudo, apontar-lhe como criador; também outras revistas - tais como Revista RTB - Telecartofilia do Brasil se referiram ao trabalho do reclamante sem, contudo, identificá-lo como o ilustrador, diante do expediente utilizado pela reclamada, que indicou o Sr. MARCÍLIO LOBÃO para se manifestar pela ré acerca da coleção do autor. Diante dos fatos narrados, apresentou os pedidos de f. 20/21. Atribuiu à causa o valor de R$3.910.741,00. Trouxe a

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exame os documentos de f. 24/84. Declaração de pobreza e procuração, f. 22/23. Originariamente distribuído o feito à Justiça Comum, o MM. Juiz de Direito, f. 86, declinou a competência para processar e julgar o feito, determinando a remessa e regular distribuição da demanda a esta Justiça Especializada. Instrumentos de mandato outorgados pela reclamada, que requereu vista dos autos, o que foi deferido, f. 89/93. Conciliação recusada, f. 95. Regularmente citada, a reclamada defendeu-se, e apresentou defesa escrita coligida às f. 96/108. Invocou a prescrição total a incidir a partir da remessa dos autos a esta Justiça Especializada, e não a fluir da distribuição da demanda perante a Justiça Comum, que declinou da competência para processar e julgar o feito, antes mesmo da citação da defendente. Prosseguiu e aduziu, em resumo, que: em 1992, a reclamada adotou o sistema indutivo, através do qual as chamadas telefônicas em aparelho público passaram a ser originadas por cartão magnético, mediante sistema que vai decompondo a pontuação correspondente às ligações; ao revés do alegado, o trabalho do autor em nada contribuiu para a otimização das vendas dos cartões magnéticos, eis que adquiridos para utilização do sistema telefônico, até porque a ANATEL determina a produção de 6.000.000 (seis milhões) de cartões com vinte estampas por mês, sendo certo que, para que sejam vendidos, devem ser pagos royalties à empresa CPQD, detentora do know-how da sua comercialização; de qualquer forma, a Lei n. 9.610/98, em seu art. 4º, determina interpretação restritiva dos

negócios jurídicos sobre os direitos autorais, além de excluir da tutela legal e especial as informações de uso comum tais como calendários, dentre outros, bem assim o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras; ademais, o valor econômico do cartão é medido exclusivamente pelas ligações e minutos que possam oferecer, não sendo passível de qualquer valorização pelas respectivas ilustrações; como relatado, trata-se de obrigação imposta pela ANATEL, e não de expediente voluntariamente intentado pela ré, que, diante mesmo da ausência de valorização econômica, não gera direito autoral; o objeto em comento, em verdade, diante do modelo de utilidade pública pertence, ainda, ao domínio público, e, tratando-se de atribuição imposta pela ANATEL, tampouco se constata ato ilícito porquanto corresponde ao exercício regular de um direito reconhecido, conforme estabelecido no inciso I do art. 188 do CCb; ademais, contratado em 31 de julho de 1978 como desenhista, e posteriormente como figurativista, cabia ao reclamante, dentre outras atividades contratuais, justamente a criação de imagens para os cartões telefônicos, pelo que não faz jus o reclamante ao direito autoral, nos termos do art. 88 da Lei n. 9.279/96; no que tange ao trabalho intelectual, a Lei n. 5.772/71 é expressa ao estabelecer que os inventos pertencerão ao empregador, acaso decorrentes do contrato de trabalho, mormente quando o labor estiver vinculado à atividade inventista; em sentido convergente, o disposto na Lei n. 9.279/96; embora alegue desconhecer o Centro Multimídia da TELEMAR, era neste setor que o reclamante trabalhava, chefiado pelo Sr. DÁRIO, ao lado de outros colegas, tais como Srs. BRÉSCIA,

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LOBÃO - este como líder do grupo - e um terceiro; cabia ao Centro a arte final das ilustrações dos cartões telefônicos, inclusive os desenhos executados pelo autor, pelo que a sua existência não pode ser negada; apenas alguns dos cartões coligidos aos autos não foram atingidos pela prescrição; o reclamante litiga de má-fé ao alegar a inexistência do Centro Multimídia da TELEMAR, bem assim ao postular o dano moral; isto porque no verso dos cartões cuja ilustração coube ao autor consta o seu nome, dando-se ampla publicidade ao seu trabalho e autoria; ainda que assim não fosse, dano algum sofreu o reclamante. Colacionou os documentos de f. 109/128. Preposição, f. 129. No prazo que lhe foi concedido, a reclamada trouxe a exame os documentos de f. 131/136. Substabelecimento, f. 138/139. Deferido o requerimento formulado pelo reclamante, com designação de perícia, f. 129. Impugnação do reclamante, acompanhada de documentos, f. 140/ 144, dos quais se deu vista à parte contrária, f. 145, quedando-se silente, no particular. Foi determinada a realização de perícia técnica, f. 145. Apresentados quesitos e indicados assistentes técnicos, f. 148/ 150 e 151/153. A i. perita requereu a dilação do prazo para apresentação do laudo, o que foi deferido, f. 156. Laudo pericial, f. 158/266, sobre o qual os litigantes manifestaram-se, f. 268/275, 279/284. Substabelecimento, f. 277. Esclarecimentos da i. expert, f. 288/290 e 304/329, com manifestação das partes, f. 294/297, 299/300, 331/333 e 335/340. Substabelecimento, f. 293.

Indeferidos os esclarecimentos requeridos pelo reclamado, porquanto não atinentes à matéria que enseja conhecimento técnico, seguindo-se a inclusão dos autos em pauta, f. 341. Rol de testemunhas, f. 344. A reclamada requereu a reconsideração do despacho proferido, e, acaso mantido, consignou os seus protestos, f. 347. Certidão lavrada à f. 348. Na sessão designada para prosseguimento do feito, colhido depoimento pessoal do reclamante, e inquiridas duas testemunhas, f. 349/352. Diante do requerimento de antecipação dos honorários, a reclamada comprometeu-se a depositar 50% do valor requerido a título de verba honorária, f. 348 e 352, concordando os litigantes com a liberação da importância à i. perita, de imediato. A requerimento, concedido às partes o prazo comum para memorial, f. 352. A perita justificou o seu requerimento, f. 354, em virtude de mudança de domicílio e residência para outro país, em agosto de 2006. A antecipação honorária foi depositada pela reclamada, que coligiu aos autos outro substabelecimento, f. 356, 358. Memorial da reclamada, f. 359/ 366. Em audiência cujo comparecimento das partes foi dispensado, determinou-se a expedição de alvará, designando-se sessão para encerramento da instrução, f. 367. Na assentada seguinte, presentes apenas os procuradores das partes, conforme autorizado, f. 369, as partes permaneceram inconciliáveis. À ausência de outras provas a serem produzidas, f. 369, encerrou-se a instrução processual.

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Razões finais orais e remissivas. Tentativa conciliatória rejeitada. É o breve relatório. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1 - Competência em razão da matéria De início, registro que esta demanda foi proposta na Justiça Comum, e enviada a esta Justiça Especializada por decisão do MM. Juiz de Direito, prolatada aos 08 de junho de 2005, f. 86/verso. Conheço do feito, nos termos do art. 114 da Constituição Federal, com a nova redação atribuída pela Emenda Constitucional n. 45/2004, mencionada pela própria reclamada em sua manifestação. II.2 - Prescrição A reclamada invocou a prescrição qüinqüenal, e sustentou que o marco temporal deveria corresponder à data em que estes autos foram remetidos à Justiça do Trabalho, fato ocorrido em 23 de agosto de 2005, perante a qual a sua citação foi determinada, a teor do disposto no art. 219 do CPC. II.2.a) O dispositivo processual invocado pela parte, d.m.v., não contempla a faticidade dos autos emergente. Isto porque o art. 219 do CPC contempla os efeitos de determinados atos processuais praticados perante o juízo incompetente. Entretanto, conforme a própria reclamada aduziu, tão-logo proposta a demanda na Justiça Comum, o MM. Juiz de Direito declinou da competência e determinou a remessa dos autos a esta

Especializada, perante a qual se deu a citação do réu. Não ocorreu, portanto, qualquer ato processual por determinação do juízo incompetente, a não ser a própria distribuição do feito, intentada pela parte. E uma vez proposta a demanda, inequívoco o intuito do autor em postular judicialmente as parcelas elencadas no rol dos pedidos, afastando publicamente a sua inércia. E à ausência de despacho saneador no Processo do Trabalho, o prazo decorrido até a citação da ré ou até a audiência designada não deve ser computado em desfavor da parte diligente, no caso, o autor. Nesse contexto, o marco para a interrupção da prescrição na Justiça do Trabalho é a data da própria propositura da demanda, acaso não seja constatado outro mais benéfico, qual seja, 07 de junho de 2005, atraindo, por similitude, o entendimento pretoriano consubstanciado na Súmula n. 268 do Col. TST, mesmo após a vigência do novo CCb. Isto porque, ao tratar da interrupção da prescrição, não se pode olvidar de que o ordenamento jurídico pátrio visou valorizar a data da iniciativa da parte em obter a tutela jurídica à qual entende fazer juz, o que se concretizou, no caso em comento, com a propositura da ação. Em sentido convergente, o disposto no inciso II do art. 202 do CCb de 2002. II.2.b) Embora a reclamada a intitule de total, em sua contestação foi expressa em argüir a prescrição qüinqüenal. Somente a fim de se evitar futuras e possíveis argüições quanto à matéria, embora incompatível nos termos expendidos pela reclamada, ressalto que as parcelas postuladas

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pelo reclamante contam com expressa previsão legal (Lei n. 9.610/98), pelo que a prescrição a ser aplicada é a parcial. II.2.c) No que tange ao prazo prescricional aplicável, acolho o qüinqüenal invocado pela reclamada, embora não com supedâneo no inciso XXIX do art. 7º da Constituição, mas sim com fulcro no disposto na regra de transição estabelecida no novo CCb, em seu art. 2.028. Isto porque, conforme reconhecido pela ré, em sua contestação à f. 96, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar esta demanda, à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. Firmando o entendimento de que aplicável no caso a Lei dos Direitos Autorais, e tratando-se de matéria cível, a prescrição aplicável é a da norma especial, qual seja, a LDA. A antiga Lei de Direito Autoral, a Lei n. 5.988/73, em seu art. 131, previa o prazo qüinqüenal para a prescrição. Contudo, a Lei n. 9.610/98 revogou a Lei n. 5.988/73, e, em seu art. 111, o novo Diploma Legal também estabelecia o prazo qüinqüenal, embora com regra distinta para o dies a quo do prazo prescricional. Entretanto, este artigo foi vetado pelo Presidente da República, e o Congresso Nacional não afastou o veto, sob a justificativa de que a legislação civil regrava melhor a situação. Considerando-se que a Lei n. 5.988/73 foi revogada e na nova Lei de Direito Autoral o Presidente vetou o artigo que dispunha sobre o prazo prescricional, aplicável o CCb. Especificamente no caso em comento, há que se atentar para o fato de que o CCb de 1916, em seu art. 178, § 10, também estabelecia cinco anos, enquanto o novo CCb estabeleceu o prazo de três anos, art. 206.

Entretanto, constato que, quando da vigência do novo CCb, ou seja, em 12 de janeiro de 2003, já decorrera mais da metade do prazo prescricional sob a égide da lei antiga, considerando que as ilustrações sobre as quais se fulcram os pleitos ocorreram em 1999/2000, a matéria atrai o disposto no art. 2.028, do CCb vigente, aliado ao princípio da norma mais favorável, consagrado no caput do art. 7º da CFRB. Acolho, em suma, o mesmo prazo prescricional invocado pela reclamada, qual seja, de cinco anos, embora sob fundamentos distintos. II.2.d) No que tange ao início da fluição do prazo prescricional releva salientar, diante da teoria da actio nata, que o seu marco inicial se vincula à data da ciência da lesão. Neste compasso, o laudo pericial constatou o prazo médio de 10 meses para cada tiragem, f. 266. Assim, somente decorrido o prazo de término de comercialização da tiragem de cada série de cartão, é que o reclamante, de fato, constatava a lesão invocada, até porque, antes do seu decurso, sequer a reclamada poderia estimar o valor devido, até mesmo para cálculo de eventuais pagamentos. Verificado que a ilustração mais antiga e de autoria do reclamante data de março de 1999, f. 232, a prescrição somente passaria a fluir após os dez meses completos subseqüentes, ou seja, a partir de 01 de fevereiro de 2000. Proposta a demanda em 07 de julho de 2005, f. 85, e considerando que a prescrição de cinco anos, a rigor, volver-se-ia aos 07 de julho de 2000, encontra-se prescrito, em verdade, o direito de ação referente aos valores e parcelas das ilustrações procedidas nos cartões elaborados até 07 de setembro

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de 1999, eis que os demais, com os dez meses de comercialização, ultrapassam o marco de 07.07.00. Ressalto que o mesmo marco vingaria ainda acaso se acolhesse a prescrição qüinqüenal trabalhista, eis que a teoria da actio nata independe do ramo de direito ao qual se volve os efeitos do tempo no direito. II.3 - Do direito autoral O reclamante afirmou ter sido admitido em 31.07.78 para exercer a função de desenhista, inicialmente procedendo a desenhos técnicos afeitos à área patrimonial da ré, até galgar a função de analista de marketing, sob a rubrica “analista comercial”, na qual permaneceu até a sua dispensa. Relatou que nesta última função era responsável pela promoção e realização de campanhas de comunicação interna e externa, além de auxiliar na organização e montagem dos catálogos telefônicos. Noticiou que, diante da tecnologia implementada, a fim de substituir as moedas por cartões magnéticos para o uso dos telefones públicos e, ainda, em face da sua aptidão como desenhista, foi convidado pelo Sr. CARLOS BRÉSCIA para criar desenhos e ilustrações a figurarem naqueles cartões. Relatou que, embora as atividades de ilustrador de cartões de telefone não se inserissem no rol das tarefas para as quais fora contratado, e sequer tendo sido objeto de previsão ulterior entre as partes, executou-as, jamais recebendo qualquer parcela a tal título. Ressaltou não ter renunciado a quaisquer direitos e/ou verbas por tais ilustrações, as quais inclusive foram alvo de muitos elogios e prêmios, em razão da sua qualidade artística. Salientou que, além do caráter de novidade que os cartões traziam consigo, obtiveram

maior valor comercial agregado em face das suas ilustrações, que otimizavam a respectiva venda, o que era utilizado pela ré a fim de gerar e aumentar a demanda, pelo que não poderia prescindir de um trabalho original e primoroso. Ressaltou que a reclamada sequer intentou o procedimento ordinariamente utilizado em tais situações, porquanto não celebrou qualquer contrato com o obreiro, mediante o qual seriam estabelecidas as respectivas encomendas, prazo para entrega, remuneração, e mídia a ser utilizada, dentre outras condições. Salientou que sequer procedeu à cessão dos direitos patrimoniais sobre a sua arte, até porque o art. 50 da LDA estabelece a presunção onerosa para esta cessão, o que demanda forma escrita para acaso concedida a título gratuito, o que não ocorreu. Aduziu que o seu pleito não se volve à propriedade industrial, de titularidade da reclamada, mas sim ao direito autoral, nos termos da Lei n. 9.610/98, inserindo-se no enquadramento jurídico de obra de arte aplicada, e, como tal, possui dupla proteção legal, eis que além do caráter estético - protegido pelo direito autoral - possui também funções utilitárias, porquanto usadas para fins comerciais e industriais - tuteladas como propriedade intelectual. Diante da autonomia desta nova relação jurídica mantida com a reclamada e decorrente da ilustração, desvinculada do seu contrato de trabalho, revela-se protegida pela Lei de Direitos Autorais. Postulou 3,5% sobre o valor unitário de R$4,00 que, considerada a soma correspondente à tiragem dos cartões que ilustrou, no patamar de 26.148.150 unidades, atinge o valor devido de R$3.660.741,00.

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De seu turno, a reclamada afirmou, em suma, que, em 1992, adotou o sistema indutivo, através do qual as chamadas telefônicas em aparelho público passaram a ser originadas por cartão magnético, sistema que, à medida do uso pelo consumidor, vai decompondo a pontuação correspondente às ligações. Asseverou que, ao revés do alegado, o trabalho do autor em nada contribuiu para a otimização das vendas dos cartões magnéticos, eis que adquiridos para efetiva utilização do sistema telefônico. Sustentou que a ANATEL determina a produção de 6.000.000 (seis milhões) de cartões com vinte estampas por mês, sendo certo que, para que sejam vendidos, devem ser pagos royalties à empresa CPQD, detentora do know-how da sua comercialização. Aduziu, de qualquer forma, que a Lei n. 9.610/98, em seu art. 4º, determina a interpretação restritiva dos negócios jurídicos sobre os direitos autorais, além de excluir da tutela legal e especial as informações de uso comum tais como calendários, dentre outros, bem assim o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. Sustentou que o valor econômico do cartão é medido exclusivamente pelas ligações e minutos que possam oferecer, padecendo de valor econômico, e tampouco recebendo qualquer valorização extra pelas respectivas ilustrações. Verificado tratar-se de obrigação imposta pela ANATEL, e afastado expediente voluntariamente intentado pela ré e, ainda, em face da ausência de valorização econômica, não há direito autoral a ser protegido. Ressaltou, ademais, que o autor foi contratado em 31 de julho de 1978, como desenhista, passando a

figurativista, cabendo-lhe, dentre outras atividades contratuais, justamente a criação de imagens para os cartões telefônicos. No que tange ao trabalho intelectual, defendeu que a Lei n. 5.772/71 é expressa ao estabelecer que os inventos pertencerão ao empregador, acaso decorrentes do contrato de trabalho, mormente quando o labor estiver vinculado à atividade inventista, convergindo para o disposto na Lei n. 9.279/96. Aduziu, ainda, que o objeto em comento, diante do modelo de utilidade pública, pertence ao domínio público, tratando-se de atribuição imposta pela ANATEL. Nesse compasso, conforme estabelecido no inciso I do art. 188 do CCb, não se constata ato ilícito porquanto o exercício regular de um direito reconhecido exclui esta tipificação. Não se pode olvidar, ademais, de que a propriedade da criação é do empregador, conforme previsto na Lei n. 9.279/96. II.3.a) Das funções contratadas Volvendo à prova trazida pela própria reclamada, e especificamente o cadastro funcional do reclamante, noticiam-se as funções de desenhista, passando a assistente comercial em 02.01.86, a grafista em 01.07.89, reclassificado a técnico de marketing III, em 01.03.98, f. 117. Constato, desta forma, que inicialmente o reclamante atuava na Divisão de Conservação de Patrimônio, cabendo-lhe: confeccionar gráficos, quadros, mapas, cronogramas, fluxogramas, formulários, impressos e outros; copiar desenhos e projetos, receber esboços e interpretar as proposições do projeto original, a fim de estudar o respectivo layout, e proceder

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à ampliação ou redução; atualizar desenhos técnicos, recebendo dados levantados em campo; transcrever para o original de mapeamento as informações de demanda de rede; elaborar desenhos técnicos e ilustrativos; efetuar levantamento de dados necessários ao detalhamento ou atualizações de desenhos; arquivar desenhos diversos. Posteriormente, como grafista, intitulação adotada pela reclamada, o enquadramento funcional do autor passou a ser o de técnico administrativo. E, como tal, deveria, a teor do documento de f. 114: elaborar aplicações do sistema de comunicação de dados a serem obtidos junto ao fornecedor de serviços; analisar a proposta de fornecedor, estudar e pesquisar logotipos, marcas, cores e diagramação a fim de definir a estruturação e o grafismo do serviço; elaborar projeto artístico e gráfico da aplicação, criando telas, preparando simulações dos serviços e apresentando aos fornecedores para aprovação; definir aplicação final de serviços, efetuando revisão do projeto elaborado; atualizar dados das telas para os fornecedores de serviços que utilizam o banco de dados da TELEMIG; criar marcas e convites para eventos da empresa, propondo maneiras de uso; contatar com gráficas, solicitar-lhes orçamentos, negociando preços, prazos e qualidade dos trabalhos; acompanhar e participar da execução da arte final impressa em cartazes, folhetos e outros materiais relativos à divulgação dos eventos; acompanhar mercado de artes gráficas, participando de eventos, solicitando revistas e livros; desenhar formulários, gráficos, mapas e cronogramas; montar galeria de arte, distribuindo espaço físico, selecionando artistas e obras.

E, enquanto para a função de desenhista era exigido o 2º grau completo, e, se possível, com outros requisitos - requisitos “desejáveis” conforme denominado pela reclamada - tais como cursos relativos ao cargo, conforme previsto no PDRH e seis meses de experiência; para a função de grafista elevava-se o nível de prérequisitos, adicionando àqueles formação em Curso de Comunicação Visual, além dos requisitos “desejáveis”, quais sejam, cursos relativos ao cargo previsto no PDRH, com experiência de cinco anos em cargos afins, f. 114. Os documentos coligidos pela reclamada noticiam que o reclamante foi contratado para a execução de atividades majoritariamente técnicas, conforme se constata dos documentos de f. 112/114, que especificam, uma a uma, as suas funções. Em sentido convergente, o laudo pericial, f. 327/329. Constato, pois, que as atividades de grafista exigiam maior aptidão técnica que as de desenhista, mas não implicavam, por si só, o exercício de atividades de ilustração de cartões de telefone. Isto porque, acaso demonstrada alteração objetiva substancial do contrato de trabalho, no caso em comento, especificamente quanto às funções do autor, que supostamente passara a desenvolver atividades que contam com tutela legal especial, sob a égide da Lei de Direitos Autorais, devese ater aos limites inicialmente contratados, que acarretariam na remuneração das demais atividades nos termos da Lei n. 9.279/96. II.3.b) Dos elementos essenciais do contrato de trabalho / Dos elementos essenciais do exercício das atividades previstas pelas Leis n. 5.772/71 e 9.279/96

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Ao revés do alegado pela reclamada, admitido o reclamante em 1978, as partes nada dispuseram acerca da propriedade intelectual, gênero a que integram os direitos autorais, bem como as propriedades industriais, tais direito marcário e direito patentário. O fato é evidenciado pelo contrato coligido pela reclamada, f. 110/111. Ao assim proceder, a reclamada arcou com o risco de se ver obrigada a remunerar em apartado eventuais direitos intelectuais, eis que já por ocasião da admissão do autor, ocorrida nos idos de 1978, o ordenamento jurídico pátrio já contava com a Lei n. 5.988, de 1973, que então regulamentava o trabalho intelectual e o direito autoral, posteriormente revogada pela Lei n. 9.610/98. Portanto, ao contrário do alegado pela reclamada, o conteúdo do contrato de trabalho não contemplou a matéria em exame, tampouco estabeleceu que eventuais criações procedidas pelo reclamante, na qualidade de empregado, pertenceriam à reclamada, então empregadora. E, ainda a rechaçar a tese empresária, não se trata aqui de se examinar a propriedade industrial, esta regulamentada pela Lei n. 9.279/96, Diploma Legal invocado pelo ré, porquanto restrito às marcas, patentes modelos de utilidade e invenções, que não integram o objeto da demanda, embora integrem, ao lado dos direitos autorais, espécie da qual o trabalho intelectual é gênero. II.3.c) Das funções executadas a partir de 1990 Divergem as partes sobre o enquadramento e tutela jurídicos atribuídos ao trabalho executado pelo

reclamante, nas ilustrações nos cartões magnéticos, utilizados pelo usuário em aparelhos públicos de telefonia. Conforme registrado no item II.3.a, o reclamante, ao ser admitido, executava junto ao setor de patrimônio atividades meramente técnicas, em cujo rol não se inseria a ilustração de ampla divulgação externa. Aliás, ao invocar a prescrição, a própria reclamada reconheceu que a remessa dos autos pela Justiça Comum a esta Especializada decorreu da ampliação da competência advinda da nova ordem constitucional estabelecida pela EC n. 45/2004. Vale dizer, a matéria em debate, embora tangencie o contrato de trabalho, não se encontra regulamentada neste instrumento, inserindo-se nesse compasso à legislação civil mediante norma especial. A corroborar este entendimento, a reclamada reconheceu, ainda, que somente na década de 90, ou seja, decorridos 14 anos da admissão do reclamante, passou a emitir cartões que substituíram as antigas moedas para o uso dos aparelhos públicos de telefonia. Forçoso reconhecer, pois, que tais ilustrações não se inseriam no rol das atividades do reclamante. Inequívoca a alteração objetiva do contrato de trabalho do autor, até porque decorrente do avanço tecnológico superveniente à sua admissão, foi designada perícia a fim de se averiguar a natureza das tarefas assumidas pelo reclamante em 1990. Isto porque as partes não divergem quanto à atividade de ilustração executada pelo reclamante nos cartões telefônicos, mas sim quanto aos efeitos das respectivas ilustrações, bem como condições e peculiaridades. A prova técnica - f. 158/168, 288/ 290 e 304/329 - cujo laudo e

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esclarecimentos acolho in totum evidenciou as tarefas, e condições de trabalho do autor, bem como a estrutura interna da reclamada, bem assim a prova oral. De início, constato que tanto o “Regulamento para utilização do cartão indutivo em telefone de uso público do STFC”, f. 132/136, quanto o Anexo à Resolução n. 327, de 13 de dezembro de 2002, Regulamento para Certificação do Cartão Indutivo - f. 246/262 estabelecem diretrizes para a fabricação, comercialização e utilização dos cartões. Mas em momento algum sobressaem exigências quanto às ilustrações propriamente ditas. As diretrizes se restringem aos aspectos formais para confecção - material, medidas, padronização, qualidade e dados afins - bem assim à respectiva comercialização. Assim é que os dados obrigatórios, a serem grafados, consistiam, em suma, na identificação das concessionárias emissoras, certificado da ANATEL, e outros registros obrigatórios, tendo a sua qualidade estabelecida em um patamar mínimo. E ainda desta forma, tais normas sequer sugerem a adoração de ilustrações ou desenhos, mormente a ponto da utilização perpetrada pela reclamada. Ao optar por veicular ilustrações em seus cartões, a reclamada os utilizou também como espaço para comunicação de idéias, estabelecendo calendário extremamente vinculado a datas comemorativas, eventos, serviços e afins. A título de citação, cito as séries Zoodíaco, Olimpíadas, Descobrimento que divulgam produtos e serviços da reclamada, conforme também registrado na prova técnica, f. 160.

A prova técnica também constatou que as áreas destinadas às ilustrações poderiam e foram comercializadas pela reclamada a terceiros, como mídia, conforme se verifica dos documentos de f. 143/144, onde consta a divulgação de produtos dos mais diversos setores - alimentícios a beleza e cuidados pessoais - no próprio cartão, f. 161, 289. Por outro lado, ao contrário do alegado pela reclamada, a ANATEL não estabelecia o número de tiragem, determinando às empresas de telefonia tão-somente que mantivessem abastecidos os respectivos mercados com os cartões, em se tratando também de utilidade pública, f. 263. Também a divergir da tese empresária, não se constatou em seus custos, f. 229, pagamento a título de royalties. Verifico, desta forma, que a reclamada agregou valor econômico aos cartões, deles se valendo, ora para divulgar produtos de terceiros, a quem vendeu espaço para mídia, ora para promover os seus próprios produtos. Nesta última circunstância, conforme mencionado pela i. expert, à f. 162: A construção de imagem da empresa se realiza através das diversas ações de comunicação e pontos de contato com o público. Considerando o cartão como um dos pontos de contato com o público ou mídia para comunicação de uma idéia, o uso de imagens exclusivas contribui para o processo de construção de imagem da empresa, de forma particular. Desta forma é que, com nova tecnologia, a reclamada cultivou uma nova demanda - não apenas ao vender

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o espaço a terceiros como mídia em seus cartões - mas como ao utilizar as ilustrações neles estampadas para criar e firmar a sua imagem junto ao mercado de consumidores, diante da livre concorrência, cada dia maior no ramo de telefonia, fato público e notório. E tanto esse apelo consumista vingou que deu espaço até mesmo à cartofilia e ao colecionismo, o que também contribuiu para agregar valor pecuniário aos cartões de telefone público. Afastada, portanto, a tese empresária quanto à tiragem quantitativamente certa pela ANATEL, tanto maior ocorrida quanto maior o interesse econômico exclusivamente da reclamada. Para tanto, promovia eventos, modificava os temas, ora em comemoração a questões nacionais, ora a datas festivas, e assim por diante. E conforme já frisado, como o advento do cartão telefônico ocorreu 14 anos após a admissão do autor, por óbvio o seu contrato de trabalho não estabelecera a ilustração neste tipo de material. Mas a circunstância de maior relevância nesse contexto, a nosso entender, é que, a partir dos cartões telefônicos, as atividades do reclamante foram alteradas, e até então eminentemente técnicas - conforme já exposto no item II.3.a desta decisão passaram ao âmbito artístico, expressamente reconhecido no laudo pericial. E, ao assumir estas atividades, o reclamante passou majoritariamente ao trabalho intelectual veiculado pela reclamada a seu livre alvitre. Em sentido convergente, o depoimento convincente e preciso da testemunha HELENIZE CARVALHO CHAVES PENIDO, f. 349/351, que inicialmente prestou serviços, por

intermédio da FUNDEP, para a antiga TELEMIG, sucedida pela reclamada em meados de 1999, quando da privatização daquela. A Srª HELENIZE noticiou o trabalho com o reclamante por todo o seu próprio pacto laboral, originariamente no setor intitulado “Comunicação com o Mercado”, reformulado em 2000, em virtude da reclamada ter assumido o controle acionário da TELEMIG, subdividindo-o em “Comunicação com o Mercado Varejo” e em “Comunicação com o Mercado Empresarial”, do qual a depoente passou a ocupar cargo de chefia, sendo a superior hierárquica imediata do reclamante. Asseverou que a ilustração não se inseria no rol das atividades do reclamante, atuante na Comunicação com o Mercado Empresarial, muito embora o autor executasse tais atividades, em virtude do seu dom artístico nesta área, sem prejuízo de ao seu lado atuarem outras agências de comunicação também no mesmo segmento. No que tange ao depoimento do Sr. ROBELMAM JOSÉ ALVES, f. 351/ 352, admitido pela TELEMIG em 01.04.76 e dispensado pela reclamada em set./03, quando o depoente trabalhava no setor de informações para segurança pública, o relato se apresentou frágil quanto aos fatos noticiados especificamente envolvendo o reclamante. Isto porque o Sr. ROBELMAM foi claro em elucidar não manter contato diário com o reclamante, até porque o depoente coordenava as atividades de 100 empregados, aproximadamente. Em seu relato, até mesmo pelos tempos remotos noticiados, não soube informar quando o reclamante passara a trabalhar no Centro Multimídia, setor este que não existia formalmente no organograma da reclamada, embora fosse conhecido sob

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tal intitulação por todos os empregados. E, embora tenha noticiado atividades executadas pelo reclamante como divulgação no âmbito interno da reclamada, o relato se volveu ao período anterior ao implemento dos cartões telefônicos. Em síntese, o depoimento somente se revelou preciso para demonstrar que a reclamada, além de contar com o reclamante como ilustrador, também contratava outras empresas para tais atividades. Diante da alteração objetiva perpetrada pela reclamada nas atividades do reclamante, que passou a ilustrar os cartões telefônicos nos moldes detalhados no laudo pericial, desenhos estes que detinham características pessoais do autor, f. 158/ 268, 288/290, e 304/329, e conforme relatado pela testemunha HELENIZE CARVALHO CHAVES PENIDO, f. 349/ 351, agregando-lhes, ainda, maior valor no mercado de consumo, aplicável a norma especial, insculpida na Lei n. 9.279/96, já afastada por se tratar de propriedade industrial . A faticidade constatada atrai o disposto na Lei n. 9.610/98, arts. 5º, inciso VI, e 7º. Afasto, por derradeiro, a tese empresária de que a obra do autor é de domínio público pelo só fato de ser utilizada em serviços de telefonia, da qual a reclamada, embora cessionária, é empresa privada, e, como tal, equiparase a qualquer contratante, inclusive para elaboração de obras artísticas. Ademais, para o domínio público, são pressupostos a morte do artista e o decurso dos setenta anos, a contar do primeiro dia do ano seguinte ao falecimento, o que sequer reflete a faticidade, fato incontroverso. À ausência de instrumento firmado entre as partes, no qual o reclamante teria cedido gratuitamente

os seus direitos autorais à reclamada e acaso existente, de eficácia incerta em face do princípio da irrenunciabilidade que rege o Direito do Trabalho aplicável o disposto no art. 50 da Lei n. 9.610/98, que permite concluir ser devido o direito autoral vindicado nas obras em que o reclamante atuou, sem prejuízo dos salários auferidos que remuneravam apenas o restante de suas tarefas, conforme evidenciado pela prova oral, e não contempladas por esta lei especial. II.3.d) Do valor devido a título de direito autoral No que tange à diretriz para cálculo da parcela epigrafada, a prova técnica constatou que as ilustrações, via de regra, são objeto prévio de encomenda, ocasião em que os contratantes ajustam os preços, variáveis de acordo com a notoriedade do artista, dentre outros fatos e circunstâncias, f. 266. Especificamente no âmbito publicitário de ilustração de cartões, verificou o valor médio de R$400,00 a R$700,00 por ilustração finalizada, considerando uma aplicação pelo período de dez meses, f. 266. Relatou a expert que o fato de as ilustrações do autor já terem sido objeto de premiação lhe confere maior valor no mercado, f. 290, pelo que acolho o valor de R$700,00, patamar indicado no laudo pericial, considerando que os prêmios auferidos pelo autor em seu mister contribuíram para a valorização da sua arte. No que tange ao percentual, acolho aquele indicado na inicial, diante do princípio da razoabilidade, mormente em se considerando que a alíquota usualmente adotada nos contratos de edição, fato público e notório, além de

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confirmado no laudo pericial, varia de 8% a 10% do valor do produto final. Por conseguinte, defiro ao reclamante o pagamento de 3,5% a incidirem sobre R$700,00 por ilustração, a incidirem sobre todas as unidades das tiragens junto às quais procedeu à ilustração, conforme elencado no laudo pericial à f. 232, observada a prescrição nos moldes acolhidos. II.4 - Dano moral O reclamante anunciou ter sido obstado a assinar a sua obra, cuja autoria chegou a ser imputada ao Centro de Multimídia TELEMAR, setor que sequer existe, consistindo apenas em uma denominação criada pela ré para que se lhe pudesse atribuir algumas criações gráficas, em detrimento da autoria e divulgação do nome do reclamante. Invocou a omissão e negligência da reclamada, sequer o informando de premiações auferidas por suas ilustrações, embora divulgadas inclusive em jornais internos sem, contudo, apontá-lo como criador, sendo certo que também outras revistas - tais como Revista RTB - Telecartofilia do Brasil - se referiram ao seu trabalho sem, contudo, identificá-lo como o ilustrador, diante do expediente utilizado pela reclamada, chegando a apresentar o Sr. MARCÍLIO LOBÃO para falar acerca da coleção do autor. Postulou indenização por dano moral, nos termos da Lei dos Direitos Autorais. A reclamada aduziu que, embora alegue desconhecer o Centro Multimídia da TELEMAR, era este o setor em que o reclamante trabalhava, chefiado pelo Sr. DÁRIO, ao lado de outros colegas, tais como Srs. BRÉSCIA, LOBÃO e um terceiro. Uma vez que cabia ao Centro a arte final das ilustrações dos cartões telefônicos, inclusive os desenhos

executados pelo autor, a sua existência não pode ser negada. No verso dos cartões cuja ilustração coube ao autor, consta o seu nome, dando-se ampla publicidade ao seu trabalho e autoria; ainda que assim não fosse, dano algum sofreu o reclamante. No que tange ao dano moral pelo suposto anonimato quanto à autoria do trabalho efetivamente executado pelo reclamante na ilustração dos cartões, razão não assiste ao demandante. Isto porque o verso dos documentos coligidos pelas partes evidencia a autoria, apontando o reclamante como responsável pela ilustração, restando observado o disposto no art. 12 da Lei n. 9.610/98. No que tange à menção do Centro Multimídia da TELEMAR, a i. perita concluiu que se referia à arte final das ilustrações procedidas pelo reclamante, em nada comprometendo a identificação do artista. Por derradeiro, quanto à suposta omissão da reclamada em lhe informar os eventos nos quais as suas ilustrações eram exibidas e junto aos quais concorriam a premiações, a própria inicial relatou que as respectivas datas eram veiculadas, ao menos, no jornal interno para os empregados, dentre os quais, à toda evidência, incluise o autor, circunstância esta que afasta a omissão alegada. Ademais, outras mídias veiculam eventos desta natureza, fato público e notório, o que facultava ao autor comparecer ou não na amostragem, exposição e/ou premiação, acaso se interessasse. Não omitida a autoria das ilustrações e/ou eventos de premiação ou exibição, não constato os danos alegados, a teor do disposto no art. 22 da Lei n. 9.610/98 e art. 186 do CCb. O pedido é improcedente.

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II.5 - Má-fé A reclamada alegou que o reclamante litiga de má-fé ao negar a existência do Centro Multimídia da TELEMAR, bem assim ao postular o dano moral. Rejeito, eis que não vislumbro conduta maliciosa, ilegal ou desleal (art. 17 do CPC) a caracterizar a alegação empresária. II.6 - Honorários advocatícios Devidos os honorários advocatícios, em se tratando de demanda cujos pleitos não se restringem às cláusulas do contrato de trabalho, a teor da Emenda Constitucional n. 45 que atribuiu nova redação ao art. 114 da CRFB. Arbitro a verba honorária em 20% da condenação, nos termos do art. 20 do CPC e art. 5º da Instrução Normativa n. 27/2005 do Col. TST, pela reclamada. II.7 - Honorários periciais Em face da sucumbência da reclamada quanto ao objeto da perícia, arcará com os honorários periciais devidos, Súmula n. 236 do Col. TST. Diante do vasto material coligido aos autos pela i. expert, suas diligências, da qualidade técnica e complexidade do laudo pericial, e, ainda, considerando o valor indicado à f. 159, arbitro a verba honorária em R$10.000,00, da qual deve ser deduzido o valor antecipado pela reclamada, f. 356, em face do relatado à f. 348 e requerido à f. 354, conforme registrado à f. 352. A verba honorária deverá ser atualizada de acordo com o critério fixado no art. 1º da Lei n. 6.899/81, a

teor do entendimento consubstanciado na OJ da SDI-I n. 198 do C. TST, excluindo-se, contudo, a incidência dos juros de mora. II.8 - Imposto de renda e contribuições previdenciárias Autorizados os descontos concernentes às contribuições previdenciárias e de imposto de renda, nos termos dos Provimentos n. 01/93, 01/96 e 02/93, da Colenda Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e da legislação vigente. II.9 - Correção monetária e juros A correção monetária deverá incidir somente a partir do primeiro dia imediato ao vencimento da obrigação, quando se torna devida a sua satisfação, ou seja, a partir do quinto dia útil do mês subseqüente do qual se originou a parcela. Inteligência da OJ n. 124 da SDI-I do Colendo TST. Os juros incidirão a partir da data do ajuizamento da ação, observandose a Súmula n. 200 do TST. II.10 - Dos catálogos sob a guarda da Secretaria Determino à Secretaria da Vara que proceda à juntada aos autos dos catálogos telefônicos que acompanharam o laudo pericial, conforme certificado à f. 209/verso, e que se encontram sob a guarda deste juízo, a fim de também exame pela instância ad quem. III - CONCLUSÃO À guisa do exposto, declaro prescrito o direito de ação referente aos

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valores e parcelas das ilustrações procedidas nos cartões elaborados até 07 de setembro de 1999; e julgo procedentes em parte os pedidos formulados por GIOVANI SAMARINO em face de TELEMAR NORTE LESTE S/A, para condenar a reclamada a pagar ao reclamante, até quarenta e oito horas após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos e fundamentos já expendidos, que passam a integrar este dispositivo: 3,5% a incidirem sobre R$700,00 por ilustração, a incidirem sobre todas as unidades das tiragens junto às quais procedeu à ilustração, conforme elencado no laudo pericial à f. 232, observada a prescrição nos moldes acolhidos. Devidos os honorários advocatícios, em se tratando de demanda cujos pleitos não se restringem às cláusulas do contrato de trabalho, a teor da Emenda Constitucional n. 45 que atribuiu nova redação ao art. 114 da CRFB, os quais arbitro em 20% da condenação, nos termos do art. 20 do CPC e art. 5º da Instrução Normativa n. 27/2005 do Col. TST, pela reclamada. Diante do vasto material coligido aos autos pela i. expert, suas diligências, da qualidade técnica e

complexidade do laudo pericial, e, ainda, considerando o valor indicado à f. 159, arbitro a verba honorária em R$10.000,00, da qual deve ser deduzido o valor antecipado pela reclamada, f. 356, em face do relatado à f. 348 e requerido à f. 354, conforme registrado à f. 352. A verba honorária deverá ser atualizada de acordo com o critério fixado no artigo 1º da Lei n. 6.899/81, a teor do entendimento consubstanciado na OJ da SDI-I n. 198 do C. TST, excluindo-se, contudo, a incidência dos juros de mora. As parcelas deferidas serão apuradas em liquidação de sentença, observadas as diretrizes estabelecidas nesta decisão, bem assim a prescrição acolhida. Determino à Secretaria da Vara que proceda à juntada aos autos dos catálogos telefônicos que acompanharam o laudo pericial, conforme certificado à f. 209/verso, e que se encontram sob a guarda deste juízo. Custas pela reclamada, no importe de R$4.000,00, calculadas sobre R$80.000,00, valor arbitrado à condenação. Cientes as partes. Nada mais.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 00340-2006-036-03-00-8 Data: 21.09.2006 DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA - MG Juiz Substituto: Dr. TARCÍSIO CORRÊA DE BRITO No dia 21 do mês de setembro do ano de 2006, às 14h, o Juízo da SEGUNDA VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA, MG, em sua sede, pela lavra do MM. Juiz do Trabalho Substituto, TARCÍSIO CORRÊA DE BRITO, na AÇÃO TRABALHISTA movida por AURELIO MATTOS DA SILVA em face de CONCRETA SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA LTDA. e MAXITEL S.A., proferiu a seguinte DECISÃO: Apregoadas as partes, ausentes. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.621-667, jul./dez.2006

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1 - DO RELATÓRIO Nos termos do artigo 852-I da CLT, tratando-se de procedimento sumaríssimo, o juízo encontra-se dispensado da elaboração do relatório, passando diretamente aos fundamentos. 2 - DOS FUNDAMENTOS Da preliminar Da ilegitimidade passiva ad causam da segunda reclamada Articula a segunda reclamada, em preliminar, requerimento de extinção do processo, sem julgamento do mérito, com base no disposto no inciso VI do artigo 267 do CPC, por ausência das condições da ação. Não há falar-se em pedido juridicamente impossível que quer significar, não a ausência de previsão legal a amparar o direito alegado pela parte, mas, sim, a existência no ordenamento jurídico de veto expresso a esse tipo de pedido. Pela análise dos pedidos articulados na exordial, observa-se que os mesmos encontramse embasados seja em lei (ordenamento jurídico trabalhista) ou em convenção/acordo coletivo. O interesse de agir “provém da necessidade de a parte obter um pronunciamento jurisdicional a respeito da res in iudicio deducta [...] e emana da utilidade que o decreto jurisdicional proporciona ao autor, com ser dotado de eficácia para solver o conflito de interesses” (TEIXEIRA FILHO, in A sentença no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1994, p. 174). Satisfez, pois, o autor o disposto no artigo 3º do CPC c/c artigo 8º da CLT. Igualmente, não há falar-se em ilegitimidade ad causam, essa condição

dizendo respeito ao titular do direito material deduzido na causa (res in iudicio deducta), referindo-se Liebman à pertinência da ação àquele que a propõe e em confronto com a outra parte (L’azione nella teoria Del processo civile - Problemi Del processo civile, Napoli:Morano, 1942, p. 46). Trata-se, pois, de empregado que ajuíza a ação em face de sua empregadora e de “potencial” responsável subsidiário cujos limites confundem-se com o mérito, in casu, a definição quanto ao cabimento do disposto no artigo 2º e §§ da CLT. Rejeito, portanto, a preliminar argüida pela segunda reclamada. Do mérito Das horas extras - Intervalo intrajornada - Não concessão Jornada 12 x 36 - Ajuste em norma coletiva - Medida de ordem pública Indisponibilidade absoluta Pleiteia o reclamante, por aplicação do disposto na OJ n. 307 da SDI-I do TST, a condenação da reclamada no pagamento de 1 hora de intervalo diária, com adicional convencional e reflexos legais, pela declaração de ineficácia da cláusula convencional, em virtude da ausência de sua concessão. Anteriormente à edição da Orientação Jurisprudencial n. 342 da SDI-I do TST, a jurisprudência dos tribunais regionais disciplinava que os acordos e as convenções coletivas legitimamente firmados pelas representações sindicais haviam de ser reconhecidos e fielmente observados, por força do inciso XXVI do artigo 7º da CF/88, ainda que eventualmente menos favoráveis ao trabalhador que o disposto em lei.

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Demais disso, aduziam que interpretar de maneira diversa o que foi livremente pactuado pelas partes ou ignorar o que foi assim estipulado, além de implicar violência ao disposto no aludido preceito constitucional, seria a própria negação das prerrogativas sindicais insculpidas nos incisos III e VI do artigo 8º da Carta Política. Com a publicação da OJ n. 342 da SDI-I do TST, não mais prevalece esse entendimento, senão vejamos. Uma das principais funções de uma lei constitucional, como acentua Gomes Canotilho, continua a ser a de revelação normativa do consenso fundamental de uma comunidade política relativamente a princípios, valores e ideais directrizes que servem de padrões de conduta política e jurídica nessa comunidade.1 Sua função garantística também não pode ser esquecida. A constitucionalização dos direitos e das liberdades fundamentais determinou sua positivação jurídica imediata, assumindo a Constituição um status de lei superior limitadora do poder. Enquanto ordem fundamental do Estado “conforma juridicamente a instituição social de natureza global”2, aspirando à natureza de norma das normas, pois é ela que fixa o valor, a força e a eficácia das demais normas do ordenamento jurídico. A Constituição é o resultado de sua interpretação cujo conteúdo semântico demandará ser reiteradamente desvelado pelo novo intérprete do Direito. Em sua tarefa, deverá ele realizar o princípio da interpretação das leis em conformidade com o Texto Constitucional, quando 1 2

CANOTILHO, 2000:1376. CANOTILHO, 2000:1379.

no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve darse preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição.3 Para Lênio Streck, em seu Hermenêutica jurídica e(m) crise - uma exploração hermenêutica da construção do direito (São Paulo: Livraria do Advogado, 2001), a Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas, representando o “topos” hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema jurídico. A partir da noção de “garantismo jurídico” desenvolvida pelo italiano Luigi Ferrajoli, o professor gaúcho procura reafirmar a responsabilidade ética do ator do direito, como forma de construção das condições de possibilidade para o resgate das promessas da modernidade, determinando a passagem da substancialidade (formalidade) à materialidade. Objetivase, primordialmente, reinterpretar as normas integrantes do ordenamento jurídico em sentido constitucional. Desse modo, a noção de Constituição que se pretende preservar, nesta quadra da história, é aquela que contenha uma força normativa capaz de assegurar o núcleo de modernidade tardia não cumprida que consubstancia nos fins do Estado estabelecidos no artigo 3º da Constituição. O atendimento a esses fins sociais e econômicos é condição de possibilidade da própria inserção do Estado Nacional na seara da pós-modernidade globalizante.4

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CANOTILHO, 2000:1189. STRECK, 2002:117.

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Ora. O princípio da dignidade da pessoa humana5 é adotado pelo Texto Constitucional, segundo Eros Roberto Grau, em seu A ordem econômica na Constituição de 1988 (São Paulo: Malheiros, 1998), concomitantemente como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III) e como fim da ordem econômica (caput do artigo 170 da CF/88), constituindo, enquanto princípio, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos humanos. Ao seu lado, outro fundamento do Estado Democrático de Direito é a valorização do trabalho (artigo 1º, inciso IV): Valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho consubstanciam cláusulas principiológicas que, a par de afirmarem a compatibilização conciliação e composição (entre capital e trabalho), portam em si evidentes potencialidades transformadoras. Em sua interação com os demais princípios contemplados no texto constitucional, expressam prevalência dos valores do trabalho na conformação da ordem econômica - prevalência que José Afonso da Silva reporta como prioridade sobre os demais valores da economia de mercado. Poderão, contudo, e aí o temor de Raul Machado Horta - se tanto induzido pela força do regime político, reproduzir atos, efetivos, suas potencialidades transformadoras. (p. 220-1 - Eros Grau) 5

Tanto pode ser considerado como princípio político constitucionalmente conformador (artigo 1º da CF/88 - Canotilho) ou como princípio constitucional impositivo (artigo 170 da CF/88 - Canotilho).

Importante, ainda, mencionar o artigo 193 da Constituição Federal de 1988 (o primado do trabalho como base da ordem social, objetivando o bemestar e a justiça sociais) bem assim os artigos 196 a 200 (DA SAÚDE). A saúde (reconhecida como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que objetivem reduzir riscos de doenças e outros agravos, com acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação - artigo 196 da CF/88), a segurança e a higiene do trabalho foram incorporadas no capítulo dos direitos sociais, incisos XXII e XXIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988. E é nesse sentido que se posiciona a jurisprudência que fundamentou a edição da Orientação Jurisprudencial n. 342 da SDI-I do TST em comento, contra violação de direito revestido de indisponibilidade absoluta, resguardando o interesse público com cláusula de irrenunciabilidade e com cominação de nulidade dos atos que atentem a tais exigências, nos termos dos artigos 9º e 444 da CLT. Até esse ponto, não prospera a alegação da primeira reclamada de possibilidade de flexibilização nessa matéria, nem mesmo o requerimento de observância da dita OJ apenas a partir de sua publicação. A orientação jurisprudencial e a súmula não são normas jurídicas vinculadas ao princípio da publicidade e da restrição, não entrando em vigor a partir daí. Na verdade, representam a consolidação da jurisprudência dominante e reiterada sobre o tema. O entendimento quanto à nulidade da cláusula convencional emana de hermenêutica constitucional aplicável à espécie. Para o Ministro João Oreste Dalazen (AIRR 1737/2003-028-03-41,

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1ª Turma, DJ:10.06.2005), “O intervalo mínimo intrajornada constitui medida de higiene, saúde e segurança do empregado, não apenas garantida por norma legal imperativa (CLT, artigo 71), como também tutelada constitucionalmente [...] comando de ordem pública, é inderrogável pelas partes e infenso mesmo à negociação coletiva”. Para que fosse possível, o limite mínimo para repouso e alimentação só poderia ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho (CLT, artigo 71, § 3º). É o mesmo que dizer que a flexibilização das condições de trabalho só tem lugar em matéria de salário e de jornada de labor, ainda assim, desde que isso importe uma contrapartida em favor da categoria profissional. Com o mesmo fundamento, o Ministro Rider de Brito (RR 60869/2002900-02-00, 5ª Turma, DJ: 06.02.04) acrescentou que As parcelas imantadas por uma tutela de interesse público são insusceptíveis de redução, sob pena de atentar contra a dignidade da pessoa humana e a valorização (social) mínima deferível ao trabalhador prevista nos artigos 1º, III e 170, caput, da Constituição Federal/88. E, ainda, (RR 2012/1998-071-1500, 5ª Turma, DJ: 06.02.2004): As normas coletivas não podem retirar do patrimônio jurídico do trabalhador qualquer direito a ele assegurado pela legislação trabalhista. As únicas exceções admitidas a essa regra, conforme a jurisprudência pacífica do STF sobre o tema, são aquelas expressamente previstas na

própria Constituição Federal, quais sejam: possibilidade de redução do salário por meio de convenção ou acordo coletivo (artigo 7º, VI) e ampliação da jornada de seis horas do trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, por meio de negociação coletiva (artigo 7º, XIV). Demais disso, impõe-se a interpretação restritiva da faculdade prevista no artigo 71 da CLT, em sua parte final, atentando-se para a condição imposta em seu parágrafo terceiro. Como assevera o Ministro Lélio Bentes (ERR 569.304/1999.1, SDI-I, DJU: 25.06.2004): É certo que os acordos e convenções coletivas constituem manifestação da vontade entre as categorias profissional e econômica e refletem o interesse maior da coletividade por eles abrangida, não podendo os interesses individuais se sobrepor aos interesses da maioria. Existem, todavia, direitos assegurados, inclusive constitucionalmente, que, em face de sua natureza e finalidade, se sobrepõem ao convencionado entre as partes. Uma cláusula de acordo ou convenção coletiva não pode ser considerada isoladamente, porque, embora a norma, no seu todo, estabeleça melhores condições de trabalho aos empregados, na transação, não se pode abrir mão de direito irrenunciável. Destaque-se que, nesse caso, não há desrespeito a uma conquista alcançada pelos empregadores e trabalhadores nos limites da flexibilização do Direito do Trabalho - que serve

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para compatibilizar o capital e o trabalho, principalmente quando as condições de trabalho são peculiares e demandam tratamento especial para sua melhor adequação mas, sim, a observância de um direito indisponível do trabalhador, pois visa a resguardar sua higidez física e mental. Os Ministros Carlos Alberto Reis de Paula (ERR 6394/2002-900-02-00, SBDI-I, DJU:21.11.2003) e José Luciano de Castilho Pereira (ERR 452564/ 1998.2, SBDI-I, DJU:06.06.2003), mesmo antes da edição da OJ 342 da SDI-I do TST, posicionavam-se, respectivamente, no sentido da ineficácia da supressão do intervalo para alimentação e repouso, “por estar relacionada à medicina e segurança do trabalho, estando fora da esfera negocial, opondo-se ao princípio da autonomia”, sendo que “nem a mudança do artigo 618 da CLT está endereçada à permissão de negociação coletiva como a presente”. A jurisprudência do TST (OJ n. 31 da SDC) é no sentido de que não é possível a prevalência de norma coletiva sobre a legislação vigente, quando aquela é menos benéfica do que a própria lei, porquanto o caráter imperativo desta última restringe o campo de atuação da vontade das partes. É a aplicação, diga-se, do princípio do conteúdo (patamar) mínimo civilizatório que deve prevalecer tanto na heteronomia quanto na autonomia negocial. O § 8º da cláusula 16ª da CCT/ 2005 afasta expressamente a aplicação do disposto no artigo 71 e §§ da CLT, f. 78-81, inovando na matéria, visto que as CCTs 2004 (f. 98-117) e 2003 (f. 82-97) não trazem disposição similar. Se, a

princípio, os controles de ponto acostados aos autos (f. 50; 64-77 e 127140) trazem a pré-assinalação do horário de intervalo, como se tivesse sido gozado, a confissão provocada (arts. 348-350 do CPC c/c artigo 769 da CLT) há de prevalecer o depoimento, à f. 16 dos autos, do preposto da primeira reclamada que afirmou que o reclamante trabalhava ininterruptamente de 7 as 19 horas, sem ausentar-se do local da prestação de serviços. Pois, considerando como nulo o parágrafo oitavo da cláusula 16ª da CCT/2005 e as disposições das CCTs de 2003 e 2004 quanto à não aplicação do artigo 71 e §§ da CLT, defiro ao obreiro o pagamento de 1 (uma) hora de intervalo para alimentação e descanso com adicional legal e reflexos em aviso prévio; décimo terceiro salário proporcional e integral; férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional; RSRs; FGTS acrescido da multa de 40%. Na liquidação da sentença deverão ser observados os valores liquidados na peça de ingresso, por seus limites expressos. Os controles de ponto acostados aos autos deverão ser utilizados para a apuração da freqüência efetiva. No caso de inexistência dos mesmos, a freqüência será considerada como sendo integral. Do adicional de insalubridade - Radiações não ionizantes - Ausência de laudo de inspeção - Princípio da precaução em ERBs (Estações Rádio Base) Sem especificar o agente insalubre, o autor alega em sua peça de resistência que laborou exposto a essas condições sem receber o adicional devido incidente sobre o salário profissional.

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Seguindo-se a impugnação da reclamada, foram acostados aos autos laudo do assistente técnico (f. 213-217); laudo emprestado (f. 226-235) e laudo oficial (f. 238-247). O laudo do assistente técnico da reclamada converge no laudo oficial quanto à descrição sumária das atividades diárias do reclamante, quais sejam: fazer a vigilância ao redor da torre de telefonia da segunda reclamada, permanecendo na parte interna desse ambiente, como demonstram as fotos à f. 245 dos autos. Para efeito da norma NR-15, Anexo 07 da Portaria n. 3.214/78, as radiações não ionizantes são as microondas, ultravioleta e laser, sendo que as atividades que exponham os trabalhadores a radiações dessa natureza, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres, em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho. Ao que se observa, as atividades do autor eram desenvolvidas habitualmente dentro de uma instalação de transmissão em microondas do sistema de telefonia celular, sendo que a NR em comento define que a avaliação da exposição a tais radiações seja feita de forma qualitativa, não estabelecendo limites de tolerância e/ ou parâmetros quantitativos para a avaliação dos níveis de exposição. Qualquer exposição às radiações ionizantes, portanto, é considerada nociva à saúde, ou seja, a aferição é quanto ao risco potencial e não exclusivamente ao risco real. Todavia, equivoca-se, d.m.v., o assistente técnico da reclamada quando afirma que deva ser utilizada, na avaliação dos limites de tolerância, a norma americana da ACGIH. Os estudos sobre os efeitos da radiofreqüência no corpo humano e a

definição dos índices aceitáveis para as torres e aparelhos celulares ainda são incipientes no Brasil. A única medida preventiva que se tem notícia é uma portaria baixada pela ANATEL em dezembro/99, que recomenda a adoção dos limites em vigor na Europa, mencionados na publicação “Guidelines for Limiting Exposure to Time-Varying Electric, Magnetic, and Electromagnetic Fields” (Health Physics, v. 74, n. 4, p. 494-522, 1998). Estudiosos concordam apenas que cada pessoa pode suportar a radiação que varia entre 9 e 40 volts/ metro. Acima de 40 v/m todos concordam que é prejudicial à saúde. Na publicação Environmental Health Perspectives, v. 112, n. 17, dezembro 2004, p. 142, assim se explicita: Mobile phone base stations are low-powered radio transmitters that communicate with users’ handsets. [...] Base stations can transmit power levels of e” 100 W. [...] te total power density from the base stations was slightly higher than, but comparable with, the background power density from all other RF (radiofrequency fields - defined as 100 kHz to 300 GHz) sources combined. Nesse sentido, considera-se a potência de radiação das torres (em média) como sendo: Torres de TV - de 1 watt a 50 mil watts; Torres de FM - de 1 watt a 30 mil watts; Torres de celular - de 20 mil watts a 50 mil watts. Portanto, pelo relatório da Ouvidoria da ANATEL, no Brasil, em

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julho de 1999, a Agência adotou como referência provisória os limites propostos pela ICNIRP (International Comission on Non-Ionizing Radiation Protection 6 ), para o controle das emissões de radiofreqüência provenientes de estações transmissoras de serviços de telecomunicações. Em 02 de julho de 2002, a ANATEL publicou a Resolução n. 303 que trata do Regulamento sobre Limitação da Exposição a Campos Elétricos, Magnéticos e Eletromagnéticos na faixa de radiofreqüências entre 9KHz e 300 GHz, mantendo os limites propostos pela ICNIRP. Ainda, em se considerando o citado relatório, percebe-se ainda que a problemática da irradiação de ondas eletromagnéticas por ERBs (Estações Rádio Base) está intimamente associada à questão da saúde ocupacional e da saúde ambiental. A exposição excessiva a campos eletromagnéticos pode ocasionar, segundo afirmam os pesquisadores, graves danos ao tecido biológico humano, originando doenças e comprometendo a saúde tanto da população quanto, em especial, a saúde dos trabalhadores.

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A ICNIRP é uma organização não governamental reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, pela Organização Internacional do Trabalho e pela União Européia. É o sucessor do Comitê Internacional da Radiação NãoIonizante (INIRC) da Associação Internacional para a Proteção da Radiação (IRPA) desde 1992. Seu objetivo é monitorar contínua e periodicamente as revisões críticas da literatura concernente às características físicas e fontes das radiações não-ionizantes e seus possíveis efeitos biológicos e adversos à saúde, propondo regras de padronização internacional.

No aspecto de proteção ao meio ambiente, é imprescindível recorrer ao Texto Constitucional. O artigo 225 da Constituição Federal dispõe: Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O trabalhador, no desempenho de suas atividades laborais, está sujeito a inúmeros acontecimentos capazes de provocar acidentes e/ou enfermidades. O ambiente interno e externo da organização precisa ser capaz de proporcionar uma convivência sadia àqueles que formam a biosfera operacional. A segurança do trabalhador começa na conscientização de que é fundamental o respeito a determinadas normas de conduta funcional, geradoras do bem-estar de todos. Trata-se, portanto, da disseminação de procedimentos e informações com competência suficiente a alavancar o quadro funcional no sentido de assumir determinados comportamentos, embasados na conscientização em massa, no questionamento, na vigilância e na formulação de propostas de minimização e/ou extinção dos elementos responsáveis pela incidência de doenças e acidentes. A higiene do trabalho representa a personificação deste primeiro estágio na busca da saúde ocupacional. Sua conceituação a indica como a aplicação de determinadas normas, em muitos casos coercitivas. A adoção desse procedimento objetiva propiciar a

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sanidade física e mental dos trabalhadores, prevenindo-os acerca dos cuidados essenciais à prevenção de acidentes e do comportamento mais racional na profilaxia de certas doenças causadas pela ação de agentes nocivos presentes no local do trabalho. Já a segurança do trabalho constitui-se na aplicação de políticas de caráter educacional no intuito de se reduzir e/ ou eliminar a incidência de acidentes, bem como na estipulação de medidas preventivas e/ou corretivas diante da existência de suas variáveis causais. A noção de meio ambiente de trabalho deve ser apreendida como o conjunto de fatores físicos, biológicos, psíquicos, climáticos ou qualquer outro que, interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho, enquadrando-se no disposto na Lei n. 7.347/85 e artigos 200 e 225 da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Diversas convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) procuram resguardá-lo, destacando-se, em caráter geral, as Convenções n. 115; 136; 139; 148; 152; 155; 159; 161; 162; 167; 170; 171; 174; 176 e 183. Já a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata da segurança e saúde do trabalhador no art.154 e seguintes do Título II, Capítulo V e no Título III (Normas Especiais de Tutela do Trabalho, além das Portarias do Ministério do Trabalho e a Lei Orgânica da Saúde Lei n. 8.080/90, Capítulos III e IV). Hoje, a relação entre o sujeito e o ambiente do trabalho é incluída nas leis e planos ambientais e o Direito Ambiental, na busca da proteção da saúde e da vida, passa a incorporar textos sobre segurança, saúde no trabalho, legislação acidentária e leis de seguridade social, relativizados pelas crises financeiras, automação, informatização e desemprego crescente.

Guilherme José P. Figueiredo adverte que, quanto ao conceito de meio ambiente que na Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, em sua definição engloba não apenas a noção de biota mas também se releva o seu aspecto cultural, pelo meio ambiente construído e pelo meio ambiente do trabalho. 7 Reconhecendo a utilização de expressões como milieu du travail e ambiente di lavoro tem-se que a denominação meio ambiente de trabalho possui suficiente intensidade significante, englobando tanto a idéia de local de trabalho quanto outras expressões de natureza similar. Seu alcance significativo já se encontra incorporado no ordenamento jurídico internacional, na Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho sobre segurança e saúde dos trabalhadores de 1981, e na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 200, inciso VIII. A Convenção n. 155 da OIT foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto n. 1.254, de 29 de setembro de 1994, entrando em vigor no Brasil em 18 de maio de 1993. Há previsão de três áreas de ação para a salvaguarda da segurança e saúde laborais: aplicação e definições (artigos 1º a 3º); nível nacional (artigos 8º a 15); nível da empresa (artigos 16 a 21), bem assim a definição de um princípio de política nacional (artigos 4º a 7º). A Convenção é aplicável a todas as áreas de atividade econômica, incluindo-se a Administração Pública, considerando como local de trabalho como âmbito espacial de aplicação de seus 7

O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as formas. FIGUEIREDO, 2000:41.

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dispositivos “como abrangendo todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam sob controle, direto ou indireto, do empregador” (artigo 3º, letra “c”). O termo saúde é definido como “com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho”. A adoção de uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho deve considerar, segundo a Convenção: a prevenção e redução periódica e permanente ao mínimo dos riscos físicos e psicológicos inerentes ao meio ambiente do trabalho, bem assim o controle e manutenção dos componentes materiais de trabalho, em sua correlação com os executores e supervisores, garantindo-lhes o treinamento complementar necessário (artigos 4º e 5º). A política de ação nacional deverá considerar, ainda, a determinação da natureza e grau de risco; a proibição ou limitação de processos produtivos, que passam a sujeitar-se à autorização; adoção de novos procedimentos para a declaração de acidentes do trabalho e de doenças profissionais; a realização de sindicâncias e, ainda, a publicização das informações. O processo de conscientização dos integrantes da relação capital-trabalho está previsto (artigo 12), inclusive o jus resistentiae do empregado, no caso de interrupção de uma situação de trabalho que considerar, por motivos razoáveis, envolver perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde (artigo 13). A responsabilização da empresa nesse processo encontra-se evidenciada

nos artigos 16 a 21 (planos de ação e procedimentos a serem observados no meio ambiente de trabalho) inclusive quanto à inexistência de ônus financeiro para os trabalhadores com relação ao custo das medidas de segurança e higiene do trabalho. Por certo, a idéia de meio ambiente de trabalho está centralizada na pessoa do trabalhador e no desenvolvimento de sua atividade laboral, sendo tutelado enquanto complexo de fatores em intensa interação com a saúde física e psíquica do trabalhador. Em seu universo conceitual evidenciam-se: complexo máquina-trabalho (Amauri Mascaro Nascimento); habitat no qual se obtém o necessário para a sobrevivência e o desenvolvimento em equilíbrio com o ecossistema (Rodolfo Mancuso); local salubre e ausência de agentes comprometedores da incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores. Assim resume Norma Sueli Padilha: A valorização do meio ambiente de trabalho implica uma mudança de postura ética, ou seja, a consideração de que o homem está à frente dos meios de produção. O meio ambiente do trabalho deve garantir o exercício da atividade produtiva do indivíduo, não considerado como máquina produtora de bens e serviços, mas sim como ser humano ao qual são asseguradas bases dignas para manutenção de uma sadia qualidade de vida. As interações do homem com o meio ambiente, no qual se dá a implementação de uma atividade produtiva, não podem, por si só, comprometer esse direito albergado constitucionalmente.

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identification, assessment and control of hazardous factors at the workplace and generation of competent and effective actions to ensure a healthy work environment and healthy workers. Such activity cannot out with primary health care competence alone; specialized occupational health competence and knowledge of the real needs (e. g. knowledge on industrial and other chemicals, physical factors at work, ergonomics, safety, work psychology, occupational medicine) of the life are needed.

O direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado constitui, em sua inserção na geração de direitos humanos, um direito de terceira geração, essencialmente difuso, transindividual, de natureza indivisível. O que anseia o homem pós-moderno não é a saúde em sentido estrito, mas qualidade de vida no trabalho em busca de sua dignificação. Esse é o mesmo espírito da Resolução 49.12 da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 1996 quando afirma que, para os indivíduos, a medicina do trabalho e o meio de trabalho são essenciais, aprovando, em nível mundial, uma estratégia para a saúde no trabalho com os seguintes objetivos: Renforcer les politiques internationales et nationales en faveur de la santé au travail; créer des milieux de travail sains, adopter des méthodes de travail saines et promouvoir la santé au travail; renforcer les services des médecine du travail; mettre en place des services de soutien appropriés pour la médecine du travail; élaborer des normes d’hygiène du travail sur la base d’une évaluation scientifique des risques; développer les ressources humaines; mettre au point des systèmes d’enregistrement et de collecte des données; intensifier la recherche. A Declaration on occupational health for all, aprovada em 1994 no segundo encontro dos centros regionais de saúde ocupacional da OMS, estabelece que: Occupational health is a preventive activity aiming at

Por esse fundamento, estabeleceu a CF/88 um forte vínculo entre o direito à saúde e os valores ambientais. É sob esse fundamento que o Relatório da ANATEL menciona que se impõe ao poder público o dever de estabelecer medidas preventivas em face do Princípio da Precaução (PP), cuja base conceitual é a “certeza da incerteza8”:

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Princípio da Precaução (PP) é uma diretriz que se generaliza no mundo da ciência aplicada, onde as relações, cada vez mais, exprimem-se em termos de “riscos” ao invés de “causas”. Isto porque, enquanto o risco se configura por relações probabilísticas, o cálculo da probabilidade por si mesmo é apenas capaz de dimensionar a incerteza, mas não de excluí-la. Há sempre algo em todo fenômeno que não se pode medir, pois é desconhecido. Logo, como proceder cientificamente em relação ao que se ignora? Agir com “prudência”, ou com “virtude” é a resposta que se dispõe. O “Princípio da Precaução” é, em síntese, a relação entre esse agir virtuoso e a natureza do conhecimento científico sempre incompleto.

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No caso específico das ERBs a própria Ouvidoria da ANATEL sugere: a) Adotar o Princípio da Precaução para a regulamentação dos limites à exposição da população e dos trabalhadores a radiações eletromagnéticas, assimilando o conceito de que a “saúde é o estado de completo bemestar físico, moral e social e não só ausência de doenças ou defeitos físicos”. b) Dar todo o apoio e fazer o que for possível para incentivar a pesquisa idônea, independente e isenta sobre o tema. c) Fazer uma reavaliação da Resolução n. 303, objetivando precisar os limites dessa norma, utilizando como base os estudos e ensaios preliminares já realizados com a participação do MS e MTE, evitando, assim, que a referida Resolução continue a ser utilizada indevidamente como “remédio para todos os males”. d) Determinar a obrigatoriedade da fixação de placas informativas em todas as ERBs, onde se possa identificar suas características técnicas e dados relativos ao licenciamento. Deve-se incluir nessas placas informação clara sobre os limites obrigatórios de proximidade e permanência para a preservação da saúde pública e ocupacional. e) Recomendar a não fixação de ERBs nas proximidades de hospitais, creches, escolas e similares.

Por certo, as reclamadas não apresentaram ao expert os resultados do laudo de inspeção que poderiam demonstrar que o sistema de transmissão não acarretava a exposição do autor à radiação não ionizante, não se adequando sua conduta, pois, ao disposto na NR-9. Aliás, pelo contrário, consta expressamente do laudo oficial que: Durante a diligência o Assistente Técnico da Primeira Reclamada, na presença e concordância do representante e preposto da primeira reclamada, afirmou ao Perito que acompanhou a realização de avaliações em locais semelhantes ao periciado, onde existem antenas de telefonia celular (Estação Radio Base) com trabalhos desenvolvidos por vigilantes da Primeira Reclamada, apurando a presença de radiações não ionizantes na base das antenas. Observe-se que as reclamadas não cumpriram a determinação de f. 219 quanto à juntada aos autos do levantamento ambiental realizado no local de trabalho do obreiro quanto à apuração de radiações não ionizantes na base da antena onde o obreiro laborou. Entendo, pois, que a reclamada não satisfez o seu ônus de colaboração, desinteressando-se pela prova pericial, nos termos do inciso II do artigo 333 do CPC c/c artigo 769 da CLT. Condeno, pois, a reclamada a pagar ao reclamante, no período contratual: adicional de insalubridade, em grau médio, observada a Súmula n. 17 do TST, com reflexos em aviso prévio, férias integrais e proporcionais

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acrescidas do terço constitucional, FGTS + 40%, décimo terceiro salário integral e proporcional, RSR. Arbitro os honorários periciais em R$1.200,00, pelas reclamadas. Da responsabilidade subsidiária da segunda reclamada Em tudo aplicável o disposto na Súmula n. 331 do TST, tendo em vista o contrato de prestação de serviços de f. 31-41, por patente a culpa in eligendo (má escolha da prestadora de serviços) e in vigilando (ausência de fiscalização e de adoção do Princípio da Precaução quanto ao labor obreiro) da segunda reclamada. A atitude negligente da segunda reclamada, pelo que restou demonstrado no tópico do adicional de insalubridade, uma das dimensões da culpa, é evidente. Da expedição de ofícios Com o trânsito em julgado da sentença, expeçam-se ofícios à Superintendência Regional do INSS, à CEF e à DRT, como de praxe, para providências. Da correção monetária e juros legais Incide o disposto na Súmula n. 381 do TST. Juros incidem sobre o principal corrigido monetariamente nos termos do enunciado de Súmula n. 200 do TST, a partir da data do ajuizamento da ação. Das contribuições previdenciárias e de imposto de renda A Emenda Constitucional n. 45/ 2004 e as OJs n. 32 e 228 da SDI-I do TST são no sentido de que a Justiça do

Trabalho é competente para determinar os descontos de imposto de renda e de contribuição previdenciária, devendo ser efetuados, na forma dos Provimentos n. 1/1996 e 3/2005 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Incide, pois, o disposto nos Provimentos n. 1/96 e 3/05 do TST, devendo o reclamado comprovar, no prazo legal, os recolhimentos previdenciários e de imposto de renda, sob pena de execução imediata, inclusive, considerando a legislação ordinária aplicável à espécie, por seu período de vigência e pressupostos. Têm natureza indenizatória: reflexos de horas extras e de adicional de insalubridade em aviso prévio; férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional e FGTS acrescido da multa de 40%. Os cálculos a título de imposto de renda seguirão as diretrizes traçadas pela lei aplicável à espécie e na época da liquidação dos débitos, incidindo a tributação sobre as parcelas incluídas nos pagamentos típicos do trabalho assalariado, tudo nos termos das leis disciplinadoras da matéria (IN/SRF 02/ 93, Ato Declaratório Normativo n. 16/76 e Instrução Normativa n. 02/93 - art. 14 da Lei n. 7.713/88, Leis n. 8.212/91, 8.541/92 e 8.620/93). 3 - DA CONCLUSÃO Pelo exposto, rejeitando-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, DECIDE, no mérito, o Juízo da SEGUNDA VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA, MG, julgar PROCEDENTE, EM PARTE, nos termos e nos limites dos fundamentos que integram o presente dispositivo para todos os fins, a ação ajuizada por AURELIO MATTOS DA SILVA em face do reclamado CONCRETA SERVIÇOS

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DE VIGILÂNCIA LTDA. e MAXITEL S.A., nos autos do Processo n. 00340-2006036-03-00-8, para condenar o primeiro, como devedor principal, e o segundo, como responsável subsidiário, a pagarem, com juros e correção monetária, observadas as deduções legais cabíveis, as seguintes parcelas, por todo o período contratual: a) 1 (uma) hora de intervalo para alimentação e descanso com adicional legal e reflexos em aviso prévio; décimo terceiro salário proporcional e integral; férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional; RSRs; FGTS acrescido da multa de 40%; b) adicional de insalubridade, em grau médio, observada a Súmula n. 17 do TST, com reflexos em aviso prévio, férias integrais e proporcionais acrescidas do terço constitucional, FGTS + 40%, 13º salário integral e proporcional, RSR. Arbitro os honorários periciais em R$1.200,00, pelas reclamadas. Não há falar-se em honorários advocatícios, pois não satisfeitos os pressupostos das OJs n. 304 e 305 da SDI-I do TST. Com o trânsito em julgado da sentença, expeçam-se ofícios à Superintendência Regional do INSS, à CEF e à DRT, como de praxe, para providências. Incide o disposto na Súmula n. 381 do TST. Juros incidem sobre o principal corrigido monetariamente nos termos do enunciado de Súmula n. 200 do TST, a partir da data do ajuizamento da ação.

A Emenda Constitucional n. 45/ 2004 e as OJs n. 32 e 228 da SDI do TST são no sentido de que a Justiça do Trabalho é competente para determinar os descontos de imposto de renda e de contribuição previdenciária, devendo ser efetuados, na forma dos Provimentos n. 1/1996 e 3/2005 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. Incide, pois, o disposto nos Provimentos n. 1/96 e 3/05 do TST, devendo o reclamado comprovar, no prazo legal, os recolhimentos previdenciários e de imposto de renda, sob pena de execução imediata, inclusive, considerando a legislação ordinária aplicável à espécie, por seu período de vigência e pressupostos. Têm natureza indenizatória: reflexos de horas extras e de adicional de insalubridade em aviso prévio; férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço constitucional e FGTS acrescido da multa de 40%. Os cálculos a título de imposto de renda seguirão as diretrizes traçadas pela lei aplicável à espécie e na época da liquidação dos débitos, incidindo a tributação sobre as parcelas incluídas nos pagamentos típicos do trabalho assalariado, tudo nos termos das leis disciplinadoras da matéria (IN/SRF 02/ 93, Ato Declaratório Normativo n. 16/76 e Instrução Normativa n. 02/93 - art. 14 da Lei n. 7.713/88, Leis n. 8.212/91, 8.541/92 e 8.620/93). Custas, pelas reclamadas, no importe de R$120,00 (cento e vinte reais), calculadas sobre R$6.000,00 (seis mil reais), valor arbitrado à condenação. Cientes as partes, nos termos da ata de f. 250. Nada mais. Encerrou-se.

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ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 575/06 Data: 09.10.2006 DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE VARGINHA - MG Juíza Presidente: Drª LAUDENICY MOREIRA DE ABREU Aos 09 dias do mês de outubro do ano 2006, às 15h46min, na sala de audiência desta 2ª Vara do Trabalho de Varginha-MG, na titularidade a Juíza do Trabalho Drª LAUDENICY MOREIRA DE ABREU, foram apregoados os litigantes: MARIA CRISTINA PORTO MIGUEZ, reclamante; e UNIMED VARGINHA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, reclamada. Ausentes. Passa esta Vara do Trabalho a proferir a seguinte SENTENÇA. I - RELATÓRIO MARIA CRISTINA PORTO MIGUEZ ajuizou reclamação trabalhista em face de UNIMED VARGINHA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, alegando, em síntese, o seguinte: foi admitida em 26.05.97 e despedida em 01.08.05; sua CTPS era anotada com a função de assessora de Comunicação Social, mas sempre exerceu a função de jornalista; recebia, na ocasião do desligamento, R$3.363,19 ao mês; trabalhava de 8h as 18h30min, com 02 horas de intervalo; quando trabalhava além desse horário, tinha as respectivas horas compensadas, nada lhe sendo devido a esse título; nos termos do art. 303 da CLT, tem direito à jornada de 05 horas diárias, não compensando ou recebendo as horas excedentes, que restam devidas, com os adicionais convencionais e reflexo nas parcelas trabalhistas. Formulou as postulações mencionadas no pedido. Atribuiu à causa o valor de R$185.537,72. Juntou documentos, declaração de pobreza e procuração (f. 257). Regularmente notificada, a reclamada apresentou defesa escrita. Argüiu prescrição, contestou os pedidos

e pediu a improcedência da reclamação. Juntou documentos e procuração (f. 612). Manifestação da reclamante (f. 614/623). Colhidos os depoimentos de 03 testemunhas. Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual. Razões finais orais. Conciliação proposta e rejeitada. Conclusos para julgamento. II - FUNDAMENTOS Oportunamente argüida, acolhese a prejudicial de prescrição, declarando prescritas e, portanto, inexigíveis, as parcelas postuladas e porventura devidas no período contratual anterior a 04.07.01, uma vez proposta a reclamação em 04.07.06, a teor do disposto no inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal. A reclamante pleiteou pagamento de horas extras e reflexos, ao argumento de que, embora a CTPS tenha sido anotada com a função de assessora de Comunicação Social, exercia a de jornalista, sem que fosse obedecida a jornada de 05 horas diárias a que alude o art. 303 da CLT. Asseverou que era a jornalista responsável pelos jornais, informativos e notas editados e

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divulgados pela reclamada, possui registro profissional, é sindicalizada e contribuiu para entidade sindical representante dos jornalistas e efetivamente exerceu atividades e funções de jornalista. A reclamada, em defesa, admitiu o trabalho no horário declinado na inicial, mas contestou o pedido, ao fundamento de que as funções da reclamante não se enquadravam naquelas previstas no Decreto-lei n. 972/69 para o profissional do jornalismo e, ainda, os fatos de ser graduada em Jornalismo e de constar de suas várias atividades como sendo a jornalista responsável não atraem o enquadramento, prevalecendo a primazia da realidade. Acrescentou que a reclamante se beneficiou das vantagens previstas nas convenções coletivas por ela praticadas, sendo ilegítima a pretensão de buscar o que lhe é mais conveniente nas convenções coletivas aplicáveis à categoria dos jornalistas. Examinada a lide e elementos probatórios, o juízo se convence de que a razão está com a reclamante. Incontroverso que é graduada em Jornalismo, possui registro profissional de jornalista e trabalhava de 8h as 18h30min, com 02 horas de intervalo, de segunda a sexta-feira. A única divergência prende-se ao enquadramento e conseqüente jornada aplicável na espécie. A Seção XI do Capítulo I do Título III da CLT traz normas sobre a duração do trabalho dos jornalistas, fixando como sendo de 05 horas diárias a jornada desses profissionais, a teor do art. 303. Para tanto, no seu art. 302, define o profissional jornalista e empresas jornalísticas como sendo “...jornalista o trabalhador intelectual cuja função se estende desde a busca

de informações até a redação de notícias e artigos e à organização, orientação e direção desse trabalho” e “...empresas jornalísticas, para os fins desta Seção, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário, e, ainda, a radiodifusão em suas seções destinadas à transmissão de notícias e comentários”. O Decreto n. 83.284/79 dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. Seu art. 2º especifica as atividades caracterizadoras da profissão de jornalista. E o art. 3º, § 2º, equipara à empresa jornalística “A entidade pública ou privada não jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa...”, estabelecendo que a entidade “...está obrigada ao cumprimento deste decreto, relativamente aos jornalistas que contratar”. Com efeito, a jornada especial de 05 horas diárias é aplicável não só aos jornalistas de empresas jornalísticas, como também àqueles contratados por entidades não jornalísticas que editam publicação destinada à circulação externa. A reclamada não é empresa jornalística, tratando-se de cooperativa de médicos para prestação de serviços de assistência médica, conforme art. 2º do seu Estatuto Social (f. 282). Cumpre verificar se se enquadra, ou não, na hipótese do § 1º do art. 3º do Decreto n. 83.284/79 quanto à manutenção da atividade de edição de publicação destinada à circulação externa, bem como se as tarefas desempenhadas pela reclamante se inseriam na definição do § 1º do art. 302 da CLT e art. 2º desse Decreto. A reclamante asseverou sobre a edição de publicações pela reclamada

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e impugnou os registros funcionais, alegando que não exercia a função de assessora de Comunicação Social, e sim de jornalista. Ao alegar fatos constitutivos do direito postulado e contrários à presunção de verdade emergente do registro na CTPS, atraiu para si o ônus da prova, a teor do art. 818 da CLT. Desse ônus se desincumbiu. É incontroverso que a reclamada mantinha, como mantém, a atividade de edição de publicações, como jornais ou boletins periódicos, informativos e notas (f. 112/132). Tais publicações destinavam-se à divulgação interna e externa. Os depoimentos testemunhais são coerentes nesse sentido, tendo a testemunha Amanda Favaro Sarto esclarecido que o jornal do cooperado era de divulgação interna e o jornal do cliente, de divulgação externa (f. 624/ 626). Os documentos juntados com a petição inicial provam divulgação de publicações também na rede internet, inclusive de textos escritos pela reclamante (f. 107/111 e 120/123). Induvidoso que as atividades desempenhadas pela reclamante são inseridas naquelas caracterizadoras da profissão de jornalista. A testemunha Márcia Cristina Santana da Silva, empregada da reclamada entre 2002 e abril/06, estudante de Jornalismo, declarou que a reclamante era a responsável pelo jornal, sendo que realizava entrevistas, redigia matérias, cuidava da separação e triagem de notícias referentes ao seguimento médico local, regional e nacional e executava todas as atividades que diziam respeito ao jornal. Afirmou que a função de um assessor de Comunicação Social consiste na intermediação da empresa com a mídia e não pode assinar ou responsabilizarse por um jornal (f. 624/625).

A testemunha Sueli Geralda Arantes declarou que a reclamante “...era a jornalista da recda., sendo que tinha de entrevistar e realizar tudo para confecção do jornal”(f. 625). Igualmente depôs Amanda Favaro Sarto. Afirmou que “a recte. era a pessoa responsável pelo jornal da recda.; na profissão do jornalista, responsabilizar-se por um jornal consiste em selecionar informações relevantes para elaboração do jornal, redigir matérias, produção de matérias, entrevistar e fazer apurações; na elaboração do jornal da recda., a recte. colhia matérias elaboradas por pessoas que trabalhavam na UNIMED (por exemplo médicos e colaboradores), redigia outras matérias e colhia determinadas matérias na internet e as publicava no jornal mediante autorização de quem as redigiu e indicação da fonte...; ... no período da recte., era ela a pessoa quem realizava as entrevistas e redigia a matéria...” (f. 625/626). Essa testemunha acrescentou que, nos 07 últimos meses do contrato da reclamante, trabalhou no setor, acompanhando e auxiliando nas tarefas e, com a demissão dessa, assumiu a função. Daí, é intuitivo que atuou no setor em referido período, a mando da reclamada, com o propósito de receber da reclamante ensino e treinamento a respeito das atividades, considerando que a designação de outra jornalista - a testemunha - para o trabalho com salário bem inferior já era decisão da reclamada. Esses depoimentos, aliados aos documentos que acompanham a inicial (f. 107/132), não deixam dúvidas de que a reclamante executava as atividades da profissão de jornalista, previstas no Decreto n. 83.284/79, no art. 2º, incisos I (redação, condensação, titulação,

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interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário), II (comentário ou crônica, por meio de quaisquer veículos de comunicação), III (entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falada), V (planejamento, organização e administração técnica dos serviços do inciso I), VI (ensino de técnicas de jornalismo) e VII (coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação). Veja-se que a reclamante era conhecida e atuava como sendo a jornalista da reclamada. Seu nome constava das publicações como a jornalista responsável e quem redigia textos divulgados, sendo certo que era assim conhecida pelos empregados da reclamada e na sociedade local (f. 106/ 187). Nesse contexto, a reclamada enquadra-se na hipótese do § 2º do art. 3º do Decreto n. 83.284/79 e, contratando a reclamante para exercício da profissão de jornalista, está obrigada ao cumprimento da legislação especial, inclusive sobre a duração do trabalho. Impõe-se a incidência do princípio da primazia da realidade fática, basilar do Direito do Trabalho. Embora a CTPS esteja anotada com a função de assessora de Comunicação Social, as atividades não se limitavam à intermediação da reclamada com a mídia ou à atuação como relações públicas, como alegado na defesa, sendo evidente sua condição de jornalista. Certo que também executava outras atividades, de forma secundária, como organização de projetos sociais e culturais, divulgação de acontecimentos relacionados com a reclamada, criação de materiais publicitários e promocionais, apoio à diretoria nos eventos, avaliação de

solicitação a patrocinadores de eventos, além do controle de verba destinada ao marketing, nos termos dos documentos juntados aos autos com a defesa e depoimentos testemunhais (f. 346/424 e 624/626). Porém, suas principais atividades eram voltadas para as publicidades da reclamada, de modo que prevalecem em relação às demais. A reclamante tem direito à jornada de 05 horas diárias, de modo que prestava 03 horas e 30 minutos extras diários, de segunda a sexta-feira. O pedido tem procedência, devendo a reclamada lhe pagar tais horas extras, a se apurar em liquidação, observando: os dias efetivamente trabalhados, com exclusão dos feriados e dias santos, não trabalhados; a evolução salarial mês a mês; a teor da Súmula n. 264 do TST, a base de cálculo como sendo o somatório das parcelas salariais, quais sejam, salário normal e anuênio; o divisor 150; o adicional de 50%. Sendo habituais, as horas extras refletem no repouso remunerado (domingos e feriados), aviso prévio indenizado, 13º salários integrais, proporcional e indenizado, nas férias integrais e proporcionais com adicional de 1/3 e no FGTS com multa de 40%. A reclamante cumpria jornada de 08 horas e 30 minutos diários entre segunda e sexta-feira para compensar o trabalho nos sábados. O sábado era considerado dia útil não trabalhado, não se tratando de dia de repouso. Daí, não há direito ao reflexo das horas extras no sábado, cujo pedido é improcedente. Não obstante a reclamante integrar categoria profissional especial e diferenciada, cuja profissão está regulamentada por legislação específica, não se aplicam, na espécie, as convenções coletivas firmadas pelo Sindicato das Empresas Proprietárias de

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Jornais e Revistas de Belo Horizonte e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, nas quais baseia o pedido de adicional de horas extras. Isso porque o enquadramento sindical do empregado faz-se em vista da atividade preponderante da empregadora, o que se aplica mesmo quando a função do empregado integrar categoria diferenciada, considerando que a empregadora não está obrigada a obedecer normas coletivas para cuja elaboração não participou e não foram por si subscritas, diretamente ou por meio da entidade sindical que o representa. Tais normas foram elaboradas e subscritas pelo Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas de Belo Horizonte, ao passo que a reclamada não explora essa atividade ou está representada por essa entidade. Incidência da Súmula n. 374 do TST. Esse entendimento não autoriza a compensação, como pretende a reclamada, das vantagens concedidas com base nas convenções coletivas firmadas pelo Sindicato Nacional das Cooperativas de Serviços de Saúde e o Sindicato Estadual dos Empregados das Cooperativas de Serviços Médicos, como vale-alimentação, assistência médica, participação nos resultados, seguro de vida, anuênio e valetransporte com desconto de 2%. Primeiro, porque as convenções coletivas para a categoria dos jornalistas não se aplicam no caso, como exposto. Segundo, porque as atividades desempenhadas pela reclamante lhe inseriam nessa categoria, fato de conhecimento da reclamada e se, olvidando dessa condição, resolveu conceder vantagens trabalhistas a ela não asseguradas, assim procedeu por mera liberalidade, em sintonia com o art. 444

da CLT, de modo que aderem ao contrato de trabalho. Terceiro, porque cabe compensação de parcelas ou valores pagos nos mesmos títulos daquelas deferidas, o que não é o caso. Não há pedido de verba rescisória, em sentido estrito. Ademais, houve controvérsia válida em relação aos pedidos. Logo, é improcedente o pedido de multa prevista no art. 467 da CLT. Indefere-se o pedido de justiça g r a t u i ta , p o r q u e , a i n d a q u e a reclamante esteja desempregada, a procedência parcial dos pedidos garante-lhe condições para arcar com eventual despesa do processo, não se verificando, pois, o estado de miserabilidade com prejuízo próprio ou da família, nos termos da Lei n. 1.060/50. Nos termos do art. 39 da Lei n. 8.177/91 e Súmula n. 381 do TST, os créditos serão corrigidos monetariamente, com base na TRD acumulada no período entre a data do vencimento da obrigação até o efetivo pagamento, com base no índice do mês subseqüente ao trabalhado, a partir do dia 1º. Os juros de mora, simples, incidirão a contar da data do ajuizamento da reclamação, sobre o valor corrigido, na forma do art. 39 da Lei n. 8.177/91 e Súmula n. 200 do TST. Autoriza-se a retenção dos encargos tributário e previdenciário dos créditos deferidos de natureza salarial (horas extras e reflexos no repouso, 13º salários integrais e proporcional e nas férias concedidas e remuneradas com 1/3, sendo as demais parcelas de natureza indenizatória), eis que decorre de imposição legal, qual seja, o art. 46 da Lei n. 8.541/92 e art. 43 da Lei n. 8.212/91, com alterações da Lei n. 8.620/93 e Decreto n. 3.048/99, sendo procedimento automático a ser

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observado pela empregadora e Secretaria da Vara do Trabalho por ocasião do depósito, a teor do Provimento n. 03/05 da CGJT. A reclamada deverá, no prazo legal, proceder ao recolhimento dessas contribuições e da conta previdenciária que lhe cabe, com comprovação nos autos do cumprimento dessas obrigações, sob as penas da lei. III - CONCLUSÃO Pelo exposto, resolve a 2ª VARA DO TRABALHO DE VARGINHA-MG, na reclamação trabalhista ajuizada por MARIA CRISTINA PORTO MIGUEZ, julgar PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos, para condenar UNIMED VARGINHA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO a lhe pagar, no prazo de 08 dias, no período contratual

imprescrito, a se apurar em liquidação, acrescidos de correção monetária e juros de mora, observados os parâmetros da fundamentação, inclusive prescrição, horas extras e seus reflexos no repouso remunerado (domingos e feriados), aviso prévio indenizado, 13º salários integrais, proporcional e indenizado, nas férias integrais e proporcionais com 1/3 e no FGTS com multa de 40%. Contribuições previdenciária e tributária conforme fundamentação. Oficie-se à DRT. Intime-se o INSS, na forma do art. 879 da CLT. Custas, pela reclamada, no importe de R$2.000,00, calculadas sobre R$100.000,00, valor arbitrado à condenação. INTIMEM-SE. Encerrou-se.

ATA DE AUDIÊNCIA - PROCESSO N. 373/06 Data: 08.08.2006 DECISÃO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE JOÃO MONLEVADE - MG Juiz Presidente: Dr. NEWTON GOMES GODINHO Aos 08 dias do mês de agosto do ano 2006, às 16h45min, realizou-se a audiência, na sede da 2ª Vara do Trabalho de João Monlevade/MG, tendo como Juiz o Dr. NEWTON GOMES GODINHO, para julgamento da ação trabalhista ajuizada por JOÃO JACINTO DE OLIVEIRA em face de MUNICÍPIO DE JOÃO MONLEVADE/MG, relativa a reintegração, no valor de R$10.000,00. Aberta a audiência, de ordem do MM. Juiz, foram apregoadas as partes, ausentes. Vistos, etc. RELATÓRIO JOÃO JACINTO DE OLIVEIRA ajuizou reclamação trabalhista contra o MUNICÍPIO DE JOÃO MONLEVADE, dizendo-se admitido em 02.05.84, na função de trabalhador braçal, e demitido, imotivadamente, em 15.02.06. Sustenta a legalidade de sua contratação,

argumentando que esta se deu sob o manto da Constituição anterior, que não exigia, para o emprego público, a prévia aprovação em concurso. Entende lhe ser aplicável a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição/88, insurgindo-se também contra a ausência de motivação para a dispensa. Invoca, ainda, a garantia de emprego assegurada na Lei

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Orgânica Municipal e em acordo coletivo firmado pelo Município, pretendendo, em síntese, ver-se reintegrado no emprego público de que era detentor. Deu à causa o valor de R$10.000,00, juntou os documentos de f. 7/25 e, às f. 48/52, pediu antecipação da tutela. Defendeu-se o reclamado, às f. 30/32, pugnando pela nulidade do contrato de trabalho do reclamante, porque não antecedido de concurso público. Alega que o reclamante não é detentor de estabilidade e que a dispensa resultou do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com o Ministério Público local. Pediu a improcedência e juntou os documentos de f. 33/42, manifestando-se o autor, às f. 46/52. À f. 55, encerrou-se a instrução, com razões finais orais, tendo resultado sem êxito as tentativas conciliatórias. FUNDAMENTOS “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.” Esta a velha e sábia advertência de Ripert. O reclamante, invocando a condição de empregado público municipal, com mais de vinte anos de serviços prestados ao reclamado, onde ingressou em 02.05.84, na função de trabalhador braçal, pretende ver determinada a sua reintegração no quadro de servidores do Município de João Monlevade, do qual se viu desligado, imotivadamente, em 15.02.06. Bate-se pela necessidade de motivação do ato de dispensa, o que não teria sido observado, sustenta a sua condição de estável e argumenta, em síntese, que a sua relação de trabalho se fez lícita, pois iniciada antes do advento da atual ordem constitucional. Pede, inclusive, a antecipação da tutela.

Em resposta que se vê às f. 30/ 32, o reclamado sustenta a nulidade da contratação, uma vez que processada sem a prévia aprovação em concurso público. Informa que a dispensa decorreu do Termo de Ajustamento de Conduta, firmado com o Ministério Público, cujo descumprimento geraria graves conseqüências para o Município e, pessoalmente, para o próprio Prefeito Municipal. Pretensão e resistência assim se puseram nos autos e, sobre a lide, após prolongada reflexão, passa a manifestar-se o juízo. Registre-se, prima facie, que a aprovação prévia em concurso público, inclusive para a investidura em emprego no âmbito da Administração Pública direta e indireta, é exigência que se fez literalmente inscrita no inciso II do art. 37 da Constituição Federal/88. O reclamante, conforme se extrai incontroversamente dos autos, ingressou no quadro de pessoal do Município em 02.05.84 e, portanto, sob o império da ordem constitucional anterior, em cujo bojo não se fazia presente a salutar exigência a que se aludiu. A contratação, assim, analisada em seu nascedouro, não se fez eivada de irregularidade ou de vícios que possam contaminá-la de nulidade. A admissão foi legítima, na medida em que permitida pelo ordenamento legal vigente à sua época. Em que pese a legalidade da contratação havida, circunstâncias subseqüentes e atuais vieram à tona e, em princípio, estariam a motivar a dispensa do reclamante. É bem verdade, como apregoa a inicial, que os atos administrativos devem ser motivados, mas não é menos verdadeiro, conforme se verá, que essa motivação, ao contrário do que sustenta

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a mesma inicial, está presente nos autos. Apesar do lacônico comunicado de dispensa, à f. 8, é fato comprovado nestes autos e, até mesmo, notório nesta localidade, que o Município celebrou com o Ministério Público Estadual o Termo de Ajustamento de Conduta que se vê às f. 36/42, por meio do qual se obrigou a regularizar, compatibilizando-o com os ditames constitucionais, o seu quadro de servidores, com o conseqüente desligamento dos não concursados. Fincou-se ali, sem dúvida, a motivação do ato que rompeu a relação de emprego. É preciso verificar, entretanto, embora louvável e respeitável o zelo do Ministério Público, se as exigências contidas no termo de conduta são suficientes para justificar a dispensa do reclamante, após tão prolongado tempo de serviço prestado à comunidade em que vive. O autor, contrariamente ao que pretende a inicial, não é, venia permissa, detentor de estabilidade. Admitido em maio/84, não se viu alcançado pela garantia inscrita no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a ele também não se aplicando a estabilidade de que cuida o art. 41 da Lei Maior, cujo manto não se estende ao celetista em geral, mas àqueles admitidos por concurso público. Por outro lado, em se tratando de Administração direta, a garantia de permanência, reservada, em regra, aos detentores de efetividade, não pode ser imposta por simples ajustes individuais ou mesmo por acordos coletivos de trabalho, cuja observância não foi estendida aos servidores públicos. Nem mesmo a Emenda à Lei Orgânica Municipal, na medida em que esta efetivou servidores não concursados, é, para o autor, a bússola que melhor lhe resguardará os caminhos.

As circunstâncias percorridas até então estariam a demonstrar que a controvérsia em exame, se posta, unicamente, sob o crivo do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, mereceria pronta resposta e solução imediata. Mas, se se atentar para o prolongado tempo de serviço do reclamante, se se atentar para o fato de que a contratação, no seu nascedouro, não se apresentou revestida de qualquer ilegalidade e que, portanto, os serviços prestados o foram sob a égide da boa-fé e se encontram resguardados por princípios outros, da mais alta relevância, ver-se-á que a verdadeira e justa solução, na hipótese dos autos, não pode ficar confinada nos limites únicos e rígidos da norma constitucional citada. Aqui, não se pode fazer justiça a seco. A esta altura, é dever do julgador buscar lastro e inspiração em princípios essenciais, que alimentam e sustentam o Direito do Trabalho. Dentre estes, merecem ser lembrados e destacados o princípio da norma mais favorável, o da segurança jurídica, a impor a necessidade de preservação das situações criadas licitamente e consolidadas no tempo e, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, pelo qual se deve resguardar o direito ao trabalho, fonte essencial à existência digna. Afinal, comerás o pão com o suor do teu rosto. Este o Calvário e, a um só tempo, a Redenção. A propósito, o Egrégio TRT/3ª Região, por sua 4ª Turma, apreciou questão semelhante a destes autos e, ao fazê-lo, determinou a reintegração das recorrentes (Proc. 00964-2005-01403-00-7-RO). É sábia e lapidar a decisão ali proferida, como, aliás, sempre se espera da mente lúcida e da pena ilustre do revisor e redator, o Eminente Magistrado e Professor Luiz

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Otávio Linhares Renault, a quem este juiz sempre rendeu e, na oportunidade destes fundamentos, volta a render as suas melhores homenagens. O ilustre Juiz Redator fez transpor para o acórdão, publicado no Minas Gerais de 22.11.05, a lição de Francisco A. da Motta Peixoto Giordani, que se amolda, como luva, à hipótese contemplada nestes autos. Depois de lembrar que “a exigência do concurso público é para moralizar o ingresso e/ ou igualizar as oportunidades de acesso ao serviço público, e não para prejudicar o trabalhador”, ensina Giordani: A partir dessa constatação, não há padecer dúvida que trazer alguém para trabalhar no serviço público, sem que essa pessoa tenha se submetido e tenha sido devidamente aprovada em concurso, usar de seu trabalho, por algum período, não-raro longo, com isso impedindo-a até de tentar se colocar em emprego na iniciativa privada e/ou tentar atuar de maneira autônoma e quem sabe lograr êxito em alguma dessas atividades, firmando-se na vida profissional, e depois, quando talvez a idade já conspire quanto à possibilidade de arriscar uma das opções retromencionadas, tirar-lhe o trabalho, sob a alegação de que irregular sua contratação, por não precedida de concurso público, traduz, inegavelmente, uma agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana - princípio maior, repita-se, da Magna Carta e que não só deve, mas há de nortear a conduta do legislador e também dos operadores do Direito.

As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas, e, justamente por isso, não podem desabar sobre os ombros da pessoa trabalhadora os efeitos da contratação nula, pela falta de aprovação em concurso público, em situações como as neste examinadas. A lição, ora transcrita, colhe por inteiro a situação do reclamante, com certeza ferido e sem rumo, após mais de vinte anos de serviços prestados ao Município reclamado. Há, em Monlevade, uma praça tradicional, a conhecida e sugestiva Praça do Povo, que costuma ser palco das alegrias da cidade. Não é preciso ter olhos de lince para perceber que o reclamante e tantos outros, também atingidos pela mesma medida, não rumarão para a praça que costuma encampar a alegria. Pelo contrário, privados do salário, privados do sal indispensável à existência digna, irão, provavelmente, compor a praça dos inadimplentes, a engrossar a fila dos desempregados, muitos sem vez e voz, sobretudo num país que costuma fechar as portas àqueles que o peso do tempo já não mais permite o saltitar da mocidade. Esta a realidade que o Direito não pode ignorar e que, se bem se atentar, não ignora, na medida em que, repita-se, a questão dos autos não se isola em dispositivo único e, sim, na conjugação do inciso II do art. 37 da Constituição Federal, com princípios igualmente postos na Lex Legum. Em suma, por todas as razões maiores invocadas nestes fundamentos, é procedente a ação proposta, o que determina a reintegração do autor, assegurando-se-lhe todas as condições

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contratuais vigentes à época da dispensa, inclusive salários vencidos e vincendos. Estes autos, pela natureza da controvérsia que neles veio ter, tendem a perambular pelas instâncias superiores. Enquanto isto, vagando por entre as sombras da incerteza, sem emprego e sem salário, o reclamante, com a possível demora de uma decisão final, poderá ser alvo de lesões irreparáveis. Em conseqüência, presentes os requisitos do art. 273 do CPC, defere-se também a pretendida antecipação de tutela, determinando-se que a reintegração se faça de imediato, independentemente do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de multa diária de R$100,00, a favor do reclamante. Concedem-se ao autor, em face da declaração de f. 26, os benefícios da justiça gratuita. CONCLUSÃO Ante o exposto, nos autos da reclamatória trabalhista movida por JOÃO JACINTO DE OLIVEIRA contra MUNICÍPIO DE JOÃO MONLEVADE, julgo procedentes os pedidos, para

condenar o reclamado a reintegrar o reclamante, assegurando a este todas as condições contratuais vigentes na data da dispensa, inclusive salários vencidos e vincendos, determinando, ainda, em face da antecipação de tutela, que a reintegração se faça de imediato, sob pena de multa diária de R$100,00, a favor do autor, tudo nos termos da fundamentação supra, que integra esta decisão. Incidem juros e correção monetária, observando-se, quanto a esta, a Súmula n. 381 do TST. Autorizam-se os descontos legais. Custas, pelo reclamado, no importe de R$500,00, calculadas sobre R$25.000,00, valor arbitrado à condenação, das quais fica isento, nos termos do art. 790-A da CLT. Expeça-se, de imediato, mandado de reintegração. Decorridos os prazos para interposição dos recursos voluntários, subam os autos ao Eg. TRT/3ª Região, ao qual se recorre de ofício. Em face da antecipação da audiência de julgamento, intimem-se as partes. Encerrou-se.

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- ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DAS 1ª E 2ª SEÇÕES ESPECIALIZADAS DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRT DA 3ª REGIÃO - SÚMULAS DO TRT DA 3ª REGIÃO

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ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DA 1ª SEÇÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS (1ª SDI) DO TRT DA 3ª REGIÃO 01 - PREVENÇÃO. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. (Nova redação DJMG 22.08.2006) Para os fins do artigo 253, inciso II, do Código de Processo Civil, considerarse-á prevento o juízo onde se processou a desistência da ação, seu arquivamento ou a extinção do processo sem exame do mérito. PUBLICAÇÃO: DJMG 17.07.2004, 20.07.2004 E 21.07.2004; DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 02 - MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE DINHEIRO OU CRÉDITO. CABIMENTO. (DJMG 22.08.2006) Penhora, bloqueio ou qualquer outro tipo de apreensão judicial de dinheiro ou de crédito é passível de exame por meio de mandado de segurança. PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 03 - MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE DINHEIRO OU CRÉDITO. INDEFERIMENTO DA INICIAL PELO RELATOR. POSSIBILIDADE. (DJMG 22.08.2006) Ainda que verificada penhora, bloqueio ou outro tipo de apreensão judicial de dinheiro ou crédito (OJ n. 02/1ª SDI/TRT da 3ª Região), poderá o relator indeferir, de plano, o processamento do mandado de segurança, caso detectado defeito processual grave ou seja manifestamente incabível o pedido. PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 04 - MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXAME DO MÉRITO. POSSIBILIDADE. (DJMG 22.08.2006) Em face do disposto no art. 8º da Lei n. 1.533/51, pode o juiz relator, no exame da admissibilidade do processamento do mandado de segurança, verificar, além de outros requisitos formais, a existência de direito líquido e certo do impetrante, bem como a existência de ilegalidade do ato impugnado ou de abuso de poder da autoridade impetrada. PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 05 - BEM PENHORADO. REMOÇÃO. POSSIBILIDADE. (DJMG 22.08.2006) Em face do que dispõem os arts. 765 e 878 da CLT, o juiz da execução pode determinar a remoção do bem penhorado, a requerimento do credor, e até mesmo de ofício (CPC, art. 666). PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 06 - SUBSTITUIÇÃO DE BENS PENHORADOS. POSSIBILIDADE. (DJMG 22.08.2006) Em face do que dispõem os arts. 765, 878 e 889 da CLT, e o art. 15, II, da Lei n. 6.830/80, o juiz da execução pode determinar a substituição dos bens indicados à penhora ou penhorados, principalmente por dinheiro, até mesmo de ofício, respeitada, em caso de execução provisória, a restrição quanto à penhora de dinheiro. PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.671-672, jul./dez.2006

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07 - MANDADO DE SEGURANÇA. VALOR DA CAUSA. INALTERABILIDADE. (DJMG 22.08.2006) O valor dado à causa pelo autor não pode sofrer modificação, uma vez que a ação mandamental não se insere na regra contida no art. 259 do CPC, mas, sim, naquela estabelecida no art. 258, porquanto, na maioria das vezes, não tem conteúdo econômico imediato. PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 08 - MANDADO DE SEGURANÇA. BLOQUEIO DE CONTA BANCÁRIA. VALORES RESULTANTES DE SALÁRIO OU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. (DJMG 22.08.2006) Fere direito líquido e certo da pessoa física impetrante a determinação de penhora ou bloqueio de valores existentes em sua conta bancária, quando resultantes de salário ou benefício previdenciário, por lei considerados absolutamente impenhoráveis (incisos IV e VII do artigo 649 do CPC). PUBLICAÇÃO: DJMG 22.08.2006, 23.08.2006, 24.08.2006 ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS DA 2ª SEÇÃO ESPECIALIZADA DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS (2ª SDI) DO TRT DA 3ª REGIÃO 01 - NOTIFICAÇÃO POSTAL. PROVA DO NÃO RECEBIMENTO. Em face da presunção referida na Súmula n. 16/TST, cabe ao destinatário comprovar o não recebimento da notificação postal, ainda que tenha sido remetida sem comprovação do SEED. PUBLICAÇÃO: DJMG 04.05.2007, 05.05.2007 e 08.05.2007 02 - AÇÃO RESCISÓRIA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PROCURAÇÃO SEM ESPECIFICAÇÃO DE PODERES PARA O AJUIZAMENTO DAAÇÃO RESCISÓRIA. JUNTADA DE CÓPIA DA PROCURAÇÃO OUTORGADA PARAA RECLAMATÓRIA. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito, quando o autor, instado a juntar a procuração com poderes específicos para o ajuizamento da ação rescisória, deixa de fazê-lo, remanescendo nos autos, tão-somente, a procuração com poderes para o foro em geral conferida na ação cuja sentença se pretende rescindir. PUBLICAÇÃO: DJMG 04.05.2007, 05.05.2007 e 08.05.2007 03 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. NULIDADE DA SENTENÇA RESCINDENDA POR VÍCIO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. NÃO OCORRÊNCIA. Não padece de nulidade a sentença rescindenda que declara a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar as ações sobre indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho, após a Constituição Federal de 1988, considerando principalmente que a matéria era controvertida. PUBLICAÇÃO: DJMG 04.05.2007, 05.05.2007 e 08.05.2007 04 - AÇÃO RESCISÓRIA. ACORDO hom*oLOGADO. CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO. DESNECESSIDADE. É desnecessária a juntada de certidão de trânsito em julgado, quando se pretende rescindir a própria sentença hom*ologatória do acordo. PUBLICAÇÃO: DJMG 04.05.2007, 05.05.2007 e 08.05.2007 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.671-672, jul./dez.2006

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SÚMULAS DO TRT DA 3ª REGIÃO 1-

CORREÇÃO MONETÁRIA - ÍNDICE - PARCELAS SALARIAIS. (CANCELADA) Aplica-se o índice após o quinto (5º) dia útil do mês seguinte ao trabalhado. Inteligência da Orientação Jurisprudencial n. 124 da Seção de Dissídios Individuais - Subseção I do E. Tribunal Superior do Trabalho. (Res. Adm. n. 199/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 89/2005, 05.08.2005 - DJMG de 11,13 e 17.08.2005)

2-

TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - HORAS EXTRAS. Independe da forma de contratação do salário, as horas trabalhadas, além da 6ª (sexta) diária, no turno ininterrupto de revezamento, devem ser pagas tomando-se o valor do salário-hora, apurado pelo divisor 180 (cento e oitenta) e acrescidas do adicional de horas extras. (Res. Adm. n. 200/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000)

3-

APOSENTADORIA ESPONTÂNEA - EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. (CANCELADA) A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho. Permanecendo o empregado trabalhando forma-se novo contrato, que não se comunica com aquele anterior, extinto pela jubilação. (Res. Adm. n. 201/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 181/2006, 15.12.2006 - DJMG de 20, 21 e 23.12.2006 e 16.01.2007)

4-

HORA NOTURNA REDUZIDA - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. É devida a redução da hora noturna em turnos ininterruptos de revezamento. (Res. Adm. n. 202/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000)

5-

INTERVALO PARA ALIMENTAÇÃO E DESCANSO NÃO GOZADO. O intervalo para alimentação e descanso não concedido, ainda que não tenha havido elastecimento da jornada, deve ser remunerado como trabalho extraordinário, com o adicional de 50% (cinqüenta por cento). Inteligência do art. 71, § 4º da Consolidação das Leis do Trabalho. (Res. Adm. n. 203/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000)

6-

HORAS EXTRAS - COMPENSAÇÃO. É válido o acordo individual para compensação de horas extras, desde que observada a forma escrita. Inteligência do art. 7º, XIII da Constituição da República. (Res. Adm. n. 204/2000/TRT 3ª R./STP, DJMG de 25, 29 e 30.11.2000 e 01.12.2000) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.673-676, jul./dez.2006

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7-

PETROBRÁS - PETROS - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA SALÁRIO CONTRIBUIÇÃO - PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS - PL/DL 1971/82. Não compõe a base de cálculo do salário contribuição, para fins de complementação de aposentadoria devida pela PETROS, a parcela de participação nos lucros que por força do Decreto-lei 1.971, de 30.11.1982 passou a ser paga pela PETROBRÁS, mês a mês, sob a rubrica “PL/DL 1971/82”. (Res. Adm. n. 12/2001/TRT 3ª R./STP, DJMG de 15, 21, 22 e 23.03.2001)

8-

HORAS EXTRAS - MINUTOS - CARTÕES DE PONTO - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 23 DA SEÇÃO DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO E. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO - PROVA EM CONTRÁRIO PELO EMPREGADOR. (CANCELADA) Inaplicável a Orientação Jurisprudencial 23, da Seção de Dissídios Individuais do E. Tribunal Superior do Trabalho, quando o empregador demonstra, por qualquer meio de prova, que o empregado não se encontra trabalhando ou à sua disposição. (Res. Adm. n. 34/2001/TRT 3ª R./STP, DJMG de 10, 11 e 12.04.2001) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 177/2004, 10.12.2004 - DJMG de 16, 17 e 18.12.2004)

9-

MINERAÇÃO MORRO VELHO LTDA. - ACORDO COLETIVO - VALIDADE ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - TEMPO DE EXPOSIÇÃO. Dá-se validade à cláusula do acordo coletivo firmado entre a Mineração Morro Velho Ltda. e a categoria profissional, que limita o pagamento do adicional de periculosidade ao tempo de exposição ao agente perigoso. (Res. Adm. n. 35/2001/TRT 3ª R./STP, DJMG de 10, 11 e 12.04.2001)

10 - TELEMAR - HORAS EXTRAS - BASE DE CÁLCULO - ANUÊNIOS. Para fins de apuração do valor das horas extras, os anuênios pagos pela TELEMAR compõem a base de cálculo do salário hora normal. (Res. Adm. n. 36/2001/TRT 3ª R./STP, DJMG de 10, 11 e 12.04.2001) 11 - TELEMAR - CESTA BÁSICA - NATUREZA INDENIZATÓRIA. Ao custo compartilhado e não fixando a norma coletiva a natureza jurídica da “cesta básica” paga pela Telemar a seus empregados, não detém essa parcela caráter salarial, não se integrando aos salários para nenhum fim legal. (Res. Adm. n. 47/2001/TRT 3ª R./STP, DJMG de 31.05.2001, 01 e 02.06.2001) 12 - RELAÇÃO DE EMPREGO CONTROVERTIDA - APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º DA CLT. Mesmo havendo séria controvérsia sobre a existência de vínculo empregatício e sendo este reconhecido apenas em juízo, aplica-se ao empregador a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias. (Res. Adm. n. 60/2002/TRT 3ª R./STP, DJMG de 16, 17 e 18.05.2002) 13 - HONORÁRIOS PERICIAIS - JUSTIÇA GRATUITA. (CANCELADA) A Gratuidade Judiciária concedida à parte considerada pobre em sentido legal Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.673-676, jul./dez.2006

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não abrange os honorários periciais por ela eventualmente devidos. (Res. Adm. n. 96/2002/TRT 3ª R./STP, DJMG de 03, 04 e 05.07.2002) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 159/2002, 24.10.2002 - DJMG 01, 05 e 06.11.2002) 14 - PRESCRIÇÃO - INTERRUPÇÃO - AJUIZAMENTO ANTERIOR DE AÇÃO. A interrupção da prescrição pelo ajuizamento anterior de demanda trabalhista somente produz efeitos em relação às pretensões referentes aos direitos postulados naquela ação. (Res. Adm. n. 97/2002/TRT 3ª R./STP, DJMG de 03, 04 e 05.07.2002) 15 - EXECUÇÃO - DEPÓSITO EM DINHEIRO - ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS. A responsabilidade do executado pela correção monetária e juros de mora incidentes sobre o débito exeqüendo não cessa com o depósito em dinheiro para garantia da execução, mas sim com o seu efetivo pagamento. (Res. Adm. n. 137/2002/TRT 3ª R./STP, DJMG de 20, 21 e 24.09.2002) 16 - MULTA DE 40% DO FGTS - DIFERENÇA - PLANOS ECONÔMICOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS - RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. O empregador é responsável pelo pagamento da diferença da multa de 40% do FGTS decorrente da aplicação sobre o saldo da conta vinculada dos índices inflacionários expurgados pelos Planos Econômicos do Governo Federal e reconhecidos ao trabalhador após a rescisão contratual. (Res. Adm. n. 93/2003/TRT 3ª R./STP, DJMG de 04, 05 e 06.06.2003) 17 - MULTA DE 40% DO FGTS - DIFERENÇA - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS PLANOS ECONÔMICOS - PRESCRIÇÃO - PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. O prazo da prescrição para reclamar diferença da multa de 40% do FGTS, em decorrência dos expurgos inflacionários, conta-se do reconhecimento ao empregado do direito material pretendido (complementos de atualização monetária do FGTS), seja por decisão judicial transitada em julgado, seja pela edição da Lei Complementar n. 110/01. Irrelevante a data da rescisão contratual. (Res. Adm. n. 189/2003/TRT 3ª R./STP. DJMG de 30.09, 01 e 02.10.2003) 18 - TELEMAR NORTE LESTE S/A. - REDES DE TELEFONIA - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - LEI N. 7.369/85. O trabalho habitualmente desenvolvido em redes de telefonia não integrantes do sistema elétrico de potência, mas próximo a este, caracteriza-se como atividade em condições de periculosidade, nos termos do Decreto n. 93.412/86. (Res. Adm. n. 218/2003/TRT 3ª R./STP. DJMG de 05, 06 e 07.11.2003) 19 - EMPREGADO DOMÉSTICO - FÉRIAS PROPORCIONAIS - ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. As férias são um direito constitucional do empregado doméstico, sendo-lhe aplicáveis as disposições da CLT que prevêem o seu pagamento proporcional. (Res. Adm. n. 217/2003/TRT 3ª R./STP, DJMG de 05.11.2003, Rep. DJMG 06, 07 e 08.11.2003) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.673-676, jul./dez.2006

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20 - INTERVALO INTRAJORNADA - REDUÇÃO - NEGOCIAÇÃO COLETIVA VALIDADE. (CANCELADA) É válida a redução, mediante negociação coletiva, do intervalo mínimo para repouso e alimentação previsto no artigo 71, caput, da CLT. (Res. Adm. n. 249/2003/TRT 3ª R./STP, DJMG de 17, 18 e 19.12.2003) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 106/2004, 06.08.04 - DJMG de 11,13 e 14.08.2004) 21 - INTERVALO INTRAJORNADA - DURAÇÃO - HORAS EXTRAS. A duração do intervalo intrajornada para repouso e alimentação é determinada pela jornada legal ou contratual do empregado, independentemente da prestação de horas extras. (Res. Adm. n. 32/2004/TRT 3ª R./STP, DJMG de 02, 03 e 04.03.2004) 22- CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - EXECUÇÃO - COMPETÊNCIA VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO EM SENTENÇA OU ACORDO JUDICIAL. (CANCELADA) Reconhecido o vínculo de emprego em juízo, a competência da Justiça do Trabalho para executar a contribuição previdenciária abrange todo o período contratual objeto da decisão judicial, não se restringindo às parcelas salariais constantes da condenação ou acordo. (Res. Adm. n. 178/2004/TRT 3ª R./STP, DJMG de 16,17 e 18.12.2004) (Cancelada pela Res. Adm. TRT 3ª R. n. 162/2005, 09.12.2005 - DJMG de 15 e 16.12.2005) 23- CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - BASE DE CÁLCULO - ACORDO JUDICIAL FIRMADO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA - PROPORCIONALIDADE COM OS PEDIDOS INICIAIS. A fixação das parcelas integrantes do acordo judicial constitui objeto de negociação, em que as partes fazem concessões recíprocas para a solução do litígio. Inexigível, para fins de cálculo da contribuição previdenciária, a observância de proporcionalidade entre as verbas acordadas e as parcelas salariais e indenizatórias postuladas na inicial, sendo possível que apenas parte do pedido seja objeto da avença. (Res. Adm. n. 179/2004/TRT 3ª R./STP, DJMG de 16,17 e 18.12.2004) 24- CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS A TERCEIROS - EXECUÇÃO INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ART. 114 DA CR/1988. A Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições arrecadadas pelo INSS, para repasse a terceiros, decorrentes das sentenças que proferir, nos termos do art. 114 da Constituição da República. (Res. Adm. n. 180/2004/TRT 3ª R./STP, DJMG de 16,17 e 18.12.2004) 25 - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INCLUSÃO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL - REFIS - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. A comprovada inclusão do débito previdenciário exeqüendo no Programa de Recuperação Fiscal - Refis, instituído pela Lei 9.964/00, extingue a sua execução na Justiça do Trabalho. (Res. Adm. n. 110/2005/TRT 3ª R./STP, DJMG de 21,22 e 23.09.2005) Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.673-676, jul./dez.2006

ÍNDICE DE DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA

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DECISÕES DE 1ª INSTÂNCIA -

CONTRATO DE SAFRA - GREVE - JUSTA CAUSA Felipe Clímaco Heineck ................................................................................. 621

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DIREITO AUTORAL - DESENHOS E ILUSTRAÇÕES EM CARTÕES TELEFÔNICOS Érica Aparecida Pires Bessa .......................................................................... 629

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INTERVALO INTRAJORNADA - NÃO-CONCESSÃO - REDUÇÃO NORMA COLETIVA Tarcísio Corrêa de Brito ................................................................................. 644

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JORNALISTA - CATEGORIA PROFISSIONAL DIFERENCIADA ENQUADRAMENTO Laudenicy Moreira de Abreu .......................................................................... 658

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SERVIDOR PÚBLICO - AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO REINTEGRAÇÃO Newton Gomes Godinho ................................................................................ 663

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.679-679, jul./dez.2006

ÍNDICE DE JURISPRUDÊNCIA ACÓRDÃOS DO TRT DA 3ª REGIÃO EMENTÁRIO DO TRT DA 3ª REGIÃO

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ACÓRDÃOS -

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO LEGITIMIDADE DO MPT Márcio Flávio Salem Vidigal ........................................................................... 261

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITOS INDIVIDUAIS hom*oGÊNEOS LEGITIMIDADE DO MPT Denise Alves Horta ......................................................................................... 273

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - SOCIEDADE DE CONSUMO - DIREITOS METAINDIVIDUAIS - CONFLITO EM MASSA - LEGITIMIDADE DO MPT Luiz Otávio Linhares Renault ......................................................................... 285

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ACIDENTE DO TRABALHO - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CONTRATO NULO - ILÍCITO CIVIL - DANOS MORAIS Heriberto de Castro ........................................................................................ 292

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ACIDENTE DO TRABALHO - SEQÜÊNCIA DE CONTRATAÇÕES NO RAMO DE DERIVADOS DO PETRÓLEO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO Júlio Bernardo do Carmo ............................................................................... 295

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ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - HONORÁRIOS PERICIAIS - NÃO ABRANGÊNCIA Antônio Fernando Guimarães ........................................................................ 324

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CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - ENQUADRAMENTO - ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA Emília Facchini ............................................................................................... 332

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COOPERATIVA DE TRABALHO - RELAÇÃO DE EMPREGO Deoclecia Amorelli Dias ................................................................................. 345

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DANO MORAL COLETIVO - TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO Maria Lúcia Cardoso de Magalhães .............................................................. 364

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DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO - ACUSAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA IMPUTADA AO EMPREGADO - OMISSÃO DO EMPREGADOR Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto ............................................................. 369

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EXECUÇÃO FISCAL - FRAUDE - LIDE TRABALHISTA SIMULADA RESCISÃO DE ACORDOS hom*oLOGADOS EM DETRIMENTO DO FISCO José Miguel de Campos ................................................................................. 375 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.683-684, jul./dez.2006

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PRESCRIÇÃO - PRONÚNCIA DE OFÍCIO - INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Manuel Cândido Rodrigues ............................................................................ 381

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RECURSO ORDINÁRIO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO PROPOSTA DE EMPREGO NÃO HONRADA Ricardo Antônio Mohallem ............................................................................. 386

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.683-684, jul./dez.2006

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EMENTÁRIO ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO As ementas, no texto, obedecem à ordem alfabética dos títulos e subtítulos A AÇÃO - v. tb. DANO MORAL .............................................................................. 393 Anulatória ................................................................................................ 393 Auto de infração / Contratação de trabalhadores temporários / Fraude Débito fiscal / Regularidade da autuação Civil pública ............................................................................................ 394 Contratação ilícita / Prestação de serviços / Terceirização Legitimidade ativa do MPT / Direitos difusos e coletivos MPT / Atuação administrativa Declaratória ............................................................................................. 395 Natureza / Objetivo De cumprimento ..................................................................................... 395 Desistência / Ausência de vício de consentimento / Subsistência Desvirtuamento dos objetivos / Abuso do direito de ação / Litigância de má-fé Honorários advocatícios / Substituição processual Legitimidade ativa do sindicato / Substituição processual Natureza jurídica Taxa assistencial Monitória ................................................................................................. 399 Competência da Justiça do Trabalho / Natureza da relação Contribuição sindical / Prova Rescisória ............................................................................................... 401 Erro de fato Sentença normativa / Possibilidade Violação literal de lei ACIDENTE DO TRABALHO - v. tb. COISA JULGADA - COMPETÊNCIA DANO MORAL - VIGILANTE ............................................................................... 402 Acidente de trajeto / Indenização por danos / Responsabilidade Competência residual / Marco divisor Dano moral e material / Reparação Dano moral e material / Responsabilidade subjetiva Danos morais / Lucros cessantes / Reparação Durante a prestação de serviço / Trabalhador autônomo / Responsabilidade Estabilidade provisória / Extinção da atividade empresarial / Reintegração Estabilidade provisória / Extinção do estabelecimento Indenização / Acordo / Quitação pelo extinto contrato de trabalho Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Indenização por danos / Benefício previdenciário / Cumulação Indenização por danos morais e materiais / Prescrição aplicável Reparação civil e previdenciária / Cumulação / Possibilidade Responsabilização do empregador / Desvio de função ACORDO - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA .............................................................................................. 414 Atraso no pagamento da primeira parcela / Aplicação de multa Coisa julgada Multa / Prazo / Quitação Multa moratória / Obrigação de fazer Pagamento mensal de parcelas / Vencimento / Feriado / Prorrogação para o dia útil subseqüente Recusa de uma das partes / Impossibilidade de hom*ologação Coletivo ................................................................................................... 416 Majoração do adicional noturno e desconsideração da hora ficta ACÚMULO DE FUNÇÃO - v. tb. VENDEDOR .................................................... 417 Horas extras / Adicional de 50% / Impossibilidade ADICIONAL ......................................................................................................... 417 De insalubridade .................................................................................... 417 Agentes biológicos / Lida com gado sadio / Nãocaracterização Atividade de vaqueiro Base de cálculo Lixo urbano Salário profissional, convencioonal e base mensal De periculosidade .................................................................................. 419 Base de cálculo / Convenção coletiva / Validade Inflamáveis / Piloto de avião De risco ................................................................................................... 420 Cabimento De transferência ..................................................................................... 420 Liberalidade da empresa / Incorporação ao salário ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - v. tb. APOSENTADORIA - RESPONSABILIDADE ...... 420 Anistia / Readmissão / Ato discricionário Autarquia federal / Negociação coletiva / Impossibilidade Contratação sem concurso / Responsabilidade do prefeito municipal Contrato administrativo / Competência da Justiça do Trabalho Contrato administrativo nulo / Depósito do FGTS Empregado público readmitido / Lei de anistia / Nulidade da readmissão / Verbas trabalhistas devidas Princípio da legalidade / Cumprimento das normas municipais Reenquadramento em nova função / Concurso público / Aprovação / Expectativa de direito Terceirização / Princípio da isonomia ADVOGADO ........................................................................................................ 423 Capacidade processual Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Empregado / Sociedade de economia mista / Jornada de trabalho Responsabilidade civil perante seus constituintes / Ausência de interposição de recurso cabível / Indenização por danos morais e materiais Suspenso / Representação AGRAVO - v. tb. EMBARGOS - EXECUÇÃO ..................................................... 425 De instrumento ....................................................................................... 425 Agravo de petição / Erro de cálculo / Prova De petição ............................................................................................... 425 Ausência de pressupostos recursais Multa / Título executivo extrajudicial / Negociação coletiva Requisitos / Inexistência de garantia da execução Sentença de liqüidação / Irrecorribilidade Sigilo fiscal ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA .................................................................................. 427 Penhora Veículo apreendido pelo credor fiduciário / Impedimento judicial / Juízo trabalhista ALTERAÇÃO CONTRATUAL ............................................................................. 428 Plano de assistência médica / Aplicação aos contratos em vigor Plano de saúde / Direito adquirido APOSENTADORIA - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - PRESCRIÇÃO SEGURO DE VIDA .............................................................................................. 429 Alteração voluntária de plano / Efeitos Empregada da SUDECAP / Adicional de 40% sobre o saldo do FGTS Especial ................................................................................................... 429 Atraso no fornecimento de formulários pela empregadora / Indenização por danos morais Espontânea ............................................................................................. 430 Continuidade da prestação de serviços / Administração pública / Concurso / Desnecessidade Continuidade do contrato de trabalho Por invalidez ........................................................................................... 430 Suspensão do contrato / Efeitos ARREMATAÇÃO - v. tb. COMPETÊNCIA .......................................................... 431 Lanço vil / Não-configuração Pelo credor / Nulidade Pelo credor / Possibilidade Responsabilidade pelo pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel ARRESTO ........................................................................................................... 432 Preferência para recebimento do crédito ASSÉDIO ............................................................................................................. 432 Moral ........................................................................................................ 432 Configuração / Indenização Limitação do uso das instalações sanitárias / Dano / Indenização Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Sexual ...................................................................................................... 434 Dificuldade de comprovação / Indenização por danos morais ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ............................................................................... 434 Taxas e emolumentos cartoriais / Limites ASTREINTES ...................................................................................................... 435 Limitação de valor ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL ........................................................... 435 Alimentação e moradia fornecidas pelo clube / Natureza jurídica indenizatória Cláusula penal / Rescisão antecipada Concentração / Horas extras / Inexistência Contrato de cessão do direito de imagem / Fraude / Natureza salarial da parcela Direito de arena / Natureza jurídica ATO PROCESSUAL ............................................................................................ 436 Registro equivocado da data de realização da audiência / Sistema de informática AUDIÊNCIA INAUGURAL ................................................................................... 436 Audiência do reclamante / Arquivamento da ação / Declaração de pobreza AUTO DE INFRAÇÃO - v. tb. AÇÃO - FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO .......... 437 Desconstituição / Fato esporádico Lavrado em local diverso da inspeção / Motivo não-justificado Nulidade /Músico estrangeiro Presunção de legitimidade e veracidade Suposta irregularidade do empregador / Presunção de boa-fé AVISO PRÉVIO - v. tb. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ........................................................................ 438 Indenizado / Prescrição B BANCÁRIO - v. tb. FALÊNCIA - TERCEIRIZAÇÃO ............................................ 439 Abono / Assiduidade / Ausência consentida / Banco do Brasil Administradora de cartões de crédito / Enquadramento sindical Banco do Brasil / Plano de aposentadoria incentivado / Adesão Caracterização / Horas extras Cargo de confiança / Caracterização Cargo de confiança / Equiparação salarial Gratificação de função / Compensação Gratificação de função / Supressão Instituição financeira / Correspondente bancário / Grupo econômico / Equiparação Operador de telemarketing / Enquadramento sindical

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C CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO - v. tb. AGRAVO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - PRECLUSÃO ..................................................................... 442 Erro material / Inocorrência da preclusão FGTS / Reflexos sobre reflexos Impugnação / Petição apócrifa Impugnação / Prazo CARTA DE APRESENTAÇÃO ............................................................................ 443 Do empregado / Obrigatoriedade CARTÓRIO - v. tb. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ................................................. 443 Empregado de serventia / Vínculo de emprego / Competência da Justiça do Trabalho Escrevente / Competência material CITAÇÃO - v. tb. NULIDADE PROCESSUAL ..................................................... 444 Impessoal / Processo do Trabalho Nulidade sanável Pessoal / Execução COISA JULGADA - v. tb. ACORDO .................................................................... 445 Acordo judicial / Quitação ampla Extinto contrato de trabalho / Indenização decorrente de acidente do trabalho Rediscussão da matéria / Ato atentatório à dignidade da Justiça / Multa COLUSÃO ........................................................................................................... 446 Prova / Presunção / Método indutivo COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA .......................................................... 448 Intersindical / Custeio / Contribuição prevista em instrumento coletivo / Invalidade Quitação ampla e geral pelo extinto contrato de trabalho / Efeitos Submissão prévia do litígio / Acesso ao Poder Judiciário Termo de conciliação frustrada / Prova Transação extrajudicial / Efeitos COMPETÊNCIA - v. tb. AÇÃO - ACIDENTE DO TRABALHO ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - CARTÓRIO - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA HONORÁRIOS - EXECUÇÃO ............................................................................. 450 Em razão da matéria .............................................................................. 450 Acidente do trabalho / Danos morais e materiais / Indenização Adicional por tempo de serviço (qüinqüênio) / Município Arrematação / Imissão de posse do imóvel Ato administrativo / Nulidade Contrato de empreitada Contrato de fornecimento de material / Natureza civil Doença profissional / Ação de reparação de danos / Demanda paralela entre empregadora e seguradora Fase de pré-contratação Plano de saúde privado Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Em razão do lugar .................................................................................. 454 Conflito / Regras processuais aplicáveis Localidade da prestação de serviços COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA ................................................... 454 Alteração do regulamento Cálculo hom*ologado / Retificação Competência da Justiça do Trabalho / Prescrição Diferenças / Coisa julgada Superveniente ao acordo hom*ologado / Alcance / Coisa julgada CONEXÃO ........................................................................................................... 456 Modificação da competência / Inocorrência CONFISSÃO FICTA - v. tb. EMPREGADOR - PREPOSTO - PROVA ............... 457 Ausência injustificada / Atestado médico CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ..................................................... 457 Multa administrativa / Dívida ativa da União / AI CONTRATO DE ARRENDAMENTO ................................................................... 457 Índole fraudatória contra execução / Invalidade CONTRATO DE FRANQUIA ............................................................................... 458 Desvirtuamneto / responsabilidade solidária do franqueador Responsabilidade subsidiária / Analogia com a terceirização de serviços CONTRATO DE PARCERIA RURAL .................................................................. 459 Configuração CONTRATO DE TRABALHO - v. tb. AÇÃO - APOSENTADORIA COMPETÊNCIA - DANO MORAL - MANDADO DE SEGURANÇA PRESCRIÇÃO ..................................................................................................... 460 Atos que antecedem a contratação de empregado / Despesas / Responsabilidade De prestação de serviços / Transporte / Logomarca da empresa impressa no caminhão Empreitada / Montagem de casa pré-fabricada de madeira em kit / Autonomia Empreitada / Prescrição aplicável / Civil Empreitada / Resilição unilateral Estágio / Descaracterização Treinamento em alojamento da empresa / Relação de emprego De safra ................................................................................................... 462 Caracterização Por prazo determinado .......................................................................... 462 Encerramento / Parcelas rescisórias / Atraso no pagamento / Multa Por prazo indeterminado ....................................................................... 462 Princípio da continuidade da relação de emprego / Flexibilização CONTRIBUIÇÃO CONFEDERATIVA .................................................................. 463 Empregado não-sindicalizado / Autorização CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - v. tb. FALÊNCIA - TRABALHADOR RURAL ................................................................................................................. 463 Acordo hom*ologado / Agravo de petição Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Acordo hom*ologado sem reconhecimento de vínculo de emprego Acordo judicial / Inclusão de parcela não-postulada na petição inicial / Possibilidade Acordo posterior à sentença de mérito / Efeitos Adesão ao REFIS / Extinção por novação Atualização Ausência de recolhimento pelo empregador / Auxílio-doença indeferido / reintegração Aviso prévio indenizado / Não incidência Base de cálculo / Acordo em execução trabalhista Crédito de terceiro / Intangibilidade Devedor tributário / Indisponibilidade de bens Do empregado / Diferença Época própria para pagamento / Multa do art. 475 / Cabimento Execução / Expedição de ofício à Receita Federal Execução / Indisponibilidade de bens e direitos do executado Execução / Reconhecimento de relação de emprego / Incompetência absoluta Fato gerador FGTS mais 40% não depositado Incidência Incidência / Acordo Incidência / Acordo firmado na execução Não reconhecimento de vínculo empregatício / Trabalhador doméstico Opção pelo SIMPLES Parcelamento / Extinção da execução Parcelamento / Suspensão da execução Recolhimento / Decisão judicial / Constituição do devedor em mora / Juros e mora Remuneração quitada ao reclamante durante todo o período da prestação de serviços Responsabilidade de cada parte / Cotas respectivas Responsabilidade do tomador dos serviços Trabalho autônomo doméstico / Não incidência CONTRIBUIÇÃO SINDICAL ............................................................................... 473 Ação de cobrança / SINDECOFE e Conselho Regional de Contabilidade Cobrança / Privilégios da Fazenda Pública Cobrança / Representatividade da entidade sindical Constituição do devedor em mora / Desnecessidade Exigibilidade Natureza jurídica / Prescrição aplicável Patronal / Empresas optantes pelo SIMPLES / Dispensa de recolhimento Publicação de editais em jornais de grande circulação / Diário Oficial da União / Impossibilidade Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Registro / Legitimidade para recebimento Registro provisório Rural / Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil / Cobrança Titularidade do crédito / Nescessidade de registro junto ao Ministério do Trabalho COOPERATIVA - v. tb. PROFESSOR ................................................................. 477 Motoqueiros / Serviço de entrega / Relação de emprego com o tomador / Inexistência Vínculo de emprego D DANO MORAL - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - ESPÓLIO HONORÁRIOS - INDENIZAÇÃO - JUSTA CAUSA ............................................ 478 Ação criminal / Absolvição Ajuizamento de ação de consignação em pagamento / Não configuração Assalto / Morte de empregado / Responsabilidade da empresa Coletivo / Configuração / Ação civil pública Contrato de trabalho / Prescrição Dano à imagem / Informativo sindical / Livre manifestação do pensamento / Direito de resposta Dispensa imotivada de vários empregados / Suspeita / Atos de improbidade Indenização / Fotomontagem p*rnográfica Indenização / Prescrição aplicável Legitimidade passiva do alegado proprietário / Irregular constituição da empresa Rescisão do contrato de trabalho / Configuração Revista / Proteção à intimidade do empregado Seguros privados / Fixação do valor DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ........................................................................... 483 Irrecorribilidade DEFESA ............................................................................................................... 484 Oral e escrita / Momento processual DEPOSITÁRIO INFIEL - v. tb. HABEAS CORPUS ............................................ 484 Prisão civil / Descabimento quando negado o encargo DEPÓSITO RECURSAL - v. tb. RECURSO ....................................................... 484 Conselhos regionais / Não isenção Inexigência / Autos de infração / Lide entre empresa e União Federal Não isenção / Deserção Prévio / Liberação DESVIO DE FUNÇÃO ......................................................................................... 485 Agente de campo / Dedetizador DIGITADOR ......................................................................................................... 486 Call Center - Equiparação / Impossibilidade Intervalo intrajornada Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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DIRIGENTE SINDICAL ....................................................................................... 487 Inquérito para apuração de falta grave / Improcedência Liberação para exercício da função E EMBARGOS - v. tb. PENHORA .......................................................................... 488 À arrematação ........................................................................................ 488 Alegação de impenhorabilidade de bem / Inviabilidade / Preclusão À execução ............................................................................................. 488 Prazo Seguro / Indenização / Invalidez permanente De terceiro ............................................................................................... 489 Coisa julgada material / não configuração Coisa julgada X Eficácia reflexa / Cônjuge meeira Cônjuge meeiro Penhora no rosto dos autos do processo de inventário / Direito de representação Possibilidade de manejo de forma preventiva Prazo para oposição Princípio da fungibilidade União estável / Meação EMPREGADO DOMÉSTICO - v. tb. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA ....... 492 Gestante / Indenização correspondente ao salário-maternidade Prescrição qüinqüenal / Aplicação Recolhimento do FGTS / Faculdade do empregador Relação de emprego / Ônus da prova EMPREGADOR ................................................................................................... 493 Pessoa física / Justiça gratuita Pessoa física / Preposto / Regularidade da representação / Confissão ficta / Não reconhecimento Rural / Preposto / Condição de empregado / Desnecessidade ENGENHEIRO ..................................................................................................... 494 Salário profissional / VinculaçãoProcesso de seleção / Fase de treinamento / Vinculação ao edital ENTIDADE DESPORTIVA PROFISSIONAL ...................................................... 494 Presidente de clube / Sócio / Responsabilidade solidária EQUIPARAÇÃO SALARIAL - v. tb. BANCÁRIO ................................................ 495 Identidade de função X Identidade de tarefas Interrupção no contrato de trabalho / Afastamento por doença Vantagem obtida pelo paradigma mediante via judicial ESPÓLIO ............................................................................................................. 496 Dano moral / Legitimidade ad causam Irregularidade de representação / Retificação / Danos morais Legitimidade ad causam ESTABILIDADE - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - GESTANTE ................... 498 Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Decenal .................................................................................................... 498 Regime do FGTS para os empregados estáveis à época da promulgação da CRF/88 / Efeitos / Direito adquirido Provisória ................................................................................................ 498 CIPA / Renúncia / Possibilidade Conselheiro de cooperativa / Previsão legal Suplente do conselho fiscal do sindicato / Nulidade de dispensa injusta EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - v. tb. EXECUÇÃO .............................. 499 Cabimento Rejeição / Descisão interlocutória, não recorrível de imediato EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO JUIZ ............................................................... 500 Inimizade capital Interesse no julgamento da causa E X E C U Ç Ã O - v. t b . A G R AV O - C I TA Ç Ã O - C O N T R I B U I Ç Ã O PREVIDENCIÁRIA - FALÊNCIA - NULIDADE PROCESSUAL - PENHORA ...... 501 Adjudicação por 50% do preço da avaliação / Possibilidade Aplicação da lei de execução fiscal / Princípios gerais da execução de créditos privados Assunção da marca nde indústria e comércio / Responsabilidade pelo débito trabalhista Ausência de garantia / Embargos não conhecidos / Preclusão consumativa / Novos embargos / Impossibilidade Bem imóvel / Registro Bloqueio de crédito em conta corrente / devido processo legal / Requisitos Citação da empresa devedora na pessoa de não-sócio / Validade Concurso de penhoras / Crédito trabalhista X Dívida comum Confusão entre a pessoa do controlador e a do maior devedor da companhia / Responsabilidade pelo crédito trabalhista Credor hipotecário / Ausência de intimação da hasta pública / Nulidade não configurada Excesso / Respeito à coisa julgada Extinção / Cabimento Firma individual / Desconsideração da personalidade jurídica Insucesso da hasta pública / Bens da devedora principal / Execução contra a devedora subsidiária / Possibilidade / Justiça gratuita Medidas expropriatórias / Bens do cônjuge / Impossibilidade / Ausência de prova da relação conjugal com a executada Nulidade / Cessão de crédito à União Federal pela RFFSA / Subsistência da penhora Obstáculo à efetivação de provimentos judiciais / sanção processual Penhora no rosto dos autos / Embargos de terceiro / Competência Responsabilidade do devedor subsidiário Responsabilidade subsidiária / Benefício de ordem negado Sócio retirante / Responsabilidade Fiscal ....................................................................................................... 508 Dívida ativa / Prescrição / Prazo Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Envio de ofício à Receita Federal / Sigilo fiscal Execução de pré-executividade / Cabimento Multa administrativa / Cabimento Multa administrativa / Certidão de inscrição da dívida / Vício de constituição Multa administrativa / Descumprimento de legislação trabalhista / Cabimento Multa administrativa / Descumprimento de legislação trabalhista / Prescrição Multa administrativa / Falência Multa administrativa / Falta de recolhimento do FGTS Multa administrativa / Fixação do valor Multa administrativa / Parcelamento especial Prescrição / Marco inicial Renúncia tácita / Impossibilidade Responsabilização do sócio gerente / Pessoa jurídica de direito privado Título executivo extrajudicial / Prova da infração UFIR / SELIC Utilização do sistema BACEN JUD / Possibilidade Valor inferior a R$10,000,00 / Arquivamento Provisória ................................................................................................ 514 Penhora de direitos federativos / Ação cautelar inominada F FALÊNCIA ........................................................................................................... 515 Execução / Competência do juízo falimentar Execução / Contribuição previdenciária Execução / Responsável solidário Execução / Responsável subsidiário Execução / Sucessora Execução / Violação literal a texto de lei / Ação rescisória / Procedência Instituição bancária / Normas coletivas inerentes à categoria dos bancários / Inaplicabilidade Multa administrativa / Execução fiscal Multa administrativa / Execução / Impossibilidade Pagamento de custas FÉRIAS ................................................................................................................ 519 Férias-prêmio / Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas Prescrição FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................... 519 Auto de infração / Impugnação / Legitimidade, interesse processual e pedido juridicamente possível Auto de infração / Pressupostos da relação de emprego Labor em domingos e feriados / Multa administrativa / Redução Repetição da autuação / Bis in idem / afronta ao devido processo legal Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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FRAUDE DE EXECUÇÃO .................................................................................. 521 Cessão de crédito da RFFSA Transferência da propriedade de imóvel rural FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS - v. tb. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - APOSENTADORIA - CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - EMPREGADO DOMÉSTICO - ESTABILIDADE .......................................................................... 521 Expurgos inflacionários / Diferença da multa de 40% Expurgos inflacionários / Prescrição Juros / Imposto de renda / Não aplicabilidade Multa de 40% / Município / Cargo em comissão Prescrição trintenária G GARANTIA DE EMPREGO ................................................................................. 523 Empregado reabilitado / resilição contratual / Nulidade GESTANTE - v. tb. EMPREGADO DOMÉSTICO ............................................... 523 Estabilidade provisória / Comunicação ao empregador / Convenção coletiva Reintegração / Incabível / Incerteza sobre a data da confirmação do estado gravídico Rescisão indireta / Transferência de função / Descumprimento do contrato / Inocorrência GORJETAS ......................................................................................................... 524 Compulsória / Salário comissionado Integração / Estimativa GRATIFICAÇÃO .................................................................................................. 525 Liberalidade da empresa / Direito do autor Semestral / Pagamento mensal / Horas extras GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO - v. tb. BANCÁRIO .......................................... 525 Redução / Prescrição parcial GRUPO ECONÔMICO - v. tb. PREPOSTO ..................................................... 526 Caracterização Solidariedade / Execução H HABEAS CORPUS ............................................................................................. 526 Ameaça de prisão do deposiário infiel / Semoventes Depositário infiel / Deteriorização do bem penhorado / Mandado de prisão Ordem judicial restritiva de saída do país / Sócio estrangeiro HONORÁRIOS - v. tb. AÇÃO .............................................................................. 527 Advocatícios ........................................................................................... 527 Ação anulatória de débito fiscal Ausência de prova de contartação Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Competência da Justiça do Trabalho De êxito Em favor da União Federal / Decreto-lei n. 1025/69 Execução fiscal Indenização por danos materiais Profissional liberal / Relação de consumo Relaço de consumo Periciais ................................................................................................... 531 Adiantamento pela empresa / Justiça gratuita / Restituição pela União Arbitrados na fase de conhecimento / Coisa julgada / Justiça gratuita Justiça gratuita / Responsabilidade pelo pagamento Novo arbitramento / Execução Responsabilidade / Distanciamento dos cálculos / Impossibilidade Responsabilidade / Execução HORAS DE SOBREAVISO ................................................................................. 534 Uso do bip ou telefone celular HORAS EXTRAS - v. tb. ACÚMULO DE FUNÇÃO - ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL - BANCÁRIO - INTERVALO INTRAJORNADA - JORNADA DE TRABALHO - SALÁRIO - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO ..... 534 Alteração pelo empregador da jornada contratada / Invalidade Banco de horas / Acordo individual / Invalidade Base de cálculo / Integração de diferença salarial deferida em decisão superveniente Compensação / Norma coletiva / Interpretação Exibição de cartões de ponto / Impugnação / Descabimento Reflexos em repousos semanais remunerados / Nova repercussão em outras parcelas HORAS IN ITINERE ............................................................................................ 536 Incompatibilidade de horários Norma coletiva / Validade I IMPOSTO DE RENDA - v. tb. FGTS ................................................................... 537 Atualização do débito / Valor bruto Execução / Incompetência da Justiça do Trabalho Execução perante a Justiça do Trabalho / Incompetência Responsabilidade INDENIZAÇÃO - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - ADVOGADO APOSENTADORIA - ASSÉDIO - SEGURO DE VIDA ......................................... 538 Dano / Ausência de inscrição na RAIS Dano / Perda da qualidade de segurado do INSS / Prova INTERVALO INTRAJORNADA - v. tb. DIGITADOR - MOTORISTA TRABALHADOR RURAL ..................................................................................... 539 Catadores de laranja / Salário-produção Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Ferroviário / Maquinista / Horas extras / Cabimento Horas extras / Negociação coletiva Maquinista Não usufruído integralmente / Horas extras Soma das horas extras à jornada / Impossibilidade INVENÇÃO .......................................................................................................... 540 Invento produzido pelo empregado / Direito à indenização J JORNADA DE TRABALHO - v. tb. ADVOGADO - FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO .......................................................................................................... 541 Compensação / Horas extras Descanso semanal remunerado Funcionamento em domingos e feriados Hora noturna reduzida Minutos residuais / Tempo à disposição Operador de telecobranças / Jornada reduzida / Inaplicabilidade Prorrogação da jornada noturna / Jornada mista JORNALISTA ...................................................................................................... 543 Ausência de elementos configuradores da profissão JUROS DE MORA - v. tb. MULTA - PRECATÓRIO ............................................ 544 Fazenda Pública / Percentual de 6% Parcela vincenda / Agravo de petição JUSTA CAUSA - v. tb. MOTORISTA ................................................................... 544 Abandono de emprego / Configuração Ato de improbidade Dano moral Improbidade / Ônus da prova / Limite do poder disciplinar / Dispensa motivada Perdão tácito Uso de cigarro de maconha JUSTIÇA GRATUITA - v. tb. EMPREGADOR - HONORÁRIOS - SINDICATO ...... 547 Beneficiário / Jus postulandi / Garantia constitucional de acesso à Justiça Benefícios / Declaração na própria petição inicial Ofício ao cartório de registro de imóveis Pessoa jurídica L LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA ........................................................................... 548 Hora extra / Base de cálculo / Inclusão do adicional noturno / Legalidade LITISCONSÓRCIO .............................................................................................. 549 Plano de saúde / Inscrição de beneficiário Simples / Depósito recursal / Não aproveitamento Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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M MANDADO DE SEGURANÇA ............................................................................ 549 Coletivo / Contrato de safra / Cumulação da indenização prevista no art. 14 da Lei n. 5.889/73 com o FGTS MOTORISTA ........................................................................................................ 550 Faltas reiteradas / Dispensa por justa causa Transporte coletivo urbano / Intervalo para refeição / Fracionamento MULTA - v. tb. ACORDO ..................................................................................... 550 Diária / Aplicação Diária / Incidência de juros e correção monetária N NORMA COLETIVA - v. tb. HORAS EXTRAS - HORAS IN ITINERE INTERVALO INTRAJORNADA - JORNADA DE TRABALHO - PROFESSOR SEGURO DE VIDA .............................................................................................. 551 Convenção coletiva / Ampliação e melhoria da segurança do trabalho / Validade Negociação coletiva / Limites / Trabalho por até 12 dias sem descanso / Invalidade Observância / Empregado contratado na sede da empresa / Prestação de serviços em várias localidades Prorrogação de jornada / Validade Seguro de vida / Indenização NORMA LEGAL .................................................................................................. 552 Conflito de leis no tempo / Efeito imediato X Retroatividade NULIDADE PROCESSUAL ................................................................................ 553 Advocacia Geral da União / Intimação pessoal Citação / Execução Citação / Impessoalidade / Execução P PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS ............................................ 554 Tratamento discriminatório dos empregados PENHORA - v. tb. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - EMBARGOS - EXECUÇÃO ..... 554 Avaliação dos bens / Erro / Prova Bem de família / Imóvel destinado a uso residencial e comercial / Indivisibilidade Bem do sócio / Ausência de bens da empresa executada Bem imóvel / Direito de saisine Bens adquiridos na constância do casamento / Regime de comunhão de bens / Meação do cônjuge Bens de sócia que se retirou da sociedade após o ajuizamento da ação trabalhista / Possibilidade Bloqueio de conta bancária / Cheque especial Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Conta bancária conjunta / Bloqueio via BACEN JUD Cotas de sociedade por responsabilidade limitada / Legalidade Créditos em conta corrente Desconsideração da personalidade jurídica de sociedade anônima / Diretor técnico / Impossibilidade Em dinheiro / Sistema BACEN JUD Excesso Excesso / Impugnação à avaliação Faturamento bruto da executada / Execução definitiva / Legalidade Fração de imóvel indivisível Imóvel gravado com ônus real / Hipoteca Imóvel hipotecado / Direito de preferência Impugnação / Observância do qüinqüídio legal Inclusão do valor devido a título de imposto de renda Meação do cônjuge No rosto dos autos / Embargos de terceiro / Competência Parte do salário Pensão alimentícia / Impossibilidade Proventos da aposentadoria Reavaliação Subsistente / Imóvel / Contrato de compra e venda / Registro Substituição do bem / Necessária a correspondência de valores Usufruto / Locação de imóvel Usufruto / Locação de imóvel / Rescisão do contrato / Depositário do imóvel PETIÇÃO INICIAL ............................................................................................... 564 Reflexos não postulados / Pedido autônomo PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - PCS ........................................................ 564 Enquadramento funcional / Prescrição Enquadramento funcional / Reemquadramento PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO - PDV ......................................... 565 Compensação / Impossibilidade PRAZO - v. tb. EMBARGOS - RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ...... 565 Para apresentação do laudo / Assistente técnico Recursal / Não recebimento da notificação / Via postal / Ausência de prova Recursal / Prorrogação / Encerramento antecipado do expediente forense PRECATÓRIO ..................................................................................................... 566 Execução de pequeno valor / Competência para legislar Suplementar / Juros de mora / Indevidos PRECLUSÃO - v. tb. CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO - EMBARGOS - EXECUÇÃO ..... 566 Erro material / Impugnação à conta de liqüidação Não apresentação de cálculo pelo INSS PREPOSTO - v. tb. EMPREGADOR ................................................................... 567 Empregado de uma das reclamadas / Grupo econômico Não empregado / Depoimento de proprietário da reclamada / Revelia / Confissão ficta / Não configuração Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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PRESCRIÇÃO - v. tb. ACIDENTE DO TRABALHO - AVISO PRÉVIO COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - CONTRATO DE TRABALHO CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - DANO MORAL - EMPREGADO DOMÉSTICO EXECUÇÃO - FÉRIAS - FGTS - GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO TRABALHADOR RURAL ..................................................................................... 568 Anotação do exercício de atividade insalubre / Emissão de guia PPP Argüida na fase de execução / Coisa julgada Decretação de ofício / Inaplicabilidade ao Processo do Trabalho Direitos da personalidade Múltiplos contratos de trabalho Pequena empreitada / Pretensão de natureza civil Intercorrente ........................................................................................... 569 Cobrança de multa administrativa Decretação Inaplicabilidade na Justiça do Trabalho Qüinqüenal .............................................................................................. 570 Suspensão do contrato de trabalho / Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez Total ......................................................................................................... 570 Possibilidade de prorrogação Reenquadramento / Contrato de trabalho em vigor PREVENÇÃO ...................................................................................................... 571 Conflito de competência Repropositura de ação / Regra de competência absoluta PROCESSO DO TRABALHO ............................................................................. 571 Art. 940 do nCC / Inaplicabilidade na Justiça do Trabalho Extinção do processo sem resolução do mérito / Ausência de pressupostos Inspeção judicial / Meio de prova / Procedimento de ofício Intervenção de terceiros PROFESSOR ...................................................................................................... 572 Adicional extraclasse / Norma coletiva Carga horária / Redução salarial Curso normal superior à distância / Magistério Garantia de emprego / Norma coletiva Horas destinadas às reuniões Redução da carga horária / Norma coletiva Repouso semanal remunerado / Cálculo / Recibo complessivo SESI / Categoria econômica SESI / Cooperativas / Vínculo de emprego com o tomador / Responsabilidade solidária Valor do salário-aula-base / Convenção coletiva PROTOCOLO INTEGRADO ............................................................................... 576 Aferição da tempestividade / Data de postagem PROVA - v. tb. HORAS EXTRAS - RELAÇÃO DE EMPREGO .......................... 576 Confissão ficta X Real / Valoração Inversão do ônus / Hipossuficiência do trabalhador em dispor das provas Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Princípio do ônus da prova Produção / Livre convencimento motivado Valor do salário / Recebidos de pagamento / Outros meios de prova R RECURSO ........................................................................................................... 577 Administrativo ........................................................................................ 577 Exigência de depósito prévio do valor da multa Ordinário ................................................................................................. 578 Adesivo / Referência à margem das contra-razões / Fundamentos e pedido de reforma ausentes / Inaptidão Apresentação por fac-símile / Comprovação do pagamento de custas e depósito recursal Extinção do processo sem julgamento do mérito / Julgamento da lide pelo Tribunal Interposição por fac-símile ou e-mail / Prazo para apresentação dos originais Interposição por fac-símile / Qualidade e fidelidade do material trasmitido Prazo em dobro Remetido por e-mail após 18h / Protocolo do dia útil seguinte REINTEGRAÇÃO - v. tb. GESTANTE - RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO .......................................................................................................... 580 Obrigatoriedade / Empregado portador de AVC / Não recebimento do auxílio-doença RELAÇÃO DE EMPREGO - v. tb. CARTÓRIO - COOPERATIVA EMPREGADO DOMÉSTICO ............................................................................... 581 Auxiliar de pastor / Inexistência Chapa / Prestação de serviços Corretor de seguros Esposa de empregado rural Manicure / Salão de beleza Ônus da prova Pedreiro Representação comercial Rescisão indireta do contrato de trabalho / Cumulação dos pedidos / Compatibilidade Trabalho autônomo Transporte rodoviário em veículo próprio Veterinária / Atividade intermitente / Não eventualidade RELAÇÃO DE TRABALHO - v. tb. CONTRATO DE TRABALHO TERCEIRIZAÇÃO - TRABALHADOR RURAL .................................................... 585 Membro do Conselho Tutelar / ECA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - v. tb. GESTANTE - RELAÇÃO DE EMPREGO ..................................................................................................... 586 Acerto / Contagem / Prazo / Aviso prévio indenizado Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Acerto / Prazo legal / Ausência de assistência do órgão competente / Multa do § 8º do art. 477 Dispensa de deficiente físico / Nulidade / Reintegração EBCT / Despedida imotivada / Invalidade Empregado celetista de sociedade de economia mista / Dispensa imotivada / Pedido de reintegração Empregado com instrução primária / TRCT válido hom*ologação do TRCT / Eficácia liberatória Licitude da dispensa / Doença não relacionada ao trabalho / Impossibilidade de reintegração Indireta ..................................................................................................... 588 Alteração contratual sem consentimento do obreiro / Cabimento Falta grave Mora salarial reiterada / Descumprimento de obrigações contratuais RESPONSABILIDADE - v. tb. CONTRATO DE FRANQUIA - EXECUÇÃO FALÊNCIA - TERCEIRIZAÇÃO ........................................................................... 589 Do sócio / Fase de conhecimento Solidária .................................................................................................. 590 Sócio minoritário Subsidiária .............................................................................................. 590 Alcance Ente da Administração Pública Prefeito municipal / Terceiro reclamado / Dolo ou culpa Solidariedade entre as empresas coobrigadas / Benefício de ordem apenas em relação ao devedor Teoria da culpa in vigilando ou in eligendo REVELIA - v. tb. PREPOSTO .............................................................................. 592 Audiência inaugural / Presente apenas advogado munido de defesa / Efeitos S SALÁRIO - v. tb. ENGENHEIRO - GORJETAS - PROFESSOR ........................ 592 Anuênio e gratificação de função / Prescrição extintiva Condição / Prêmio Desconto / Assistência médica em convênio com a empregadora Irredutibilidade / Readaptação funcional Misto / Horas extras e respectivo adicional Pagamento / Prova / Recibo Reembolso dos valores descontados / Aluguel de palm-top Salário-hora / Possibilidade e restrições Tíquete-refeição / Custo compartilhado Utilização de motocicleta própria na execução do serviço / Locação / Desgaste Vale-janta / Habitualidade / Incorporação ao contrato / Alteração / Impossibilidade Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Valor da hora / Pagamento das horas efetivamente trabalhadas / Impossibilidade In natura .................................................................................................. 596 Ajuda de custo Natureza indenizatória prevista em CCT / Inscrição no PAT Plano de saúde / Alimentação / Vale-transporte SEGURO DE VIDA - v. tb. NORMA COLETIVA .................................................. 597 Aposentadoria por invalidez / Indenização substitutiva Indenização / Morte do empregado Seguro de automóvel / Natureza jurídica Seguro-saúde / Indenização substitutiva de prêmio SEGURO-DESEMPREGO .................................................................................. 599 Indenização / Confissão / Novo emprego SENTENÇA - v. tb. AÇÃO ................................................................................... 599 Inexeqüível / Ajuizamento de nova ação Julgamento ultra ou extra petita / Nulidade afastada / Possibilidade de adequação Nulidade / Argüição ex officio / Ausência de preenchimento dos requisitos legais Nulidade / Julgamento extra petita / Não caracterização Nulidade / Rejeição e posterior aclhimento de preliminar de carência de ação pelo mesmo juízo Omissão do julgado / Vício persistente após a anulação do ato / Reenvio dos autos à origem / Inviabilidade SERVIDOR PÚBLICO ......................................................................................... 601 Ausência de concurso público / Contrato nulo / Acordo judicial Ausência de concurso público / Contrato nulo / Prova / Ônus Contratação sem concurso público / Nulidade / FGTS Dispensa / Validade do concurso público discutida em juízo / Efeitos Municipal / Qüinqüênios Município / Contratação irregular / Relação de emprego Trabalho em regime 12 X 36 / Norma coletiva / Validade SINDICATO - v. tb. AÇÃO ................................................................................... 603 Justiça gratuita Princípio constitucional da base territorial / Inaplicabilidade de normas coletivas Princípio da liberdade / Deliberação assembleial / Taxa assistencial Representação / Base territorial Substituição processual / Direito individual / Prescrição Substituição processual / Direitos individuais hom*ogêneos Substituição processual / Legitimidade ativa ad causam Substituto processual / Ação coletiva / Demanda individual / Litispendência / Inocorrência Unicidade / Desmembramento de categorias agrupadas / Princípio da especialidade SUCESSÃO ......................................................................................................... 606 Arrendamento / Transferência da unidade econômico-jurídica e continuidade da prestação de serviços Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Inexistência Parcial / responsabilidade do sucessor Venda da marca T TERCEIRIZAÇÃO - v. tb. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - VIGILANTE ............... 607 Ilícita / Atividade-fim da tomadora de serviços / Relação de emprego Princípio da isonomia Responsabilidade subsidiária do ente da Administração Pública TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ..................................................... 609 Responsabilidade pelo descumprimento TESTEMUNHA .................................................................................................... 609 Oitiva como informante TRABALHADOR RURAL .................................................................................... 610 Intervalo intrajornada Moradia e energia elétrica / Não integração do salário Período anterior à assinatura da CTPS Prescrição Recolhimento previdenciário / Período anterior à edição da Lei n. 8.213/91 / Configuração TRANSAÇÃO ...................................................................................................... 612 Débito trabalhista / Impossibilidade TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO ............................................ 612 Pagamento da 7ª e 8ª horas como extra TUTELA ANTECIPADA ....................................................................................... 613 Concedida na sentença / Mandado de segurança Fungibilidade entre as medidas acautelatórias e antecipatórias / Cumulação de pedidos de natureza condenatória e cautelar / Possibilidade Pagamento de salários V VALE-TRANSPORTE .......................................................................................... 614 Base salarial para o desconto / Gratificação de função Indenização substitutiva / Desconto legal / Não autorização Natureza jurídica Requisitos indispensáveis à sua obtenção VENDEDOR ......................................................................................................... 616 Acúmulo de funções / Cobrança Vendas não concretizadas / Estorno de comissões / Possibilidade VIGILANTE .......................................................................................................... 616 Enquadramento sindical Morte a serviço / Acidente do trabalho / Responsabilidade objetiva do empregador Seguro de vida / Parâmetros da apólice / Dever patronal / Descumprimento / Reparação Vigilância / Impossibilidade de terceirização Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.44, n.74 p.685-705, jul./dez.2006

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Name: Kieth Sipes

Birthday: 2001-04-14

Address: Suite 492 62479 Champlin Loop, South Catrice, MS 57271

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Job: District Sales Analyst

Hobby: Digital arts, Dance, Ghost hunting, Worldbuilding, Kayaking, Table tennis, 3D printing

Introduction: My name is Kieth Sipes, I am a zany, rich, courageous, powerful, faithful, jolly, excited person who loves writing and wants to share my knowledge and understanding with you.